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MUSEU DO BRINQUEDO EM SEIA: UM ABSURDO ... - Faced.ufu

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<strong>MUSEU</strong> <strong>DO</strong> BRINQUE<strong>DO</strong> <strong>EM</strong> <strong>SEIA</strong>: <strong>UM</strong> ABSUR<strong>DO</strong>?<br />

RES<strong>UM</strong>O<br />

4215<br />

Maria Madalena Cunhal Vaz Saraiva<br />

Museu do Brinquedo de Seia<br />

A concepção, estruturação e funcionamento de um Museu, nos termos preconizados pela perspectiva<br />

da Nova Museologia, vêm ampliar as funções tradicionalmente cometidas a esta instituição,<br />

considerando, entre elas, preocupações de ordem pedagógica, cultural e social. Dada a sua<br />

especificidade – por estar relacionado com a cultura lúdica do ser humano, especialmente com os<br />

objectos de jogos e brincadeiras -, um Museu do Brinquedo deve ser um projecto dinâmico e criativo,<br />

que apele à fantasia das crianças e favoreça, nos mais idosos, o “regresso” aos tempos felizes da<br />

infância. É nossa convicção, daquilo que atrás ficou exposto, que se justifica, pois, o surgimento, em<br />

Seia, de um Museu do Brinquedo, único no distrito da Guarda e na Região Centro e o segundo no<br />

panorama nacional, que funciona há relativamente pouco tempo e que tem tido um elevado número de<br />

visitantes de todas as faixas etárias. Esta instituição museológica foi concebida e estruturada, não em<br />

torno de uma visão estática e ultrapassada de um espaço apenas destinado à conservação, depósito e<br />

exposição de objectos culturais, mas antes segundo as perspectivas mais amplas da Nova Museologia.<br />

Efectivamente, tal como esta preconiza, pretendemos que o Museu do Brinquedo de Seia constituísse<br />

um espaço interactivo, destinado a todas as faixas etárias, que apelasse à curiosidade, imaginação e<br />

reflexão do público. Além disso, acreditámos, desde a primeira hora, que o Museu poderia constituir<br />

um pólo de desenvolvimento local e regional, onde o diálogo e a resposta cabal às interrogações das<br />

crianças e adultos não se esgotassem numa primeira visita. Era também suposto, à partida, que esta<br />

instituição viria a tornar-se um importante factor de educação, cultura e atracção turística. Todavia,<br />

todos sabemos que entre as boas intenções e a realidade vai, por vezes, uma distância considerável.<br />

Assim, embora acreditemos que o Museu do Brinquedo conseguiu estabelecer um forte vínculo com a<br />

população, desejamos conhecer, de um modo mais concreto e rigoroso, se esta nossa percepção está<br />

consonante com a opinião do público. No presente estudo é adoptada uma metodologia nãoexperimental,<br />

essencialmente descritiva, visto que a sua principal finalidade consiste na caracterização<br />

da situação actual do Museu do Brinquedo de Seia. Efectivamente, como vimos, o que pretendemos<br />

com a sua realização é perceber, de um modo mais concreto e rigoroso, se o museu corresponde às<br />

expectativas dos seus visitantes, se a sua inserção, em Seia, se justifica ou pode considerar-se um<br />

paradoxo e, bem assim, se a sua estrutura organizativa pode melhorar, de acordo com as opiniões dos<br />

sujeitos integrantes da amostra. Deste modo, além de descrever o presente, a nossa investigação<br />

pretende ter um carácter projectivo, ou seja, fundamentar propostas de alteração da gestão do espaço,<br />

funcionamento e práticas lúdicas no Museu. Para o efeito, o estudo será estruturado em torno das<br />

opiniões de dois grupos distintos de utentes da instituição: um grupo de crianças e um grupo de<br />

adultos, residentes em diversos pontos do país, que visitaram o Museu. Uma vez que à autora do<br />

estudo foi cometida a responsabilidade de conceber e instalar o Museu, definir os seus objectivos e<br />

regular o seu funcionamento, ela é, portanto, conhecedora da sua evolução, situação actual e possíveis<br />

mudanças a introduzir no seu funcionamento. Todavia, entendeu-se como procedimento mais<br />

adequado, recolher, para o efeito, as opiniões de alguns visitantes, principais destinatários da acção<br />

deste projecto museológico e museográfico. Assim, é feita uma consulta directa às fontes que possuem<br />

um conhecimento concreto do Museu, isto é, aos seus utentes. A confrontação destas opiniões com as<br />

respeitantes às fontes bibliográficas consultadas permitir-nos-á, certamente, não apenas referir como o<br />

Museu do Brinquedo “é”, mas sobretudo como “deveria ser”. Deste modo, depois da fase de revisão<br />

da literatura especializada e de concepção e desenho do plano de investigação, foi elaborado um<br />

questionário destinado aos adultos e um guião de entrevista a administrar às crianças que visitaram o<br />

Museu. Realizadas as entrevistas às crianças e administrados os questionários aos adultos (em forma<br />

de inquérito), ou seja, depois de recolhidos os dados, os mesmos foram objecto de tratamento<br />

estatístico, numa perspectiva descritiva. Assim, os dados estatísticos, tendo em conta as características<br />

das variáveis em estudo, foram ordenados em distribuições de classes e de frequências (absolutas e<br />

relativas em percentagem). Tendo em vista a melhor percepção e análise dos dados, estes serão


