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Histórias e Políticas de Educação Infantil no Município ... - Faced.ufu

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HISTÓRIAS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE NOVO<br />

HAMBURGO AO LONGO DOS TEMPOS: ALINHAVOS EM PAPELÃO?<br />

RESUMO<br />

550<br />

Beatriz T. Daudt Fischer<br />

Universida<strong>de</strong> do Vale do Rio dos Si<strong>no</strong>s<br />

Chegamos ao século XXI pensando muito saber sobre os diversos modos <strong>de</strong> olhar, compreen<strong>de</strong>r<br />

e interferir nas políticas <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>. De fato, nunca se escreveu tanto acerca do mundo<br />

infantil e seus congêneres. Entretanto, não se po<strong>de</strong> esquecer: enquanto a infância é colocada em<br />

discurso, reconhecida e valorizada, constitui-se igualmente como instância <strong>de</strong> lutas, interesses e<br />

po<strong>de</strong>r. Em seu entor<strong>no</strong> circulam discursos e práticas configurando um <strong>de</strong>terminado jeito <strong>de</strong> ver e<br />

fazer a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>. Modos que vão edificando saberes legitimados, creditados como<br />

verda<strong>de</strong>iros, vindo a constituir-se <strong>no</strong> que po<strong>de</strong> ser dito e <strong>de</strong>ve ser feito com relação da<br />

escolarização da criança <strong>de</strong>sta faixa etária hoje. De on<strong>de</strong> emergiram? Que condições <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong> proporcionaram alguns empo<strong>de</strong>ramentos? Como foram se edificando<br />

<strong>de</strong>terminadas propostas em <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong>? Adotando estas e outras questões que se<br />

<strong>de</strong>sdobram, o presente projeto tem ouvindo sujeitos envolvidos, bem como investigado<br />

documentos indicadores <strong>de</strong> políticas ao longo <strong>de</strong> décadas. Nesta pesquisa, partindo <strong>de</strong> discursos<br />

que circulam <strong>no</strong> presente - em especial aqueles que propõem e conceituam <strong>de</strong>terminados modos<br />

<strong>de</strong> ver e fazer a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> - são <strong>de</strong>scritas trajetórias <strong>de</strong> sujeitos e instituições, bem como<br />

<strong>de</strong>cretos e diretrizes indicando ações que operaram tanto na instância pública como privada. Em<br />

resumo, histórias e políticas <strong>de</strong> atenção à infância em Novo Hamburgo, município brasileiro da<br />

área metropolitana <strong>de</strong> Porto Alegre. Busca-se, assim, evi<strong>de</strong>nciar <strong>de</strong> que modo, e em diferentes<br />

momentos, tais práticas objetivaram <strong>de</strong>terminadas formas <strong>de</strong> enunciar e/ou executar<br />

<strong>de</strong>terminados encaminhamentos, alguns incorporados ainda hoje. Tal município foi escolhido<br />

por incorporar tipicamente as características <strong>de</strong> uma região industrial que prosperou seguindo o<br />

mo<strong>de</strong>lo capitalista <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, evi<strong>de</strong>nciando aos poucos contrastes gritantes entre as<br />

camadas sociais. Segundo se sabe, esta cida<strong>de</strong> caracterizou-se sempre por práticas que<br />

evitassem o conflito, buscando a harmonia entre capital e trabalho. Conforme se verificou em<br />

dados pesquisados, a maioria dos movimentos reivindicatórios – em especial os <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados<br />

pelos operários da indústria local – foram abafados, quer seja pela forma assistencialista com<br />

que empresários lidavam com seus empregados, quer seja pela influência da Igreja Católica ou<br />

ainda pela propaganda anticomunista, estimulada pela imprensa local e a <strong>de</strong> Porto Alegre. Ao<br />

mesmo tempo, talvez por <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> colonização germânica, a comunida<strong>de</strong> sempre esteve atenta<br />

por soluções às questões educacionais. Em termos teórico-metodológicos, pelos <strong>de</strong>safios que as<br />

idéias <strong>de</strong> Foucault provocam e, muito especialmente, por sua concepção acerca da produção <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>s que merecem ser problematizadas, reafirma-se a opção por este autor. Assim, a partir<br />

<strong>de</strong> fontes orais, escritas e ico<strong>no</strong>gráficas, articulam-se práticas discursivas e não-discursivas,<br />

mediadas por diferentes instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que ajudaram a constituir modos <strong>de</strong> propor a<br />

<strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> na referida localida<strong>de</strong>. Como recorte temporal, um estudo exploratório<br />

permitiu <strong>de</strong>finir a década <strong>de</strong> 30 do século XX como primórdios <strong>de</strong> atenção institucionalizada a<br />

crianças <strong>de</strong> zero a seis a<strong>no</strong>s. Portanto, parte-se daquela década até os dias atuais. Além <strong>de</strong> dois<br />

jornais, constituem fontes <strong>de</strong> investigação as diretrizes da secretaria municipal <strong>de</strong> educação,<br />

portarias e/ou resoluções advindas do Ministério da Saú<strong>de</strong> e Assistência Social, bem como<br />

<strong>de</strong>mais orientações <strong>de</strong>rivadas das secretarias <strong>de</strong> estado e registros disponibilizados por<br />

instituições da re<strong>de</strong> privada. Como fontes orais, há <strong>de</strong>poimentos colhidos <strong>de</strong> ex-professoras, que<br />

atuaram nas décadas <strong>de</strong> 40 e 50 do século passado. O projeto encontra-se em sua primeira etapa,<br />

mas já é possível indicar alguns resultados, operando-se triangulamentos entre memórias <strong>de</strong><br />

sujeitos envolvidos (ex-professoras e ex-alu<strong>no</strong>s), fotografias e <strong>no</strong>tícias em periódicos. Cada<br />

história tem remetido a enunciados os quais sugerem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas práticas.<br />

No conjunto po<strong>de</strong>m ser visualizados alguns fatos coinci<strong>de</strong>ntes, algumas práticas que se<br />

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551<br />

assemelham, permitindo esboçar peque<strong>no</strong>s universos discursivos. Tais recorrências são<br />

problematizadas, esboçando-se re<strong>de</strong>s articuladas entre si e entre instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r envolvidas.<br />

Mas, por qual razão o título da pesquisa incorporada a expressão “alinhavos <strong>de</strong> papelão”?<br />

