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A TRANSAÇÃO COMO FORMA DE EXTINÇÃO DO ... - pucrs

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A <strong>TRANSAÇÃO</strong> <strong>COMO</strong> <strong>FORMA</strong> <strong>DE</strong> <strong>EXTINÇÃO</strong> <strong>DO</strong> CRÉDITO TRIBUTÁRIO:<br />

LIMITES, POSSIBILIDA<strong>DE</strong>S E RENÚNCIA FISCAL 1<br />

Márcia Franco Pires 2<br />

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a transação como forma de<br />

extinção do crédito tributário, conforme disciplina o art. 171 do Código Tributário<br />

Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, cuja aplicabilidade exige a<br />

obediência à determinados requisitos formais, quais sejam: autorização prevista em lei,<br />

concessões mútuas, terminação de litígio e extinção do crédito tributário. O trabalho<br />

também tem por escopo investigar a relação entre transação e renúncia fiscal.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Transação. Concessões Mútuas. Extinção do Crédito Tributário.<br />

Legalidade. Indisponibilidade do Erário. Interesse Público. Eficiência. Renúncia Fiscal.<br />

INTRODUÇÃO:<br />

A transação em matéria tributária é um assunto controverso. A doutrina jurídica<br />

brasileira tem dedicado poucas páginas à discussão sobre esta forma de extinção do<br />

crédito tributário e meio consensual de solução de controvérsias. A jurisprudência, a<br />

seu turno, refere-se com mais frequência à acepção de transação em seu sentido<br />

amplo (transação bancária, imobiliária, comercial, etc), pouco mencionando o instituto<br />

em sentido estrito, tributário no estudo em tela, mas acolhendo sua realização.<br />

A transação é modalidade de extinção do crédito tributário, mas modalidade<br />

especial, peculiar, uma vez que admite a autocomposição em lide tributária, ao invés<br />

da regra geral, de exigência unilateral de pagamento, pois o ato administrativo do<br />

lançamento é vinculado e obrigatório, não sendo possível o agente fiscal outorgar<br />

vantagens ao contribuinte devedor.<br />

A tentativa de diminuir a litigiosidade entre Fisco e contribuinte, por meio de<br />

medidas de conciliação, cresce paulatinamente. Neste contexto, cabe o desafio em<br />

conhecer essas formas consensuais de solução de controvérsias, e ponderar a<br />

aplicabilidade das mesmas, uma vez que o intuito é somente o de propciar uma<br />

Administração mais eficiente e cumpridora dos direitos e garantias fundamentais<br />

constitucionais.<br />

1 Artigo extraído do trabalho de conclusão apresentado à banca examinadora, composta pela<br />

Orientadora, Profª. Ms. Magda Azario Kanaan Polanczyk, pelo Prof. Ms. Plínio Saraiva Melgaré e pelo<br />

Prof. Ms. Cláudio Lopes Preza Júnior, como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências<br />

Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.<br />

Aprovado com grau máximo em 30 de novembro de 2010.<br />

2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Contato: marcia.f.pires@hotmail.com


1. <strong>TRANSAÇÃO</strong><br />

1.1 Significado do vocábulo no Direito Romano<br />

A palavra transação, do latim transactio, de transigere (verbo transigir), era<br />

aplicada pelos romanos de duas formas: em sentido amplo e definição vaga,<br />

compreendia toda a operação comercial, bancária, convenção, contrato ou qualquer<br />

espécie de combinação mercantil. Em sentido estrito, na esfera de ação do Direito, o<br />

termo transação referia-se a um ato jurídico onde as partes, mediante concessões<br />

recíprocas, extinguiam a obrigação ajustando certas condições, com a finalidade de<br />

prevenir ou terminar o litígio 3 . Ainda persiste nos dias de hoje esse sentido dúbio de<br />

significado do vocábulo transação.<br />

A transactio passa a existir documentada na legislação e na jurisprudência<br />

romana somente a partir da metade do século II d.c., seja pela escassez de fonte ou<br />

pela interpretação ambígua que o instituto apresentava, pois, ao longo do tempo,<br />

transitou dos acordos negociais não solenes para a zona ampla e frequentemente<br />

indeterminada dos contratos.<br />

A compilação de Justiniano é a fonte mais predominante sobre o regime da<br />

transação, dedicando na consolidação das leis romanas do Digesto e do Codex<br />

escritos jurídicos sobre o assunto. Nos textos legais do Digesto (publicado no ano 533<br />

d.c.), a palavra vinha no plural, evidenciando a variedade de formas e de finalidades<br />

para se transigir 4 .<br />

No período Justiniano, com o intuito de tornar imperativo o que foi<br />

convencionado, celebrava-se a transação através da stipulatio 5 , o mais importante dos<br />

contratos inominados. Como consequência da expansão econômica, cultural e das<br />

relações pessoais da sociedade romana, o instituto da transação foi qualificado como<br />

uma espécie de contrato, determinando o vínculo jurídico entre os contratantes.<br />

Alguns autores mencionam a incerteza como o objeto principal da transação,<br />

constituindo a existência de direito incerto ou duvidoso na relação entre as partes e<br />

sendo a transação a forma de eliminar a coisa duvidosa por meio de concessões<br />

recíprocas. Nessa acepção, os romanos definiram a transação como uma convenção,<br />

onde a incerteza era extinta mediante obrigações mútuas entre as partes. A doutrina<br />

majoritária, entende que a transação, nesse contexto, referia-se à coisa duvidosa,<br />

predominando a teoria da res dubia, ao invés da teoria da res litigiosa, denotando que<br />

3<br />

SILVA, De Plácido e. Transação (verbete). Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2005.<br />

p.1421.<br />

4<br />

MELILLO, Generoso. Transazione: diritto romano (verbete). Enciclopedia del Diritto. Vol. XLIV.<br />

Giuffrè, 1992. p. 771.<br />

5<br />

A stipulatio apresentava uma esfera de aplicação ampla no período clássico, dada a simplicidade e a<br />

natureza jurídica de negócio abstrato. Tinha eficácia obrigatória sobre qualquer convenção referente a<br />

coisa certa ou incerta, fato, abstenção ou acordo de vontades. Caracterizava-se por ser um contrato<br />

verbal por excelência, celebrado por meio de perguntas e respostas orais e solenes realizadas entre os<br />

futuros credor (stipulator; reus stipulandi) e devedor (promissor; reus promittendi). Exigia como requisitos<br />

a oralidade, a presença das partes, a unidade do ato (não ocorria a stipulatio se a resposta não viesse<br />

imediatamente após a pergunta) e a conformidade precisa entre a pergunta e a resposta. ALVES, José<br />

Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 498-500.<br />

2


o instituto poderia ocorrer não somente quando houvesse litígio, mas também na<br />

hipótese de incerteza sobre o direito ou sobre o resultado da contenda 6 .<br />

Como explica Adalberto Pasqualotto, a transactio romana não somente se<br />

referia a extinção ou término de litígios mediante a reciprocidade de concessões, mas<br />

também a superação de situações mal definidas. O autor comenta:<br />

À parte a imprecisão conceitual, parece induvidoso que, tanto na prática<br />

jurídica, especialmente nas conciliações judiciais – como testemunha a Lei das<br />

XII Tábuas -, como no comércio, as situações dúbias quanto à quantidade das<br />

prestações ou a certeza do direito eram resolvidas mediante instrumentos<br />

negociais hábeis a realizar o equilíbrio dos interesses contrapostos 7 .<br />

Os romanos foram insuperáveis no campo jurídico, sendo os responsáveis pela<br />

elaboração da Ciência do Direito. A definição do termo transação no período romano foi<br />

aprimorada ao longo do tempo, mas seus requisitos essenciais serviram de base aos<br />

sistemas jurídicos atuais, permanecendo como características fundamentais para a sua<br />

realização a onerosidade, a prevenção ou término de um litígio e a reciprocidade de<br />

concessões. A grandiosidade da obra que eles deixaram à humanidade ainda<br />

influencia poderosamente o direito ocidental contemporâneo.<br />

1.2 Concepção de Transação no Código Civil<br />

1.2.1 Definição<br />

A previsão da transação está expressa no art. 840 e seguintes do Código Civil,<br />

trazendo a mesma definição 8 do diploma revogado de 1916.<br />

Na teoria civilista, o Código Civil de 2002 inseriu a transação como uma espécie<br />

de contrato, deslocando-a dos efeitos da extinção das obrigações, onde se localizava<br />

no Código anterior.<br />

Consoante orientação do autor De Plácido e Silva:<br />

No conceito do Direito Civil, e como expressão usada em sentido estrito,<br />

transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou<br />

mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio,<br />

que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado. Assim, a<br />

transação, sempre de caráter amigável, fundada que é em acordo ou em ajuste,<br />

tem a função precípua de evitar a contestação ou o litígio, prevenindo-o, ou de<br />

terminar a contestação, quando já provocada, por uma transigência de lado a<br />

lado, em que se retiram, ou se removem todas as dúvidas ou controvérsias,<br />

acerca de certos direitos 9 . (grifo do autor)<br />

6<br />

ROCHA, José de Moura. Transação Judicial (verbete). Enciclopédia Saraiva do Direito. Vol.74. São<br />

Paulo: Saraiva, 1982. p. 288.<br />

7<br />

PASQUALOTTO, Adalberto.Contratos Nominados III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 277.<br />

8<br />

CC, Art. 840: É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.<br />

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />

9 SILVA, De Plácido e. op. cit., p.1421.<br />

3


Pontes de Miranda, elucida que a transação dá-se quando duas ou mais<br />

pessoas ajustam concessões recíprocas, com o intuito de encerrar a controvérsia sobre<br />

determinada relação jurídica, seu conteúdo, extensão, validade ou eficácia:<br />

Não importa o estado de gravidade em que se ache a discordância, ainda se é<br />

quanto à existência, ao conteúdo, à extensão, à validade ou à eficácia da<br />

relação jurídica; nem ainda, a proveniência dessa, se de direito das coisas, ou<br />

de direito das obrigações, ou de direito de família, ou de direito das sucessões,<br />

ou de direito público. Naturalmente, há de exigir-se a transacionabilidade de<br />

cada interesse de que se abriu mão 10 .<br />

Nesse contexto, a reciprocidade no conceder é fundamental à transação, pois<br />

se não há concessão, de uma e outra parte, não há que se falar em transação, o que<br />

pode haver é renúncia, desistência, perdão, liberalidade, mas não transação.<br />

1.2.2 Natureza Jurídica<br />

A transação, por tratar-se de acordo bilateral, tem natureza jurídica contratual.<br />

O intuito da transação é evitar uma demanda ou a duração prolongada da lide, onde os<br />

interessados desistem, reciprocamente, de algum favorecimento ou proveito.<br />

Distinguindo a transação como contrato, segura é a sua força cogente, oriunda<br />

da própria vontade entre os transatores. A lição de Nelson Nery Júnior segue esse<br />

entendimento: a transação é um contrato que tem por finalidade encerrar ou prevenir<br />

um litígio mediante concessões recíprocas entre os contratantes 11 .<br />

Conforme Adalberto Pasqualotto, a transação é classificada como um contrato<br />

consensual, formal, sinalagmático, comutativo 12 e oneroso, dados os seus requisitos<br />

essenciais, que são: a existência de uma relação jurídica insegura, origem de uma lide<br />

atual ou futura; o acordo com reciprocidade de concessões, onde cada parte<br />

compromete-se a dar ou prometer algo, mas também receber alguma coisa ou<br />

vantagem 13 .<br />

A doutrina não difere quanto ao entendimento de que a transação é contrato<br />

sinalagmático, pois o art. 840 do Código Civil, faz alusão à concessões recíprocas.<br />