4216<br />

apresentados em tabelas e a estatística tabular em gráficos apropriados. Os resultados apontaram para<br />

o reconhecimento da importância e interesse do Museu do Brinquedo bem como para a justificação da<br />

sua inserção na cidade de Seia. Embora as crianças demonstrem ter, acerca do Museu, uma concepção<br />

tradicional de “sítio com muitos brinquedos”, os adultos vêem-no, sobretudo, como um local com<br />

interesse pedagógico e cultural, um espaço de comunicação e de lazer e um centro de dinamização<br />

sociocultural e de desenvolvimento local e regional.<br />

INTRODUÇÃO<br />

TRABALHO COMPLETO<br />

“A criança que fui chora na estrada.<br />

Deixei-a ali quando vim ser quem sou;<br />

Mas hoje, vendo que o que sou é nada,<br />

Quero ir buscar quem fui onde ficou” 1 .<br />

Nas últimas décadas começou a ser reconhecida, em Portugal, a importância dos Museus<br />

Municipais como espaços de valorização local, na medida em que podem contribuir para uma política<br />

cultural criativa, aberta e descentralizada. Podem ainda tornar-se factores de acesso ao conhecimento,<br />

promotores da cultura, da coesão económica e social e factores de desenvolvimento regional e local.<br />

Processos museológicos que serão a expressão profunda da museologia contemporânea em Portugal,<br />

eles apresentam uma perspectiva abrangente e generalista do património cultural e natural, quer na<br />

investigação e recolha das espécies museológicas, quer na comunicação.<br />

Estes museus devem compreender elementos que apresentem a história do Homem da região em<br />

que estão inseridos, bem como a evolução que essa história teve, como memória de todos aqueles que<br />

a pretendem preservar e transmitir.<br />

E é óbvio que cada Homem viveu um passado cheio de magia, que foi a sua infância e que, entre<br />

as etapas que a configuram, a mais generosa e significativa é o tempo regido pelo império dos<br />

brinquedos e brincadeiras. Os brinquedos de antigamente, tanto pela morfologia como pelos materiais,<br />

são distintos dos actuais. As modas estéticas e culturais, o desenho e a tecnologia, a produção<br />

industrial e os hábitos de consumo têm tido influência na evolução dos brinquedos.<br />

Contemplar uma série de brinquedos antigos já é, por si só, olhar um fragmento da história<br />

humana e, tanto pela sua dimensão psicológica, como lúdica, os brinquedos, merecem ser preservados<br />

em relação à corrosão da passagem do tempo, ou seja, merecem um museu.<br />

Madalena Braz Teixeira e Carlos Barroco consideram que um museu do brinquedo deve ser:<br />

“um espaço que a cidade pode dar ao adulto e à criança, pólo de atracção<br />

que tem como centro o brinquedo, ponte para a liberdade e para a fantasia. Ao<br />

adulto dar-lhe-á a possibilidade de reencontro com as vivências infantis sobre cuja<br />

experiência constitui a sua vida de adulto; à criança, a fantasia, o encanto e uma<br />

ocasião para entender a realidade através do imaginário” 2 .<br />

A realidade está contida no brinquedo em si mesmo, a fantasia, por seu lado, surge na relação do<br />

objecto com a criança. Todo o encanto e magia que conservam os brinquedos existentes num museu,<br />

deve-se justamente ao facto de terem pertencido, numa determinada data, a um menino ou menina que,<br />

com eles (e em virtude deles) passaram horas de alegria e amor. Por isso, os brinquedos podem<br />

considerar-se intemporais, têm sempre vida. Eles são uma verdadeira iconografia da infância. Com<br />

efeito, cada brinquedo é uma imagem que demonstra a devoção da criança pelo jogo. Deste modo,<br />

alguns brinquedos podem parecer antigos, mas convertem-se sempre em novos, segundo o olhar da<br />

criança.<br />

1 Fernando Pessoa, in Boletim Cultural Na Rota Das Palavras, Lisboa, 1990.<br />

2 1987:47.


4217<br />

Parece-nos indiscutível que a brincadeira é uma linguagem universal. Não importa em que país<br />

do mundo, não importa se os brinquedos são improvisados a partir do quotidiano da criança ou se são<br />

reproduções luxuosas e caras do mundo dos adultos. Em qualquer lado, em qualquer época, há<br />

crianças que brincam.<br />

Por isso, a origem do brinquedo perde-se nas profundezas do tempo.<br />

Poder-se-á dizer que o primeiro brinquedo nasceu com a primeira criança, quaisquer que tenham<br />

sido a latitude e a longitude em que essa criança nasceu.<br />

O brinquedo é universal, distinguindo-se tão somente pelas características que o ligam às<br />

diferentes culturas. Ele assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui, isto é, dependendo<br />

do lugar e da época, os brinquedos assumem significados diferentes. Por exemplo, o bumerangue, o<br />

arco e a flecha, hoje considerados brinquedos, em certas culturas indígenas, eram utilizados como<br />

instrumentos para caçar e pescar.<br />

Existem numerosos vestígios arqueológicos de brinquedos milenários. Entre os mais notáveis,<br />

destaca-se uma boneca de terracota, bem conservada, em posição vertical, com os quatro membros<br />

articulados, trajando um vestido de saia curta. Tendo sido descoberta na Itália Meridional, situa-se a<br />

sua origem, na época Helenística (300 a 100 anos a. c.) e encontra-se no Museu do Louvre, em Paris,<br />

onde existem, também, as figuras de três meninas jogando às pedrinhas, feitas com o mesmo material,<br />

oriundas da Grécia, do início do séc. V. No Museu de Arte e História, em Bruxelas, existe uma boneca<br />

semelhante, de origem grega (Beócia), do séc. IV a. c. e no Museu Nacional de Arqueologia, em<br />

Tarragona, uma roca em bronze, da época Romana.<br />

Michel Manson, no seu livro História do Brinquedo e dos Jogos 3 , afirma que os artistas foram<br />

os primeiros a valorizar os brinquedos e as brincadeiras das crianças, retratando-os nas suas obras,<br />

como testemunham os célebres quadros: Jogos Infantis (1560), de Brueghel, exposto no Museu de<br />

