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A LUTA<br />
Primeira <strong>parte</strong><br />
1
PRELÚDIO – <strong>1ª</strong> EXPEDIÇÃO<br />
(Os atores já concentrados distribuem-se pelo espaço como<br />
Sertanejos e exercito camuflado. As portas se abrem para o público. Os soldados estão visíveis pelo espaço<br />
todo como se assegurassem os espectadores. Os sertanejos estão escondidos do público em baixo dos bancos,<br />
ou vem a se colocar nessa posição, progressivamente, sem serem percebidos pelo público. Os vídeos e a<br />
sonoplastia transmitem imagens e músicas de muita paz e tranquilidade.<br />
PRIMEIRO SINAL<br />
O Corneteiro do Exército chama o publico com toques como os do TNP de Jean Villar. Um toque lido de chamado,<br />
que é respondido por um toque de Berimbau vindo do lado Sul do Teatro. Os soldados reagem mas procuram não<br />
demonstrar ao público nenhuma inquietação e continua o publico entrando como para um Grande Baile, uma Festa<br />
Suave,<br />
VÍDEO: cenas de guerra e Paz com as personagens valsando, todos como se entrassem na Arca Russa, num dia de<br />
Festa.<br />
Oficina é um esplendor de Prazer, elegância e Alegria.<br />
SEGUNDO SINAL<br />
O Corneteiro prossegue e dá mais dois sinais, e é respondido por dois Berimbaus com Som vindo do Lado<br />
Norte. Os soldados inquietam-se começam pouco a pouco a se encaminhar lentamente para o Centro. De<br />
repente aparece um vulto de sertanejo e dá um susto na Platéia. Abala o baile ligeiramente. Susto.<br />
TERCEIRO SINAL<br />
O Corneteiro da os três derradeiros sinais. Três toques de berimbaus vindos do Leste e Quatro Guerrilheiros<br />
ocultos no meio do publico surgem repentinamente armados nos quatro cantos das galerias com Foice, Martelo,<br />
Trabuco e chuço, ao mesmo tempo que nas arquibancadas do térreo e dos lugares mais inesperados, no meio<br />
do público, surgem outr(o)as guerrilheir(o)as armados com ervas de tirar encosto, ídolos, incenso, facões. Entra<br />
O TEMA DO TROPEL DE BÁRBAROS. Os sertanejos se aproximam para um confronto com o exército no<br />
centro que aponta as armas para os quatro cantos; quando o confronto vai se dar, o Tema do Tropel introduz<br />
O “DIÁRIO CONFESSIONAL“ de OSWALD DE ANDRADE, todos depõe armas, se organizam em roda por<br />
naipes de voz, dançando e cantando para si, para o sol e para o público do instante ”O Canto do Humor e<br />
da Vertigem”. Imagens de Oswald chamando para os 50 anos da permanencia de sua poesia mais que nunca<br />
Viva no Humor e na Vertigem Viva. O Canto encerra-se; entra o Tema do “Prelúdio Grandioso de um Massacre<br />
Desmassacrado, Sagrado” Obra de Música Concreta Eletronica a partir dos sons das demolicões, genocídios<br />
e glórias do seculo 21, construções do seculo 19: telégrafo, Trem, Armamentos, em confronto vom com o<br />
Tropel de Barbaros. Ode à Civilização e à Barbárie. Ao vivo nos Telões, Euclides da Cunha abre “Os Sertões”<br />
na página de A LUTA - escrita como Sonia fez na fachada do Teatro. Entra O TEMA DO PRELÚDIO DA LUTA,<br />
Euclides lê o que está escrito, no livro em baixo do titulo)<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
I - CAUSAS PRÓXIMAS DA LUTA.<br />
II - O INCIDENTE<br />
III - O AMOR<br />
IV - O NEGÓCIO.<br />
(Vai virar a página, antes diz apresentando)<br />
Do Amor primeiro Sócio,<br />
entre primeiro, Negócio.<br />
(Vira a Pagina está escrito: CAUSAS PRÓXIMAS DA LUTA – NEGÓCIO, BAIRRO CHINÊS. Entra Garga vindo<br />
do lado Norte. TRILHA SACANAGEM DO RABO GOSTOSA & NEGÓCIOS)<br />
COMISSÁRIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO OU SENHOR SHILINK<br />
(O Comissário está vestido com com um unifome de policia, botas, sem a camisa, coberto com um quimono chinês)<br />
Louvado Seja, Santo Pombeiro de Canudos, Garga Valadares!<br />
Atendeste meu chamado telegráfico dos ares.<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Louvado seja Senhor Comissário de Pulíça.<br />
Estou aqui, em Joazeiro-Petrolina, que delíça!<br />
Mesmo já tendo pago pela Madeira,<br />
da Igreja Nova Conselheira,<br />
uma Cúpula, uma Óca,<br />
Cheia de movimentos de abre e fecha Malóca<br />
Para ventos, luzes, planetário, projeção,<br />
Xavantes, Gropius, Piscator, circo alemão…<br />
Enviado estou para pagar justos juros ao senhor,<br />
nosso credor.<br />
(trilha cria um suspense circense. Garga olha dos lados, vira de bunda para cima, tira um trecho da calça que<br />
envolve suas nádegas e do seu cú lentamente vai tirando de dentro de uma camisinha, penetrada em seus<br />
intestinos, notas de dinheiro e entrega ao camelô)<br />
COMISSÁRIO DE POLÍCIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
(cheira o dinheiro, protocola)<br />
O cogata aí tem cofre seguro<br />
Não é só pra cagar.<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Tás me cantando velho pão duro?<br />
2
COMISSÁRIO DE POLÍCIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
Sim, mas sou brocha, não fico com o pau duro.<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Quer enxergar meu escuro?<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
Cumunicação é o que eu procuro.<br />
(quebra do clima)<br />
Com ou sem nota fiscal?<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Sem. Na Confiança.<br />
Na fé no nosso Conselheiro, na aliança<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
Não imaginava tamanha deferência, ainda bem,<br />
quando não me cumunico perco a paciência.<br />
Outubro<br />
(olha o painel eletrônico com a folhinha)<br />
Santo Homem é o Conselheiro!<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Quando será entregue, Madereiro?<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
(o placar eletrônico de Teatro de estádio marca 6 dias.)<br />
Fica ajustado dia 9, na regra<br />
o prazo de 6 dias para a entrega.<br />
Dia do meu anivesário.<br />
GARGA SERTANEJO<br />
(se insinuando com o rabo para Shilink, com um tema específico musical em torno do cú que dura toda a cena em<br />
que entra este jogo)<br />
Ia! Saio até do armário.<br />
Me cumunico, deixo tu ver meu cofre.<br />
Até lá não sofre<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
Ele vai seguir vazio?<br />
GARGA SERTANEJO<br />
É cheio de quente.<br />
Um coração, nunca frio.<br />
(Shilink vai atacar, Garga dribla esperto, o madereiro muda de assunto)<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
Os paus acabaram de chegar na Zona,<br />
do Alto Amazônas<br />
Preparo-os agora para embarcá-los por Trem.<br />
Joazeiro no mundo moderno está bem,<br />
(retoma do tema musical do cú)<br />
queres ver a Madeira no Prontuário?<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Já disse, só na entrega, no seu aniversário.<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />
O Cogata só pensa nesse proposito?<br />
(faz o gesto de pegar nas calças como Silvio Santos quando trata de dinheiro)<br />
Veja.<br />
(Olha para o Painel)<br />
Um certo cogata fazia um filme sobre o corte ilegal por Moto Serradeiras.<br />
Chegamos no mesmo instante e apreendemos a Madeira.<br />
(A Madeira aparece sendo abatida da Floresta Amazonica por Moto Serras na Tela Virtual, num documentário de um<br />
jovem ecologista.)<br />
Agora<br />
(Imagens da Alcova no Projetor Lado Sul)<br />
Está sendo tratada em nossa alcova<br />
Pra nossa querida Igreja Nova.<br />
GARGA SERTANEJO<br />
Para esta grande obra de arte e fé.<br />
6 dias? Então, até.<br />
(ri safado dando uma saidinha)<br />
3
COMISSÁRIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELOCAMÊLO<br />
(retoma musica do cú)<br />
Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristinho!<br />
GARGA SERTANEJO<br />
(safado, inpirando pelo ânus)<br />
Para sempre seja Louvado este tão bom Senhor!<br />
Contamos com tua presença na Inauguração<br />
Aí vou te dar o presentão.<br />
(Sai para Canudos)<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA<br />
Não é mais no aniversário?<br />
Estelionatário.<br />
(Para o Público)<br />
Tenho apreendido e vendido pra lá, de tudo,<br />
madeira que não dá a caatinga paupérrima de Canudos.<br />
E esse cogata Garga é safado. Me deixa até mais animado.<br />
(Olha o painel, Passaram-se seis dias.)<br />
Hoje termina o prazo ajustado para a entrega do material,<br />
Vou entregar e cunhecer o cogata afinal<br />
(saindo para se banhar e se perfumar, se aprontar para ir entregar a carga e ir ter com o Cogata)<br />
É um índice de crescimento esse dia<br />
Cultura, Economia, Sexo na Fantasia!<br />
(ENTRA O TEMA MUSICAL O DRAMA DE AMOR<br />
Nos Telões, CAUSAS PRÓXIMAS: O AMOR - No TEATRO DE ESTÁDIO)<br />