Todavia, não é uniforme a opinião dos autores no que se refere a prestação que os<br />

contratantes trocam entre si. Rubens Miranda de Carvalho diz que o contrato não será<br />

fundamentalmente comutativo, pois uma das partes pode abdicar em mais situações ou<br />

valores do que a outra 14 .<br />

Acrescenta-se, nesse ponto, o que conclui a doutrinadora Maria Helena Diniz:<br />

10 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXV.Campinas: Bookseller, 2003, p. 151.<br />

11 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 668.<br />

12 O professor Pasqualotto explica que “a transação é sempre comutativa, pois as prestações,<br />

comutativas (prestações certas) ou aleatórias (situação de indeterminação, incerteza, acaso da<br />

contraprestação) são as do contrato transacionado. A troca que os transatores fazem envolve a incerteza<br />

jurídica, não fática como nos contratos aleatórios”. PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 280.<br />

13 PASQUALOTTO, Adalberto. Ibidem., p. 276.<br />

14 CARVALHO, Rubens Miranda de. Transação Tributária, Arbitragem e Outras Formas<br />

Convencionadas de Solução de Lides Tributárias. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p. 24.<br />

4


A transação é um instituto sui generis, por consistir numa modalidade especial<br />

de negócio jurídico bilateral, que se aproxima do contrato, na sua constituição, e<br />

do pagamento, nos seus efeitos, por ser causa extintiva de obrigações,<br />

possuindo dupla natureza jurídica: a de negócio jurídico bilateral e a de<br />

pagamento indireto 15 .<br />

É conveniente referir os preceitos decorrentes da natureza jurídica da<br />

transação. São eles:<br />

1) Indivisibilidade – dá-se justamente devido à vontade das partes, que estipulam as<br />

cláusulas do contrato, conforme disciplina o art. 848 do Código Civil:<br />

Art. 848. Sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta.<br />

Parágrafo único. Quando a transação versar sobre diversos direitos contestados,<br />

independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não<br />

prejudicará os demais 16 .<br />

A exceção está no parágrafo único desse artigo, aplicável nos casos em que a<br />

transação envolva diversos negócios autônomos, sem relação entre si. Nesta hipótese,<br />

o contrato não perderá sua validade quanto à totalidade das estipulações se uma das<br />

disposições for nula, por não prejudicar os contratantes.<br />

2) Interpretação restritiva – a orientação diretiva que determina ser a transação<br />

interpretada restritivamente está no art. 843 do Código Civil, 1ª parte: “A transação<br />

interpreta-se restritivamente [...]” 17 , e decorre do fato de ser um instrumento que implica<br />

em renúncia de direitos ou de prestações, que são substituídas por concessões<br />

recíprocas. Não cabe realizar interpretação analógica e nem abranger situações que<br />

extrapolem o que foi convencionado no instrumento contratual.<br />

3) Negócio jurídico declaratório – a transação declara ou reconhece direitos, não<br />

transmite-os. O intuito é dirimir uma situação jurídica preexistente controversa e incerta,<br />

consoante art. 843 do mencionado código, 2ª parte, “[...] e por ela não se transmitem,<br />

apenas se declaram ou reconhecem direitos”.<br />

O entendimento de Pontes de Miranda é diverso. Para o doutrinador, a<br />

transação é um negócio jurídico bilateral modificativo e não apenas declaratório, pois<br />

pode resultar em efeito modificativo, ultrapassando a simples declaratividade, uma vez<br />

que os transatores podem renunciar a um bem de que dispõem ou até transferi-lo. Daí<br />

o doutrinador dizer que “a transação modifica a relação jurídica de direito das<br />

obrigações ou de direito das coisas, pois para se eliminarem litígios ou inseguridades,<br />

se fazem concessões” 18 . Por esta razão, exige-se dos transatores o poder de dispor<br />

livremente sobre os bens e direitos que envolvem a transação. Sendo assim, o contrato<br />

de transação, que é obrigacional, pode vir acrescido de um negócio real de<br />

implemento, por exemplo o de transmissão da propriedade, o de cessão de créditos, o<br />

de remissão de dívida, pois o acordo de transação, isoladamente, não transmite<br />

15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume II. Teoria Geral das Obrigações: São<br />

Paulo: Saraiva, 2007. p. 332.<br />

16<br />

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />

17<br />

BRASIL. ibidem.<br />

18<br />

MIRANDA, Pontes de. op. cit., p. 204.<br />

5


direitos. Entretanto, como enfatiza Adalberto Pasqualotto, o efeito modificativo não é<br />

efetivamente reconhecido como sendo a posição majoritária, justamente pela expressa<br />

disposição do art. 843 do Código Civil 19 .<br />

1.2.3 Objeto<br />

A regra é que a transação pode somente versar sobre direitos patrimoniais de<br />

caráter privado que sejam atuais e possam ser renunciados, consoante o art. 841 do<br />

Código Civil 20 , não sendo possível transacionar direitos patrimoniais titulados por<br />

pessoas jurídicas de direito público, bem como aquelas relações jurídicas de caráter<br />

privado que digam respeito à ordem pública.<br />

A controvérsia que motiva a realização da transação pode discutir sobre<br />

qualquer ramo do direito, sendo possível o objeto ser crédito, pretensões, obrigações,<br />

dívidas, entre outros. Porém, a superação da questão em foco dá-se somente no<br />

âmbito do direito das obrigações (direito material).<br />

1.2.4 Modalidades<br />

É possível promover-se a transação no curso de um processo (judicial),<br />

extinguindo-o; ou preventivamente, com o intuito de evitar a lide, (extrajudicial),<br />

conforme disciplina o art. 842 do Código Civil 21 . Com efeito, a transação é um negócio<br />

jurídico solene, estando a sua eficácia submetida à forma prescrita em lei.<br />

a) Judicial<br />

A transação judicial se processa em juízo, durante o litígio já existente. Pode<br />

ocorrer no curso de ato processual, sendo, nesta hipótese, reduzida a termo nos<br />

autos, assinada pelos transatores e homologada pelo juiz, após o parecer favorável do<br />

Ministério Público.<br />

De igual modo, os interessados podem, por iniciativa extrajudicial, acordar em<br />

encerrar a lide. Esse acordo, firmado por escritura pública, deve ser levado a juízo,<br />

para que seja juntado aos autos e homologado pelo juiz, pois dessa homologação<br />

depende a produção do efeito extintivo da relação jurídico-processual, de acordo com<br />

o art. 269,III do Código de Processo Civil 22 , bem como constituir título executivo<br />

judicial, norma disciplinada no art. 475 – N, da mesma Lei 23 .<br />

19<br />

PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 289.<br />

20<br />

CC, Art. 841: Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. BRASIL. Lei<br />

10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />

21<br />

CC, Art. 842: A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por<br />

instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita<br />

por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.<br />

22<br />

CPC, Art. 269: Haverá resolução de mérito: [...] III - quando as partes transigirem. BRASIL. Lei 5.869,<br />

de 11 de janeiro de 1973.<br />

23<br />

CPC, Art. 475-N: São títulos executivos judiciais:[...] III – a sentença homologatória de conciliação ou<br />

de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo. BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de<br />

1973.<br />

6


) Extrajudicial<br />

Nesta modalidade preventiva, as partes acordam em não utilizarem o direito<br />

de ação que possuem, declarando, a termo, tal vontade. A lei determina que a<br />

transação extrajudicial seja firmada por escritura pública, quando o objeto implicar em<br />

direitos que exigem essa forma legal para serem alienados, (arts. 107 e 108 do Código<br />

Civil) 24 , ou documentada por instrumento particular.<br />

1.2.5 Nulidade e Anulação<br />

As nulidades e anulabilidades que podem incidir na transação são de direito<br />

material e aplicam-se as determinações cabíveis a todos os negócios jurídicos.<br />

Como já visto, a regra geral do art. 848 do Código Civil dispõe sobre a<br />

indivisibilidade da transação, sendo nulo todo o contrato em caso de nulidade de<br />

qualquer de suas cláusulas. Acrescenta-se, neste ponto, o art. 850 da mencionada<br />

legislação:<br />

Art. 850. É nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença passada<br />

em julgado, se dela não tinha ciência algum dos transatores, ou quando, por<br />

título ulteriormente descoberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre<br />

o objeto da transação 25 .<br />

A disposição do art. 850 do Código Civil determina duas hipóteses de nulidade<br />

da transação:<br />

1) caso de litígio já decidido por sentença transitado em julgado, sendo essa<br />

decisão desconhecida por algum dos transatores. É nula a transação, uma vez que não<br />

havia mais sobre o quê transigir;<br />

2) nenhum dos transigentes tinha direito ao objeto da transação e somente depois<br />

dela realizada ficaram cientes, por descoberta posterior de título que indicou carência<br />

de direito sobre o objeto da transação em relação a qualquer uma das partes.<br />

O art. 849 do Código Civil demonstra as circunstâncias em que ocorre a<br />

anulabilidade:<br />

Art. 849. A transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à<br />

pessoa ou coisa controversa.<br />

Parágrafo único. A transação não se anula por erro de direito a respeito das<br />

questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.<br />

A anulação de um contrato de transação pode ser motivada por vícios de<br />

manifestação de vontade, restritos às causas de dolo, coação ou erro essencial quanto<br />

à pessoa ou coisa controversa, referente aos próprios transatores, não atingindo<br />

terceiros.<br />

24<br />

CC, Art. 107: A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a<br />

lei expressamente a exigir.<br />

CC, Art. 108: Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios<br />

jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis<br />

de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de<br />

janeiro de 2002.<br />

25<br />

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />

7


Por fim, da lição de Adalberto Pasqualotto 26 , é prudente referir o fundamento<br />

da transação, que como qualquer contrato apresenta uma nítida função social: transigir<br />

supera desentendimentos, uma vez que dirime as desavenças entre os transatores, e<br />

propcia a harmonia dos interesses privados dos contratantes, bem como conveniência<br />

para toda a coletividade, por significar economia processual ao eliminar a lide judicial já<br />

existente, ou sequer instaurá-la.<br />

1.3 Concepção de Transação no Código Tributário Nacional<br />

A aplicação da transação no direito tributário sofre limitações, se comparada<br />

com a sua utilização no direito civil, em face das regras restritivas que compõem o<br />

Direito Público e dos princípios existentes no Direito Constitucional, Administrativo e<br />

Tributário.<br />

O Código Tributário Nacional dispõe no art. 171:<br />

A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo<br />

da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas,<br />

importe determinação 27 de litígio e consequente extinção de crédito tributário.<br />