Viena, A Criança com Boneca, de Greuze, no Museu do Louvre, e A Criança com Polichinelo, de<br />

Francois Hubert Drouais, no Museu Cognacq-Jay.<br />

Este mundo maravilhoso e tudo aquilo que ele significa, permite reavivar recordações de<br />

infância e ajuda a compreender melhor a evolução das diferentes épocas, muitas vezes reflectidas nos<br />

brinquedos, na medida em que eles representam uma parte do nosso passado, porque todos nós<br />

jogámos e brincámos quando crianças.<br />

Onde quer que exista uma criança existe um brinquedo, muitas vezes, até, criado pela sua<br />

imaginação. Brincar e jogar sempre fizeram parte da vida da criança, ajudando-a a descobrir o que a<br />

rodeia, o mundo dos adultos, a construir a sua personalidade, a aprender a viver. Ela é um agente<br />

transmissor de cultura, na medida em que leva os seus jogos e brinquedos para onde quer que vá.<br />

Nas suas mãos tudo se transforma em brinquedo: um pedaço de papel, de cordel, uma flor, uma<br />

pedra, o próprio corpo humano.<br />

Mas, então, o que é um brinquedo?<br />

Um brinquedo será tudo aquilo com que se pode brincar e jogar. Até mesmo os objectos de<br />

acaso se tornam brinquedos porque conduzem ao jogo.<br />

Marie-Madeleine Rabecq-Maillard, fundadora do Museu do Brinquedo de Poissy, diz-nos que<br />

espera “sempre, que em qualquer canto do mundo, haja um menino capaz de fabricar um comboio<br />

com um cordel e três rolhas, uma carroça com uma caixa de sapatos e um apito com um ramo de<br />

sabugueiro” 4 .<br />

Os brinquedos servem para entreter, distrair, divertir, para que as crianças façam o que<br />

quiserem, para aprender servindo-se deles. O objecto de jogo é interpretado por Piaget como um<br />

instrumento de realismo dependente do sonho mas também da ilusão do jogo simbólico egocêntrico 5 .<br />

É um mediador entre a criança e o adulto, que permite desempenhar diferentes papéis, identificar-se,<br />

estudar e medir as suas capacidades, facilitando, desta forma, o estabelecimento de relações com o<br />

mundo em que deverá integrar-se.<br />

Segundo Michelet 6 , tanto o material como os brinquedos educativos foram idealizados para<br />

favorecer o desenvolvimento, o uso da inteligência e da lógica, pelo uso da mão e dos sentidos. A<br />

3<br />

2002.<br />

4<br />

Apud Jean Vial, op. cit. 1988:140.<br />

5<br />

1968.<br />

6<br />

Michelet, “Los utiles de la infância”, Herder, Barcelona, 1979, in Juguetes y Juegos de España, 1981.


4218<br />

manipulação permite conhecer intuitivamente as coisas muito antes de as pensar e, por esta razão, as<br />

crianças precisam de muitos brinquedos.<br />

Eles são importantes na medida em que estimulam e favorecem a actividade lúdica, 7 convidando<br />

naturalmente ao brincar e tornando-se muitas vezes no seu ponto de partida 8 . Para esta autora, “um<br />

bom brinquedo é aquele que convida a criança a brincar.” E todos os bons brinquedos são<br />

considerados educativos desde que cumpram a função de divertir as crianças e estimulem e<br />

diversifiquem o jogo como actividade, enriquecendo de alguma forma a criança que brinca com eles 9 .<br />

Os brinquedos entram pelos olhos, vivem nas mãos, chegam ao coração e permanecem na<br />

memória. A infância passa, os brinquedos ficam e, mesmo quando já somos idosos, estes objectos<br />

culturais conseguem fazer-nos “regressar” à meninice. Além disso, o desenvolvimento de cada ser<br />

humano está, em grande parte, relacionado com os brinquedos que teve, com a estimulação, com o<br />

prazer que lhes proporcionaram e com o apelo que fazem à capacidade de transformar o real.<br />

Podemos, assim, considerar que cada pessoa é um “arquivo” dos brinquedos que teve.<br />

Assim, na sequência da política cultural desenvolvida pela Câmara Municipal de Seia surgiu a<br />

ideia de se recuperar o Solar de Santa Rita 10 para a instalação do Museu do Brinquedo. Na perspectiva<br />

do Presidente da Câmara, este seria um equipamento muito importante para a localidade e para a<br />

região, constituindo um factor de valorização e desenvolvimento cultural e turístico. Apoiado pela<br />

equipa que iria proceder à sua instalação, concluiu-se que, apesar de não haver tradição de indústrias<br />

de brinquedos na região, havia tradição de brincadeiras, jogos e brinquedos e artesãos que os<br />

continuam a manufacturar.<br />

Não há dúvidas de que o acto de brincar é universal, diz respeito a todos os cantos e recantos do<br />

mundo, e atravessa a infância de todas as gerações, desde sempre e até sempre. E, assim sendo, o<br />

museu do brinquedo fazia tanto sentido em Seia, como em qualquer parte do mundo.<br />

Demos, então, início a esta aventura, e percebendo que o museu tinha de se começar a construir<br />

com a população e para a população fizemos um levantamento de jogos e brincadeiras a nível<br />

concelhio e iniciámos, igualmente, uma campanha de recolha de brinquedos, junto da população.<br />

Através destas iniciativas conseguimos reunir um número considerável de brinquedos, oferecidos por<br />

pessoas de várias localidades e de diversas faixas etárias. Brinquedos esses, que deram origem às<br />