CORO<br />
Drama de Amor<br />
Incidente desencadeador<br />
Da Guerra da Tróia de Taipa<br />
Tocada com Muita Gaita.<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
(De Juiz Togado)<br />
Tenho velha dívida, com esse Fantasma Agitador Sertanejo,<br />
Vou saldar, eu Juiz do Bom Conselho, salvando a adorada Helena dona do meu desejo<br />
Sequestrada Por Pajeú,<br />
Este bandoleiro!<br />
PAJEÚ<br />
(Como um Deus Africano, com uma Coroa de Touro Macbetiana)<br />
General Othelo Haitiano de Antônio Conselheiro<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
Numa cena Publica Orquestrada<br />
Diante da Minha mãe: República<br />
Minha esposa, minha Helena, meu tesouro<br />
Toda minha prata, todo meu ouro<br />
Sem poder reagir, humilhado<br />
Chicoteado,<br />
Eu Juiz Arlindo Leoni<br />
Tragico Bufoni<br />
Venho neste estado<br />
neste Estádio<br />
Bode que Berra<br />
Declarar a verdadeira causa desta Guerra<br />
É o Gol da Paixão humana.<br />
Quero a minha Bela Helena de volta<br />
Um Tambor de Guerra explode no coração do meu coração<br />
SONG DE HELENA<br />
(em outro extremo do Estádio)<br />
HELENA<br />
Fugi para Canudos visionário<br />
Filha de Meu pai bilionário<br />
Queria seu Baú explodindo em riqueza<br />
Dinheiro, dinheiro, vindo de mais e mais beleza<br />
Canudos não ama a pobreza<br />
Trouxe nova peste, invenção da mais moderna riqueza.<br />
CORO (2x)<br />
O amor é livre e grande demais<br />
Pra ser julgado por nós<br />
4
Pobres mortais<br />
HELENA<br />
Apaixonei-me por Pajeú<br />
General da Capoeira, belo nú<br />
Flanelinha, vigia<br />
Prisioneiro Libertado, valentia<br />
Conquistou meu coração<br />
Guru do Bexigão<br />
(entra o Bexigão)<br />
Artérias, Harpas Cifrão<br />
Mas era tua Arlindo,<br />
Saía em Caras, meu coração vibrava<br />
Eras me tudo lindo Arlindo.<br />
Era Rainha da Orgya nos teus Camarotes<br />
Agora em Canudos da Orgya dou tambem os motes<br />
CORO<br />
(cerca Helena)<br />
O apocalipse é isso<br />
É isso<br />
É isso<br />
É isso<br />
É isso aí!<br />
(Helena os rejeita)<br />
HELENA E CORO<br />
Mas quero verdadeira Orgya<br />
Tudo com Todas, Todo Dia!<br />
Misturas, Finanças, Cultura, Bonança, Heranças<br />
Tudo é Comercio afinal<br />
Tudo é Social<br />
Mas eu quero mais,<br />
Alem do bem e do Miau.<br />
JUIZ LEONI<br />
(interrompendo)<br />
Pare, eu estou muito angustiado<br />
Você me seduziu, fui enganado…<br />
HELENA<br />
Eu Helena tenho um papel de memória<br />
De Trazer a paz dos contrários, luxo na história.<br />
ARLINDO LEONI<br />
Você faz de mim um Menelau, um horror<br />
A causa desta guerra é o meu estranho amor<br />
Coração<br />
atenção.<br />
Neste Estado<br />
Neste Estádio<br />
Abro meu abcesso fechado<br />
Da LUTA, jogo, o Prólogo.<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA SHILIK.<br />
(Está de Polícia, vestido para a Viagem)<br />
Sua cena foi muito interressante,<br />
Mas hoje já é o sexto dia, sou honesto negociante<br />
(o trem apita)<br />
O trem segue na hora que segue<br />
Vou seguir agora com as Madeiras contratadas<br />
Chegamos ainda hoje em Queimadas<br />
Até a volta<br />
ARLINDO LEONI<br />
Meia Volta!<br />
Coronel João Evangelista Pereira, vulgo Schilink,<br />
comigo não brinque.<br />
Comissário de Polícia,<br />
está feita a perícia.<br />
Proibo a entrega desta madeira, decisão Judicial<br />
Estamos proibindo toda e qualquer relação com o eixo do mal.<br />
Com esta comunidade de Terroristas.<br />
A madeira vai ser desapropriada a vista<br />
É ilegal!<br />
Colossos florestais da Amazonia derrubados,<br />
5
Vem de tráfico com o crime organizado.<br />
Que seja para o tesouro Nacional expedida<br />
Para Pagar o Loydʼs Bank, a Dívida<br />
Aqui está o mandado de segurança, de apreenssão<br />
Escrivão entregue-o, policiais partam para a execução<br />
HELENA<br />
Os Deuses no Fim darão o Remédio.<br />
A Paixão há de vencer a Guerra e o Tédio.<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
(para o Publico)<br />
Meu coracão destroçado<br />
Sabe que o incidente, é pretexto aproveitado<br />
Talhado para a desafronta<br />
com aquele que sei confronta<br />
Conselheiro cairá na rede,<br />
com sede.<br />
Capturado na armadilha<br />
Reagirá, e exterminada será,<br />
sua camarilha<br />
É proprio de quem ama,<br />
Continuar o drama<br />
Para o Governador<br />
um paranóico telegrama.<br />
Telégrafo entra em ação.<br />
É a primeira guerra do Mundo em transmissão.<br />
RAPS CONTÍNUOS DOS CONTÍNUOS DOS TELEGRAMAS<br />
BAHIA-JOAZEIRO-QUEIMADAS<br />
(Cogata Dj de Queimadas, vai entrando junto com o de Joazeiro e os de Salvador. Os telegramas serão cantadosditados<br />
pelas autoridades, transmitidos por seus telégrafos em show de percussão corporal e recebidos e<br />
retransmitidos pelos telégrafos destinatários das mensagens)<br />
COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA SHILINK<br />
(para um office boy)<br />
Telégrafo, mande para Queimadas<br />
Este recado<br />
(o cogata escrivão, vai para o seu DJ Bateria telégrafo)<br />
SHILINK / COGATA TELÉGRAFO<br />
Cogata Garga! Anuncio em prantos distrato feito<br />
Não posso entregar madeira, de nenhum jeito!<br />
impedimento legal Juiz, que asneira<br />
Enfezado, apaixonado, desajuizado<br />
Exigiu rompimento por ele anelado.<br />
PS: E o presente aniversário ainda esperado?<br />
Cogata, o seu Shilink aqui, não é culpado, está desconsolado.<br />
CHEFE DE GABINETE/TELÉGRAFO<br />
Dr. Luís Vianna,<br />
digníssimo governador da Bahia,<br />
um urgente telegrama<br />
JUIZ LEONI<br />
Boato corrente<br />
cidade florescente<br />
será esses dias assaltada<br />
por gente<br />
de Antônio Conselheiro,<br />
Providência urgente<br />
evitar Exodo população<br />
já em deserção.<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA DA BAHIA<br />
Respondo a esse juiz paranóico<br />
Quer Brasil sangrando, ato heróico<br />
Mas a Bahia mesmo resolve<br />
E essas estrepolias dissolve.<br />
(Dita)<br />
Governo não move força por boatos<br />
mande vigiar estradas no recato<br />
governo fica prevenido enviar<br />
trem expresso, força pra rechaçar<br />
garantir tranquilidade cidade.<br />
6
(breque)<br />
Agora muda o tom<br />
Para o General Solon:<br />
(Dita)<br />
Sr. general comandante distrito<br />
Desfalcada força policial<br />
aquartelada nesta capital<br />
requisito:<br />
(No quartel da terceira divisão, recebendo, lendo)<br />
cem praças de linha,<br />
a fim seguirem a Juazeiro,<br />
apenas me chegue aviso do juiz daquele polipeiro.<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
(para o escrivão que dorme)<br />
Contínuo acorde ligeiro<br />
passe este telegrama ao Governador da Bahia<br />
esqueça o travesseiro…<br />
(Escrivão semi acordado passa o telegrama)<br />
ESCRIVÃO<br />
Esqueça o travesseiro…<br />
DJ GRAMA BAHIANO<br />
Esqueça o travesseiro…<br />
GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Esqueça travesseiro?<br />
O que? Que trapaceiro!<br />
(ditando a seu chefe de gabinete, para General Solon)<br />
Sequazes Conselheiro<br />
distantes de Juazeiro<br />
dois dias, nossos portos<br />
Chegam dia dos Mortos,<br />
2 novembro.<br />
“Lembro<br />
sr. General<br />
afinal<br />
satisfação<br />
minha requisição”<br />
GENERAL SOLON<br />
Já chega atrasada<br />
Chega dessa enrolada…<br />
(para o recruta ditando para O Governador da Bahia)<br />
Prontamente satisfaço requisição,<br />
dr. governador do Estado,<br />
força cem praças da guarnição,<br />
bater fanáticos arraial fanatizado,<br />
número suficiente, pergunto<br />
GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Suficiente!<br />
GENERAL SOLON<br />
Confio inteiro conhecimento vosso no assunto<br />
TABOLETA: ESTAÇÃO DA CALÇADA SALVADOR<br />
GENERAL SOLON<br />
(olhando para o Tenente Manuel Pires Ferreira, que estava cochilando)<br />
Agora, sem demora,<br />
bravo tenente de primeira<br />
Manuel da Silva Pires Ferreira,<br />
o 9.° Batalhão de Infantaria,<br />
esta à sua serventia.<br />
Faça seguir hoje dia 7<br />
até o terminal estrada de ferro Juazeiro, Leste!<br />
(O Corpo de Infantes, muito infantil, vai se formando, o médico chegando, a carroça com os bois, os oficiais etc…<br />
DESFILE DA PRIMEIRA EXPEDIÇÃO)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Nono Pelotão,<br />
Em Frente!<br />
(Marcha cantada dos Infantes – Hino da Infantaria)<br />
7
INFANTARIA<br />
Nós somos estes infantes<br />
Cujos peitos amantes,<br />
Nunca temem <strong>luta</strong>r,<br />
Vivemos,<br />
Morremos,<br />
Para o Brasil nós consagrar!<br />