Parágrafo Único: A lei indicará a autoridade competente para autorizar a<br />

transação em cada caso 28 .<br />

Conforme a redação do citado artigo, a disposição normativa não restringe o<br />

exercício da transação, estando a aplicação do instituto balizado pela Constituição,<br />

que, a seu turno, não impõe qualquer impedimento para a adoção de soluções<br />

conciliatórias em matéria tributária.<br />

Nesse sentido, transacionar é fazer um acordo, onde a Fazenda e o<br />

contribuinte inadimplente ajustam concessões mútuas. Todavia, pelas particularidades<br />

de sua aplicação, resta claro que somente poderá haver transação se existir previsão<br />

legal expressa autorizando o instituto, e prestando-se para a terminação do litígio que<br />

verse sobre a extinção do crédito tributário.<br />

Da lição de Paulo de Barros Carvalho refere-se:<br />

Os sujeitos do vínculo concertam abrir mão de parcelas de seus direitos,<br />

chegando a um denominador comum, teoricamente interessante para as duas<br />

partes, e que propcia o desaparecimento simultâneo do direito subjetivo e do<br />

dever jurídico correlato 29 .<br />

Alguns autores mencionam a dúvida e a controvérsia como elementos<br />

essenciais para a realização da transação, ideia que, como já visto, vem desde o direito<br />

romano.<br />

Consoante orientação de Bernardo Ribeiro de Moraes, entende-se:<br />

Encontrou-se, na transação, um instrumento para terminar litígios tributários,<br />

desde que estes apresentem dúvidas sobre certa relação jurídica. Inexistindo<br />

26 PASQUALOTTO, Adalberto. op. cit., p. 304 - 305.<br />

27 A palavra determinação mantém-se na redação conforme publicação oficial. O correto seria<br />

terminação. Essa é a orientação registrada por algumas editoras.<br />

28 BRASIL, Lei 5.172 de 25-10-1966. Código Tributário Nacional.<br />

29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 532.<br />

8


dúvida, a transação perde o seu objeto ou finalidade. [...] A transação exige a<br />

existência de uma relação jurídica duvidosa, mesmo que seja o receio do<br />

resultado de um processo ainda não iniciado, e a existência de concessões<br />

mútuas, de parte à parte. De um lado a Fazenda Pública e de outro o sujeito<br />

passivo. O crédito tributário, por sua vez, já deve estar formalizado 30 .<br />

No mesmo sentido assevera Hugo de Brito Machado:<br />

Geralmente, da transação decorre a extinção da relação obrigacional que<br />

albergava o litígio, mas tal extinção não constitui o objetivo da transação. O que<br />

há de ficar extinto pela transação é o litígio, potencial ou já instalado, vale dizer,<br />

a incerteza quanto a relação jurídica, que era incerta e por isso mesmo abrigava<br />

pretensões opostas. Com a transação desaparece a lide, vale dizer, a pretensão<br />

resistida. Não necessariamente a relação que dava ensejo às pretensões 31 .<br />

Se é assim, desde logo reitera-se que o contexto de aplicação da transação<br />

em matéria tributária é restrito e tem por finalidade extinguir o crédito tributário por meio<br />

de acordo, em que a Fazenda Pública e o contribuinte cedem a algo entendido como<br />

controvertido para resolver o litígio ou a dúvida.<br />

A possibilidade de extinção do crédito tributário mediante um instituto<br />

consensual, como a transação, evidencia uma aparente contradição, pois há o<br />

confronto entre a obrigatoriedade da cobrança do tributo e a possibilidade de um<br />

acordo para a solução da pretensão resisitida pelo sujeito passivo, pois esse tem o<br />

dever legal de pagar tributos e o sujeito ativo tem a obrigação de arrecadar os valores<br />

pecuniários vinculados às hipóteses e discriminações constantes no Código Tributário<br />

Nacional.<br />

Interpretando o art. 171 do mencionado código, Nadja Araújo observa que a<br />

autorização da lei para que as partes transijam, é a busca pelo valor devido ao Fisco, e<br />

a finalidade almejada através do acordo, é o encerramento do litígio e a consequente<br />

extinção do crédito tributário, ficando a cargo do legislador, além de permitir, delimitar<br />

as condições concernentes às concessões mútuas entre o gestor fazendário e o<br />

contribuinte devedor, por meio da solução autocompositiva.<br />

Nessa ordem de considerações, a lei que permite a realização da transação<br />

deve fixar os limites de atuação de ambos os pólos, ativo e passivo, e indicar a<br />

autoridade administrativa competente, que estando diante de uma demanda sobre o<br />

crédito tributário já constituído e tendo por finalidade o encerramento das pretensões<br />

controversas, deve avaliar a possibilidade de concretização do ajuste para extinguir a<br />

dívida mediante concessões recíprocas.<br />

Essa autoridade administrativa, exerce, certamente, um juízo de conveniência<br />

e oportunidade, para restringir e concordar com o pactuado entre a Fazenda e o<br />

contribuinte, todavia, não pode extrapolar os interesses voltados à satisfação coletiva e<br />

as finalidades tuteladas em Lei. As decisões da autoridade fiscal devem obedecer às<br />

30<br />

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.<br />

457.<br />

31<br />

MACHA<strong>DO</strong>, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Vol. III, São Paulo: Atlas,<br />

2005. p. 512.<br />

9


disposições do art. 141 do Código Tributário Nacional 32 e avaliar a pertinência pela<br />

autocomposição na solução da questão com a consequente extinção do crédito<br />

tributário, conforme a permissão da lei, no art. 171.<br />

Quanto a iniciativa da proposta para a realização da transação, a doutrina não<br />

é uniforme. Alguns autores entendem que tanto o Fisco quanto o contribuinte podem<br />

fazer a proposição. Outros mencionam que a iniciativa cabe apenas à Administração<br />

Pública. Láudio Fabretti explica que a proposta de um acordo para transigir em matéria<br />

tributária é oferecida pela Administração Pública, por meio de lei, com o intuito de<br />

encerrar um litígio administrativo ou judicial, que trate de pagamento de crédito<br />

tributário. Seriam feitas concessões por parte do Fisco, visando o interesse público (por<br />

exemplo, diminuindo despesas desnecessárias para o Estado na cobrança de créditos<br />

de pequeno valor), e por parte do sujeito passivo, com a finalidade de atingir os<br />

interesses da coletividade. Se for aceita pelo devedor a proposta da Administração e as<br />

condições estabelecidas por ela, ocorrerá a extinção do crédito tributário na forma<br />

prevista em lei, referente à transação 33 .<br />

Hugo de Brito Machado, por outro lado, comenta que a proposta de transação<br />

cabe para ambos os pólos, passivo e ativo, do crédito tributário:<br />

A celebração da transação não poderia ser feita por qualquer agente do Fisco. A<br />

lei definiria o procedimento a ser adotado e o órgão competente para esse fim. O<br />

procedimento poderia ser da iniciativa do contribuinte, em face da exigência que<br />

considerasse descabida. A proposta do acordo não configuraria confissão, nem<br />

reconhecimento do direito da Fazenda, mas simplesmente uma tentativa de<br />

evitar o litígio em face de certas particularidades da situação de fato, ou das<br />

normas legais aplicáveis, capazes de ensejar fundada dúvida sobre a relação<br />

obrigacional tributária.[...] Assim, lavrado um auto de infração, o contribuinte<br />

poderia impugnar a exigência e também, simultaneamente, propor a transação.<br />

Ou propor a transação e reservar-se para impugnar a exigência no caso de não<br />

ser a transação a final celebrada 34 .<br />

Enfrentando-se a questão, uma vez apresentada pelo contribuinte a proposta<br />

para transigir, o processo administrativo seria interrompido temporariamente pelo órgão<br />

julgador, que o enviaria à autoridade competente para a celebração do acordo. Uma<br />

vez efetuada a transação, cumprindo-se as exigências do procedimento, o crédito<br />

tributário seria pago conforme o estabelecido entre os transatores e, assim, extinta a<br />

obrigação. Se, por hipótese, efetivamente não ocorrer a transação, o contribuinte teria<br />

assegurado o seu direito de impugnar a exigência da cobrança, como acontece<br />

usualmente.<br />

Pela disposição do Código Tributário Nacional, que autoriza as partes<br />

transigirem para a terminação de litígio, merece registro que a transação tributária dáse<br />

somente em âmbito judicial (terminativa). A modalidade extrajudicial (preventiva),<br />

não é admitida no direito tributário. Sacha Calmon Navarro Coêlho asinala que “pelo<br />

32 CTN, Art.141: O crédito tributário regularmente constituido somente se modifica ou extingue, ou tem<br />

sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser<br />

dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas<br />

garantias. BRASIL, Lei n. 5.1172, de 25 de outubro de 1966.<br />

33 FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade Tributária. São Paulo: Atlas, 2000. p. 152.<br />

34 MACHA<strong>DO</strong>, Hugo de Brito. op. cit., p. 529 - 530.<br />

10


sistema do CTN, portanto, a transação só pode ser terminativa do litígio, afastada a<br />

modalidade preventiva” 35 . A doutrina é pacífica quanto a essa classificação,<br />

entendendo que cabe a transação quando já instalada a controvérsia, mas não é<br />

unânime quanto a sua ocorrência, ou seja, se o instituto pode ser aplicado somente em<br />

lide já judicializada ou também na esfera administrativa.<br />

A obra de Bernardo Ribeiro de Moraes menciona que transigir em matéria<br />

tributária apenas é possível quando já existe uma lide judicial:<br />

Assim, verifica-se que a transação tem por objeto exclusivamente a terminação<br />

de litígio e o não litígio, dúvida ou controvérsia (como é no direito privado).<br />

Como litígio somente existe em processo contencioso, onde existe formação de<br />

juízo para a apreciação da causa, a transação somente pode ser realizada em<br />

processos judiciais 36 .<br />

De modo diferente afirma Paulo de Barros Carvalho, que entende ser possível<br />

o cabimento da transação na esfera administrativa:<br />

Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a transação tanto previne<br />

como termina litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite a<br />

transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo seus<br />

mútuos interesses, transijam. Agora, divergem os autores a propósito das<br />

proporções semânticas do vocábulo litígio. Querem alguns que se trate de<br />

conflito de interesses deduzido judicialmente, ao passo que outros estendem a<br />

acepção a ponto de abranger as controvérsias meramente administrativas. Em<br />

tese, concordamos com a segunda alternativa. O legislador do Código não<br />

primou pela rigorosa observância das expressões técnicas, e não vemos por<br />

que o entendimento mais largo viria em detrimento do instituto ou da<br />

racionalidade do sistema. O diploma legal permissivo da transação trará,<br />

certamente, o esclarecimento desejado, indicando a autoridade ou as<br />

autoridades credenciadas a celebrá-la 37 . (grifo do autor)<br />

Outro assunto que considera-se oportuno elucidar, é a divergência da doutrina<br />

quanto ao aspecto do parcelamento 38 na aplicação da transação, pois há autores que<br />

associam o parcelamento com a transação.<br />

Manoel Álvares esclarece:<br />

35<br />

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,<br />

2010. p.739.<br />

36<br />

MORAES, Bernardo Ribeiro de. op.cit., p. 457.<br />

37<br />

CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 532 - 533.<br />

38<br />

A moratória, prevista em lei, é gênero da espécie parcelamento e ambos são causas suspensivas da<br />

