RUTIS SENIOR N6 -.pdf
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Estava às voltas com o que iria escrever para o<br />
“<strong>RUTIS</strong>ÉNIOR”, este jovem, dinâmico e útil “magazine<br />
dos alunos seniores”, e eis um clarão a inspirar-me! Não é<br />
que a “<strong>RUTIS</strong> - Associação Rede de Universidades da Terceira<br />
Idade” -, tem a sua sede em Almeirim!? Em Almeirim, que<br />
orgulho! A terra onde eu nasci há 77 anos, e de onde abalei criança…<br />
Contudo, aí ficando, felizmente, muita família minha.<br />
Dessa antiga Almeirim pouco posso adiantar. Lembro-me de<br />
ser berço de duas especialidades, o melão casca de carvalho<br />
e um branco aveludado, que em anos de excelente colheita<br />
chegava aos 17 graus, bastando dois copitos para desentaramelar<br />
a língua ao mais sisudo e trocar os pés ao melhor bailador<br />
de fandango, espectacular desafio de resistência física entre<br />
dois ribatejanos, travado com as pernas e os pés ao som de uma<br />
rítmica estonteante…<br />
Claro, não poderia esquecer-me de que foi em Almeirim que<br />
perdi “a idade da inocência”, como tantos miúdos da minha<br />
criação. Aconteceu, pronto! Ao mordiscar uma daqueles<br />
pomos doirados que pendiam das laranjeiras em redor do<br />
Jardim Público, descobri com calafrios que, afinal, não eram<br />
doces mas azedas, azedas, sempre azedas! Já era a publicidade<br />
enganosa, tanto para os garotos da terra como para incautos<br />
visitantes que dali levavam a marca de uma impressão turística<br />
indelével…Seja como for, aprendi ali a lição de que nem tudo o<br />
que luz é oiro, que deu para começar a compor o meu álbum de<br />
ditos, pensamentos, adágios, anexins, tantos que já vou naquele<br />
provérbio que diz que “a experiência é um pente que a vida nos<br />
oferece quando já não temos cabelo”.<br />
Claro, já não estava em Almeirim quando veio o tempo da<br />
difusão à escala nacional da “sopa de pedra” pela mão do falecido<br />
José Manuel Toucinho, que a minha saudosa<br />
avó Maria Ruiva tratava por<br />
SÉNIOR 9<br />
CRÓNICAS<br />
Recordações com sopa de pedra<br />
De um sénior de Torres Vedras para um menino de<br />
Almeirim…<br />
Manuel Novais Granada<br />
(professor da AUTITV – a universidade sénior de Torres Vedras.<br />
primo. Ai, a sopa<br />
de pedra! Essa<br />
suculenta osmose<br />
pantagruélica destinada<br />
a manter<br />
retesados os músculos<br />
dos ganhões<br />
que iam ao campo<br />
surribar, de sol a<br />
sol, a golpes sucessivos<br />
da enxada de<br />
pontas, o chão das<br />
vinhas, tão duro<br />
como os cornos dos<br />
bois de trabalho ou<br />
dos toiros de lide.<br />
Não há efeito sem<br />
causa. Por isso atentemos<br />
no choque<br />
psicossomático que<br />
uma destas sopas de Almeirim produz num sujeito com saúde<br />
e apetite, ao ver poisar sobre a toalha da mesa uma malga do<br />
famoso caldo a ferver! Antes, porém, é de regra debicar azeitonas<br />
pretas com caroço, enquanto se vai deglutindo uma fatia de<br />
pão caseiro cozido a lenha, o miolo fofo, a côdea estaladiça. E,<br />
para acalmar a falta de paciência de saber esperar pelo melhor,<br />
convém meditar um copo de vinho a pequenos sorvos, que foi<br />
vazado do jarro de barro a gorgolejar de alegria…<br />
Lá vem ela, a rica sopa de pedra! Os primeiros a comer são os<br />
olhos, pelos quais ficamos cientes que estamos confrontados de<br />
corpo inteiro com uma sopa de pedra. Primeira colherada: não<br />
sei se é dos coentros, se da magia olorosa do todo, acirra-se-nos<br />
o mecanismo das papilas gustativas, a língua e o céu-da-boca<br />
batem palmas a um dia de festa a não esquecer, que diabo, um<br />
dia não são dias! Mas, que mistério simples e complexo encerra<br />
esta malga? O enigma está nos ingredientes em doses certas e<br />
no dedo da cozinheira que fez o tempero e foi provando o molho?<br />
O certo é que está aqui, com todo o saber e sabor com que foi<br />
cozinhado na singela alquimia de uma panela do povo, a verdadeira<br />
sopa de pedra. Resultante de uma união feliz entre<br />
o feijão encarnado, a orelha de porco, o chouriço negro,<br />
o chouriço de carne, o toucinho entremeado, as batatas, a<br />
cebola, os alhos, o molho de coentros, o sal e a pimenta…<br />
O saudoso nutricionista Dr. Nunes Corrêa, da Associação<br />
Protectora dos Diabéticos de Portugal, que uma vez entrevistei<br />
para um jornal de Lisboa sobre os benefícios da dieta mediterrânica,<br />
a que então o País obeso queria regressar, disse-me, a<br />
sorrir, quando meti na conversa, por graça, “então, o que diz a<br />
uma sopa de pedra?”: - Deixe lá, as gorduras queimam-se na<br />
fogueira dos hidratos de carbono!...