Nós peitos nunca vencidos<br />
De valor desmedidos,<br />
No fragor da disputa,<br />
Mostremos<br />
Que em nossa pátria temos,<br />
Valor imenso<br />
No intenso<br />
Da <strong>luta</strong>.<br />
És a nobre Infantaria,<br />
Das armas a rainha,<br />
Por ti daria<br />
A vida minha,<br />
E a glória prometida,<br />
Nos campos de batalha,<br />
Está contigo<br />
Ante o inimigo<br />
Pelo fogo da metralha!<br />
MAQUINISTA<br />
Vai Partir!<br />
(O Corpo Militar segue para Joazeiro. Apito de Trem, sai a Taboleta da Estação da Calçada, o Trem que pode passar<br />
no Vídeo e entra a de<br />
JOAZEIRO<br />
Chegam os Infantes a Juazeiro marchando heróicos)<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
(cantam o hino da infantaria)<br />
Brasil te darei com amor,<br />
Toda seiva e vigor,<br />
Quem em meu peito se encerra,<br />
Fuzil!<br />
Servil!<br />
Meu nobre amigo para guerra!<br />
Ó meu amado pendão,<br />
Sagrado pavilhão,<br />
Que a glória conduz,<br />
Com luz,<br />
Sublime,<br />
Amor se exprime<br />
Se do alto me falas,<br />
Todo roto por balas!<br />
És a eterna majestade,<br />
Das linhas combatentes<br />
Es a entidade,<br />
Dos mais valentes.<br />
Quando o toque da vitória<br />
Marcar nossa alegria<br />
Eu cantarei,<br />
Eu gritarei,<br />
És a nobre Infantaria!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Alto!<br />
HABITANTES DE JOAZEIRO<br />
(Pops, Bregas Chic)<br />
Isso lá é soldado?!<br />
Joazeiro<br />
teu povo vai se picar daqui maneiro<br />
(para o Exército)<br />
Criançada! que porra!<br />
Isso vai atrair ainda mais<br />
a horda invasora.<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
8
<strong>1ª</strong> escala: Joazeiro<br />
recebidos sem respeito<br />
como escoteiros<br />
Por que esse olhar cabreiro?<br />
Não confiam no exército brasileiro?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Descansar!<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
(sentado ao chão, Soldados estacam numa encruzilhada de luz)<br />
HABITANTES DE JOAZEIRO<br />
(de partida)<br />
Que incidente mais desvalioso<br />
Porque esse Juiz Teimoso<br />
(olhando para Leoni em sua Tribuna no lado Norte)<br />
Não deixa entregar a Madeira<br />
Que o Santo pagou mais que devera<br />
Pra uma Helena rica, rampeira<br />
(Helena está em seu Pedestal do lado Sul da Estrutura)<br />
acabar com a cidade inteira?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
O Juiz Leoni representa a lei<br />
Infantes seguirei<br />
Dificuldades encontradas<br />
Serão superadas.<br />
(O Tempo Passa cinco voltas de luz)<br />
CORO DE SOLDADOS<br />
Estacamos chumbados sem saber como partir<br />
Esperamos chegar Godot<br />
todo mundo se picou, nenhum guia se encontrou<br />
(O tempo passa, o sol se esconde e aparece outra vez. Surgem os dois mulambos dois palhaços fazendo troca troca<br />
num teatro de sombras, com caralhos de banana, ao som de um shote, são imediatamente interrompidos por um<br />
Oficial)<br />
OFICIAL I<br />
Alto:<br />
Dois bananas tesos?!<br />
Estejam presos<br />
(eufórico)<br />
Consegui! Consegui!<br />
Dois guias! Mas não escondo<br />
São meio cegos…<br />
TROPA<br />
Cegos?!<br />
OFICIAL I<br />
Mas um tem um olho o outro nenhum,<br />
Um de carne, dois de vidro<br />
(cheirando os cús dos dois que tem coadores de café cheios de merda, nos cueiros)<br />
E dois fedido.<br />
Dizem que olham pelo quinto referido.<br />
No fundo de uma tóca,<br />
foram pegos fazendo troca-troca.<br />
É dupla, são coesos<br />
topam seguir pra não serem presos.<br />
Ou nos levam<br />
Ou xilindró!<br />
DUPLA SERTANEJA DE GUIAS (se apresentando)<br />
Nicolau e Mariquinha<br />
Nós somo meio cego, lá da terrinha<br />
Não conheçemo a região<br />
Nem somo guia de profissão<br />
Mas desviamo do bom caminho<br />
Temos faro e nos falta farinha<br />
O destino senhor dos anél<br />
Escolheu nosso papél.<br />
Não somos nada sortudo<br />
Guia pra Canudo!<br />
9
OFICIAL I<br />
Esses deficientes,<br />
contrabandeavam estupefacientes<br />
nas Feiras de Uauá<br />
O que é que há?<br />
Vão saber nos tirar daqui<br />
Assinem aqui.<br />
OS GUIAS<br />
Nós não sabe<br />
Nós tem medo.<br />
OFICIAL I<br />
Dá o dedo.<br />
OS GUIAS<br />
Aíii!<br />
OFICIAL I<br />
Estão contratados.<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Benvindo sejam, seus coitados<br />
TENENTE<br />
Fim dos revezes:<br />
Partiremos sexta-feira, 13.<br />
SERTANEJOS GUIAS<br />
13? Sexta feira?<br />
O demo sai na zoeira<br />
Creia Eia! Eia!<br />
Nós prefere a cadeia<br />
INFANTARIA<br />
Sexta 13?<br />
Novos Reveses!<br />
Nossa razão,<br />
Leva este limite<br />
Em consideração!<br />
TENENTE<br />
Somos o exército do iluminismo.<br />
Vamos combater o fanatismo.<br />
(Pausa)<br />
OS GUIAS<br />
Nós não somo fanático<br />
É que esses dias são fantástico<br />
Já que vamos morrer, morramos forçados,<br />
Nós prefere ser fuzilado.<br />
TENENTE<br />
Pelotão!<br />
Alinhar fuzilamento!<br />
(a infantaria recebe o comando e se alinha para o fuzilamento)<br />
OFICIAL I<br />
Não! Para a fuzilaria!<br />
Só tem esses dois guias!<br />
TENENTE<br />
Abortar!<br />
Está bem, hoje, dia 12,<br />
Aconteça o que acontecer<br />
Partiremos antes do anoitecer.<br />
PRÉ-OFICIAL PLATÃO<br />
Viva a boa Razão!<br />
Da Republica Inspiração!<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Viva!<br />
(a infantaria faz o Sinal da Cruz, e os guias fazem suas saudações e benzeduras de bruxaria e Macumba, o Oficial os<br />
recoloca na linha)<br />
10
OFICIAL I<br />
Sinal da Cruz!<br />
OFICIAL II<br />
Espantemos o demo nênens<br />
com 100 tiros de Comblains!<br />
(preparam as armas)<br />
JOÃO EVANGELISTA PEREIRA DE MELO SHILINK<br />
Comandante expedicionário<br />
Não siga avante, cuidado!<br />
Canudos só morde se provocado<br />
Negocie com o Juiz sem receio<br />
por todos os meios.<br />
As Madeiras estão aqui,<br />
Juro<br />
Pagas, com juros,<br />
É so entregar,<br />
Telegrafo pro pombeiro,<br />
Com uma Igreja Nova, sonha o Conselheiro.<br />
Vocês vão trazer é mais desgraça<br />
pra esta praça,<br />
pra vocês e pro Brasil inteiro.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Não venha com mau agouro<br />
Que eu te tomo até os couros<br />
Mas sol pro meio dia já vai indo.<br />
Demo, adeus, estamos partindo.<br />
OFICIAL II<br />
Fogo!!!<br />
(Todos atiram, todos se benzem)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Agora é Festa, é aniversário do Senhor Meu Pai<br />
Pelotões! Formai! Marchai. Marchai.<br />
Manhã Tropical! 12 de novembro!<br />
Marchemos cabeça, corpo, e membros<br />
em terreno agro, despovoado nas vias,<br />
temos duzentos quilômetros de travessia,<br />
Eu comandante, sou cruelmente sincero<br />
É inexeqüível marchar<br />
E vossas forças poupar,<br />
Mas confio em vossa garra Infantes<br />
No vosso heroísmo irradiante!<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Mamãe, da Primeira Expedição é hora<br />
Deus Pai, agora é com o Senhor, e com a nossa Senhora.<br />
(Saem em Marcha, atravessam paisagem belíssima projetada, e fértil)<br />
Vamos indo! Está sendo lindo!<br />
Começo abençoante!<br />
Abraçados nesta paragem exuberante!<br />
Oh! Belo sertão de Curaçá,<br />
Oh! Feracíssima trajetória<br />
até Santo Antônio da Glória!<br />
Perlongando sem riscos<br />
Mares de verde bravio<br />
a margem direita do Francisco, Santo Rio;<br />
Fecundas praias de Vila Nova da Rainha.<br />
Nossa espedição navega ondas vegetais marinhas!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Festa é aniverseario do Senhor Meu Pai<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Festa!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Em frente Pelotões! Marchai. Marchai.<br />
(breque, muda a paisagem)<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
11
Mas ai desatino! Saimos da verde moldura<br />
Entramos no quadro, na textura, da pintura<br />
É certo<br />
É o deserto.<br />
Joazeiro era lindo de cantar<br />
Tão belo quanto o Sertão de Curaçá<br />
Mas durou pouco, que aflição<br />
Nosso coração bate, é o vasto sertão!<br />
Pequena é nossa expedição<br />
O segundo dia de viagem desperta<br />
quarenta quilômetros, estrada deserta<br />
marchando,<br />
vamos calcando<br />
até essa ipueira<br />
miniatura na pintura inteira.<br />
GUIAS<br />
Oásis! Miragem!<br />
Lagoa do Boi!<br />
(susto, decepção)<br />
Já foi<br />
Restos dʼágua pra lavagem.<br />
SOLO DE INFANTE<br />
Ainda nem é pleno estio,<br />
Mas depois das dez da manhã<br />
equipado de mochila, cantil carregado<br />