exigibilidade do crédito. Conforme Luciano Amaro, a moratória “consiste na prorrogação do prazo (ou na<br />

concessão de novo prazo, se já vencido o prazo original) para o cumprimento da obrigação.” O<br />

parcelamento é uma concessão dada pela autoridade administrativa, com permissão legal, onde o<br />

sujeito passivo poderá pagar o crédito tributário em um número determinado de prestações fixadas<br />

previamente. Enquanto perdurar o acordo, a Fazenda não pode exigir a totalidade do crédito, e,<br />

tampouco, dá-lo por extinto. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2010.<br />

p. 405 e 693. Sacha Calmon Navarro Coêlho menciona que “a moratória, lato sensu, não é transação,<br />

que no Direito Tributário brasileiro não pode ser preventiva (art. 171 CTN), mas tão-somente terminativa<br />

de litígio judicial. Pode, no entanto, decorrer de transação judicial, já que esta é, no fundo, modus<br />

operandi”. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 739.<br />

11


A transação não se confunde com o parcelamento. A primeira é causa de<br />

extinção, enquanto o segundo é causa de suspensão da exigibilidade do crédito<br />

tributário. Por isso, não cumprido o parcelamento, o crédito tributário pode voltar<br />

a ser exigido por inteiro ou pelo saldo remanescente relativo às parcelas não<br />

quitadas 39 . (grifo do autor)<br />

O entendimento de Ricardo Lobo Torres é diverso:<br />

Assim acontece, por exemplo, com o parcelamento da dívida fiscal, com a<br />

dação em pagamento, com a remissão parcial. Se a discussão sobre o crédito<br />

tributário já se tiver projetado para a esfera judicial, a transação consistirá no<br />

reconhecimento pelo sujeito passivo da liquidez a certeza do direito da Fazenda<br />

e na renúncia à interposição de recurso, e por parte do sujeito ativo, na<br />

concordância em receber o seu crédito parceladamente ou mediante a entrega<br />

de bens 40 .<br />

Acrescenta-se, contudo, o que observa Paulo de Barros Carvalho, sobre a<br />

efetiva extinção do crédito tributário mediante a realização da transação:<br />

Mas, é curioso verificar que a extinção da obrigação, quando ocorre a figura<br />

transacional, não se dá, propriamente, por força das concessões recíprocas, e<br />

sim do pagamento. O processo de transação tão somente prepara o caminho<br />

para que o sujeito passivo quite sua dívida, promovendo o desaparecimento do<br />

vínculo. Tão singela meditação já compromete o instituto como forma extintiva<br />

de obrigações 41 .<br />

A casuística dos tribunais, não seguindo a doutrina, assevera a distinção dos<br />

institutos da transação, que é modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, III<br />

CTN) e do parcelamento, que é forma de suspensão do crédito tributário (art. 151, VI<br />

CTN), como já mencionado, demonstrando que ambos não se confundem. O<br />

parcelamento prorroga o prazo para o pagamento do crédito tributário. A transação<br />

extingue a obrigação. Nesse sentido, ilustra-se com um julgado do TRF4.<br />

Em decisão recente, no sentido de demonstrar que os institutos da transação e<br />

do parcelamento não se confundem, foi o entendimento da Egrégia 2ª Turma do<br />

Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que negou provimento ao Agravo de<br />

Instrumento interposto por VER<strong>DE</strong> BRASIL CORRETORA <strong>DE</strong> SEGUROS <strong>DE</strong> VIDA<br />

LTDA, contra decisão que negou seguimento ao agravo de instrumento, com base no<br />

art. 557, caput, do Código de Processo Civil.<br />

No caso em tela, a empresa postulou pelo desbloqueio do valor penhorado on<br />

line, pois foi acertado parcelar a dívida, e a penhora, realizada em data anterior ao<br />

parcelamento dos valores. A ora agravante pediu pelo desbloqueio do dinheiro, uma<br />

vez que as parcelas vincendas já estavam determinadas. O tribunal entendeu que não<br />

houve adesão à transação ou à novação, por exemplo, o que resultaria na extinção do<br />

crédito, mas sim parcelamento da dívida, o que acarreta em suspensão da<br />

exigibilidade, persistindo, assim, o vínculo obrigacional e servindo de garantia o valor<br />

bloqueado.<br />

39 ÁLVARES, Manoel. Código Tributário Nacional Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Artigo<br />

por Artigo, inclusive ICMS e ISS. São Paulo: revista dos Tribunais, 2007. p. 746.<br />

40 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.<br />

298.<br />

41 CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit., p. 532.<br />

12


Ementa TRIBUTÁRIO. AGRAVO <strong>DE</strong> INSTRUMENTO. SOLUÇÃO IMEDIATA.<br />

AGRAVO LEGAL. <strong>DE</strong>CISÃO AGRAVADA. POSSIBILIDA<strong>DE</strong>. PENHORA.<br />

A<strong>DE</strong>SÃO A PARCELAMENTO. MANUTENÇÃO.<br />

1 - Viável solver o agravo de instrumento por meio de decisão terminativa<br />

quando o seu objeto confronta jurisprudência dominante ou está em sintonia<br />

com precedentes dos tribunais superiores. Inteligência dos artigos 557 - caput e<br />

§1º-A -, do CPC e 5º, inciso LXXVIII, da CF.<br />

2 - A adesão a parcelamento não implica novação ou transação do débito,<br />

apenas provocando a suspensão da sua exigibilidade pelo período em que<br />

perdurar a avença. Por isso, todas as garantias já prestadas mantém-se,<br />

não havendo como liberá-las antes da total extinção da dívida. (grifo nosso)<br />

3 - Quando do pedido de parcelamento, já havia sido ordenada e efetivada a<br />

penhora on line, motivo pelo qual não há falar em liberação do bloqueio, o qual<br />

servirá de garantia a eventual e futuro prosseguimento da execução.<br />

4 - Agravo legal improvido.<br />

Fonte D.E. 24/03/2010 Relator ARTUR CÉSAR <strong>DE</strong> SOUZA Decisão Vistos e<br />

relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia<br />

2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar<br />

provimento ao agravo legal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas<br />

que ficam fazendo parte integrante do presente julgado 42 .<br />

Assim como outras figuras previstas no Código Tributário Nacional, como a<br />

compensação e a remissão, a transação é um dos mecanismos permitidos pela<br />

legislação tributária para a extinção do crédito tributário. Tendo o administrador uma<br />

margem de discricionariedade para eleger os meios mais adequados à realização de<br />

um fim, os critérios para a sua orientação devem estar concernentes aos Princípios<br />

que regem a Administração, sem possibilidade de arbítrio.<br />

2. PRINCIPIOLOGIA<br />

Os Limites de Controle Constitucional no Âmbito da Atividade Administrativa e<br />

Tributária<br />

Os limites de controle de constitucionalidade atinentes à atividade<br />

administrativa e tributária que considera-se oportuno enfrentar, sem aprofundar todos<br />

os postulados elencados no art. 37 da Constituição Federal, são as limitações<br />

concernentes à efetiva execução da transação, quais sejam, os Princípios da<br />

Legalidade, da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o da Eficiência.<br />

Legalidade, pela óbvia razão de ser o art. 171 do Código Tributário Nacional<br />

uma norma excepcional, que determina a necessidade de lei que autorize a sua<br />

aplicação prática. O propósito do exame dos Princípios da Supremacia do Interesse<br />

Público sobre o Privado e o da Eficiência, é que, para transigir, a Indisponibilidade do<br />

Interesse Público contrapõe-se à Eficiência, na medida em que aquele princípio é o<br />

maior argumento dos que rejeitam a realização do instituto, e esse, é a principal<br />

defesa para a sua utilização.<br />

42<br />

Jurisprudência TRF4: AG 0002124-55.2010.404.0000, 2ª Turma, Relator Artur César de Souza, D.E.<br />

24/03/2010). Disponível em:<br />

Acesso: 3 set. 2010.<br />

13


2.1 Princípio da Legalidade<br />

O Princípio da Legalidade adveio da necessidade de limitar o poder estatal,<br />

caracterizando a democracia republicana e significando a supremacia da Lei,<br />

fundamento e limite de validade da atividade administrativa, incluindo-se, neste<br />

contexto, a Administração Fazendária.<br />

Conforme Celso Antônio Bandeira de Melo:<br />

[...] o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente<br />

aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o<br />

princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o direito administrativo<br />

(pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é<br />

uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a<br />

consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na<br />

conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade<br />

sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à<br />

lei 43 .<br />

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento à<br />

lei, ou seja, à Administração só é permitido fazer o que a norma autoriza. As leis<br />

administrativas são de ordem pública, cogentes, e seus preceitos não podem ser<br />

descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e<br />

destinatários. A finalidade do Princípio da Legalidade é o de submeter os exercentes<br />

do poder em concreto a um quadro normativo que não se caracterize por favoritismos,<br />

perseguições, desmandos ou qualquer negociação que extrapole o balizamento que<br />

sofre o Estado. Pretende-se por meio da norma geral, abstrata e impessoal, qual seja,<br />

a lei, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da<br />

harmonia social.<br />

Roque Antônio Carrazza esclarece:<br />

O Estado de Direito limita os poderes públicos, isto é, concretiza-se numa<br />

proibição de agir em desfavor das pessoas. Por isso, nele, para a melhor defesa<br />

dos direitos individuais, sociais, coletivos e difusos, a Constituição vincula não só o<br />

administrador e o juiz, mas o próprio legislador. De fato, tais direitos são<br />

protegidos também diante da lei, que deve se ajustar aos preceitos constitucionais.<br />

A garantia disso está no controle da constitucionalidade, que, na maioria dos<br />

ordenamentos jurídicos, é levado a efeito pelo Poder Judiciário 44 .<br />

A Administração Pública, para alcançar os interesses da coletividade, precisa<br />

ter disponibilidade financeira, arrecadando receita, e essa é proveniente,<br />

principalmente, do pagamento de tributos que o particular realiza, entregando somas<br />

em dinheiro para o Estado manter em funcionamento seus mecanismos. Essa<br />

obrigação tributária é compulsória e nasce por lei, não se confundindo com penalidade<br />

por ato ilícito. Portanto, o Princípio da Legalidade é uma proteção ao cidadão contra<br />

43<br />

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. p.<br />

88 - 89.<br />

44<br />

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros,<br />

2008. p. 240.<br />

14


atos arbitrários da Administração e um comando para o legislador, que não pode, por<br />

exemplo, criar tributos por portarias, decretos ou atos normativos.<br />

Assim, a Administração Pública e a Administração Fazendária interagem, e<br />

estão submetidas à Reserva Legal, que determina suas ações e estabelece os seus<br />

limites. O Princípio da Legalidade, então, apresenta-se como uma barreira aos<br />

excessos e arbitrariedades 45 , restringindo a atuação estatal aos ditames legais e<br />

resguardando direitos pessoais e coletivos.<br />

A transação tributária difere da transação aplicada no direito civil justamente<br />

no que concerne aos princípios regentes do direito administrativo, contrários à<br />

autonomia da vontade e, principalmente, ao Princípio da Legalidade, expressamente<br />

previsto no art. 171 do Código Tributário Nacional. Para a realização da transação no<br />