Explica-se: <strong>no</strong> início do século XX, ainda como orientação advinda <strong>de</strong> Froebel para os<br />

kin<strong>de</strong>rgarten, alinhavos em papelão consistia numa prática pedagógica relacionada aos dons e<br />

era diariamente <strong>de</strong>senvolvida. Em pedaços <strong>de</strong> cartolina estavam pontilhados <strong>de</strong>senhos que as<br />

crianças <strong>de</strong>veriam seguir com linhas ou fitas, formando figuras. Hoje sites na internet ven<strong>de</strong>m a<br />

idéia, mas <strong>no</strong> lugar <strong>de</strong> papelão anunciam suporte <strong>de</strong> plástico, em lugar da linha <strong>de</strong> algodão,<br />

cordas <strong>de</strong> poliéster. Decidiu-se fazer com esta marca do passado, tão grata a ex-professoras e<br />

ex-alu<strong>no</strong>s em seus <strong>de</strong>poimentos, um exercício metafórico: até que ponto se po<strong>de</strong> livremente<br />

associar o objetivo, a técnica, o artefato, o envolvimento e o produto final daquela ativida<strong>de</strong><br />

com a própria história da <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> <strong>no</strong> município <strong>de</strong> Novo Hamburgo: a história e as<br />

histórias, a política e as políticas que estamos problematizando, po<strong>de</strong>rão se configurar como o<br />

que ocorreu com os “alinhavos em papelão”?<br />

TRABALHO COMPLETO<br />

Criança, enquanto sujeito <strong>de</strong> direitos, é discurso recente na história <strong>de</strong> <strong>no</strong>sso país.<br />

Embora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre tem se ouvido falar em atendimento à infância, ou ao que se costuma<br />

<strong>de</strong><strong>no</strong>minar “atenção ao pré-escolar”, é somente a partir da constituição <strong>de</strong> 1988 que tais<br />

<strong>de</strong>finições passam a edificar-se como políticas públicas mais efetivas, passíveis <strong>de</strong> controle pela<br />

socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> fiscalização permanente pelo estado (Kramer, 1992). É também a partir da<br />

década <strong>de</strong> 80, e ao longo dos a<strong>no</strong>s seguintes, que com mais intensida<strong>de</strong> surge <strong>no</strong> Brasil estudos<br />

e pesquisas tendo a infância como categoria <strong>de</strong> análise, não só ampliando o leque <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s investigativas, como promovendo o estatuto teórico metodológico em tor<strong>no</strong> do<br />

tema (Rocha, 1999). Des<strong>de</strong> então, estudos incorporando questões correlatas à criança <strong>de</strong> zero a<br />

seis a<strong>no</strong>s vêm contribuindo para uma produção consi<strong>de</strong>rável da área, indo além do que concerne<br />

a aspectos psico-pedagógicos (estes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre mereceram atenção), e centrando-se<br />

principalmente <strong>no</strong> que diz respeito a políticas púbicas, seja na re<strong>de</strong> estatal ou privada.<br />

De um modo geral, ao longo dos tempos, a infância pobre foi vista como ameaçadora<br />

para o futuro da or<strong>de</strong>m social. (Alvin, 1988 e Rizzini, 1989 e 1991); <strong>de</strong>sta forma, em termos <strong>de</strong><br />

investigação histórica, as produções têm também se vinculado a estudos sobre crianças em<br />

situação <strong>de</strong> risco. (Quinteiro, 2002). Ou conforme Kuhlmann, (1988 p. 16) em relação a esta<br />

temática “a história da assistência, ao lado da história da família e da educação têm se<br />

constituído como principais vertentes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> enfoque e método”. Não é <strong>de</strong>ssa<br />

perspectiva, entretanto, que aqui se propõe o presente projeto, mas muito mais <strong>no</strong> sentido que<br />

alguns outros estudos sobre a história da infância têm recentemente apontado. Produções como<br />

as <strong>de</strong> ARIÉS (1978), GÉLIS (1991), Naradowski (2001); ou mesmo sobre a história a história<br />

da infância <strong>no</strong> Brasil, analisada por Freitas (2001), Del Priore (1992), Kuhlmann Jr. (2000),<br />

Gondra (2002), Guirar<strong>de</strong>lli Jr. (1997), entre outros, vem alertar para outras dimensões <strong>de</strong><br />

pesquisa. Inspiradas nestes estudos, a perspectiva que aqui se assume é a <strong>de</strong> encarar a <strong>Educação</strong><br />

<strong>Infantil</strong> como produzida por discursos e práticas. Assim, esta proposta não preten<strong>de</strong> seguir um<br />

percurso investigativo visando a infância em si como objeto <strong>de</strong> análise. O que se preten<strong>de</strong> é<br />

investigar a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>, em seus discursos e práticas ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado tempo e<br />

espaço, relacionando políticas e intervenções operacionais atravessadas por re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, em<br />

instâncias escolarizadas ou não.<br />

Pesquisar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conexões aí imbricadas exige do investigador a compreensão dos<br />

elementos constitutivos da história da educação (Quinteiro, op cit, p. 38). Para tal, a busca <strong>de</strong><br />

acervos, <strong>de</strong> fontes escritas, orais e ico<strong>no</strong>gráficas constitui-se tarefa imprescindível. A pesquisa<br />

visa ocupar-se <strong>de</strong> práticas envolvendo micro acontecimentos, alguns anônimos e outros que por<br />

ventura têm merecido maior atenção. O importante é que a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>, ao longo do<br />

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século XX e início do XXI, <strong>no</strong> município que se preten<strong>de</strong> investigar, certamente tem sido<br />

encarada não como objeto natural, ali <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre processada, mas como uma construção<br />

social, um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> colocar-se na comunida<strong>de</strong>, modo esse que foi se instituindo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminada forma e por múltiplas contingências ao longo dos a<strong>no</strong>s e que <strong>de</strong>manda melhor<br />

enten<strong>de</strong>r.<br />

Assumindo a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> como objeto <strong>de</strong> investigação, adota-se uma perspectiva<br />

centrada nas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r imbricadas nas práticas (Foucault (1987; 1995) em tor<strong>no</strong> do<br />

atendimento à criança. Partindo <strong>de</strong> discursos que circulam <strong>no</strong> presente - em especial aqueles que<br />

propõem e conceituam <strong>de</strong>terminados modos <strong>de</strong> “ver, dizer e fazer” a <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> – a<br />

investigação tem buscado reconstituir trajetórias <strong>de</strong> sujeitos e instituições que operaram em<br />

diferentes instâncias. Com tais dados preten<strong>de</strong>-se verificar <strong>de</strong> que modo, e em diferentes<br />

momentos da história, tais práticas objetivaram <strong>de</strong>terminadas formas <strong>de</strong> enunciar e/ou executar<br />

<strong>de</strong>terminadas políticas. Assume-se que algumas se instalam ao longo do tempo, a partir <strong>de</strong><br />

tramas complexas, e <strong>de</strong> diferentes interesses em luta. Sob este referencial torna-se igualmente<br />

crucial <strong>de</strong>tectar dimensões da materialida<strong>de</strong>, que é on<strong>de</strong> as práticas se atualizam. Portanto,<br />

interessa também a disposição dos espaços, os impressos e manuscritos, os artefatos culturais.<br />