“Memórias de Infância”, espaço dedicado a todos aqueles que acreditaram, de início, neste projecto, e<br />

que quiseram partilhar as suas recordações e memórias de infância com todas as pessoas que um dia<br />

viriam visitar o museu. Como salienta Ana Duarte “o objecto oferecido ao museu possui muito valor<br />

para quem o oferece, porque conta uma história; as pessoas reconhecem-no, é uma presença familiar<br />

no museu, que todos gostam de mostrar à comunidade. Juntos, todos os objectos contribuem para a<br />

união das famílias que, com as suas ofertas, constroem o museu. Além disso, e sobretudo, valorizam a<br />

região e são valorizados os seus habitantes perante os outros” 11 .<br />

O passo seguinte consistiu na aquisição de uma colecção particular de brinquedos tradicionais<br />

de fabrico exclusivamente português, que retrata a evolução do brinquedo no nosso país durante várias<br />

décadas, mostrando a diversidade de técnicas e materiais, desde pasta de papel, madeira, barro, folha<br />

de flandres recuperada de latas de conserva, até ao aparecimento do plástico.<br />

É, igualmente, neste espaço, que foi designado como “Portugal – décadas de brincadeiras,” que<br />

também tomamos conhecimento com os brinquedos tradicionais populares, como o pião, os carros de<br />

sabão, os barcos de papel, as bonecas de trapos, a fisga, a péla, o jogo da malha, a bilharda. Estes<br />

brinquedos, muito embora conhecidos e usados em várias partes do mundo, por vezes com outros<br />

nomes, são exemplo da nossa identidade cultural e constituem, também, um desafio à nossa<br />

imaginação. Eles fazem parte da infância da maioria dos adultos e idosos que visitam o museu,<br />

independentemente da localidade donde provêm. Estes visitantes, à medida que sentem que algum<br />

objecto falta, vão enriquecendo este local, oferecendo os brinquedos com que brincaram na sua<br />

7<br />

Natália Pais, “Actividade Lúdica – Ludotecas – (...)”, 1989.<br />

8<br />

Nylse Cunha, op. cit., 1994.<br />

9<br />

Solé, 1992.<br />

10<br />

Localizado no centro da cidade, é um edifício barroco do séc. XVIII, que a Câmara Municipal adquiriu em<br />

1994.<br />

11 1998:126.


4219<br />

infância e que durante o percurso da visita são tentados a experimentar, a recordar, como é o caso do<br />

arco, do carro de rolamentos, dos carrinhos de madeira.<br />

E é evidente que não podiam ficar esquecidos os objectos da escola, ligados, pois, à infância de<br />

todos nós, com as respectivas carteiras, livros escolares, bolsas dos livros, cartilhas de várias épocas,<br />

sólidos geométricos, tinteiros e aparos, a célebre menina de cinco olhos, mapas, carimbos, lousas, e<br />

alguns brinquedos do recreio, fantoches feitos pelas crianças numa determinada época, berlindes,<br />

barcos de casca de pinheiro, pedrinhas...<br />

Estamos cientes da grande importância que tem a preservação da memória da cultura portuguesa<br />

e da cultura regional e local, nomeadamente a respeitante ao domínio lúdico 12 , da sua documentação,<br />

comunicação e divulgação junto de toda a população, da sua função social, cultural e educativa. No<br />

entanto, pensámos que era importante, também, em termos culturais, pedagógicos e didácticos, de<br />

investigação e documentação, que os visitantes tomassem conhecimento com a cultura mundial,<br />

naquilo que diz respeito à infância e aos brinquedos. Para tal, estabelecemos contactos com várias<br />

entidades a nível nacional e internacional, como câmaras municipais, regiões de turismo, artesãos,<br />

fábricas de brinquedos, embaixadas, clubes e alguns museus do brinquedo, no sentido de lhes solicitar<br />

um brinquedo típico do seu próprio país ou região. Esta foi uma iniciativa muito bem recebida, na<br />

medida em que os intervenientes pensaram que, através deste intercâmbio, se possibilitou, de uma<br />

forma ou de outra, um reforço na consolidação dos laços culturais entre Portugal e o mundo.<br />

Todavia, para que a compreensão dos países em termos históricos, geográficos, culturais, se<br />

tornasse, efectivamente, mais vasta e abrangente, fizemos um CD-Rom, onde cada brinquedo nos<br />

“leva a viajar” pelo respectivo país. Assim, o público em geral poderá consultar este programa num<br />

computador instalado nessa sala. No entanto, pensando em maiores grupos, sejam crianças de escolas,<br />

grupos de professores, idosos, adultos, poder-se-á fazer uma apresentação no auditório, mediante a<br />

selecção do país ou países que os visitantes queiram conhecer.<br />

Este auditório permite, ainda, visionar filmes documentais sobre a infância, o brinquedo, as<br />

histórias de encantar ou filmes temáticos que digam respeito a exposições temporárias, palestras,<br />

acções de formação, concertos.<br />

Apesar de termos consciência de que o museu é destinado a todas as faixas etárias e de termos<br />

pensado nos adultos e idosos que, decerto, seriam as pessoas que mais se iriam reconhecer nos<br />

brinquedos expostos, não pudemos esquecer as crianças, assim como um objecto fundamental na vida<br />

de todos nós: o livro. Este, começa, de facto, por ser um objecto lúdico, um brinquedo, que alarga a<br />

percepção do mundo, educa a sensibilidade, enriquece-nos e enriquece o nosso diálogo com os outros,<br />

incentiva o jogo da imaginação, criando abertura para um mundo que se esconde por detrás da<br />

realidade imediata, o do sonho, que para a criança é uma realidade que alimenta também a sua<br />

vitalidade para se inserir no mundo real.<br />

Neste contexto, e reafirmando a importância que a leitura tem, Vítor Jorge questiona de que<br />

forma é que se poderá sensibilizar as pessoas para a “gestão do património mais imaterial, que é o<br />

tempo (...) e como é que hoje será possível (...) preservar, defender e implementar esse património do<br />

tempo, do lazer e da leitura, (do tempo a que a leitura convida?)” 13 .<br />

Assim, criando uma sala que pretende apelar aos sonhos e à imaginação, num ambiente de<br />

encantamento e fantasia, pensámos que dando vida aos livros, o museu poderia contribuir para<br />

despertar e estimular nas crianças o gosto pela leitura e fazer recordar aos adultos a sua infância, com<br />

as cadernetas dos cromos, os livros de cow-boys, das aventuras de Os cinco, o Mosquito, o Engenho,<br />

os livros em relevo. Deste modo, surgiu a sala Brincar é... sonhar, que nos contou, através de placards<br />

e personagens em tamanho real, a história da Cinderela e, neste momento, a “Branca de Neve e os 7<br />