âmbito tributário, as delimitações e condições de atuação da Administração Fiscal<br />

devem estar claras e só podem existir em conformidade com o Princípio da Reserva<br />

Legal. O administrador fazendário tem permissão para agir conforme a lei lhe faculte,<br />

mas não poderá extrapolar o que não lhe é permitido realizar. Essa é uma garantia<br />

que o cidadão contribuinte tem, conforme menciona Rubens Miranda de Carvalho, pois<br />

os atos praticados pela autoridade fiscal devem se submeter ao Princípio<br />

Constitucional da Legalidade, sob pena de nulidade ou anulabilidade. A prática da<br />

transação tributária por um lado é limitada, e por outro é autorizada, dentro dos termos<br />

normatizados, estando conservada à margem legalmente atribuída de<br />

discricionariedade administrativa 46 .<br />

Cumpre mencionar, nesse momento, a definição de discricionariedade<br />

administrativa, conforme Juarez Freitas:<br />

[...], pode-se conceituar a discricionariedade administrativa legítima como a<br />

competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no<br />

plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes<br />

e consistentes de conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente<br />

aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais da efetividade do<br />

direito fundamental à boa administração pública 47 .<br />

A doutrina, todavia, concorda com o entendimento de que a principal cautela<br />

que o agente fazendário deve observar e considerar ao realizar a transação é o<br />

atendimento ao Princípio da Indisponibilidade do Interesse da Coletividade, pois não há<br />

45 Ao agir arbitrariamente, conforme Celso A. B. Mello, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois<br />

terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, é ilícito e por isso mesmo<br />

corrigível judicialmente. MELO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 403. Juarez Freitas, diz que “o<br />

exercício da discricionariedade administrativa pode resultar viciado por abusividade (arbitrariedade por<br />

excesso) ou por inoperância (arbitrariedade por omissão). Em ambos os casos é violado o princípio da<br />

proporcionalidade, que determina ao Estado Democrático não agir com demasia, tampouco de maneira<br />

insuficiente, na consecução dos objetivos constitucionais.” O autor aponta como vícios no exercício da<br />

discricionariedade administrativa a arbitrariedade por ação (hipótese em que o agente público extrapola<br />

os limites impostos à sua competência, optando por decisão sem amparo legal ou sem destinação<br />

específica), e a arbitrariedade por omissão (hipótese em que o administrador não observa a escolha<br />

mais correta ou a exerce com inoperância, não atentando, inclusive, aos deveres de prevenção e<br />

precaução). FREITAS, Juarez. Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa<br />

Administração Pública. São Paulo. Malheiros, 2009. p. 64.<br />

46 CARVALHO, Rubens Miranda de. op. cit., p. 37 – 38.<br />

47 FREITAS, Juarez. op.cit., p. 24.<br />

15


hipótese de transigir com o que pertence a todos os cidadãos. A possibilidade de não<br />

observância a esse princípio é o principal argumento dos juristas contrários à aplicação<br />

da transação.<br />

2.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado<br />

O preceito constitucional atinente à Supremacia do Interesse Público sobre o<br />

Privado é a premissa maior que o legislador e os agentes dos Poderes Executivo,<br />

Legislativo e Judiciário devem considerar para orientar a atividade do Estado, tendo a<br />

Constituição como balizador.<br />

Tal princípio é inerente a condição de existência da sociedade, sendo um dos<br />

limitadores da discricionariedade administrativa, pois não há proveito maior a ser<br />

preservado do que o da coletividade, que é a titular do exercício do interesse público. A<br />

indisponibilidade do patrimônio coletivo vigora desde o momento da elaboração das leis<br />

até a aplicação efetiva da norma pela Administração Pública e vincula o administrador<br />

na prática da função administrativa.<br />

O interesse público está diretamente relacionado aos direitos fundamentais, e<br />

ambos precisam ser, necessariamente, compatíveis. Daí Marçal Justen Filho dizer:<br />

A atividade administrativa do Estado Democrático de Direito subordina-se,<br />

então, a um critério fundamental que é anterior à supremacia do interesse<br />

público. Trata-se da supremacia e indisponibilidade dos direitos<br />

fundamentais 48 . (grifo do autor)<br />

Na esfera administrativa, a supremacia do interesse público sobre o privado dáse,<br />

justamente, na função administrativa, que é o cumprimento a certas finalidades<br />

restritas à lei, por isso há a submissão ao propósito do que for conveniente para os<br />

interesses da coletividade. A Administração, nesse sentido, conforme Celso A. B.<br />

Mello, desempenha “deveres-poderes” que são irrenunciáveis e servem para atender a<br />

certos objetivos, pois o poder se subordina ao cumprimento, no interesse alheio, de<br />

uma dada finalidade 49 . O autor explica:<br />

Com efeito, por exercerem função, os sujeitos de Administração Pública têm que<br />

buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o<br />

interesse de seu próprio organismo, qua tale considerado, e muito menos o dos<br />

agentes estatais 50 .<br />

Em rigor, a Fazenda Pública não pode transigir com o interesse público<br />

administrado por ela. A transação somente pode ser celebrada para encerrar um litígio<br />

envolvendo questões tributárias, mediante rigorosos critérios e limites estabelecidos<br />

em lei, consequência inerente ao Princípio da Primazia do Interesse Público, que<br />

sugere a indisponibilidade do crédito de origem tributária, justamente por este ser a<br />

fonte dos recursos pecuniários necessários ao funcionamento operacional do Estado.<br />

48 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 46.<br />

49 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 87.<br />

50 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. ibidem., p. 88.<br />

16


Em relação ao crédito tributário, é evidente a supremacia do interesse público<br />

sobre o interesse privado, situação oposta à da autonomia da vontade, típica do direito<br />

privado. Celso A. B. De Mello, leciona que:<br />

Como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o<br />

interesse público, tem a possibilidade, nos termos da Lei, de constituir terceiros<br />

em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como<br />

quaisquer atos do Estado. [...] Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria<br />

Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato,<br />

sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a<br />

chamada auto executoriedade dos atos administrativos. Esta, contudo, não<br />

ocorre sempre, mas apenas nas seguintes duas hipóteses: a) quando a lei<br />

expressamente preveja tal comportamento; b) quando a providência for urgente<br />

ao ponto de demandá-la de imediato, por não haver outra via de igual eficácia e<br />

existir sério risco de perecimento do interesse público se não for adotada 51 .<br />

A autoridade fazendária, conforme já dito, não pode renunciar aos poderes que<br />

a lei lhe confere, pois ela representa o interesse coletivo. Alguns autores, como<br />

Humberto Ávila e Juarez Freitas, por exemplo, defendem que o conceito de interesse<br />

público se submeta aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, por tratarse<br />

de um dever da Administração genérico, ou seja, o conceito de interesse público é<br />

indefinido e abrange, amplamente, a inspiração para um modelo de sociedade<br />

democrática. Nesse sentido é que a eficiência passa a ser uma das referências<br />

almejadas pela Administração.<br />

2.3 Princípio da Eficiência<br />

O princípio da Eficiência agrega-se aos demais princípios consolidados<br />

expressamente à Administração Pública a partir da Emenda Constitucional n.19/98 no<br />

caput do art. 37 da Constituição Federal, mas, o postulado já estava previsto desde a<br />

Constituição de 1988, conforme o art. 74, II:<br />

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de<br />

forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: [...]<br />

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e<br />

eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e<br />

entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos<br />

públicos por entidades de direito privado 52 . (grifo nosso)<br />

A determinação desse dispositivo evidencia a exigência constitucional de<br />

eficiência por parte do poder público, incluída aqui a atividade do agente fazendário.<br />

Neste sentido, merece destaque o que esclarece Humberto Ávila 53 , pois o autor<br />

interpreta que as novas disposições da Emenda Constitucional n. 42/03 podem ser<br />

conjugadas à imposição de eficiência administrativa tributária, citando o art. 37, XXII e<br />

o art. 52, XV da Constituição Federal:<br />

51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit., p. 85.<br />

52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.<br />

53 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 440 - 441.<br />

17


Art. 37. [...]<br />

XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e<br />

dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas<br />

por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a<br />

realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o<br />

compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou<br />

convênio.<br />

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...]<br />

XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional,<br />

em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações<br />

tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios 54 .<br />

Como assevera o citado doutrinador, apesar desses artigos de lei não<br />

mencionarem expressamente a palavra eficiência, sua interpretação leva a esse<br />

entendimento, pois buscam como finalidade o bom funcionamento e a eficácia da<br />

Administração Pública.<br />

A boa administração tem como valor agregado a eficácia, que,<br />

consequentemente, tem relação estreita com a realização das finalidades<br />

administrativas. Cita-se, novamente, Humberto Ávila, que enfrenta a questão<br />

comparando eficiência com proporcionalidade, exigências que norteiam a realização<br />

da boa administração:<br />

O postulado da proporcionalidade exige que a administração escolha, para a<br />

realização de fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é<br />

necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para<br />

promover o fim, for o menos restritivo para o administrado. E um meio é<br />

proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove superam as<br />

desvantagens que provoca. [...] Essa exigência mínima de promoção dos fins<br />

atribuídos à administração é o próprio dever de eficiência administrativa 55 .<br />

Maria Sylvia Zanella Di Pietro tem o seguinte entendimento sobre o Princípio<br />

da Eficiência:<br />

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser<br />

considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se<br />

espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os<br />

melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar<br />

a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os<br />

melhores resultados na prestação do serviço público 56 .<br />

Ressalta-se que a eficiência econômica não é sinônimo de eficiência<br />

administrativa. Marçal Justen Filho esclarece:<br />

Quando se afirma que a atividade estatal é norteada pelo princípio da eficiência,<br />

não se impõe a subordinação da atividade administrativa à racionalidade<br />

econômica, norteada pela busca do lucro e da acumulação da riqueza. [...] A<br />

atividade da Administração pública é norteada por uma pluralidade de princípios,<br />

todos os quais devem ser realizados de modo conjunto e com a maior<br />

54 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.<br />

55 ÁVILA, Humberto; op. cit., p. 445 - 447.<br />

56 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2004. p. 83.<br />

18


intensidade possível. Veda-se o desperdício econômico precisamente porque a<br />

otimização dos recursos propicia realização mais rápida e mais ampla dos<br />

encargos estatais. Quando houver incompatibilidade entre a eficiência<br />

econômica e certos valores fundamentais, deverá adotar-se a solução que<br />

preserve ao máximo todos os valores em conflito, mesmo que tal signifique uma<br />

redução da eficiência econômica 57 .<br />

A possibilidade de haver um acordo entre o Fisco e o contribuinte, através de<br />

transação, arbitragem ou conciliação judicial, por exemplo, é uma tendência apontada<br />

por alguns autores como a mais coerente forma de obedecer ao Princípio da Eficiência,<br />

pois agiliza a gestão da Fazenda Pública, vindo ao encontro dos interesses da<br />

sociedade.<br />

A prática da transação tributária, para os que a defendem, traz a certeza da<br />

arrecadação, provinda do acordo entre a Fazenda e o sujeito passivo, e apresenta<br />

como consequência economia de tempo e de dinheiro. Registra-se o que assinala<br />