Na mesma intensida<strong>de</strong> constituem objeto <strong>de</strong> estudo as fontes orais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da posição que<br />

ocuparam como sujeitos <strong>de</strong> discursos (Fischer, 1997).<br />

Chegamos ao século XXI ouvindo sobre os diversos modos <strong>de</strong> olhar, compreen<strong>de</strong>r e<br />

interferir na <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>, modos que afetam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> profissionais,<br />

passando por estratégias <strong>de</strong> atendimento e <strong>de</strong>mais implicações metodológicas, chegando a<br />

formatos avaliativos, análise <strong>de</strong> artefatos culturais inerentes ao cotidia<strong>no</strong>, ou até mesmo a<br />

indicadores arquitetônicos para edificações <strong>de</strong> prédios e praças <strong>de</strong>stinados aos peque<strong>no</strong>s. De<br />

fato, a grosso modo, se po<strong>de</strong> afirmar que nunca se escreveu tanto acerca do mundo infantil e<br />

seus congêneres. O que não se po<strong>de</strong> esquecer, porém é que enquanto a infância é reconhecida e<br />

valorizada, “não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser olhada como uma primeira fase <strong>de</strong> uma estratégia educativa”<br />

(Ferreira, 2002 P. 192). É provável que em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong>ssas inúmeras estratégias se configurem<br />

<strong>de</strong>terminados modos que vão edificando “esferas específicas <strong>de</strong> conhecimento e atuação, que<br />

vão sendo praticados, legitimados, acreditados como válidos e verda<strong>de</strong>iros. On<strong>de</strong> se ancoram?<br />

De on<strong>de</strong> emergiram? Como se formaram? E como tem repercutido? (Smolka, 2002, p. 100).<br />

Adotando estas e outras questões que se <strong>de</strong>sdobram, a investigação preten<strong>de</strong> ir além do resgate<br />

<strong>de</strong> outros tempos, quem sabe indo até dinâmicas possíveis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>socultadas <strong>no</strong>s discursos<br />

(Sarmento, 1997).<br />

Por trás das histórias <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas das administrações ou <strong>de</strong> acontecimentos mais<br />

propagados, <strong>de</strong>senham-se histórias quase imóveis ao olhar, encontrando-se aí a histórias <strong>de</strong><br />

sujeitos e <strong>de</strong> instituições. Cada uma remete a enunciados os quais sugerem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminadas práticas. Portanto, não se trata simplesmente <strong>de</strong> uma interpretação diferente.<br />

Trata-se <strong>de</strong> alterar radicalmente a forma <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r os documentos, concebendo-os enquanto<br />

discursos, enquanto modos <strong>de</strong> instituir regimes <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Ou seja, aceitar que com palavras se<br />

faz e enten<strong>de</strong>r que os <strong>de</strong>poimentos produzem uma história e não “a história” única, que ali<br />

aconteceu (Fischer, 2005). Mas, para isso há que se admitir que os sujeitos não <strong>no</strong>s remetem a<br />

uma essência e, sim, a uma posição, que po<strong>de</strong> ser ocupada por indivíduos variados. Vê-se, pois,<br />

que se está falando em análise que vai além do <strong>de</strong>scentramento do sujeito, para preocupar-se<br />

com as condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas práticas: discurso <strong>de</strong> um sujeito singular, ou<br />

o texto em periódicos locais, po<strong>de</strong>m ser captados como discursos que envolvem instâncias<br />

verbalizantes diversas (Fischer, 2004). Esta investigação não <strong>de</strong>stacará a biografia <strong>de</strong> uma<br />

professora, por exemplo, mas as várias histórias e <strong>de</strong>mais dados entrelaçados, i<strong>de</strong>ntificando-os<br />

como constitutivos do contexto que se preten<strong>de</strong> melhor conhecer.<br />

Quanto ao campo empírico, elege-se Novo Hamburgo - município originalmente <strong>de</strong><br />

imigração alemã, situado <strong>no</strong> Vale do Rio dos Si<strong>no</strong>s, região metropolitana <strong>de</strong> Porto Alegre/RS -<br />

fundamentalmente <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ser este um município que incorpora as características <strong>de</strong><br />

uma região industrial que cresceu seguindo o mo<strong>de</strong>lo capitalista <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

evi<strong>de</strong>nciando aos poucos contrastes gritantes entre as camadas sociais. Segundo Saul (1988),<br />

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553<br />

esta cida<strong>de</strong>, como as <strong>de</strong>mais do Vale dos Si<strong>no</strong>s, caracterizou-se sempre por práticas que<br />

evitassem o conflito, buscando a harmonia entre capital e trabalho 1 . Consi<strong>de</strong>rando que o<br />

atendimento à criança <strong>de</strong> zero a seis a<strong>no</strong>s esteve diretamente relacionado à mãe operária por<br />

<strong>de</strong>terminado período do século XX, interessa à pesquisa verificar esta questão com acuida<strong>de</strong>.<br />

Sabe-se também que o referido município, talvez por <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> colonização germânica,<br />

constituiu-se numa comunida<strong>de</strong> sempre atenta a buscar soluções e alternativas para as questões<br />

educacionais. Neste projeto <strong>de</strong> pesquisa interessa investigar estas e outras relações em vista das<br />

respectivas propostas <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> que se <strong>de</strong>stinaram a aten<strong>de</strong>r crianças pertencentes a<br />

famílias <strong>de</strong> baixa renda, em especial filhos <strong>de</strong> operárias da indústria local.<br />

Com relação ao recorte temporal, <strong>de</strong>limitou-se o século XX, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a data possível<br />

(sobre a temática não se conseguiu dados anteriores à década <strong>de</strong> 30) aos dias <strong>de</strong> hoje, com<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir a se elaborar um diagnóstico do tempo presente, <strong>no</strong> que concerne ao<br />

dizer/fazer <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> <strong>no</strong> referido município. Ali, assim como <strong>no</strong>s <strong>de</strong>mais cantos do país,<br />

somente a partir <strong>de</strong> 1988 a constituição reconhece o acesso à educação em creche e pré-escolas<br />

como um direito das crianças. Ou seja, é <strong>de</strong>ver do estado efetivar a garantia do “atendimento em<br />

creche e pré-escola às crianças <strong>de</strong> zero a seis a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.” (Cap. III, Art. 28,inciso IV).<br />

Reconhece-se então que creche e pré-escola integram o sistema educacional, junto aos <strong>de</strong>mais<br />

níveis <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> e, embora não em caráter obrigatório, “a constituição consagra, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da lei,<br />

o que os movimentos sociais já vinham reivindicando naquela década” (Campos et alii, 1992, p.<br />

16). Em tempos anteriores, como se sabe, em tor<strong>no</strong> da legislação <strong>de</strong> educação e ensi<strong>no</strong>, as duas<br />

Leis (1961 e 1972) não referiram especificamente a questão, sendo que “refletindo o momento<br />

em que foi promulgada, a Lei 5693/71 praticamente ig<strong>no</strong>rou a educação da criança préescolar.”(I<strong>de</strong>m,<br />

p. 44). E em tempos ainda anteriores a estes, a problemática relacionada a<br />

criança <strong>de</strong>sta faixa etária alocava-se em políticas <strong>de</strong> diferentes ministérios, em nível fe<strong>de</strong>ral, o<br />

que, por sua vez, implicava <strong>de</strong>sdobramentos os mais variados em nível estadual e municipal.<br />