Anões”.<br />

E, porque sabemos que só aprendemos através da acção, como refere o escritor Paulo Coelho, no<br />

seu livro O Alquimista, 14 decidimos criar um espaço que designámos por oficina e tem por função<br />

proporcionar, por um lado, o encontro entre crianças e idosos, com o objectivo destes lhes ensinarem a<br />

construir brinquedos, e das próprias crianças os construírem e, por outro lado, proporcionar às crianças<br />

momentos de brincadeira, onde elas possam brincar com diversos brinquedos e jogos, aí colocados<br />

12 A importância do domínio lúdico da cultura foi magistralmente enaltecida por Huizinga, op. cit.<br />

13 2000:42.<br />

14 1990.


4220<br />

para o efeito, encorajando-as a mexer, a experimentar, usar a imaginação, criatividade, porque todos<br />

sabemos que é frustrante, para a criança, ver sem poder tocar. Aqui, ela poderá dar largas à sua<br />

fantasia, libertar energias, divertir-se.<br />

É, ainda, neste local, que os brinquedos oferecidos ou adquiridos são registados e,<br />

eventualmente, restaurados.<br />

Falta-nos referir a sala de exposições temporárias, que assume grande importância no programa<br />

do museu, na medida em que permite abordar temas específicos, numa tentativa de transmitir<br />

mensagens e perpetuar valores, valorizar as colecções de brinquedos ou expor trabalhos de artistas.<br />

Para a primeira exposição, escolhemos como tema os Miúdos de Seia, em colaboração com a<br />

Fototeca Municipal. Esta fez uma recolha de fotografias de pessoas desta cidade em situações de jogo<br />

ou brincadeira, ou durante a sua infância, que associadas aos brinquedos retratados teve como<br />

objectivos, por um lado, permitir algumas comparações entre o brinquedo antigo e o moderno - como<br />

foi o caso dos triciclos, das bonecas, e dos carros de pedais, de lata e de plástico, movidos a<br />

electricidade – e, por outro lado, criar um vínculo com a população local, numa tentativa de<br />

demonstrar e relembrar que, efectivamente, em Seia, sempre se jogou e brincou com brinquedos ou<br />

sem eles e, por isso, a tradição desta cultura lúdica está fortemente enraizada.<br />

Foi uma exposição que trouxe ao museu milhares de visitantes, que se emocionavam e<br />

sensibilizavam ao lembrarem, agora, com 50, 60, 70, 80 anos, que já foram crianças, decerto felizes, e<br />

que também brincaram.<br />

Faz parte ainda do programa de actuação do Museu, o recurso ao exterior, quando o tempo o<br />

permite, numa continuidade daquilo que se faz, por um lado, no auditório, com concertos e exposições<br />

ao ar livre e outras actividades de índole cultural e, por outro lado, aquilo que acontece na oficina, que<br />

é fomentar o diálogo de gerações, através das aprendizagens no domínio das actividades lúdicas,<br />

como, por exemplo, jogos tradicionais (botão, malha, macaca, bilharda, fito, cabra-cega, lencinho),<br />

actividades de ar livre e, dependendo das exposições temporárias, actividades correspondentes ao tema<br />

e que se adaptem ao exterior e brincadeiras espontâneas com os brinquedos que aí são colocados.<br />

Ainda no exterior, temos um jardim com a flora característica da Serra da Estrela, da qual faz<br />

parte uma árvore centenária em vias de extinção: o Teixo (Taxus Baccata), onde se procedeu à<br />

classificação destas espécies, 15 com o objectivo de o incluir no percurso de visita dando a conhecer aos<br />

visitantes do museu este Património Natural da nossa região.<br />

Assim, o percurso de visita começa pela recepção, onde o público pode visionar o museu na sua<br />

globalidade, através de um computador táctil que, inicialmente, nos diz quais são os objectivos da<br />

instituição, onde podemos ver a lista dos doadores, e a estrutura do edifício, através das plantas dos<br />

dois pisos, com os respectivos espaços e o que se pode encontrar em cada um deles.<br />

Contamos ainda neste piso e antes de entrar nas salas de exposição, com um pequeno centro de<br />

documentação, com livros subordinados a diversos temas, como museologia, museus, infância,<br />

educação, brinquedos, jogo, literatura infantil e juvenil. O público pode, também, aceder neste espaço<br />

a dois computadores com acesso à internet.<br />

O percurso desenvolve-se pelas salas de exposições, como já foi referido, começando por<br />