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy:<br />

A ideia de eficiência, [...] vincular-se-ia, em princípio, à redução dos desperdícios<br />

de dinheiro público, mediante a execução dos serviços prestados à comunidade<br />

com presteza, perfeição e rendimento funcional. No entanto, a redução do<br />

desperdício do dinheiro público também pode ser obtida mediante alocação mais<br />

adequada dos recursos do Estado. Esta circunstância pode ser alcançada, entre<br />

outros, pela diminuição da litigância entre os entes e a Administração, o que<br />

enseja a proposta do modelo de transação 58 .<br />

Citando Nadja Araújo, a autora explica que para o cumprimento do Princípio da<br />

Eficiência, a oportunidade de o contribuinte entrar em consenso com a Fazenda sobre<br />

a cobrança fiscal, é um meio hábil de transformar a exigência controvertida, e por isso<br />

não arrecadada, em acordo e, consequentemente, em recebimento do crédito:<br />

O princípio da eficiência ganha especial relevo no estudo. É fato inconteste que<br />

a litigiosidade inerente à exação só resulta na postergação da materialização do<br />

crédito tributário, eximindo o contribuinte-litigante de deveres legais no intervalo<br />

da discussão. Nesse contexto, a permissão legal para a composição de litígios<br />

tributários é uma hipótese que anuncia um procedimento atento às diretrizes de<br />

eficiência e certeza para as partes envolvidas, em decorrência da arrematação<br />

conjunta da exigência estatal, (re)inserindo o Particular no âmbito obrigacional 59 .<br />

Favorável à transação, está o argumento de que a atividade administrativa não<br />

está imune a controle, mesmo em atos discricionários do administrador público. A<br />

vinculação aos princípios, garantias e direitos fundamentais é irrenunciável por parte<br />

da Administração Pública.<br />

Merecem registro as palavras de Juarez Freitas:<br />

57<br />

JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit., p. 86 - 87.<br />

58<br />

GO<strong>DO</strong>Y, Arnaldo S. Moraes.Transação Tributária: Introdução à Justiça Fiscal Consensual. Belo<br />

Horizonte: Fórum, 2010. p. 129.<br />

59<br />

ARAÚJO, Nadja. Transação Tributária: Possibilidade de Consenso na Obrigação Imposta. Porto<br />

Alegre: Núria Fabris, 2009. p.13.<br />

19


[...] o estado da discricionariedade legítima, na perspectiva adotada, consagra e<br />

concretiza o direito fundamental à boa administração pública, que pode ser<br />

assim compreendido: trata-se do direito fundamental à administração pública<br />

eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência,<br />

motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à<br />

plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito<br />

corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações<br />

administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a<br />

regem 60 .<br />

Heleno Taveira Torres é um dos maiores defensores da transação tributária e<br />

entende que a indisponibilidade do crédito público não é absoluta, pois o mesmo pode<br />

ser modificado por decisão judicial. Reconhece que pode acontecer, para a solução do<br />

conflito, a redução do recebimento do crédito devido em relação às multas e juros [não<br />

quanto ao montante do débito principal do contribuinte], mas, mesmo assim, é um<br />

procedimento técnico vantajoso 61 .<br />

Hugo de Brito Machado também é favorável a realização da transação, nos<br />

moldes em que é aplicada atualmente:<br />

Para aceitarmos a transação no Direito Tributário, realmente, basta<br />

entendermos que o tributo, como os bens públicos em geral, é patrimônio do<br />

Estado. Indisponível na atividade administrativa, no sentido de que na prática<br />

ordinária dos atos administrativos a autoridade dele não dispõe. Disponível,<br />

porém, para o Estado, no sentido de que este, titular do patrimônio, dele pode<br />

normalmente dispor, desde que atuando pelos meios adequados para a<br />

proteção do interesse público, vale dizer, atuando pela via legislativa, e para a<br />

realização dos fins públicos. Em algumas situações é mais conveniente para o<br />

interesse público transigir e extinguir o litígio do que levar este até a última<br />

instância, com a possibilidade de restar a Fazenda Pública a final vencida. Daí<br />

a possibilidade de transação. Em casos estabelecidos na lei, naturalmente, e<br />

realizada pela autoridade à qual a lei atribuiu especial competência para esse<br />

fim 62 .<br />

Os autores contrários à aplicação da transação enfatizam, além da hipótese de<br />

renúncia fiscal, que o Direito Tributário, como atividade estatal, é tutelado por princípios<br />

e garantias aos contribuintes e sofre uma limitação bifuncional, pois temos de um lado,<br />

limites à competência de tributar, e de outro, garantias ao cidadão contribuinte. Assim<br />

como a Constituição traz, em sentido amplo, os Direitos Fundamentais do Contribuinte,<br />

nos artigos 60, §4º e 150 (estando, nesse último, o Princípio da Legalidade, que se<br />

traduz na Reserva de lei - ou Estrita Legalidade Tributária, Isonomia, Irretroatividade e<br />

Anterioridade), em sentido estrito, a Fazenda não tem autonomia para proporcionar ou<br />

oferecer benefícios fiscais ao contribuinte com quem transaciona.<br />

Vittorio Cassone pondera pela devida cautela na aplicação do instituto:<br />

Na verdade, em nosso ver, a transação, instituto de direito privado adotado pelo<br />

direito tributário, somente ocorre em casos excepcionais, de extrema dificuldade<br />

60 FREITAS, Juarez. op. cit., p. 22.<br />

61 TORRES, Heleno Taveira. Não haverá reforma tributária sem mudança de mentalidade. Disponível<br />

em: <br />

Acesso: 24 ago. 2010.<br />

62 MACHA<strong>DO</strong>, Hugo de Brito. op. cit., p. 517.<br />

20


econômico-financeira do sujeito passivo, situação que merecerá o devido<br />

exame para justificar a transação 63 . (grifo do autor)<br />

O exposto corrobora para o que destaca Ingo Sarlet, sobre a vinculação dos<br />

órgãos administrativos aos direitos fundamentais:<br />

O que importa, neste contexto, é frisar a necessidade de os órgãos públicos<br />

observarem nas suas decisões os parâmetros contidos na ordem de valores da<br />

Constituição, especialmente dos direitos fundamentais, o que assume especial<br />

relevo na esfera da aplicação e interpretação de conceitos abertos e cláusulas<br />

gerais, assim como no exercício da atividade discricionária 64 .<br />

Transacionar em matéria tributária pode ser uma opção válida para diminuir o<br />

número de demandas entre a Fazenda e o contribuinte. Verifica-se, inclusive, uma<br />

receptividade por parte da Administração em adotar mecanismos de conciliação para<br />

este fim. Todavia, é importante lembrar que trata-se de instituto especial, dada a sua<br />

particularidade em possibilitar algum grau de renúncia à receita, dentro da margem de<br />

discricionariedade concedida à autoridade competente para transigir.<br />

3. RENÚNCIA FISCAL<br />

3.1 Conceito<br />

Recolher tributos é condição para o Estado existir e manter as ações públicas<br />

que são da sua competência realizar, sendo inseparável tal arrecadação de qualquer<br />

sociedade juridicamente organizada. O objetivo que se almeja alcançar com o<br />

recolhimento da prestação de natureza tributária, todavia, pode não ser somente o de<br />

arrecadação (finalidade fiscal). Por meio da extrafiscalidade (finalidade regulatória), o<br />

Estado pode desobrigar, preterir ou diminuir o pagamento do tributo, baseado em<br />

critérios políticos, sociais ou econômicos, visando, assim, interferir na economia,<br />

desestimulando ou influenciando certos comportamentos.<br />

A prática desses benefícios fiscais, contudo, somente é válida se<br />

estabelecida por lei de ente federativo competente 65 para realizar a cobrança desse<br />

tributo, pois a concessão de vantagens importa em renúncia fiscal, uma vez que a<br />

arrecadação assegurada por lei não entrará nos cofres públicos.<br />

Láudio Fabretti, citando-o novamente, define renúncia fiscal da seguinte forma:<br />

[...] consiste no fato do Executivo, mediante lei, abrir mão de parte da<br />

arrecadação de determinado imposto para incentivar certas atividades ou<br />

regiões. Em contrapartida, a renúncia fiscal do Executivo constitui um benefício<br />

63<br />

CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2004. p. 327.<br />

64<br />

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria Editora do<br />

Advogado, 2004. p. 357.<br />

65<br />

“Renunciar à receita vinculada a tributos federais é competência da União e somente pode ser<br />

exercida por meio de dispositivos constitucionais legais, vedado o embasamento em normas infralegais.<br />

Os demais entes políticos competentes para instituir tributos (estados, Distrito Federal e municípios)<br />

também tem legitimidade para renunciar a receitas decorrentes das imposições tributárias que lhes são<br />

próprias”. ALMEIDA, Francisco Carlos Ribeiro. Uma Abordagem Estruturada da Renúncia de Receita<br />

Pública Federal. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, v. 31, n. 84, abr./jun. 2000, p. 19.<br />

21


fiscal para o contribuinte, desde que este observe com rigor os requisitos que a<br />

lei exige para o direito de utilizá-lo 66 .<br />

Alguns autores sugerem que a renúncia de arrecadação fiscal possui a<br />

natureza de um gasto tributário, afinal, o ente público deixa de receber o valor que<br />

seria arrecadado, abrindo mão do resultado social que esta receita poderia<br />

proporcionar, em obras e serviços à população.<br />

Ricardo Lobo Torres explica:<br />

Gastos tributários ou renúncias de receita são os mecanismos financeiros<br />

empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de<br />

cálculo ou de alíquota de imposto, depreciações para efeito de imposto de renda<br />

etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública<br />

(subvenções, subsídios, restituições de impostos etc.) 67 .<br />

Ainda nesse contexto, Kiyoshi Harada comenta sobre a limitação da<br />

concessão que importe em renúncia fiscal, pois é impositiva a obediência ao Princípio<br />

da Legalidade por parte do agente público:<br />

Renúncia de receitas públicas só pode ocorrer nas hipóteses e nas condições<br />

da lei. O exercício total da competência tributária não é compulsório, mas, uma<br />

vez exercitado e instituído o tributo, somente a lei poderá dispensar sua<br />

arrecadação. Por razões de política fiscal, a lei pode conceder incentivos fiscais<br />

consistentes em isenções, reduções de alíquotas, reduções de base de cálculo,<br />

bem como instituir hipóteses de moratória, de remissão e de anistia 68 .<br />

Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior diz que a renúncia de receita pode ser<br />

conceituada com base no art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000 como:<br />

[... ] a concessão, pelo ente político titular da competência tributária, de<br />

incentivos fiscais, compreendendo isenções em caráter não geral, redução de<br />

alíquota ou base de cálculo de impostos, subsídios, concessão de crédito<br />

presumido, anistia ou remissão, e outros benefícios que correspondam a<br />

tratamento diferenciado. As renúncias de receita são também denominadas de<br />

gastos tributários porque produzem os mesmos resultados econômicos da<br />

despesa pública, em razão de implicarem na não percepção de receita tributária<br />

pelo Estado, provocando o desequilíbrio orçamentário 69 . (grifo do autor)<br />

O art. 14, § 1 o da Lei Complementar n. 101/2000 define e especifica algumas<br />

das modalidades de renúncias de receitas.<br />

3.3 Previsões Legais na Constituição<br />

São pertinentes as orientações de Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, que elenca<br />

alguns artigos de lei referentes ao controle sobre as renúncias de receita presentes na<br />