Desta forma, até 1988, embora instâncias do sistema <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> articulassem alguns<br />

procedimentos na área do pré-escolar (escolas estaduais, municipais e particulares criaram<br />

classes <strong>de</strong> “jardim e pré”), as políticas efetivas <strong>de</strong> atendimento a criança <strong>de</strong> zero a seis estiveram<br />

geralmente associadas a práticas <strong>de</strong> assistencialismo. Como se sabe, cinco ministérios davam<br />

conta, <strong>de</strong> uma forma ou outra, aos encaminhamentos operacionais: Ministério do Interior, da<br />

Justiça, do Trabalho, da Saú<strong>de</strong>, além do ministério da <strong>Educação</strong>, processaram programas e<br />

convênios, administraram verbas e interesses político partidários em <strong>no</strong>me do atendimento à<br />

criança. Ou como tão apropriadamente afirma Farias (1995): “gran<strong>de</strong>s políticas para os<br />

peque<strong>no</strong>s”. Como <strong>de</strong>corrência, em Novo Hamburgo certamente, como nas <strong>de</strong>mais regiões do<br />

país, tais políticas concretizaram-se em instâncias <strong>de</strong> ações diversificadas, fazendo aflorar lutas<br />

permanentes em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que tinham “o bem-estar da criança” como enunciado<br />

eficaz, sustentando práticas ao longo <strong>de</strong> décadas.<br />

Siglas como LBA (Legião Brasileira <strong>de</strong> Assistência), como FUNABEM (Fundação<br />

Nacional do Bem-Estar do Me<strong>no</strong>r) ou como SEAC (Secretaria Especial <strong>de</strong> Ação Comunitária)<br />

são consi<strong>de</strong>ravelmente conhecidas entre a população. O que se <strong>de</strong>sconhece em parte é que tais<br />

órgãos, criados em momentos diversos, viveram trajetórias político-administrativas próprias e<br />

atribuíram priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual, tanto <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> metas quanto <strong>de</strong> abrangência territorial.<br />

Conforme Campos et alii (1992, p. 30), todos estiveram relacionados a momentos políticos<br />

específicos, com marcas maiores ou me<strong>no</strong>res <strong>de</strong> assistencialismo em suas práticas. Cabe<br />

verificar como estas e outras implicações repercutiram <strong>no</strong> município <strong>de</strong> Novo Hamburgo, tanto<br />

na dimensão dos discursos, como na dimensão <strong>de</strong> práticas não discursivas, ou seja, <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> dos<br />

1 Conforme Saul (1988), a maioria dos movimentos reivindicatórios – em especial os <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados<br />

pelos operários da indústria calçadista – foram abafados, quer seja pela forma assistencialista com que<br />

empresários lidavam com seus empregados, quer seja pela influência da Igreja Católica ou ainda pela<br />

propaganda anti-comunista, estimulada pela imprensa local e a <strong>de</strong> Porto Alegre.<br />

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ituais institucionais, da distribuição <strong>de</strong> espaços e sujeitos, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> posições e lutas<br />

microscópicas.<br />

554<br />

No processo <strong>de</strong> pesquisa até agora <strong>de</strong>senvolvido, quanto à instância pública, dois<br />

campos empíricos distintos merecem atenção. Um relacionado ao sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mais<br />

precisamente vinculado ao Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, situados <strong>no</strong> centro da cida<strong>de</strong>. Nele estão vinculados<br />

programas <strong>de</strong> higienização e <strong>de</strong> atendimento a mães e crianças <strong>de</strong> zero a três a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

década <strong>de</strong> quarenta do século XX. Ainda não se conseguiu consulta ao acervo, e há também <strong>de</strong><br />

investigar fontes orais que atuaram em diferentes etapas <strong>de</strong> tais programas (higienistas<br />

sanitárias, por exemplo). Também se sabe que é preciso buscar dados junto à Secretaria <strong>de</strong> Ação<br />

Social, uma vez que tradicionalmente a política <strong>de</strong> creches esteve sempre vinculada a este setor,<br />

inclusive <strong>no</strong> que se refere aos convênios mediados pela Legião Brasileira <strong>de</strong> Assistência - LBA,<br />

<strong>de</strong> 1942 até o primeiro gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso, quando foi extinta.<br />

O fato <strong>de</strong>, em termos públicos, o atendimento à infância ter sido <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

diversa faz com que a presente investigação tenha encontrado dificulda<strong>de</strong>s para localizar<br />

<strong>de</strong>terminadas fontes documentais. As informações até agora coletadas permitem saber, por<br />

exemplo, que nesta comunida<strong>de</strong> por algum tempo (entre as décadas <strong>de</strong> 50 e 80<br />

aproximadamente) a atenção à criança, na fase da primeira infância, foi <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> da<br />

Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Assistência Social, com algumas articulações envolvendo a já<br />

referida LBA. A busca por dados, entretanto, <strong>de</strong>parou-se concretamente com porão escuro e<br />

inúmeros documentos empilhados (e empoeirados) aguardando não só autorização para serem<br />

consultados como, inclusive, condições <strong>de</strong> pesquisa. Este é um dos <strong>de</strong>safios que <strong>de</strong>ve ser<br />

enfrentado a seguir, <strong>no</strong> <strong>de</strong>sdobramento do trabalho.<br />

O outro campo empírico refere-se às escolas públicas. Na década <strong>de</strong> 30 do século<br />

passado, instala-se o primeiro Grupo Escolar da cida<strong>de</strong>. Há referência <strong>no</strong> periódico pioneiro do<br />

município, jornal <strong>de</strong><strong>no</strong>minado O 5 <strong>de</strong> abril, permitindo saber que foi neste estabelecimento que<br />

se instituiu, na re<strong>de</strong> pública, a primeira classe <strong>de</strong> atendimento à criança me<strong>no</strong>r <strong>de</strong> sete a<strong>no</strong>s,<br />

quando a legislação atribuía escolarida<strong>de</strong> obrigatória somente a partir <strong>de</strong>sta ida<strong>de</strong>. Embora sobre<br />

esta escola encontraram-se <strong>no</strong> jornal <strong>no</strong>tícias datadas <strong>de</strong> 1930 2 , aqui <strong>de</strong>stacaremos a informação<br />

mais antiga que se conseguiu localizar referente ao tema que interessa aos propósitos <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa. Vale frisar que a <strong>de</strong>scrição evi<strong>de</strong>ncia o contexto que então vivia o país, quando<br />

crianças <strong>de</strong> tenra ida<strong>de</strong> cantam o Hi<strong>no</strong> Nacional em plena festinha <strong>de</strong> Páscoa:<br />

O jardim <strong>de</strong> infância recentemente instalado, anexo ao grupo escolar D. Pedro<br />