Conhecer o mundo a brincar; Memórias de infância; Brincar é...sonhar; Portugal. Décadas de<br />

brincadeiras; Exposições temporárias. Contamos com o auditório, a oficina e, por fim, com uma<br />

pequena cafetaria, onde está colocado um posto de vendas, que possibilita a todos os artesãos<br />

colocarem à venda brinquedos e objectos lúdicos da sua autoria.<br />

Relativamente à organização do museu, não podemos deixar de referir os cuidados que tivemos<br />

no que diz respeito ao mobiliário: a escolha de cores neutras, para não interferirem com o colorido dos<br />

próprios brinquedos (com excepção da oficina, cafetaria, posto de vendas e casas de banho, onde se<br />

tentou criar um ambiente bastante alegre), expositores agradáveis do ponto de vista estético,<br />

adequados a todas as faixas etárias, isto é, que possibilitassem uma boa visibilidade às crianças,<br />

adultos e visitantes portadores de deficiências 16 , e polivalentes, para permitirem mudanças e<br />

15 Betula Celtibérica (Betula sp), Tília (Tilia europaea), Folhado (Viburnum tinus), Pseudotsuga ou Pinheiro do<br />

Oregon (Pseudotsuga menziesii), Loendro ou Cevadilha (Nerium Oleander), Hera (Hedera Helix), Cipreste<br />

Comum (Cupressus sempervirens).<br />

16 Neste caso, embora o edifício não tenha sido construído de raiz, mas sim adaptado, como já referimos, o<br />

arquitecto teve alguns cuidados, com a instalação de um elevador e rampas em todas as salas do museu.


4221<br />

inovações. Previmos, também, a colocação de bancos pelas salas do museu e cadeiras e mesas para a<br />

colocação de uma esplanada no Verão, bem como bancos e mesas em pedra e bebedouros espalhados<br />

pelo jardim.<br />

Pensamos que a próxima etapa será a recuperação da capela de Santa Rita, que se encontra na<br />

fachada do museu e a qual deu o nome ao solar.<br />

Assim nasceu e foi estruturado o Museu do brinquedo em Seia, instituição que se destina a todas<br />

as faixas etárias, sem finalidades lucrativas e ao serviço da sociedade, que pretende:<br />

• Valorizar um período da nossa vida que é fundamental para o<br />

desenvolvimento global do ser humano: a infância;<br />

• Valorizar a actividade lúdica e o direito de brincar;<br />

• Preservar a memória dos jogos, brinquedos e brincadeiras;<br />

• Promover actividades de envolvimento com a população;<br />

• Estudar, conservar, expor e comunicar o património cultural e o património<br />

natural;<br />

• Tornar-se num espaço de cultura, educação e lazer.<br />

Dado o interesse que todos os visitantes manifestam por este espaço museológico, bem evidente<br />

através do elevado número de pessoas que o frequentam, pensamos ser chegado o momento adequado<br />

para efectuarmos um levantamento de opiniões – tão amplo e rigoroso como preconiza a investigação<br />

científica -, no que concerne à sua justificação, missão, concepção e organização dos espaços,<br />

qualidade da mensagem que transmite, funcionamento, interacção com o público e susceptibilidade<br />

para despertar a fantasia. Além disso, quisemos, através das opiniões de crianças e adultos, perceber<br />

de um modo mais adequado de que forma o museu é encarado por aquelas e por estes, bem como se<br />

ele cumpre os objectivos a que se propôs. Foi, também, nosso propósito - através do conhecimento das<br />

preferências desse público-alvo -, vislumbrar de que forma é que os espaços e seu funcionamento<br />

poderão ser modificados, reconvertidos ou reanimados, no sentido de propiciar uma melhor qualidade<br />

de serviços.<br />

Em suma, o nosso interesse ao realizarmos este estudo foi despertado pela possibilidade de,<br />

através dele, encontrarmos respostas a algumas questões que se nos colocam. Deste modo, será em<br />

torno destas interrogações que o mesmo irá ser estruturado e concretizado:<br />

- Quais as opiniões das crianças sobre o que é um Museu e para que serve? Isto é,<br />

entendem que é um mero espaço expositivo ou antes um local de ludicidade, de<br />

imaginação e de prazer?<br />

- Que opinião têm sobre os espaços, objectos e práticas proporcionados pelo<br />

Museu do Brinquedo de Seia? Quais são os seus preferidos?<br />

E, no que respeita aos adultos, tendo em conta as suas diferentes sensibilidades, formação<br />

académica e história de vida, parece-nos também importante e oportuno que respondam às seguintes<br />

questões:<br />

- O que pensam os adultos acerca das funções que um Museu e, concretamente, o<br />

Museu do Brinquedo de Seia, deve desempenhar? Que valor lhe reconhecem em termos<br />

de desenvolvimento local e de pólo de atracção turística?<br />

- Que importância reconhecem à sua localização nesta cidade?<br />

Julgamos, ainda, de grande interesse, reunir as impressões gerais de pequenos e graúdos acerca<br />

do Museu do Brinquedo de Seia, assim como as suas propostas, tendo em vista a melhoria do<br />

funcionamento desta instituição. Que propostas de alteração, reconversão ou reanimação formulam?<br />

Que alternativas apresentam?


AMOSTRA<br />

4222<br />

A amostra é constituída por dois grupos diferentes, crianças e adultos, como se nota na<br />

tabela I e de várias idades, como podemos observar, respectivamente, nos gráficos 1 e 2.<br />