Constituição Federal e expressas nos seguintes dispositivos: 70<br />

66 FABRETTI, Láudio Camargo. op. cit., p. 302.<br />

67 TORRES, Ricardo Lobo. op. cit., p.194.<br />

68 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2005. p. 111.<br />

69 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de<br />

Janeiro: Renovar, 2005. p. 48.<br />

70 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Ibidem., p. 49.<br />

22


a) art. 70, pelo qual a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional<br />

e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,<br />

quanto a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções<br />

e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante<br />

controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder; (grifo<br />

nosso)<br />

b) art. 150, § 6 o , que exige lei específica do ente político titular da competência<br />

tributária e que regule exclusivamente a matéria, para a concessão de<br />

renúncia de receita, relativas a impostos, taxas ou contribuições; (grifo<br />

nosso)<br />

c) art. 155, § 2 o , XII, g, exigindo lei complementar para regular a forma como,<br />

mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos<br />

e benefícios fiscais em matéria de ICMS serão concedidos e revogados;<br />

d) art. 156, § 3 o , III, dispõe da mesma forma no que toca ao ISS;<br />

e) art. 165, § 6 o , determina que o projeto de lei orçamentária será acompanhado<br />

de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas,<br />

decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de<br />

natureza financeira, tributária e creditícia.<br />

Cumpre observar que a transação tributária tem como semelhança, a essas<br />

espécies de renúncia fiscal, a obediência à lei, ou seja, para aplicar a transação é<br />

necessária lei específica, condição também exigida para a realização da anistia, da<br />

isenção, da alíquota zero, da imunidade e da remissão. Há diferença no tocante aos<br />

benefícios recebidos pelo sujeito passivo, pois na transação o beneficiado é um<br />

particular, e não uma coletividade, mesmo que difusa. Dentre as modalidades que se<br />

caracterizam como renúncia fiscal, a transação é uma das que pode ocorrer no campo<br />

administrativo, e essa, justamente, é a principal questão, pois a Administração não tem<br />

autonomia para gerir e decidir sobre o Erário, senão conforme disposição legal.<br />

3.4 Transação como Possibilidade de Renúncia Fiscal<br />

A transação tributária admite o consenso na cobrança fiscal, a partir do<br />

momento em que o Fisco torna-se receptivo ao diálogo com o contribuinte, como já<br />

comentado, buscando solucionar a controvérsia e tornando realizável a arrecadação,<br />

diminuindo, dessa forma, a litigiosidade.<br />

São pertinentes as observações de Hugo de Brito Machado, que analisa a<br />

possibilidade da transação ser considerada renúncia de receita, podendo estar incluída<br />

nas limitações do art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000:<br />

Atento ao elemento literal, o intérprete há de considerar que o § 1º do art. 14 da<br />

aludida lei define a abrangência do conceito de renúncia fiscal, afirmando que<br />

esta “compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de<br />

isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação da base de<br />

cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros<br />

benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”. A transação é instituto<br />

jurídico previsto no próprio Código Tributário Nacional, tem características<br />

próprias, entre as quais a bilateralidade, de sorte que não pode ser considerada<br />

abrangida pela expressão outros benefícios. Não estando especificamente<br />

referida, como não está, nem cabendo na referência genérica a outros<br />

benefícios, até porque a rigor não é propriamente um benefício, tem-se de<br />

23


concluir que o elemento literal desautoriza a aplicação do art. 14 da Lei de<br />

Responsabilidade Fiscal às transações 71 .(grifo do autor)<br />

O doutrinador não associa transação com renúncia fiscal, enfatizando que a<br />

finalidade da limitação que abrange a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade<br />

Fiscal é apenas impedir que o legislador conceda vantagens a determinados<br />

contribuintes sem motivo razoável, deixando, por essa razão, a Fazenda Pública de<br />

arrecadar a exação devida.<br />

Conforme Nadja Araújo, a lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 14,<br />

demonstra ser a transação um procedimento que pode resultar em renúncia fiscal,<br />

entendimento contrário ao de Hugo de Brito Machado, e assinala a responsabilidade<br />

do legislador competente em realizar uma avaliação cuidadosa das circunstâncias de<br />

aplicação do instituto antes da efetiva normatização, observando as regras que<br />

positivam essa decisão política, que deve ser instituída por meio de igual instrumento<br />

legislativo usado na criação do crédito pelo ente competente na circunstância<br />

específica, geralmente por lei ordinária, que deve indicar os tributos e os benefícios, e<br />

também delimitar a (in)disponibilidade de renúncia, determinando, assim, os modos<br />

admissíveis e o intervalo temporal para a efetivação das concessões. A autora explica:<br />

Estabelecido que o legislador seja detentor de uma prerrogativa de avaliação<br />

para estipulação de uma prognose, uma lei de renúncia à receita de crédito<br />

tributário deve considerar as diretrizes da gestão fiscal responsável apontadas<br />

no art. 14 da Lei Complementar n. 101, de modo a positivá-las na moldura que<br />

apresenta para a atividade administrativa subsequente. O quantum para a<br />

renúncia de receita é critério a ser considerado na ponderação entre as<br />

concessões intersubjetivas e materialização das finalidades públicas da<br />

tributação para resolver (des)autorizar o ajuste 72 .<br />

O argumento de alguns autores, por outro lado, é o de que na transação<br />

tributária não se renuncia ao crédito, mas a incerteza sobre este, que é substituída pelo<br />

acordo entre Fisco e contribuinte. Assim, a Fazenda pode substituir a dúvida sobre o<br />

valor devido (que será transacionado), por outro, menor, porém, certo (que será<br />

irrenunciável).<br />

Heleno Taveira Torres, da mesma forma, entende que a transação cabe<br />

apenas nos casos de efetiva incerteza, geradora do litígio, podendo ser aplicada<br />

quando a Administração não tenha segurança 73 da ocorrência ou interpretação dos<br />

fatos jurídicos tributários, ou seja, nos casos submetidos a presunções, quando existir<br />

71 MACHA<strong>DO</strong>, Hugo de Brito. op.cit., p. 521.<br />

72 ARAÚJO, Nadja. op.cit., p. 53.<br />

73 Rubens Miranda de Carvalho comenta que devido à subordinação que a Administração Pública sofre<br />

pelos Princípios constitucionais da Legalidade e da Indisponibilidade do Interesse Público, essa não tem,<br />

desde que ocorrida objetivamente uma hipótese de incidência tributária, a faculdade de escolher entre<br />

tributar ou não, o que não significa uma certa margem de discricionariedade de atuação permitida em lei,<br />

não quanto ao seu poder e dever de tributar (que trata-se de atribuição constitucional), mas no que se<br />

refere às circunstâncias atinentes à liquidação do crédito tributário (que pode incluir a discussão sobre a<br />

base de cálculo, ou até mesmo do critério material da obrigação tributária, como acontece em relação ao<br />

IPTU, por exemplo, na apuração de que se trate, ou não, de imóvel construído), como também em<br />

relação à arrecadação, que pode vir a indicar a conveniência de uma solução convencionada entre a<br />

Administração e o contribuinte, ou até mesmo uma renúncia fiscal pontual e parcial por parte do Fisco,<br />

na composição de um recebimento parcial do crédito. CARVALHO, Rubens Miranda de. op. cit., p.128.<br />

24


dificuldade de delimitação dos conceitos fáticos ou quando não houver provas, ou<br />

estas sejam insuficientes. O autor observa:<br />

Não se daria qualquer espécie de “renúncia” de crédito tributário, ao contrário,<br />

serviria para reforçar o princípio da verdade material, como meio para se<br />

alcançar, conjuntamente, solução célere e econômica para controvérsia que<br />

poderia ocupar lustros em pendências administrativas ou judiciais 74 .<br />

A questão que se enfrenta é que a autoridade fiscal ao efetuar a transação<br />

pode fazer concessões, renunciando à parte do crédito devido pelo agente passivo.<br />

Nessa ordem de considerações, a lei que autoriza a transação deve ser detalhada,<br />

reduzindo ao máximo a discricionariedade do agente fazendário competente para<br />

celebrá-la, bem como dispor sobre os critérios que tornem o crédito tributário<br />

transacionável, indicando em que limites a exigência fiscal pode ser reduzida em cada<br />

caso e de que forma é possível estabelecer condições mais favoráveis para que o<br />

contribuinte, efetivamente, liquide a dívida tributária.<br />

Assinala Nadja Araújo:<br />

O estágio inaugural do procedimento transacional delineado pelo art. 171, CTN,<br />

deve ser realizado no campo político do ente tributante – no âmbito da<br />

competência tributária – com o julgamento sobre a (in)disponibilidade do crédito<br />

tributário: a decisão sobre a admissão, os limites para a renúncia de receitas<br />

tributárias e a indicação da autoridade administrativa condutora da interação<br />

com o particular 75 .<br />

A autora observa que as possibilidades jurídicas que resultam na<br />

desobrigação, total ou parcial, ou na exclusão da prestação do crédito tributário<br />

(subsídio, isenção, anistia, remissão, transação, compensação, concessão de crédito<br />

presumido, redução de base de cálculo) oferecem ao legislador um certo grau de juízo<br />

da (in)disponibilidade do tributo, estando a sua decisão renunciante embasada por lei<br />

específica, conforme disciplina o art. 150, § 6º da Constituição Federal. Embora a<br />

compensação e a transação não estarem expressamente elencadas no citado artigo,<br />

tais institutos envolvem uma potencial renúncia de receita tributária, sendo adequada,<br />

portanto, a sua inclusão na análise acerca da exoneração (lato sensu) 76 .<br />

A Constituição Federal determina que o legislador se submeta ao Princípio da<br />

Indisponibilidade dosTributos, moldado, esse, à luz do Princípio da Legalidade. A<br />

legitimidade jurídica para a renúncia à receitas, portanto, deve estar antecipadamente<br />

prevista e (in)validada pelo sistema normativo de controle de (in)constitucionalidade<br />

das leis, balizando a discricionariedade do detentor da competência para transacionar.<br />

A possibilidade de extinguir o crédito tributário mediante transação em litígio,<br />

novamente, é competência do ente federativo responsável pelo respectivo tributo.<br />

Trata-se de decisão política sobre a renúncia de receita tributária autorizada através<br />

74 TORRES, Heleno Taveira. Transação, Arbitragem e Conciliação Judicial como Medidas Alternativas<br />

para Resolução de Conflitos entre Administração e Contribuintes: Simplificação e Eficiência<br />