II, conta já com avultada matricula <strong>de</strong> petizada. Os garotos ali vão fazer os<br />

primeiros ensaios para sua formatura moral e intelectual. O grupo sob a<br />

inteligente direção da professora D. Carolina Carvalho, promoveu às 9h <strong>de</strong><br />

quarta feira última a Festa <strong>de</strong> Páscoa, <strong>no</strong> jardim <strong>de</strong> infância para <strong>de</strong>leitar os<br />

pequeni<strong>no</strong>s. A interessante festa foi assistida pela Delegada Regional <strong>de</strong> Ensi<strong>no</strong>,<br />

senhorinha Nair Maria Becker, professora e alu<strong>no</strong>s do Grupo Escolar,<br />

obe<strong>de</strong>cendo a seguinte or<strong>de</strong>m: Hi<strong>no</strong> Nacional pelos peque<strong>no</strong>s; Distribuição <strong>de</strong><br />

chocolates e balas com pequenas lembranças (segue o restante da programação).<br />

Em <strong>no</strong>me do corpo docente do grupo, a professora Srta. Diamantina Pirillo, fez<br />

calorosa saudação <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento à <strong>de</strong>legada D. Nair, pelo seu amparo moral<br />

e material para a instituição do jardim, sendo-lhe oferecido, pela menina Celi<br />

Kuechler. Em retribuição, obsequiou os pequeni<strong>no</strong>s e também os grandinhos<br />

com saboroso bolo. A parte final do programa constou do canto do Hi<strong>no</strong><br />

Nacional pelos presentes... ” (Jornal O 5 <strong>de</strong> Abril, 05/04/1942, p.2, não grifado<br />

<strong>no</strong> original).<br />

2 Serão atacados, segunda-feira próxima, com todo rigor, as obras <strong>de</strong> adaptação do edifício situado à rua<br />

1º <strong>de</strong> Março, <strong>de</strong>stinado ao Grupo Escolar, prestes a ser instalado (O 5 <strong>de</strong> Abril, 06/06/1930, p. 2).<br />

554


555<br />

No que diz respeito a turmas <strong>de</strong> jardim <strong>de</strong> infância e <strong>de</strong> pré-escola <strong>de</strong>ste estabelecimento<br />

(historicamente consi<strong>de</strong>rado um marco em termos <strong>de</strong> instituição escolar em Novo Hamburgo até<br />

a década <strong>de</strong> 70, quando incorporado por outra escola maior <strong>de</strong>vido à Lei 5691/72), verificou-se<br />

um vácuo em termos <strong>de</strong> documentação ou mesmo <strong>de</strong> fontes orais ao longo <strong>de</strong> sua primeira<br />

década. Conseguiu-se localizar uma professora que lá atuou em classe <strong>de</strong> jardim <strong>de</strong> infância <strong>no</strong>s<br />

idos <strong>de</strong> 1952:<br />

Aí eu cheguei e era assim: a professora mais antiga tinha direito <strong>de</strong> escolher o<br />

tur<strong>no</strong>. Quando a diretora distribuiu, ninguém quis o Jardim <strong>de</strong> infância. Tinha<br />

gente com curso <strong>de</strong> Jardim <strong>de</strong> infância e disse “não quero mais”. Ninguém<br />

queria. A diretora me disse: Branca, tu não aceitas a classe <strong>de</strong> Jardim? Eu<br />

pensei: “Pegar jardim?” Eu tinha vindo da 5ªsérie... Mas essa vaga era <strong>de</strong><br />

manhã. Aí então eu fiquei com o jardim <strong>de</strong> infância.<br />

Dando continuida<strong>de</strong> ao seu <strong>de</strong>poimento, ficou mais explicitada a razão porque naquele<br />

momento trabalhar com os peque<strong>no</strong>s não era uma preferência entre o colegiado <strong>de</strong> professoras,<br />

já que numa única sala <strong>de</strong> aula podia haver 55 alu<strong>no</strong>s, como foi neste caso relatado 3 . Perguntada<br />

sobre a ida<strong>de</strong> das crianças, ela respon<strong>de</strong>u que havia crianças <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s diversas: “algumas nem<br />

tinham feito 3 a<strong>no</strong>s e a gente tinha que preparar outras para o primeiro a<strong>no</strong> [para a<br />

alfabetização]”. Além disso, ainda complementa: “e na turma tinha uma menina excepcional”.<br />

Entretanto, pelas rememorações fica evi<strong>de</strong>nte que o trabalho era <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>: “Eu sei <strong>de</strong><br />

pessoas que tiraram os filhos <strong>de</strong> escola particular e foram pra lá (...) Mas eu fiquei doente, sabe?<br />

Eu fiquei doente do sistema nervoso (...) E <strong>de</strong>pois o estado não tinha verbas naquela época para<br />

colocar mais professoras (...) e a minha mãe [professora na mesma escola] já estava esperando a<br />

aposentadoria, ela vinha na hora do recreio e ficava, assim, ajudando a controlar as crianças,<br />

porque eles se espalhavam <strong>no</strong> meio do pátio, entre os balanços... tinha que cuidar, né? Aí ela<br />

dava uma olhadinha pra mim”. Significativo constatar que, conforme o <strong>de</strong>poimento da<br />

entrevistada, não havia uma orientação pedagógica específica para tais classes, cabendo à<br />

professora <strong>de</strong>finir seus encaminhamentos e linha a seguir.<br />

Mas é na re<strong>de</strong> privada <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> que os dados acusam a experiência pioneira em termos<br />

<strong>de</strong> atendimento à infância <strong>no</strong> município. A pesquisa localiza <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1931 a primeira <strong>no</strong>tícia<br />

sobre o assunto. Duas são as fontes que levam a tal constatação. Na obra <strong>de</strong> Sarlet (1993),<br />

encontramos as seguintes referências:<br />

De 1928 a 1931, serviu em Hamburgo Velho 4 o pastor Ulrich Schliemann.<br />

Como aquela foi uma época <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas escolas e <strong>no</strong>vos cursos,<br />

também na Fundação Evangélica, em 1931, ele sugeriu às senhoras do<br />

“Evangelischer Frauenverein” <strong>de</strong> Hamburgo Velho à criação <strong>de</strong> um<br />

“Kin<strong>de</strong>rgarten”, uma vez que na Fundação Evangélica havia uma diaconisa,<br />

especializada em educação pré-escolar, e que po<strong>de</strong>ria orientar o trabalho. As<br />

senhoras puseram mãos à obra. Uma casa para abrigar as crianças foi construída<br />

junto à casa paroquial e, em junho <strong>de</strong> 1931, com 30 crianças, sob os cuidados <strong>de</strong><br />

Edith Schmidt e a orientação da diaconisa, foi inaugurado o Jardim <strong>de</strong> Infância.<br />

3 O número elevado <strong>de</strong> crianças nas salas <strong>de</strong> Jardim <strong>de</strong> Infância parece constituir-se uma prática na época:<br />

“A professora Maria Pechmann, ocasionalmente auxiliada por Marta Pechmann, em 1948, tem 50<br />

crianças sob seus cuidados <strong>no</strong> Jardim <strong>de</strong> Infância” (Sarlet, op cit, p. 111, referindo-se à Fundação<br />