Classes etárias<br />

Classes etárias<br />

Tabela I<br />

Grupos N %<br />

Crianças<br />

60 37.5<br />

Adultos 100 62.5<br />

Total 160 100<br />

Caracterização do grupo de crianças por idades<br />

[11-14]<br />

[6-10]<br />

« 5<br />

71-80<br />

51-60<br />

31-40<br />

«20<br />

7<br />

13<br />

0 10 20 30 40 50<br />

1<br />

3<br />

4<br />

6<br />

Nº de crianças<br />

Gráfico 1<br />

Classes etárias dos adultos<br />

13<br />

15<br />

Gráfico 2<br />

23<br />

Nº de inquiridos<br />

40<br />

35


INSTR<strong>UM</strong>ENTOS<br />

Foram utilizados dois tipos de instrumentos de recolha de dados:<br />

•Questionário, destinado ao grupo de pais /educadores;<br />

•Entrevista estruturada, com base num formulário dirigido às crianças.<br />

4223<br />

As questões foram colocadas de um modo claro e acessível, atendendo às recomendações<br />

de Alfouilloux 17 . Sempre que se notaram algumas dificuldades de compreensão de uma palavra ou<br />

frase, por parte das crianças entrevistadas, esses termos foram explicados, para se tornarem<br />

perceptíveis.<br />

RESULTA<strong>DO</strong>S<br />

A Sala da “Gata Borralheira”, a oficina e a biblioteca foram os espaços que despertaram mais<br />

interesse nas crianças, o que vem justificar a ideia de que as pessoas gostam de visitar museus<br />

modernos, que utilizam novas tecnologias, em particular na área da informática ou da comunicação<br />

participativa. Deve relevar-se, ainda, o facto de somente uma pequeníssima percentagem das crianças<br />

visitantes (3,4%) estar à espera de encontrar computadores e vídeos no Museu do Brinquedo de Seia.<br />

Lembramos ainda que 53,4% das crianças entrevistadas entendia que um Museu é sobretudo uma<br />

“casa de antiguidades”, ao passo que apenas 11,6% a via como “um local de visita e diversão” e 6,6%<br />

como “local de exposição”. Estes dados sugerem que, à partida, as crianças esperavam sobretudo<br />

encontrar brinquedos antigos, mas que ficaram agradavelmente surpreendidas e interessadas com os<br />

computadores existentes, que puderam utilizar para colher informações acerca dos brinquedos de<br />

diversos países.<br />

A este respeito, Mário Moutinho refere que são estas instituições museológicas “onde o visitante<br />

é solicitado por um maior número de estímulos, que se têm mais desenvolvido nos últimos anos,<br />

atraindo multidões de turistas, de alunos, de visitantes desejosos de mergulharem no mundo das<br />

fábulas” 18 . Os resultados obtidos nesta questão vêm confirmar, pois, que no Museu do Brinquedo de<br />

Seia estão aplicadas as concepções da nova Museologia, perfilhadas por elevado número de autores 19 .<br />

Ainda no que concerne às respostas do grupo amostral de crianças, verificámos, como era<br />

esperado, que são sobretudo os adultos, pais e professores ou educadores, que tomam a iniciativa da<br />

visita ao Museu. Tal confirmação reforça a ideia de que a promoção da instituição museológica não<br />

deve incidir, apenas, no público infantil.<br />

Quanto a possíveis falhas, carências ou “pontos fracos” do Museu do Brinquedo, a maioria das<br />

crianças entrevistadas (61,7%) não as referiu, indicador positivo, que consideramos associado a um<br />

elevado grau de satisfação. Embora não atinjam valores muito elevados, devem merecer reflexão as<br />

sugestões para o aumento de actividades e de brinquedos.<br />

Em termos de apreciação geral por parte das crianças que integraram a nossa amostra, os<br />

resultados também nos parecem animadores e gratificantes, pois os respondentes que, em relação ao<br />

Museu, usaram adjectivos que traduzem um juízo de valor positivo (“interessante”, “bonito”,<br />

“agradável”, “muito bom”...), totalizaram 93%.<br />

A análise dos dados provenientes dos questionários respondidos pelos adultos, complementados<br />

pelos respeitantes aos testemunhos espontâneos dados pelos visitantes, permite verificar que aos<br />

museus (e ao Museu do Brinquedo, em concreto) são atribuídas várias funções:<br />

17 1980.<br />

18 1989:16.<br />

19 Esta, impulsionada por Georges Henri Rivière.


- uma função social;<br />

- uma função de comunicação e exposição;<br />

- uma função educativa e cultural;<br />

- uma função de atracção turística.<br />

4224<br />

Uma função social, visto que qualquer museu está inserido numa sociedade mais alargada, com<br />

a qual interage e da qual recebe estímulos. É por isso que uma iniciativa como esta não pode ser posta<br />

em prática ao acaso. Ao invés, devem ser estudadas as condições, as implicações e a própria<br />

necessidade (ou não) da existência do museu num determinado sítio, com características históricas,<br />

culturais e sociais muito particulares. A partir daqui, qualquer que seja o museu, é forçoso apostar na<br />

dinamização, no espírito de empreendimento e na atenção com que sempre deve olhar para a<br />

sociedade que o rodeia. Neste quadro, lembramos que são bastante satisfatórias as percentagens<br />

concordantes obtidas no que diz respeito ao item “Estabeleceu um vínculo com a população de Seia”<br />

(56% de concordâncias). Este indicador é complementado, aliás, de um modo inequívoco, pelo facto<br />

de, a maioria quase absoluta dos adultos inquiridos discordar que a situação do Museu do Brinquedo<br />

na cidade de Seia seja um absurdo. Com efeito, 85% discorda dessa afirmação e 12% não respondem,<br />

o que parece significar que, para a maioria dos adultos da amostra, se justifica plenamente a<br />

localização do Museu nesta cidade da Beira, situada nas proximidades dos maiores cumes da Serra da<br />

Estrela. Esta opinião é reforçada pela resposta directa à questão: “Concorda com a existência de um<br />