Caminhar é desafio<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Em frente!<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
Pelos tabuleiros o dia inteiro<br />
desdobra-se abrasador,<br />
sem sombras um inferno azul de cor<br />
na terra nua o ardor reverbera,<br />
multiplica, destempéra<br />
a altíssima temperatura<br />
acelera, destrambela nossa estrutura<br />
nossas funções vitais, Tenente! Alta!<br />
Ai! Cansaço subito nos assalta!<br />
(Param a marcha um pouco mas se sentem torrando sob os refletores e continuam.)<br />
GUIAS(bravos com o Tenete e a tropa)<br />
Nós não vamos ficar aqui parado<br />
Pra ser fritado<br />
Pó de guaraná no estoque<br />
Sem stope<br />
até às proximas cacimbas<br />
Toque<br />
São terras ignotas do planeta<br />
Poucos atravessam, quase não há quem se meta<br />
Mas infância rale<br />
É, aspérrimo mesmo esse Vale<br />
Inóspito sem vivendas,<br />
léguas e léguas,<br />
Não chorem nem dêem tréguas.<br />
É a Seca Bahia.<br />
Só o Vaza Barris,<br />
meio morto, meio via<br />
faz a travessia<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Oued tortuoso e longo da Tunisia<br />
Mas não é azul, cor de bosta, dá azia!<br />
GUIAS<br />
Aiii! O tenente está ficando “vário”<br />
É assim mesmo nos gerais<br />
Aqui vamos “variar” muito mais.<br />
Que receituário?<br />
Médico, o senhor que trata dos “vários”?<br />
MÉDICO<br />
Pra essa Azía só a positiva psicología<br />
12
O santo freio da Razão, como eu, se não varia.<br />
Pensamento positivo!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Pensamento positivo!<br />
INFANTARIA DOS INFANTES<br />
(num ataque de histeria, começam a sair da formação e a girar)<br />
Estamos ficando vários!!!!<br />
GUIAS<br />
Nós é vário há muito tempo<br />
É só ir tocando e variando no contratempo.<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
Estamos sem rumo,<br />
desnorteados nos plainos sem prumo,<br />
paisagens uniformes<br />
melancólicas, enormes<br />
Flora picadora, aterradora.<br />
Nossa Senhora da Caatinga. Socorra!<br />
GUIAS<br />
Uma ipueira<br />
É só uma lameira<br />
De nada<br />
para o nada,<br />
Caraibinhas,<br />
Mari,<br />
Mucambo,<br />
Rancharia.<br />
Do nada<br />
Para o nada<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
É tudo nonada! Horror!<br />
(rastilhos de incêndios)<br />
Seca, teu Preludio é enlouquecedor!<br />
OFICIAL III<br />
Diviso estradas encontrando-se!<br />
OS GUIAS<br />
Estradas<br />
encruzas do nada<br />
Não é dia de semana<br />
Tamo aperreado<br />
Feiras eram aqui concorridas aos sábados!<br />
Dá medo esse cemitério desabitado!<br />
Não há por que duvidá<br />
É mesmo<br />
Uauá<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
(muito baixo, apavorados)<br />
Uauá!<br />
GUIAS<br />
Uauá<br />
Cadê os moradores?<br />
Pelos boatos alarmadores<br />
abalaram pro norte<br />
pra fugir da má sorte<br />
tangendo rebanhos de cabras,<br />
animais que fazem esse clima, abracadabra!<br />
(uma cabra passa balindo pelo espaço aterrorizando a tropa)<br />
A Cabra!<br />
Vamos virar cabras,<br />
Nem se conteste<br />
Isso é pra Cabra da Peste!<br />
Uauá! Uauá!<br />
é mesmo cá.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Uauá agora é inteira<br />
Praça de guerra!<br />
Hasteiam a Badeira Brasileira<br />
13
Hoje é o dia dela, é preciso dar Bandeira!<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
Uauá, Uauá<br />
chegamos exáusticos<br />
Travessia de Marte, astronáuticos.<br />
Que pretensão! Que Raio de Arraial!<br />
— duas ruas desembocando numa praça encalhada —<br />
capital do nada?!<br />
GUIAS<br />
Era trecho mais animado desse sertão!<br />
Ai!!! Era o Cão!<br />
Cem casas mal feitas e tijupar tristonho,<br />
mas nos sabados…<br />
(Os Palhaços vivem um flashback, tiram de dentro da roupa, panos coloridos de palhaços gloriosos, tiram os óculos,<br />
enchergam)<br />
…era um sonho!<br />
GUIAS E UAUAUENSES<br />
(Entra o povo de Uauá, das quatro estradas, todo transado, pop, cafona, como o de Joazeiro, cantando com os<br />
Guias)<br />
Encruzilhada de quatro estradas,<br />
TROPA<br />
De muitos nadas<br />
GUIAS E UAUAUENSES<br />
Jeremoabo<br />
Monte Santo,<br />
Juazeiro<br />
Patamuté,<br />
GUIAS<br />
Foi opulenta capital<br />
Do Sertão até!<br />
Pra lá são as Terras Grandes<br />
Roma Rio de Janeiro, ou além<br />
Logo ali, Jerusalém.<br />
INFANTARIA DE INFANTES<br />
Jerusalém?!<br />
POVO DE UAUÁ<br />
Jerusalém!<br />
GUIAS E UAUAUENSES<br />
Bons tempos, nós entrajados<br />
pasmos, em couro alinhados<br />
Vendo no mostrador as vitrinas<br />
com modelos novos raros de latrinas<br />
Três templos pra fazer negócio<br />
no largo da feira só não tinha ócio.<br />
Canudos de Pito<br />
vendidos no grito<br />
e pra descansar redes de caroá<br />
courinhos curtidos<br />
comidas a fio<br />
muito desafio<br />
pra gente cantar<br />
e ganhar!<br />
(pausa, todos dão marcha ré para a idade de ouro e os dois repõe os oculos e a cegueira, os contra regra, retiram<br />
suas velhas roupas)<br />
Nem mais uma venda?<br />
Uauá abandonado…entenda!!!<br />
UMA DESLUMBRADA HABITANTE DE UAUÁ<br />
(ainda toda pop)<br />
Que espadaria reluzente!<br />
Aguardando a passagem da hora ardente,<br />
Acordei fremente!<br />
O povo estava recolhido,<br />
Acordou com as corneta!<br />
PARTE PEQUENÍSSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ<br />
(aparecem uns poucos)<br />
Caceta!<br />
14
É a tropa!!!<br />
MENINA<br />
Vinheram da Orópa?<br />
PARTE PEQUENÍSSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ<br />
Que infantaria mais empoeirada!<br />
mal firme na formatura,<br />
maltratada!<br />
UMA DESLUMBRADA HABITANTE DE UAUÁ<br />
Mas esse bando de baioneta fulgura, refrata<br />
— é um exército brilhante!<br />
Sodadinhos radiantes, de prata!<br />
PARTE PEQUENISSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ JÁ COBERTA COM BURKAS COR DE TERRA<br />
É o primeiro exército que vejo na minha vida, Chourisso!<br />
Esqueço tudo de meu,<br />
vou é dar é o sumiço.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Povo de Uauá porque essa inquietação, porque?<br />
Somos o Exército Brasileiro e estamos protegendo vocês.<br />
Atenção em Uauá num dia da pátria sagrado<br />
O Hino da Bandeira cantemos afinados:<br />
(hasteia-se a Bandeira)<br />
TODOS<br />
“Salve Lindo Pendão da esperança!<br />
Salve Símbolo augusto da paz!<br />
Tua nobre presença a lembrança<br />
A Grandeza da patria nos traz.<br />
Recebe o afeto que se encerra<br />
em nosso peito juvenil<br />
Querido simbolo da terra<br />
Da amada terra do Brasil“<br />
Viva o Brasil!!! Viva!!!<br />
OFICIAL I<br />
Faça-se em torno um círculo de vigilância:<br />
Postem-se sentinelas à saídas dos quatro caminhos em alternância<br />
Os números 78, O5, 24 e 32, ninguém se esconda<br />
sorteados para as rondas.<br />
A expedição, depois de descanso e estudos<br />
abala imediatamente para Canudos.<br />
OFICIAL II<br />
Estamos fatigados.<br />
OFICIAL III<br />
Vamos ocupar estas moradas, abandonadas.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Decidimos continuar a marcha amanhã de manhã.<br />
Repousaremos acantonados tranquilamente.<br />
Dispersar!<br />
(O povo saindo de mansinho até não ficar mais ninguém, pegam seus pertences e vão deixando a cidade, conforme<br />
vai escurecendo escurecendo… é noite, os habitantes levam lanternas vagalumes)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Uauá, terra dos vagalumes, quantos!!!<br />
Estão indo embora também!!!<br />
CONSELHERISTAS DE UAUÁ POMBEIROS DE CANUDOS EM UAUÁ<br />
(para os que de<strong>parte</strong>m)<br />
Isso, fujam deixem o campo pronto<br />
Pro Confronto.<br />
(riem do pavor dos departidos passando na frente em micro grupo procissão)<br />
Santo Expedito é pra já, nesse chote<br />
Vamos lá, Olimambo! no trote… trote… trote… trote<br />
Travessia noite a dentro, nós descampados em fora<br />
Avisar o Conselheiro que já é chegada a hora.<br />
Voltamos com ele em procissão<br />
Sem confronto, ao encontro dessa expedicão,<br />
Fora dos papéis da Republica, pra quem preste.<br />
Espalhando o teatro da peste<br />
15
UAUÁ<br />
CORNETEIRO CASTRATTI<br />
Repouso merecido,<br />
Dormimos, sonhamos, tranqüilos,<br />
Acantonados, sem grilos<br />
SOLO<br />
Oh! O Luar do Sertão<br />
SOLO<br />
Vejam, a Constelação do Escorpião!<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Amanhã vamos surpeender não mais “vários”<br />
nossos adversários<br />
GUIAS<br />
Não tem mais ninguém pra ver.<br />
É circo de duelo, matar ou morrer<br />
Na Rua principal vazia<br />
Acampemos nós Guias!<br />