Evangélica, que trataremos a seguir.)<br />

4 Trata-se do bairro que <strong>de</strong>u origem ao município.<br />

555


556<br />

Para cuidar das crianças durante o a<strong>no</strong> seguinte, foi convidada a senhorita Maria<br />

Pechmann (p.108).<br />

Outra fonte que confirma o acontecimento é o periódico da cida<strong>de</strong>, quando <strong>no</strong>ticia:<br />

Jardim <strong>de</strong> Infância: A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Senhoras da comunida<strong>de</strong> Evangélica está<br />

ultimando a installação <strong>de</strong> um jardim <strong>de</strong> infancia (Kin<strong>de</strong>r Garten) par o<br />

próximo an<strong>no</strong>. O referido Jardim po<strong>de</strong>rá ser visitado por me<strong>no</strong>res <strong>de</strong> 4 a 7<br />

an<strong>no</strong>s. Quer pela excelentes installações com que o <strong>no</strong>vo Recreio <strong>Infantil</strong> está<br />

dotado, quer pelos cuidados <strong>de</strong> suas educadoras, saberão, certamente, os srs.<br />

Paes matricular seus filhos, dando-lhes assim os primeiros rudimentos e sobre<br />

tudo proveitosa segurança (O 5 <strong>de</strong> Abril, 11/12/1931, p.2) 5 .<br />

A pesquisa <strong>de</strong> Sarlet (op cit), entretanto, refere que em a<strong>no</strong>s imediatamente<br />

subseqüentes, por razões econômicas, aquela experiência pioneira não consegue se manter<br />

conforme havia sido sonhada: “Após estes dois primeiros a<strong>no</strong>s, minguaram os recursos da<br />

Associação das Senhoras Evangélicas. Não havia como ampliar o Jardim <strong>de</strong> Infância e nem<br />

como manter a diaconisa especializada. As senhoras <strong>de</strong>cidiram doar o Jardim <strong>de</strong> Infância com<br />

suas instalações à Fundação Evangélica em 1934” (p.108).<br />

Constata-se porém que, paradoxalmente, este fato provocado por carência <strong>de</strong> recursos<br />

vai servir como <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador <strong>de</strong> um espaço histórico <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professoras para<br />

<strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>: a Fundação Evangélica virá a se constituir como uma das instituições mais<br />

importantes e <strong>de</strong>cisivas <strong>no</strong> processo <strong>de</strong> discussão e preparação <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong>sta área em<br />

todo Vale dos Si<strong>no</strong>s e até mesmo <strong>no</strong> Rio gran<strong>de</strong> do Sul 6 . Os dados da referida pesquisadora<br />

informam a etapa fundacional <strong>de</strong>ste processo, que <strong>de</strong> fato teve sua gênese em 1910, “quando da<br />

inauguração da <strong>no</strong>ssa Escola <strong>de</strong> Alt-und Neu Hamburg. Lembramos que, por iniciativa do Pastor<br />

Pechmann, na ocasião foi fundado o primeiro grupo <strong>de</strong> senhoras evangélicas, então ligado ao<br />

Gustav Adolf Verein, Obra Gustavo Adolfo. Uma das metas era a colaboração na educação e<br />

formação <strong>de</strong> moças” (op cit, p. 108). E logo a seguir complementa:<br />

Em março <strong>de</strong> 1934, teve início o primeiro “Curso para formação <strong>de</strong> Professoras<br />

<strong>de</strong> Jardim <strong>de</strong> Infância”, na Fundação Evangélica. Com isto foi concretizado um<br />

antigo projeto, pois já <strong>no</strong> início do século haviam sido <strong>de</strong>tectadas estas<br />

necessida<strong>de</strong>s. De 1934 a 1937, formaram-se <strong>no</strong>ve professoras. As cinco alunas<br />

<strong>de</strong> 1938 acabaram não se formando, em <strong>de</strong>corrência das dificulda<strong>de</strong>s surgidas<br />

com o Corpo docente <strong>de</strong> língua alemã, então proibida por motivo da<br />

“Campanha <strong>de</strong> Nacionalização” (i<strong>de</strong>m, p. 108).<br />

Um documento significativo datado <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1938, hoje incorporado ao<br />

acervo da instituição, consiste na cópia do diploma da aluna Ruth Mater, cujo cabeçalho diz:<br />

Evangelisches Stift in Hamburgo Velho, e em seguida: Zeugnis über die Befähigung als<br />

Kin<strong>de</strong>rgärtnerin. Ou seja, Fundação Evangélica <strong>de</strong> Hamburgo Velho. Seguido <strong>de</strong>: Diploma <strong>de</strong><br />

Jardineira <strong>de</strong> Infância. Entre os <strong>de</strong>mais dados que constam do documento, <strong>de</strong>staca-se a<br />

confissão religiosa da aluna, evangelischen Bekenntnisses (evangélica), a data do exame final,<br />

seguido da <strong>no</strong>ta Sehr gut (Muito Bom). Antes das sete assinaturas da Die Prüfungskommission<br />

5 Conforme já verificado em parágrafos anteriores, respeita-se a grafia conforme consta <strong>no</strong>s originais.<br />

6 Além <strong>de</strong> ser pioneira na edificação <strong>de</strong> Cursos na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estudos Adicionais (complementares ao<br />

Curso regular <strong>de</strong> Magistério), é nesta instituição que acontece anualmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1980, o Simpósio <strong>de</strong><br />

<strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong>, reunindo em média 400 a 500 educadores/as em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> pesquisadores/as e<br />

especialistas que discutem temas contemporâneos emergentes.<br />

556


(Comissão Examinadora), consta também em língua alemã: A Senhorita Ruth Mater está apta<br />

para <strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong> Diretora <strong>de</strong> Jjardins <strong>de</strong> Infância e <strong>de</strong> educacionista <strong>no</strong>s lares.<br />

557<br />

Conforme se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir, e conhecendo o contexto da época, todo um ritual e rigor<br />

estavam presentes nesta formação. Em termos <strong>de</strong> filosofia pedagógica, Sarlet (op cit) dá conta<br />

que o trabalho nesta instituição era inspirado nas idéias <strong>de</strong> Froebel e <strong>de</strong> Kerschensteiner, tanto<br />

<strong>no</strong> Curso <strong>de</strong> Formação como na sala <strong>de</strong> aula do Jardim <strong>de</strong> Infância que ali se oferecia 7 . Vale<br />

lembrar que não eram diferentes das idéias que <strong>no</strong>rteavam também a orientação <strong>no</strong>s Jardins <strong>de</strong><br />

Infância em outras instituições do país (Kuhlmann, 1998).<br />

Ainda em relação às iniciativas <strong>de</strong> instituições privadas <strong>no</strong> município em estudo, é<br />

importante verificar que <strong>no</strong> a<strong>no</strong> imediatamente seguinte à instalação <strong>de</strong>ste Jardim <strong>de</strong> Infância<br />

sob a orientação da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientação evangélica, uma escola privada católica também<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> abrir-se para tal experiência, anunciando <strong>no</strong> jornal local: “Collegio São Luiz: As aulas<br />