Administrativa. Biblioteca Digital Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 1,<br />

n. 2, mar./abr. 2003. Disponível em:<br />

Acesso: 22 set. 2010.<br />

75 ARAÚJO, Nadja. op. cit., p. 39.<br />

76 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 46.<br />

25


de lei, pois a transação não tem aplicabilidade em todas as circunstâncias de<br />

incidência.<br />

Nadja Araújo explica que o motivo para a aplicação da transação (disputa<br />

sobre crédito tributário) e a finalidade a ser alcançada através do acordo<br />

(determinação de litígio e extinção do crédito tributário), estão estabelecidos na norma<br />

geral, art. 171 do Código Tributário Nacional 77 , e em seu parágrafo único está a<br />

exigência de indicação da autoridade competente para autorizar a transação em cada<br />

caso. O art. 171 do mencionado código, está de acordo com o disposto<br />

constitucionalmente no art. 150, § 6º, que evidencia claramente a necessidade de lei<br />

específica para a regulação da transação em litígio tributário. Nesse sentido, a<br />

transação pode adequar pagamento, conversão de depósito em renda, dação em<br />

pagamento, remissão parcial e compensação, por exemplo.<br />

A regra que dispõe sobre a possibilidade de solução consensual é especial, e<br />

justamente por essa razão, demanda maior atenção do legislador, bem como a<br />

indicação precisa dos critérios do juízo de discricionariedade que será normatizado.<br />

Conforme a autora:<br />

Com uma lei específica, o legislador competente pode avaliar a conveniência e<br />

oportunidade para eventual disponibilidade de receita tributária. Os elementos<br />

da circunstância são confrontados com os princípios reitores da tributação e com<br />

diretivas da responsabilidade fiscal estabelecidas pela Lei Complementar n. 101,<br />

de 04 de maio de 2000: a exigência para a instituição, previsão e efetiva<br />

arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da<br />

federação (art.11) e os condicionantes explícitos para a concessão ou ampliação<br />

de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de<br />

receita (art.14) 78 .<br />

Uma boa gestão tributária é fator importante para se alcançar uma adequada<br />

administração estatal, sendo uma das formas de se atingir tal intento a transparência<br />

na concessão dos benefícios e sua efetiva avaliação, mensurando-se,<br />

cuidadosamente, quais serão as consequências dessa não arrecadação, possibilitada<br />

pela renúncia de receita, pois, reitera-se, impera a impossibilidade de a Administração<br />

dispor sobre o dinheiro público.<br />

A possiblidade de acordo, nos moldes da transação tributária legalmente<br />

realizada, deve ser transparente, como entende Hugo de Brito Machado, inclusive e<br />

especialmente no que se refere às razões pelas quais a Fazenda Pública está<br />

transigindo, bem como a exigência de publicidade à respeito da proposta, do<br />

procedimento e da celebração da transação 79 .<br />

A transação pode configurar-se como a solução mais adequada em<br />

determinados casos, e sua realização é compatível com os postulados regentes da<br />

Administração Pública, elencados no art. 37 da Constituição Federal. As condições<br />

para a transação concretamente ocorrer, todavia, não podem afrontar direitos ou<br />

garantias fundamentais, tampouco proporcionar vantagens ao contribuinte inadimplente<br />

em detrimento daquele que honra seus compromissos fiscais e que não recebe<br />

nenhum privilégio pela pontualidade, pela óbvia razão de que a permissão por parte do<br />

77 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 55.<br />

78 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p. 50.<br />

79 MACHA<strong>DO</strong>, Hugo de Brito. op. cit., p. 528 - 529.<br />

26


legislador em aplicar a regra excepcional do art. 171 do Código Tributário Nacional<br />

deve estar delimitada pelos princípios do sistema tributário nacional, conforme<br />

preceitua o art. 150, § 6º da Constituição Federal.<br />

4. LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA<br />

A aplicação da transação, no Brasil, está normatizada no regime jurídico<br />

tributário em várias leis federais, estaduais e municipais, como forma de extinguir o<br />

crédito tributário, indicando, assim, o crescimento da prática de um novo modelo de<br />

execução fiscal.<br />

Em abril de 2009, foram entregues pelo Poder Executivo ao Congresso<br />

Nacional, quatro anteprojetos de lei, denominados Quarto Pacto Republicano. Dois<br />

deles disciplinam sobre a transação em âmbito tributário; o Projeto de Lei Ordinária n.<br />

5082/2009, (que dispõe sobre a transação tributária, seguindo o modelo já existente e<br />

dando outras providências, como possibilitar a celebração da transação entre<br />

contribuinte e Fisco Federal, que importem em composição de conflito ou de litígio,<br />

visando a extinção do débito tributário), e o Projeto de Lei Complementar n. 469/2009,<br />

(que altera e acrescenta dispositivos ao Código Tributário Nacional).<br />

Tais propostas, estão gerando discussões e manifestações severas por parte<br />

de instituições como a OAB, de advogados e de doutrinadores, por ignorarem alguns<br />

dispositivos constitucionais, bem como transferir do Judiciário para a Administração<br />

Pública boa parte do trabalho de cobrança de dívidas tributárias e não tributárias, com<br />

a justificativa de serem propostas indispensáveis à modernização da Administração<br />

Fiscal de forma a tornar sua atuação mais transparente, célere e eficiente, devido à<br />

morosidade do Judiciário e permitindo, assim, uma maior eficiência no processo de<br />

arrecadação dos tributos.<br />

Todo e qualquer vício no procedimento transacional origina a inexigibilidade do<br />

cumprimento do ajustado entre os transatores, resultando em invalidade da lei<br />

permissiva da transação, bem como dos atos jurídicos praticados.<br />

Nadja Araújo, a esse respeito, comenta:<br />

A conformação da lei de permissão pode conter invalidade formal ou material –<br />

inconstitucionalidade(s); a autorização expõe-se aos vícios do ato administrativo<br />

– incompetência do administrador, inexistência dos motivos, ilegalidade do<br />

objeto, desvio de finalidade ou vício de forma; e a autocomposição bilateral<br />

condicionada pode encerrar irregularidades pronunciadas por incapacidade dos<br />

agentes, ilegalidade(s) no conteúdo ou na informalidade do ajuste.<br />

Uma irregularidade na lei de permissão caracteriza inconstitucionalidade pela<br />

infringência de preceito constitucional regente do processo legislativo (vício nos<br />

requisitos de formação) ou da matéria legalizada (vício substancial ou de<br />

conteúdo) 80 .<br />

O controle de constitucionalidade das leis infraconstitucionais em desacordo<br />

com a Lei Maior, podem resultar em anulação ou declaração de nulidade, total ou<br />

parcial. Havendo declaração de inconstitucionalidade da lei permissiva da transação, o<br />

ajuste firmado está comprometido e deverá ser restaurada a obrigação tributária e a<br />

integralidade do crédito. Acrescenta-se, ainda, conforme a autora, que “o alicerce da<br />

80 ARAÚJO, Nadja. op. cit., p.171.<br />

27


transação deve estar fincado na decisão do legislador de permitir a renúncia de<br />

receitas para a solução autocompositiva” 81 .<br />

Em face do exposto, a lei que autoriza a aplicação da transação pode ser<br />

fiscalizada através de controle constitucional, passando também pela própria<br />

Administração Pública (que tem poder de autotutela), pela verificação pelos Tribunais<br />

de Contas, pelo Ministério Público e pelos próprios cidadãos, por meio da Ação<br />

Popular.<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

O que se percebe claramente são duas posições antagônicas por parte da<br />

doutrina pátrea; há os que defendem a prática da transação e os que a rebatem<br />

veementemente.<br />

Contrário à transação está o raciocínio de que a Administração Pública, através<br />

de um ato discricionário da autoridade fiscal, não pode dispor do que é interesse da<br />

coletividade, ou seja, da receita tributária. Da mesma forma, impera o Princípio da<br />

Legalidade, que determina a submissão do Estado à lei.<br />

Favorável a tal modalidade de extinção do crédito tributário, é o argumento de<br />

ser esta uma forma vantajosa de eliminar conflitos, pois o sujeito passivo tem a<br />

oportunidade de corrigir suas pendências fiscais e obter sua regularidade, e a Fazenda,<br />

a seu turno, receber o seu crédito efetivamente, ao invés de prolongar uma<br />

controvérsia ou uma demanda judicial, adiando, assim, a entrada de seus recursos e o<br />

cumprimento do que determina o Princípio da Eficiência.<br />

A nova Administração Pública não estimula a litigiosidade e está aprimorando o<br />

seu processo de funcionamento, promovendo soluções negociadas antes de iniciar o<br />

litígio e até mesmo depois da lide já instaurada.<br />

As formas de composição tributária, põe frente a frente credor e devedor para<br />

discutirem um plano de pagamento das dívidas. É um mecanismo eficaz para<br />

equacionar um passivo fiscal, sob as condições econômico-financeiras do contribuinte,<br />

e que sejam minimamente aceitáveis ao Fisco, para que não se transforme em um<br />

débito eterno, pouco significativo em termos de arrecadação a ponto de desestimular a<br />

adimplência daqueles outros contribuintes que honram com regularidade suas<br />

obrigações fiscais, mas precisa respeitar os limites impostos pela Constituição Federal,<br />

bem como não comprometer a arrecadação tributária, destinada ao cumprimento das<br />

despesas inerentes às necessidades e compromissos do Estado para com os<br />

cidadãos.<br />

As respostas encontradas com o término do presente trabalho, não comportam<br />

uma única compreensão. A utilização da transação em matéria tributária está<br />

consagrada, e a mesma é juridicamente possível, mas trata-se de exceção e não da<br />

regra.<br />

No que tange ao administrador, este está submetido à obediência aos<br />

princípios e garantias constitucionais fundamentais, devendo respeitar os limites e<br />

exigências da lei que autorize o emprego do instituto, uma vez que estão determinados<br />

seus parâmetros, tanto para o pólo passivo quanto para o ativo, decorrência do<br />

Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e do Princípio<br />

81 ARAÚJO, Nadja. ibidem., p.179.<br />

28


da Indisponibilidade dos Bens Públicos. Por esta razão, o interesse em a Administração<br />

submeter-se a fazer concessões mútuas para terminar o litígio não é discricionário.<br />

Convém assinalar, que o motivo para a composição do litígio (para os<br />

seguidores da teoria da res dubia) gira em torno da dúvida ou incerteza na origem da<br />

obrigação. Os que entendem vigorar a teoria da res litigiosa, apontam que transigir é<br />

admissível quando a controvérsia versar sobre direito disponível. Observa-se, contudo,<br />

que as partes, em que pese acordarem pela autocomposição, não contratam, como<br />

acontece no direito privado, pois as regras de direito público são indisponíveis. A<br />

decisão do administrador é vinculada.<br />

De outra parte, percebe-se que, apesar de alguns doutrinadores mencionarem<br />

que na transação não se renuncia à receita e sim a incerteza sobre o crédito, observase<br />

pelas legislações que empregam a transação como forma de extinção do crédito<br />

tributário, a redução e até mesmo a exclusão dos valores acessórios, configurando-se,<br />

assim, a renúncia fiscal. Nessa ordem de considerações, a justificativa sobre essa<br />

renúncia deve ser baseada na eficiência e na razoabilidade em se adotar a solução<br />

consensual. Daí ser a lei autorizadora da transação submetida ao controle de<br />

constitucionalidade.<br />

Por último, há de se apontar que a aprovação dos anteprojetos de lei que<br />

tramitam no Congresso Nacional irão trazer modificações significativas ao instituto. O<br />

intuito dessa reformulação da legislação, é encontrar medidas alternativas para<br />

solucionar as controvérsias tributárias, oferecendo ao contribuinte opções para discutir<br />

sobre o débito fiscal e criando políticas públicas orientadas à redução da litigiosidade.<br />

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