(Roncos. Adormece a tropa no arraial, cada qual para seu lugar, sua casa, sua cama escolhida. Atmosfera de noite<br />
sensual de Escorpião, lua, um soldado canta ao violão, outro gaita, até o silêncio vencer tudo, quebrado por roncos,<br />
suspiros, e de repente, um grito na calma um Carcará Noturno.)<br />
CANUDOS<br />
(Ouve-se o som das afinações dos mantras e refrões; se prepara enfim, o desfile da peste-festa-procissão; vestem os<br />
balangandãs, contas de proteção, seus fetiços, seus poderes, sob a mesma Lua de Escorpião. Chegam no trote os<br />
pombeiros em Canudos)<br />
POMBEIROS<br />
Tem cem praças de pré<br />
um rebotalho<br />
Soldados Infantes, sem fé<br />
A Tropa toda dorme, só um galo a cantar<br />
em toda Uauá,<br />
Se sairmos agora nosso povo<br />
Pegamos eles no sono novo.<br />
A fuga do povo é em massa<br />
A arena está vazia<br />
aos <strong>luta</strong>dores todo este dia<br />
JOÃO ABADE<br />
(que começa a carregar uma cruz imensa)<br />
O Carcará canta o prelúdio do dia<br />
Vamos para a benção da procissão<br />
Vou de Pagador de Promessa, meu corpo suporta<br />
Mas se nossa peste não abrir a porta<br />
Essa cruz vira raquéte, ariéte<br />
A procissão vira combate, na percussão<br />
À Jesus dos Combates, Louvação!<br />
CONSELHEIRO<br />
(Benze)<br />
Louvação!<br />
CORO<br />
Louvação!<br />
BEATINHO<br />
Na Batuta Beatinho,<br />
Afoxé Fé-Procissão<br />
derviche de ocupação<br />
nos mistérios sagrados da gozação, Olimabô!<br />
CORO GERAL<br />
Olimambô!<br />
(se organizando, coreografando, no icto de um novo Taitá)<br />
Primeiro Passo<br />
Toma tomar conta do espaço<br />
Tem espaço a bessa<br />
Só você sabe do seu<br />
Antes ocupe<br />
depois se vire,<br />
16
olhe em volta,<br />
dê um rolê<br />
não esqueça que você está cercado<br />
cuidado com as imitações.<br />
BEATINHO<br />
Dá um rolê<br />
Mais um<br />
Breque<br />
Outro pra ver<br />
(pausa cheia)<br />
Roletrando<br />
Rolando.<br />
(O longo cajado à mão direita, oscilando isocronamente,<br />
feito enorme batuta, compassando a marcha verdadeiramente delirante.)<br />
FURIAS<br />
Furias<br />
Bacantes<br />
Espalhar nossa peste de amor<br />
O quanto antes<br />
MANÉ QUADRADO<br />
Juntem Folhas Vivas Galhos Secos tortos<br />
Comisssão de Frente Vivos e Mortos!<br />
UAUÁ<br />
CORO DO PRELUDIO SERTANEJO<br />
(No Placar do Estádio: dia 21 de novembro. O sol começa a nascer.)<br />
Florestas Caminham<br />
Umbus, Coqueiros,<br />
Alecrins dos taboleiros<br />
Canudos de Pito<br />
Bromélias<br />
Favelas<br />
Palmeiras do Diabo<br />
Joazeiros<br />
Cabeças de Frade<br />
Facheiros<br />
Quipás<br />
Jurema, Juremá!!!<br />
MANOEL QUADRADO<br />
Coro de Oficina de Florestas Avança<br />
longínquo na mudez da terra adormida dança!<br />
BEATINHO<br />
Matutos crendeiros nos atos<br />
Não vamos sangrar, basta os te-atos<br />
CORO (2X)<br />
(com o público – letra projetada, cada dupla de versos do mantra é cantada duas vezes)<br />
A reza, a peste, a força pode<br />
Procissão na cadência do canto do bode<br />
É um Hino<br />
A Bandeira do Divino<br />
ritmos, ictos torés<br />
Furiosos Evoés<br />
COMPADECIDA<br />
Os estios longos das sêcas vencemos<br />
Os estios longos das das guerras vençamos.<br />
O que esta Bandeira Tomar<br />
a divina pomba da Paz Vai Baixar<br />
CORO (2X)<br />
Pomba Pomba GIRA<br />
Pomba Pomba PIRA<br />
MANDRAGORA PROFETA (KARINA)<br />
Alegria de feira<br />
De longe na paz,<br />
já dando bandeira<br />
Despertando inimigos<br />
pruma <strong>luta</strong> de amigos<br />
17
CORO<br />
Á reza, a peste, a força pode<br />
Procissão na cadência do canto do bode<br />
É um Hino<br />
A Bandeira do Divino<br />
ritmos, ictos torés<br />
Furiosos Evoés<br />
MANOEL QUADRADO<br />
Por todos que querem a mar<br />
Sem sinais guerreiros<br />
nos guiam símbolos de paz:<br />
CORO<br />
Á reza, a peste, a força pode<br />
Procissão na cadência do canto do bode<br />
É um Hino<br />
A Bandeira do Divino<br />
ritmos, ictos torés<br />
Furiosos Evoés<br />
JOÃO GRANDE<br />
Um pelotão escasso de infantaria<br />
Oculto pelas caatingas envolventes,<br />
Pode dispersar-nos em minutos.<br />
JOÃO ABADE<br />
Mas Uauá na frente não revela <strong>luta</strong>dores a postos.<br />
Dormem, Dormentes<br />
CORO (2x)<br />
Dorme menino grande que eu velarei por ti<br />
Sonha o que bem quiseres, nós chegamos aqui.<br />
UAUÁ<br />
(Os soldados dormem nas casas, os quatro sentinelas também<br />
Vagalumes. Amanhece, Guia acorda acha que de um pesadelo.)<br />
GUIA DE UM OLHO SÓ (atordoado, aos berros)<br />
Sinto uma Floresta que Caminha<br />
Me diziam que eu só ia morrer<br />
No dia em que as árvores caminhassem<br />
Não estamos bêbados nem chapados<br />
Estamos tendo um Sonho acordados?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
(de sua casa dormindo)<br />
Deixem de besteira, a tropa tem que dormir,<br />
Vamos atacar Canudos quando o Sol surgir<br />
GUIA SEM OLHO<br />
Eram muitos. Três mil.Uma bacanal?<br />
Avançavam sem ordem, num carnaval<br />
Na madrugada girando, feito espiral<br />
GUIAS<br />
Não é sonho é realidade<br />
Ou a realidade virou sonho de verdade?<br />
CORO<br />
Chegamos, beiramos a linha de sentinelas avançadas.<br />
Despertem, espadas embainhadas!<br />
(O vedeta, sentinela avançado, estremunhando surpreso, dispara à toa. É o sinal: os guerreiros preparam-se pra<br />
espostejar à faca. O sentinela reflui precipitadamente para a praça que fica à retaguarda, deixando em poder dos<br />
agressores um companheiro. Manoel Quadrado tenta impedir os sertanejos com uma bíblia. João Grande se benze<br />
beijando a bíblia, e, ritualísticamente a troca pelo facão e esposteja uma melancia gigante, que os sertanejos<br />
devoram. Manoel Quadrado quase desmaia. É, então, o alarma: os soldados correm estonteadamente pelo largo e<br />
pelas ruas; Manoel Quadrado desesperado, reza, clama, mas continua com sua ação de reza fé. Os soldados saem,<br />
seminus, e nús, pelas portas; saltam pelas janelas; vestem-se e armam-se às carreiras e às encontroadas… Não<br />
formam.)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
9 o Pelotão Formar?<br />
(Tenta-se um movimento instantâneo, forma-se uma coluna de pessoas de ciroulas, cuecas, semi fardados, e<br />
totalmente torta. Sem armas, uma fileira cospe.<br />
18
O Médico com sua carroça Enfermaria, começa querer atender os feridos e leva porradas dos dois lados, tenta<br />
defender os remédios)<br />
MÉDICO<br />
Vou tomar um floral<br />
Cuidar de mim,<br />
De quem já me perdi!<br />
Estou sem mim?!<br />
Socorro um Médico!<br />
(A mal formada coluna é logo dispersa pelos movimentos em ronda dos sertanejos, avançando e os soldados<br />
fugindo.)<br />
DESORDEM DE FEIRA TURBULENTA REANIMA UAUÁ<br />
GUIAS<br />
Isso que é feira animada. Turbulenta.<br />
Uauá capital da terra Grande! Esquenta!<br />
(as praças, protegidas pelas casas, e abrindo-lhes as paredes em seteiras, volvem à defensiva franca.)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Fuzilaria em Massa!<br />
Ouçam o prelúdio de nossas armas de repetição!<br />
INFANTARIA (2x)<br />
Bala bala<br />
Bala bala<br />
Bala bala<br />
Bala La I Ka<br />
MATUTOS<br />
Com um balido abala a balada<br />
A bala abalada<br />
Abala a balada do baile de gala<br />
INFANTARIA MATUTOS<br />
Bala bala Com um balido abala a balada<br />
Bala bala A bala abalada<br />
Bala bala Abala a balada do baile de gala<br />
Bala La I Ka Mééééé<br />
MATUTOS<br />
João João<br />
Fura a parede<br />
Fura a parede<br />
Fura a parede<br />
Como um furacão<br />
Tem aí 100 macaco<br />
Comblé na mão<br />
Fura aqui Fura aqui<br />
Fura aqui Fura aqui<br />
Fura lá Fura lá<br />
Fura lá Fura lá<br />
Além<br />
Além do Além<br />
Além do Além<br />
Além do Além<br />
Aqui<br />
JÁ!<br />
INFANTARIA MATUTOS<br />
Bala bala A EEEE IIII UU O<br />
Bala bala A EEEE IIII UU O<br />
Bala bala A EEEE IIII UU O<br />
Bala La I Ka A EEEE IIII UU O<br />
(Os matutos conjuntos à roda dos símbolos sacrossantos, no largo, começaram de ser demolidos em massa.<br />
Baqueam em grande número; e torna-se-lhes a <strong>luta</strong> desigual a despeito da vantagem numérica.)<br />
COMPADECIDA<br />
19
A Compadecida<br />
está emputecida!<br />
Mangue De Sangue<br />
Assim nos recebe esta gangue!<br />
JOÃO ABADE<br />
Trágica aposta vencí<br />
Cruz vira ariete aqui<br />
Invade essa fortaleza torta<br />
Paga tua promessa,abre essa porta.<br />
Esmaga Santa Madeira<br />
Essa infantaria inteira<br />
(Manoel Quadrado tenta impedir, mas é segurado pela turba que o protege ao mesmo tempo. João invade com o<br />