Museu do Brinquedo em Seia?”. Efectivamente, 93% respondem sim, 6% não respondem e apenas 1%<br />

responde negativamente.<br />

Face ao exposto, há que ter em conta as opiniões dos inquiridos que concordam, na sua grande<br />

maioria, com a ideia de que um museu é uma instituição ao serviço da comunidade, que serve para<br />

divulgar o património local e contribui para o seu desenvolvimento.<br />

Além disso, está cometida ao museu uma função de comunicação e exposição, na medida em<br />

que ele estabelece uma relação muito importante entre os diferentes agentes sociais de uma<br />

comunidade e entre diferentes comunidades. Acresce o facto de o museu ser um meio de integração<br />

social muito forte. Efectivamente, os contactos estabelecidos ao longo do funcionamento do museu<br />

contribuem para aproximar e para dar a conhecer realidades muito diferentes. Digamos que é uma<br />

forma de comunicar sem palavras, ou seja, é uma comunicação não verbal, através da vertente<br />

expositiva. A confirmação deste pressuposto está bem patente nos dados obtidos, nomeadamente nos<br />

respeitantes às crianças, que em grande parte assumiram que um museu serve para mostrar. Mas,<br />

mostrar, aqui, envolve um sentido mais lato do que à partida possa parecer. Mostrar com mensagens,<br />

com ensinamentos, com entretenimento.<br />

Uma função educativa e de aprendizagem, uma vez que, um pouco no seguimento da função a<br />

que anteriormente aludimos, o museu expõe ensinando. E quanto a esta função, tanto os adultos como<br />

as crianças são claros nas suas opiniões, ao afirmarem que o museu é uma fonte de aprendizagem e de<br />

ensinamento. Um elevado número de crianças da amostra (38.4%) respondeu que o museu serve para<br />

ensinar, enquanto que a maioria dos adultos (na ordem dos 60%) concorda absolutamente com a ideia<br />

de que um museu serve para dar a conhecer. Dar a conhecer alguma coisa de uma maneira clara, para<br />

que a mensagem transmitida seja útil ao próprio desenvolvimento cultural.<br />

Além disso, contrariando a visão da museologia tradicional, 75% deste grupo reconhece a<br />

dimensão axiológica das funções de um Museu, ao opinar que ele deve “propor valores”. Também<br />

merece referência especial o facto de 95% dos inquiridos pensar que esta instituição deve “transmitir<br />

mensagens” e, deste modo, desenvolver a capacidade de raciocínio, mormente nas crianças.<br />

Outra função característica dos museus é a sua capacidade de atracção turística, não sendo o<br />

Museu do Brinquedo de Seia uma excepção. Numa região em que o turismo representa uma das fontes<br />

de rendimento mais segura, é natural que iniciativas como esta surjam no sentido de não prescindir<br />

dessa “galinha dos ovos de ouro”. Um museu atrai visitantes, os visitantes aumentam o movimento e o


4225<br />

dia-a-dia do concelho e a região só beneficia com este processo dinâmico. A pensar nisso, os adultos<br />

da amostra colocam esta função em segundo lugar de importância 20 .<br />

Por último, este museu municipal, como tantos outros, é um contributo fundamental para a tão<br />

falada descentralização nacional e para valorizar zonas tão “esquecidas” como esta. Esta função foi,<br />

aliás, bem reconhecida pelos adultos que responderam ao inquérito. Infelizmente, a centralidade<br />

continua a ser apanágio do nosso país, e, se bem que tentativas houve para alterar a situação, o facto é<br />

que Portugal tem que deixar de ser “Lisboa e o resto”. Saliente-se, a este respeito, que 90% dos<br />

adultos inquiridos concorda que um Museu é um factor de desenvolvimento local. Portanto, segundo o<br />

público, iniciativas como a do Museu do Brinquedo de Seia justificam-se, entre outros motivos,<br />

porque permitem mostrar as potencialidades que persistem submersas no território português,<br />

sobretudo nos locais mais afastados dos grandes centros urbanos.<br />

CONCLUSÃO<br />

As linhas orientadoras saídas das convenções e congressos nacionais e internacionais<br />

respeitantes aos Museus, em geral, e aos Museus do Brinquedo, em particular, convergem na<br />

necessidade de terminar com a concepção estática e conservadora destas instituições. A estas<br />

orientações juntam-se as opiniões da maioria dos autores preocupados com a temática em apreço. 21<br />

Neste quadro, é hoje refutado o uso meramente expositivo e contemplativo desses espaços de<br />

cultura e, em contrapartida, reforçado o modelo dinâmico, onde se combina a interacção social, a<br />

aprendizagem, a comunicação, e reflexão em torno de mensagens sobre temas, preocupações e valores<br />

da sociedade actual. Assim, estão presentes nas funções dos novos museus evidentes preocupações<br />

socioculturais e axiológicas, no domínio emocional, ético, estético e ecológico. Ora, um espaço<br />

organizado em torno de um tema com uma carga tão simbólica, misteriosa e mágica como a infância e<br />

tudo o que lhe está associado – em especial as atitudes, actividades e objectos do domínio lúdico da<br />

cultura – terá, necessariamente, que despertar sentimentos profundos e indescritíveis, em crianças,<br />

jovens e adultos. Poderemos afirmar, como Vânia Sampaio, que “o Museu do Brinquedo representa<br />

um sentido abraço de sonho e ternura da nossa descuidada infância. É como se fosse um mergulho no<br />

faz-de-conta” 22 .<br />

Como já referimos, a generalidade dos autores que reflectem e investigam a evolução do<br />

processo museológico está de acordo com as novas funções que os museus devem desempenhar na<br />

sociedade actual. E, mais concretamente em relação aos museus do brinquedo, parece registar-se um<br />

consenso quanto às virtualidades educativas e culturais dos objectos de jogo e brincadeira que<br />

constituem o seu acervo. Com efeito, os brinquedos transportam-nos para um mundo outro, bem<br />

afastado da realidade rotineira e castradora de imaginação e de capacidade de transformação.<br />

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20 A seguir à de “desenvolvimento e descentralização”.<br />

21 Rivière, 1993; Varine, 1991; Moutinho, 2000; Marc Maure apud Férnandéz, 2001, entre outros.<br />

22 2002.


4226<br />

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