<strong>de</strong>ste estabelecimento terão início também <strong>no</strong> dia 1º <strong>de</strong> março próximo. Annexo funcionará sob<br />

os cuidados <strong>de</strong> rvma. Irmãs, um bem installado Jardim <strong>de</strong> Infancia, on<strong>de</strong> serão aceitas<br />

creanças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 3 an<strong>no</strong>s” (O 5 <strong>de</strong> Abril, 26/02/1932). Cabe continuar investigando a<br />

fim <strong>de</strong> verificar que elementos <strong>de</strong> contexto levam as duas instituições a tomar tais iniciativas<br />

quase ao mesmo tempo. Não estaria engendrando-se um tipo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização urba<strong>no</strong>industrial,<br />

buscando edificar-se um ethos <strong>de</strong> civilida<strong>de</strong> pautando, como diz Freitas (2002, p.<br />

351) numa <strong>no</strong>va disciplina social, remo<strong>de</strong>ladora e em todos os aspectos, saudável, tendo como<br />

ponto <strong>de</strong> partida, a criança? Obviamente há que acrescentar que as duas principais or<strong>de</strong>ns<br />

confessionais da cida<strong>de</strong> também disputam espaço e influência naquele momento. Estas e outras<br />

questões merecem ser perseguidas na próxima etapa <strong>de</strong> investigação.<br />

Outro aspecto que merece atenção: até que ponto iniciativas efetivadas por or<strong>de</strong>ns<br />

religiosas (Colégio São Luiz, católico, pertencia à Congregação das Irmãs <strong>de</strong> Santa Catarina,<br />

por exemplo; Fundação Evangélica à confissão Luterana) po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> caráter<br />

eminentemente privado e autô<strong>no</strong>mo? Talvez aqui o conceito <strong>de</strong> que público não<br />

necessariamente precisa ser entendido como estatal – tema caro a alguns cientistas políticos,<br />

como Coutinho (1985) e Avritzer (1993) – <strong>de</strong>va ser levado em conta. É o que acontece quando a<br />

professora Branca, em seu <strong>de</strong>poimento faz a seguinte referência: (...) em 1944, quando eu entrei<br />

para a re<strong>de</strong> municipal pública, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte houve uma alteração na <strong>de</strong>signação das<br />

professoras. Quase tudo mudou <strong>de</strong> lugar. Eu fui <strong>de</strong>signada para o Colégio São Luiz, que era<br />

particular, mas tinha professoras cedidas para aten<strong>de</strong>r o Jardim”. Comentário similar é feito por<br />

outra <strong>de</strong>poente, professora Ethel, ao relembrar seu tempo neste mesmo educandário privado, na<br />

década <strong>de</strong> 50. Diz que atuava nesta escola, mas era paga pelos cofres públicos do município, e<br />

que assim como ela havia outras cinco professoras naquele colégio. Complementou a história,<br />

relembrando que quando <strong>de</strong>terminado prefeito fora eleito, embora tendo vencido soubera que as<br />

religiosas não haviam votado nele. Por isso (“querendo se vingar”), mandara chamar a irmã<br />

diretora para comunicar que a prefeitura não pagaria mais professoras para a escola. Este<br />

<strong>de</strong>poimento aliado a <strong>de</strong>mais dados ainda não analisados com profundida<strong>de</strong> necessita atenção.<br />

Há que melhor enten<strong>de</strong>r a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses, articuladas às exigências legais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

7 Diz o texto literalmente: Froebel (1782/1832) afirmava que três fatores <strong>de</strong>vem concorrer para a<br />

formação do ser pela educação: a espiritualida<strong>de</strong>, as ciências naturais e a linguagem, pois a ciência do<br />

homem é essencialmente a da linguagem, porque se a espiritualida<strong>de</strong> manifesta o ser, a natureza<br />

manifesta a essência da força e a ação, a linguagem manifesta a vida como tal e como um todo.<br />

Igualmente as idéias <strong>de</strong> Georg Kerschensteiner (1854/1932) tiveram influência nesse trabalho: toda<br />

pedagogia <strong>de</strong>ve repousar essencialmente numa filosofia <strong>de</strong> vida. A <strong>Educação</strong> tem por objetivo a formação<br />

do caráter, com suas qualida<strong>de</strong>s fundamentais: a força da vonta<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pendência e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão, firmeza e tenacida<strong>de</strong>, clareza do juízo, firmeza dos sentimentos, o impulso indo a traduzir a<br />

profun<strong>de</strong>za e a duração dos movimentos da alma <strong>no</strong> sentido dos valores (Sarlet, op cit, p. 109).<br />

557


558<br />

períodos em relação ao atendimento à infância. De fato, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinham as verbas e,<br />

consequentemente <strong>de</strong> on<strong>de</strong> advinham as ingerências políticas <strong>de</strong>terminando procedimentos<br />

operacionais e pedagógicos? Sabe-se, por exemplo, que indústrias <strong>de</strong> calçado tendo mais <strong>de</strong> cem<br />

operários <strong>de</strong>veriam ou abrir classes para aten<strong>de</strong>r filhos <strong>de</strong> funcionários, ou repassar<br />

regularmente contribuições proporcionais a escolas da re<strong>de</strong> privada. Mas quais as contrapartidas<br />

<strong>de</strong>stas? Que práticas po<strong>de</strong>m ser aqui analisadas? A fase atual <strong>de</strong>sta investigação ainda não<br />

processou dados suficientes que permitam fazer afirmações com maior legitimida<strong>de</strong>.<br />

Nesta mesma perspectiva - iniciativas <strong>de</strong> caráter privado, mas com amparo público (não<br />

necessariamente estatal) - a pesquisa também traz à tona a criação da Casa da Criança Nossa<br />

Senhora <strong>de</strong> Lur<strong>de</strong>s, criada pela Associação das Ex-alunas das Irmãs <strong>de</strong> Santa Catarina:<br />

Em 1954 iniciaram as campanhas para a construção da Casa da Criança, cujo<br />

terre<strong>no</strong> (...) foi doado pela Prefeitura Municipal. Em 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1960 foi<br />

inaugurada, e registrada na Secretaria <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> e Cultura sob o nº 36. Esta<br />

casa dá assistência <strong>de</strong> 90 a 100 crianças em regime <strong>de</strong> semi-internato, recebendo<br />

assistência alimentar, educacional, médica, higiênica e recreativa <strong>no</strong> período das<br />

7 às 19 horas. A direção interna está entregue às Irmãs <strong>de</strong> Santa Catarina. A<br />

Associação mantém 4 Irmãs, 2 professoras formadas, e seis serventes, todas<br />

remuneradas com todos os quesitos das Leis Sociais <strong>de</strong> Trabalho. A Associação<br />

das Ex-alunas mantém a Casa da Criança com a colaboração da Prefeitura,<br />

Convênios com Indústrias <strong>de</strong> acordo com a Lei <strong>de</strong> Higiene e Segurança da<br />