ariete cruz um bando atrás de uma porta e massacra todos os de dentro com a madeira)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Lá se vão 100 tiros de Comblain<br />
INFANTARIA<br />
Bala bala<br />
Bala bala<br />
Bala bala<br />
Bala La I Ka<br />
(tiros certeiros dos soldados)<br />
ALFERES MIGNON<br />
Despertei atrasado?<br />
Sonho ou verdade?<br />
É um pesadelo? –<br />
- da janela aboco sobre o peitoril<br />
a carabina ao peito dos assaltantes<br />
sem errar um tiro como antes?<br />
Mas quê que eu faço batendo longo tempo pelado?<br />
Sonhei que estava sendo amado<br />
Masturbei muito ontem<br />
(mortes dos jagunços)<br />
JAGUNÇO COZINHEIRO DE ARMAS<br />
(ao fundo de um ritmo de disparos)<br />
Na estonteadora ebriez do tiroteio<br />
é um recreio<br />
Canta a receita desse lento produto<br />
Executa heroísmo imóvel de dois minuto<br />
Minha mão revolve os aiós, que cheiro<br />
retira pólvora primeiro<br />
depois a bucha<br />
as balas, puxa;<br />
a vareta não esquece maluco,<br />
enfia pelo cano largo do teu trabuco<br />
ceva devagarinho como quem fode<br />
ja que póde<br />
soca lá dentro esses ingredientes,<br />
prepara o alimento, dos soldados, esquente;<br />
escorva a polvora<br />
engatilha o cão,<br />
vai lá clavinote<br />
no pinote<br />
dá cabo, disparação<br />
goza!<br />
(disparo)<br />
OFICIAL I<br />
Olha lá um disparo de clavinote!<br />
ALFERES MIGNON<br />
Me firo<br />
Sou um soldado modelo<br />
Caio morto<br />
Em pêlo<br />
No leito em que durmo<br />
E não tive tempo de deixar<br />
Nem pra saber<br />
Se morri, se vivi, e eu sei?<br />
Sonhei? Gozei?<br />
20
Matei?<br />
Morri?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Mais Cem tiros de Comblain!<br />
(Nova saraivada de balas, mas os Jagunços balindo, girando e cantando escapam dos projéteis)<br />
MATUTOS<br />
Com um balido abala a balada<br />
A bala abalada<br />
Abala a balada do baile de gala<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
(Joga as mancheias de balas depois de<br />
arrebentar caixotes de munição, que caem em cima do guias)<br />
BEATINHO<br />
Reunamo-nos empestiados<br />
em volta da bandeira do Divino,<br />
estraçoada de balas e vermelha,<br />
o Hino !<br />
CORO<br />
Primeiro Passo<br />
Toma tomar conta do espaço<br />
Tem espaço a bessa<br />
Só você sabe do seu<br />
JOÃO ABADE<br />
Pelas ruas vamos nos enfiar<br />
O arraial rodear<br />
Volver ao largo, na mais ativa<br />
BEATINHO<br />
(ao público)<br />
VOZEAR VIVAS!<br />
Viva a Peste da Paixão! Viva!<br />
Viva o nosso Bom Jesus! Viva!<br />
Viva o nosso Conselheiro! Viva!<br />
Viva Infante nosso irmão! Viva!<br />
(silêncio)<br />
INFANTARIA<br />
Infantes?!<br />
CORO<br />
Infantes!<br />
BEATINHO<br />
A <strong>luta</strong> de amor, Infantes na caatinga<br />
no leito desafogado da cantiga<br />
CORO DE INFANTES<br />
Sem vergonhas!<br />
VEADOS!<br />
JOÃO ABADE<br />
Não chinga!<br />
Venham dançar com a gente na Catinga.<br />
GUIAS<br />
VIVA O BOM JESUS!<br />
VIVA O CONSELHEIRO!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
E vai um fogo amigo pra vocês<br />
guias da Nossa perdição!<br />
MEDICO E CONSELHERISTAS TENTANDO AVANÇAR NOS GUIAS<br />
N Ã O!<br />
(OS GUIAS PEDEM QUE OS SERTANEJOS PAREM, pois todas armas estão apontadas para os conselheristas que<br />
vão ser massacrados )<br />
GUIAS<br />
Nós Gosta de Fogo Amigo<br />
Nos batemos com as da Terra Grande<br />
21
Até lá chegou o cordão do nosso umbigo<br />
Pra que mais, nosso destino que mande.<br />
(Os Sertanejos avançam para impedir a morte dos Guias e juntamente com êles são metralhados)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Fogo!<br />
CORO SERTANEJO(para o Público)<br />
Viva Nicolau!<br />
Viva Mariquinhas!<br />
(OS CONSELHEIRISTAS revoltados põe-se em ronda desnorteada e célere. Variando o exército gente cruel e séria.<br />
Apitos. Gritos, Zoeiras. Giros revoltos, folhas de parreiras… João Abade solta silvos estridentes de apitos de taquara,<br />
atravessam o largo arrebatadamente… dali por diante, desordem de feira turbulenta. As praças, protegidas pelas<br />
casas, volveram à defensiva franca.)<br />
ESTEVÃO<br />
Não sentem nossa peste?<br />
Nossa atração?<br />
Venham pro plaino desafogado da várzea<br />
Ver o que é ter coração.<br />
(tiros do exército, as vacas, a pombeira mandrágora caem mortas)<br />
MÉDICO DA FORÇA<br />
Minhas vacas, minhas vacas, morreram<br />
Quem leva minha ambulância?<br />
OFICIAL I<br />
Olha, abandonam, o campo.<br />
Escondem-se nas moitas?<br />
Pra Canudos reconduzem o povo inteiro?<br />
(acorde grave de Baixo)<br />
Ou vão buscar a Madeira em Joazeiro?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Vamos alcançá-los?<br />
INFANTARIA INFANTES<br />
Estamos exausticos.<br />
(Somem os Canudenses, Silêncio. Baixo toca as notas)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Baixas.<br />
CORNETEIRO<br />
dez mortes—<br />
um alferes,<br />
sete praças<br />
e os dois guias<br />
(infantaria de infantes cai num berreiro)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
E o Inimigo?<br />
OFICIAL III<br />
Número desconforme - dezenas de sertanejos – 150<br />
(silêncio-o berreiro pára)<br />
OFICIAL I<br />
Vamos avançar<br />
Nós temos setenta homens válidos,<br />
Temos toda a munição.<br />
TENENTE PUIRES FERREIRA<br />
Nós ganhamos?<br />
OFICIAL I<br />
Ainda não.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Lavram incêndios em vários pontos, nas cercas, nas hortas<br />
Sobre os soalhos e balcões ensagüentados, à soleira das portas,<br />
pelas ruas e na praça,<br />
22
O sol dardeja, o tempo passa<br />
contorcem-se os feridos, estendem-se mortos.<br />
Assombra-me este assalto.<br />
Vi de perto o arrojo dos matutos.<br />
Essa vitória nos deixa malucos?<br />
Se tal nome cabe ao sucedido,<br />
Pelas suas consequências me sinto fodido<br />
MEDICO<br />
Quedo-me, inútil, ante os feridos, alguns graves,<br />
Mas eu sou medico, o melhor é queimar tudo<br />
É uma peste… eu diagnostico para o mundo<br />
Eu estou contagiado…<br />
São tantos feridos<br />
estamos vencidos…<br />
É uma peste nova,<br />
cabeça contaminada<br />
quem cuida da minha, que agora está virada…<br />
Viva o Bom Jesus!<br />
Viva o Conselheiro!<br />
Não há remédio a não ser o fogo.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
O médico da força enlouqueceu…<br />
Desvairio eu tambem<br />
(amarram o médico na camisa de força de sua propria roupa)<br />
Que peleja é esta?<br />
A retirada impõem-se, urgente, antes da noite,<br />
ou de um outro recontro,<br />
só de pensar nessa idéia tremo eu,<br />
triunfador? Não! Deus enlouqueceu.<br />
INFANTES DA INFANTARIA<br />
Não há o que temer, olhem<br />
Desaparecem ao longe na virada<br />
listrando a caatinga com a bandeira sagrada<br />
Seu escudo<br />
Reconduzem a Canudos.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
É só uma volta, nos confrontar hoje é o fito.<br />
Vamos inumar nossos mortos, e deixar este lugar maldito.<br />
MEDICO<br />
Queimar espermas empestiados nesses mortos, gene.<br />
Receito querozene.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Vamos largar sob o sol ardente.<br />
Em fuga? Até onde eu mergulhe numa aguardente!<br />
OFICIAL II<br />
(abraçado a um cadáver apaixonado)<br />
Eu fico nos micróbios dessa Mandragora<br />
Podem ir<br />
Peguei a peste, me apaixonei,<br />
na Ágora<br />
Não sou de fujir. (Se suicida)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Marchemos pra<br />
Juazeiro, em acelerado<br />
O sol e os jagunços nos perseguem por todos os lados<br />
O que fizemos em oito<br />
Temos que fazer em quatro dias<br />
Ave Marias!<br />
Quem quizer sobreviver a essa assombração<br />
Me siga. Esta floresta vai avançar e será a destruição!<br />
(ateiam fogo nos corpos dos sertanejos, com o querozene que o médico receita; trazem os corpos dos dois guias<br />
mortos pra enfermaria, puxada por dois infantes exaustos, inumam os mortos, pegam os feridos e marcham até<br />
Joazeiro, onde chegam na estação de trem.)<br />
JOAZEIRO<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
Mas vocês ganharam ou perderam?<br />
23
MÉDICO<br />
Os Jagunços vem vindo em cima, nos nossos rastros,<br />
Trazendo a peste. Vamos clamar aos astros!<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
Incompetentes!<br />
Eu conhecia de Conselheiro a Ficha!<br />
Era preciso um contingente maior<br />
O Governador da Bahía põe a política partidária<br />
acima dos interesses da República.<br />
POVO POP DE JOAZEIRO<br />
Vocês que vão nos defender<br />
ou nós que vamos defender vocês?<br />
Vocês estão pior que antes<br />
Retirantes, viraram retirantes!<br />
(A população alarma-se. Começa o êxodo).<br />
Fogos fiquem acesos na estação da via-férrea<br />
todas as locomotivas, no trenzinho de João Gilberto…<br />
Portões abertos<br />
(Mulheres, crianças, velhos e covardes caminham em direção a elas. O povo foge e os soldados também.)<br />
Adeus Joazeiro<br />
Malditas Madeiras<br />
Porque não entregaram ao Conselheiro?<br />
Agora eles vem aqui buscar<br />
E quem ficar Juiz Leoni, vai com a vida pagar.<br />
JUIZ LEONI<br />
Convoquem todos os homens válidos dispostos ao combate!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Não há uma alma sequer disposta ao combate<br />
E Helena sua esposa lá estava de destaque<br />
MEDICO<br />
Viva o Bom Jesus!<br />
Viva o Conselheiro!<br />
JUIZ ARLINDO LEONI<br />
(ameaçando com um revólver o telégrafo de Schilink que vai fugindo)<br />
Telegrafo, não fuja.<br />
(O trem <strong>parte</strong>)<br />
Dito:<br />
E as linhas do telégrafo transmitem ao país inteiro o prelúdio da guerra sertaneja…<br />
(o telegrama de Arlindo é retransmitido pelo telégrafo em todas as línguas do mundo …Espanhol …Alemão …Inglês<br />
…Francês …Italiano …russo …árabe …chinês …japonês …nagô… As notícias do prelúdio da guerra sertaneja<br />
irradiam de todos os pontos, enchem o espaço REMIXADAS com sons de telégrafos, demolições, gemidos, gozos,<br />
orações, somadas à música do revoluteio - Começa o TROPEL DE BÁRBAROS em Percurssão com os telégrafos…<br />
Tema de toda esta <strong>parte</strong> da <strong>luta</strong>. Começa na boca de um cantador, vão para os Coros até a versão remix, com<br />
telégrafos, pânico internacional…<br />
CANTADOR<br />
A força recuou<br />
ninguém sabe bem por que<br />
por medo não encarou?<br />
Ou viu o que ninguém vê?<br />
Bandido dioido armado<br />
fogo, facão, foice, machado…<br />
Bandido dioido armado<br />
fogo, facão, foice, machado…<br />
CORO<br />
Toando hino<br />
pomba girando<br />
a bandeira do divino<br />
cirandandandandandan<br />
dandandandandandandandando<br />
Guerrando <strong>luta</strong><br />
cantando dançando na batuta<br />
Guerrando <strong>luta</strong><br />
cantando dançando na batuta<br />
ai! ai! ai! tropel de bárbaro<br />
ia! ia! ia! doce amargo<br />
24
ai! ai! ai! tropel de bárbaro<br />
ia! ia! ia! doce amargo<br />
…O TROPEL chega ao sertão: Queimadas, Monte Santo; ao litoral: Salvador, Rio, na Rua do Ouvidor, onde o remix<br />
entra gravado e é sucesso no sertão mundial: China, Russia, Áfricas, Américas; em São Paulo já radiofonizado,<br />
mixado em som do tropel do horror, sendo cobertos por telégrafos em varias línguas de Radio, de Tv, de<br />
Computadores em Bagdá, Paris, Nova York, Berlim, Luanda, Xangai; em Salvador, no gabinete do governador Luis<br />
Viana que ouve a repercussão mundial, idem no quartel onde está o Comandante do 3º Distrito Militar, Solon Ribeiro;<br />
idem na Presidência da República no Rio; idem no gabinete da Governadora marli Rocinha; idem no Teatro Oficina, e<br />
formam uma onda de pânico e dicussão em que o Tropel contracena com a Marselhesa.)<br />
2ª EXPEDIÇÃO<br />
CONFLITOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA<br />
GRANDE DISCUSSÃO EM REDE PELO ESPAÇO TODO<br />
SOLON<br />
Exmo. Ministro da Guerra Dionísio<br />
Felizmente Casto, ou melhor, Castro<br />
Dr Manuel<br />
Felizmente Vitorino.<br />
Ilustre presidente da República interino<br />
informações alarmantes nacionais<br />
para as repúblicas internacionais.<br />
Aqui, on line, da nossa mais alta instância<br />
Vos encontro: Conselho de beligerância.<br />
O revés de Uauá exige reação segura,<br />
diferente da jacobina linha dura.<br />
(Vaias Jacobinas, aplausos da Minoria pensante)<br />
A mão oculta monárquica<br />
explora a multidão anárquica.<br />
Entra o Mundo na disputa,<br />
exigindo Invenção Novo Plano de Luta.<br />
(aplausos da Minoria pensante)<br />
Atacar a revolta por dois pontos incisivos<br />
Fazendo avançar para um único objetivo<br />
não uma, mas sem lacunas,<br />
duas colunas.<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA<br />
Não perca tempo em teoria,<br />
É agitação sertaneja tem terapia!<br />
GOVERNADORA MARLI ROCINHA<br />
Terapia?<br />
Eu, Marli Rocinha,<br />
governadora do estado da chacina, declaro:<br />
o traficante Conselheiro impera sobre extensa zona conquistada,<br />
dificulta o acesso à cidadela entocaiada.<br />
Em nome do Senhor, eu proponho,<br />
em torno de Canudos, a construção de um muro<br />
que torne esse país mais puro e mais seguro.<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA<br />
25
Boa idéia, governadora Rocinha<br />
mas escuta só a ação que já é minha:<br />
mando já diligências policiais,<br />
100 homens e 3 oficiais,<br />
sob o comando estrito<br />
do meu Príncipe<br />
Major Febrônio de Brito.<br />
(Entra o Formoso Major Febrônio de Brito em Salvador, aplausos gerais dos seus homens que estão esperando)<br />
São mais que suficientes as medidas tomadas<br />
para extinguir a turba fanatizada.<br />
Não há necessidade da força federal,<br />
para reforçar diligência tal.<br />
(aplausos)<br />
GOVERNADORA ROCINHA<br />
O Muro!<br />
GENERAL SOLON<br />
Discordo, são impressões superficiais,<br />
a repressão legal parou em diligências policiais.<br />
Não se trata de prender criminosos,<br />
mas extirpar móveis de decomposição, portentosos.<br />
O arraial de Canudos é um manifesto amoral,<br />
um desprestígio à autoridade e à República Federal!<br />
Preestabelecer vitória massacrante,<br />
sobre a rebeldia sertaneja dita insignificante?!<br />
Um novo plano<br />
Oligarchia<br />
da Bahía !<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA DA BAHIA<br />
Bahia! Bahia! Bahia!<br />
(os baianos fazem coro com ele)<br />
Com grande honra<br />
no poder Federal se irradia!<br />
SOLON<br />
A Tropa sem plano afronta com o desconhecido sem perspectiva,<br />
só contando com fragilidade da tropa impulsiva.<br />
Não há nenhuma tática sobre inevitáveis assaltos inesperados,<br />
nem de acordo com os terrenos calcinados.<br />
O chefe expedicionário leva o pequeno corpo da tropa<br />
como se passeasse em algum campo esmoitado da Europa.<br />
(aplausos da Minoria pensante)<br />
Como a neve pra Napoleão,<br />
O deserto pode ser nossa perdição.<br />
(saindo João Abade dos subterrâneos com Mata Hari no seu lado oposto)<br />
JOÃO ABADE<br />
Senhoras e Senhores<br />
Vamos nós, aproveitar o tempo enquanto segue vossa controvérsia.<br />
Aparelhar pro revide, sair da inércia.<br />
MATA HARI<br />
Tempo estéril perdido<br />
pra vocês, inimigo perigoso<br />
pra nós florindo:<br />
Plantio fogoso.<br />
JOÃO ABADE<br />
Queimar Tudo!<br />
Num raio de três léguas<br />
em roda de Canudos,<br />
Longe e perto,<br />
faça-se o deserto.<br />
Para todos os rumos, pousos, fazendas, carbonizar.<br />
Isolar nosso arraial Palestina,<br />
num grande círco de fogo de Ruína.<br />
MATA HARI<br />
Não vamos ter destruído do inimigo o fundamento<br />
se as últimas ruínas sobrarem pro chororo e pro lamento.<br />
26
BARONESA DE JEREMOABO CHEGANDO COM DIVINE<br />
(Toca o Apito do Navio, a Baronesa chega no Rio, enquanto o Brasil sua Casa Grande queimam)<br />
BARONESA<br />
Moi Barone de Jeremoabo,<br />
déracinée par les gens de Conselheiro<br />
quiont occupé et déchu<br />
les terres de moi infance perdue…<br />
DIVINA<br />
Eu, a Baronesa de Jeremoabo,<br />
“A desterrada” pela gente do Conselheiro,<br />
que ocuparam, fuderam e queimaram<br />
as terras da minha infância perdida<br />
BARONESA<br />
…également déchues par les nouveaux monarques de la republique païenne<br />
Jacobine Brésilienne,<br />
DIVINA<br />
Igualmente arrasadas pelos novos monarcas da república pagã<br />
Jacobina Brasileira anticristã!<br />
BARONESA<br />
Bouleversie par cette grave situation<br />
ma fievre me couronne de pardon…<br />
DIVINA<br />
Transtornada pela grave situação<br />
Trago a febre coroando meu perdão<br />
BARONESA<br />
Moi, baiana exilé<br />
qui avais juré de ne<br />
plus jamais retourner,<br />
je reviens a mon peuple infantil,<br />
pour lutter pour ma patrie aimée<br />
Bresil!<br />
DIVINA<br />
Eu, baiana exilada<br />
já tinha jurado<br />
jamais por meus pés nesta terra amaldiçoada,<br />
Retorno agora ao meu povão infantil<br />
para <strong>luta</strong>r pelo Brasil.<br />
BARONESA<br />
Douloureux otage du banditisme prétendument monarchiste<br />
Et de lʼarmée républicaine positiviste.<br />
DIVINA<br />