Mulher, e campanhas entre as suas Associadas.<br />

Da mesma forma, olhando para o passado, mais precisamente para o a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1942, por<br />

exemplo, alguns dados indicam que <strong>de</strong>cisões podiam surgir in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> regulações oficiais,<br />

vindo a <strong>de</strong>terminar práticas que se iam instituindo aqui e ali. É o caso, por exemplo, relatado por<br />

uma das <strong>de</strong>poentes, professora Celita:<br />

Eu estava na porta do bar, parada e ela (uma professora sua conhecida) passou e<br />

me convidou se eu queria trabalhar com ela <strong>no</strong> bairro África: Escuta, Celita, e se<br />

nós criássemos um Jardim lá? Aí eu disse: Bem, vamos na prefeitura para<br />

sabermos se po<strong>de</strong>mos ou não po<strong>de</strong>mos fazer isso (...) Eu fui, pedi uma<br />

audiência com o prefeito - era o Odon Cavalcanti - aí ele disse: vocês po<strong>de</strong>m,<br />

mas vamos primeiro <strong>de</strong> casa em casa saber quantas crianças têm para fazer um<br />

levantamento (...)O bairro pobre mesmo, que as mães precisavam... Fizemos o<br />

levantamento primeiro. Deu sessenta e poucas crianças, que as mães precisavam<br />

trabalhar e não tinham on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar os filhos... Então a Isabel levou <strong>de</strong> <strong>no</strong>vo o<br />

total <strong>de</strong> crianças na prefeitura. E aí eles mandaram que nós passássemos <strong>de</strong><br />

<strong>no</strong>vo e pedíssemos o auxílio <strong>de</strong> um - eu não sei qual era o dinheiro naquela<br />

época - um mil réis, vamos dizer, um mil réis, <strong>de</strong> cada família para comprar o<br />

mobiliário. Mandamos fazer tudo, mesinhas baixinhas para Jardim-<strong>de</strong>-Infância<br />

mesmo. As ca<strong>de</strong>irinhas, tudo (...) Nós trabalhávamos na Igreja ainda. Era uma<br />

capelinha, tinha a nave, ela trabalhava com a turma na nave da Igreja e eu<br />

trabalhava na Sacristia com os peque<strong>no</strong>s...<br />

Tal episódio não constitui fato isolado, outros <strong>de</strong>poimentos igualmente revelam ter<br />

havido certa improvisação e, em parte, “certas liberda<strong>de</strong>s” <strong>no</strong> que se refere a práticas entre os<br />

558


a<strong>no</strong>s 30 e 80. Cabe à investigação verificar com mais acuida<strong>de</strong> tais enunciados, articulando-os<br />

ao contexto em que se processavam 8 .<br />

559<br />

Finalizando, ressalta-se uma das idéias inspiradoras <strong>de</strong>sta empreitada: a lembrança do<br />

passado po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar em nós “o eco <strong>de</strong> um futuro perdido do qual a ação política <strong>de</strong>ve, hoje,<br />

dar conta”. Assim refere-se Gagnebin (1994), inspirado em Walter Benjamin, para quem a<br />

história tem na rememoração do passado um meio <strong>de</strong> presentificar o futuro. E é precisamente<br />

sob esta dimensão que se processa a presente pesquisa. Ou seja, valer-se <strong>de</strong> discursos, seja em<br />

tor<strong>no</strong> das ações cotidianas, seja em tor<strong>no</strong> das políticas <strong>de</strong> <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> acumuladas ao<br />

longo do tempo, analisando-os a partir das questões que se colocam hoje, na tentativa <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r como se constitui a educação voltada para a infância <strong>no</strong> presente, quem sabe<br />

enten<strong>de</strong>ndo os programas e propostas como associados a uma racionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governamento<br />

social dos cidadãos.<br />

No conjunto já po<strong>de</strong>m ser visualizados alguns fatos coinci<strong>de</strong>ntes, algumas práticas que<br />

se assemelham, permitindo <strong>de</strong>senhar peque<strong>no</strong>s universos discursivos. Na etapa a seguir, tais<br />

recorrências merecem ser problematizadas com maior profundida<strong>de</strong>, esboçando-se re<strong>de</strong>s<br />

articuladas entre si e entre instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r envolvidas. Mas, por qual razão o título da<br />

pesquisa incorpora a expressão “alinhavos em papelão”? Explica-se: <strong>no</strong> início do século XX,<br />

ainda como orientação advinda <strong>de</strong> Froebel para os kin<strong>de</strong>rgarten, alinhavos em papelão consistia<br />

numa prática pedagógica relacionada aos dons e era diariamente <strong>de</strong>senvolvida nas turmas <strong>de</strong><br />

Jardim <strong>de</strong> Infância. Em pedaços <strong>de</strong> cartolina estavam pontilhados <strong>de</strong>senhos que as crianças<br />

<strong>de</strong>veriam seguir com linhas ou fitas, formando figuras. Hoje sites na internet ven<strong>de</strong>m a<br />

proposta, mas <strong>no</strong> lugar <strong>de</strong> papelão anunciam suporte <strong>de</strong> plástico, em lugar da linha <strong>de</strong> algodão<br />

ou lã, cordas <strong>de</strong> poliéster. Decidiu-se fazer com esta marca do passado, tão grata a exprofessoras<br />

e ex-alu<strong>no</strong>s em seus <strong>de</strong>poimentos, um exercício metafórico: até que ponto se po<strong>de</strong><br />

livremente associar o objetivo, a técnica, o artefato, o envolvimento e o produto final daquela<br />

ativida<strong>de</strong> com a própria história da <strong>Educação</strong> <strong>Infantil</strong> <strong>no</strong> município <strong>de</strong> Novo Hamburgo: a<br />

história e as histórias, a política e as políticas que estamos problematizando hoje po<strong>de</strong>m ser<br />

analogicamente associadas com o que ocorreu com os “alinhavos em papelão” ?<br />

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<strong>de</strong><strong>no</strong>minação "escolinhas". São instituições criadas por iniciativas isoladas, <strong>de</strong> pessoas ou grupos, que se<br />

propõe oferecer abordagens alternativas à educação infantil. Tais experiências em geral envolvem em sua<br />

administração professoras aposentadas que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m abrir escolas para filhos <strong>de</strong> classe média e alta da<br />

cida<strong>de</strong>. Entre estas, duas constituem fonte para esta pesquisa: a Escola Zé Carioca, pioneira conforme tais<br />

características, fundada <strong>no</strong> final da década <strong>de</strong> 70, atualmente com outra entida<strong>de</strong> mantenedora que não a<br />

<strong>de</strong> início; e outra, <strong>de</strong><strong>no</strong>minada Escola Maternal Pé-<strong>de</strong>-moleque, criada em 1978 e que veio a encerrar<br />

suas ativida<strong>de</strong>s em 2005. Ambas <strong>de</strong>vem integrar o corpus <strong>de</strong>sta pesquisa em sua próxima etapa.<br />

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