Dolorosamente sofro refém do banditismo que se coroa monarquista,<br />
e do exército republicano positivista.<br />
BARONESA<br />
Oh brésiliens, aimez avec moi ce peuple entre deux feux<br />
Mois je suis maintenant, la Mère dʼun enfant-pays affreux<br />
DIVINA<br />
Ô brasileiros, amem comigo esse povo entre um e outro fogo<br />
Eu sou agora mãe duma criança-país horroroso<br />
BARONESA<br />
Jʼapprends maintenant le tupy<br />
comme mon fusil<br />
DIVINA<br />
(orgulhosa)<br />
Eu aprendo agora Tupy,<br />
como meu fusí,<br />
BARONESA<br />
notre vraie langue<br />
avec mes fonctionnaires indiennnes du Mangue.<br />
DIVINA<br />
Ah!… Madame…<br />
27
nossa língua de sangue<br />
com minhas funcionárias índias do Mangue.<br />
BARONESA<br />
Et jusqué à savoir lutter avec cette lʼarme labiale<br />
je ne dirais plus um mot de la langue du Portugal!<br />
DIVINA<br />
E até saber <strong>luta</strong>r com esta arma labial<br />
não direi mais uma só palavra da língua do Portugal!<br />
BARONESA<br />
À la recherche de notre temps perdu<br />
Je sens lʼodeur de la merde crue,<br />
qui brûle sèche en mon foyer déchu…<br />
DIVINA<br />
A busca do nosso tempo perdido<br />
Eu sinto o cheiro da merda ainda crua<br />
Que queima seca na minha fazenda nua…<br />
BARONESA<br />
Mais moi, je ris, de moi même je jouis<br />
Que vive la Patrie Mère: Moi, oui, oui, oui<br />
Tupy Tupy!<br />
DIVINA<br />
Mas ria-se da vida que a vida ri de ti<br />
Que viva Eu, a Pátria Mãe, estou gozando, ai, iiii<br />
Tupy Tupy!<br />
(O Público da Assemebléia aplaude)<br />
SOLON<br />
Contra o sertanejo antagonista<br />
incendiário, na pista,<br />
não pode estender-se a mais apagada linha de combate.<br />
Não há combate, no rigorismo técnico do termo e da conduta.<br />
Não há nem condições de <strong>luta</strong>…<br />
LUIS VIANA<br />
Há! Caçada humana!<br />
Batida Brutal a Canudos!<br />
OFICIAIS E MÉDICOS<br />
Desencontradas informações,<br />
oscilam emoções,<br />
Desalentos…<br />
Tormentos…<br />
A empresa é grande demais,<br />
ultrapassada<br />
A Luta assim<br />
Não vai dar em nada.<br />
CABO WANDERLEY<br />
A Luta<br />
vem plena<br />
de esperança inesperada…<br />
CORO DE PRÉS<br />
E crises desesperadas.<br />
(Silêncio Geral, todos contemplam os pré e Wanderley reza alto)<br />
MAJOR FEBRÔNIO<br />
Vem Natal, Ano velho saia,<br />
rezemos soldados ao céu,<br />
SOLDADOS<br />
Que um Plano de Campanha agora caia,<br />
trazido por Papai Noel!<br />
GENERAL SOLON<br />
(comovido)<br />
Sem planos somos tartarugas<br />
diante da tática estonteadora sertaneja da fuga.<br />
Mas o Plano de duas colunas a atacar,<br />
atraindo-os pra um e outro lugar,<br />
28
é vencê-los.<br />
Nossos patrícios, há cem anos, saíam dos modelos.<br />
Criavam Minúsculos exércitos de “capitães-do-mato”,<br />
num sem conto de revoltas, dando trato<br />
batalhas ferocíssimas, sem nome,<br />
imitando sistema do índio, do africano, do homem a homem!<br />
(conclamando)<br />
Brasileiros! Pra ofensiva,<br />
no recuo inevitável à guerra primitiva.<br />
(Vaias imensas e poucos aplausos)<br />
Função do Homem e da Terra<br />
É pra golpes de estrategista revolucionário essa guerra.<br />
LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Eu governador estadual da Bahia,<br />
estou farto de falação.<br />
Vou agir dentro da Constituição,<br />
há uma ameaça à soberania<br />
do meu Estado pela Federação.<br />
Ao seu Plano de Campanha a Bahia brada:<br />
REJEIÇÃO!<br />
BAHIANOS<br />
REJEIÇÃO!<br />
GOVERNADOR LUIS VIANA<br />
Essa confusão de plano não assino, é covardia,<br />
atenta a nossa mais íntima Soberania.<br />
GENERAL SOLON<br />
Acima do desequilibrado Conselheiro,<br />
seu diretor, seu dignatário,<br />
há toda uma sociedade de retardatários.<br />
O ambiente moral dos sertões favorece o contágio,<br />
o alastramento da nevrose.<br />
A desordem local neste estágio,<br />
é núcleo de conflagração em todo o interior do Norte.<br />
A Intervenção Federal exprime o superior porte,<br />
dos princípios federativos brasileiros.<br />
A colaboração dos Estados,<br />
numa questão, não da Bahia, mas do mundo republicano inteiro.<br />
LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />
Senhor Presidente, senhor Ministro da Defesa:<br />
sobre as bandeiras vindas de todos os quadrantes,<br />
do extremo norte e do extremo sul,<br />
há de pairar intangível a Soberania<br />
do palco onde acontece a historia: a Bahía!<br />
O Chefe de Distrito sediado em meu Estado,<br />
traça Plano de Campanha que não leva meu abaixo assinado.<br />
(aplausos bahianaos)<br />
PRESIDENTE DA REPÚBLICA INTERINO<br />
Membros do Conselho, senhores ministros, poveira,<br />
generais, chefes especiais, representações estrangeiras<br />
Eu, presidente interino,<br />
Manoel Vitorino<br />
para melhor a constituição resguardar,<br />
removo do comando do 3º Distrito Militar<br />
o General Solon Ribeiro. E vá ligeiro!<br />
(silêncio pesado)<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
Protesto!<br />
(entram acordes rocks de Jagger Euclydes)<br />
MINISTRO DA GUEERA<br />
Para infelicidade sua,<br />
Doutor Euclides da Cunha,<br />
a de Danton, Robespierre, ou Saint Just não é sua Sina.<br />
Teu sogro não irá para a Guilhotina,<br />
que o General Solon em Matogrosso passe seu fim de ano,<br />
para curar-se da monocórdica obssessão dessa hitória de “plano”<br />
Anti bahiano!<br />
(aplausos bahianos entusiásticos. Novos acordes-rocks de Jagger Euclydes)<br />
EUCLIDES<br />
29
Falamos, falamos,<br />
Vitória Glória<br />
dos Quentes Panos!<br />
Não temos planos!<br />
Não temos Planos!<br />
(Vaias. Dois soldados entram para “acompanhar” Solon em seu exílio; prestam continência.)<br />
Querido General Solon,<br />
em nome dos republicanos,<br />
protesto, clamo,<br />
que vilipêndio pra grandeza de seu plano:<br />
um Spa na Sibéria Canicular de Mato Grosso<br />
e ainda esta politicagem, do soldado entrega o pescoço…<br />
(Som Brusco de Guilhotinas; Solon prepara-se pra sair pro seu exílio. Euclides em protesto:)<br />
Revolução republicana, não atinas?<br />
A Ti mesmo Guilhotinas?!<br />
(Musical Blockbuster, Sons eletrônicos de Explosões. Cai a cortina guilhotina do palquinho decepando Solon que sai<br />
preso. Entram os Fieldmarechais e se colocam no palco atraz da Cortina do TEATRO ITALIANO)<br />
PRESIDENTE INTERINO- MINISTRO DE GUEERRA<br />
Nós, da Bahia, Severinos<br />
MINISTRO DE GUEERRA<br />
Ministro<br />
PRESIDENTE INTERINO<br />
e Presidente da República<br />
PRESIDENTE INTERINO- MINISTRO DE GUEERRA<br />
Interinos,<br />
Como Medida Provisória, decretamos:<br />
agora que a sala está desinfetada,<br />
sigam as forças policiais já pra Queimadas.<br />
Mas antes, pelos Fieldmarechais sejam treinadas.<br />
T E A T R O – T E A T O<br />
OPERA DE ENSAIO DE MUSICAL AMERICANO.<br />
(O Ministro e o Presidente Interino abrem as cortinas do Musical, onde estão em cena a República, os Fieldmarechais<br />
e será anunciada a presença vip de Condoleezza Rice. Todo coro de recrutas aprendizes, sob o Comando de<br />
Febrônio de Brito, baixa para a oficina dos Fields, boquiabertos! Formam uma almondega dentro da pista central. Os<br />
Fields trazem palquinhos italianos na cabeça; eles abrem suas cortininhas.)<br />
PRESIDENTE VITORINO<br />
Que lindo!<br />
É com inenarrável satisfação<br />
que anuncio este presentão:<br />
A Presença very special, very nice<br />
da maior amiga da Latino America<br />
Condoleezza Rice!<br />
(a tropa tem surtos histéricos; um beijoqueiro invade o palco e beija Condoleezza)<br />
CONDOLEEZZA RICE<br />
(agradece)<br />
One, Two, Three, Four<br />
FIELDMARECHAIS<br />
(Play back com arranjo grandioso. Os Fields tem um ligeiro sutil sotaque Americano)<br />
Fields marechais<br />
Trazemos padrões internacionais.<br />
Aqui por contrato<br />
Com o Ministro da Guerra Dionísio de Castro.<br />
Thatʼs it!<br />
CORO<br />
Thatʼs it!<br />
FIELDMARECHAIS<br />
(cantando como computadores)<br />
Doutores na arte de matar hoje na Europa,<br />
invadimos a ciência, o teatro, com a tropa,<br />
perturbando seu remanso retinindo esporas insolentes sem canso.<br />
Leis formulamos para a guerra eloqüentes<br />
pra batalhas inteligentes.<br />
(Uma nota só no teclado dançando a dança Xamanica arcaica do Macaco; Fields trazem uma machadinha de Pedra,<br />
os soldados brasileiros os imitam como macacos e os Fields passam a imitar os brasileiros)<br />
30
Guerreiro, de nossa mão<br />
a heróica machadinha foi pro chão<br />
de dois gumes,<br />
levávamos no quadril:<br />
a Francisca,<br />
foi traída, risca!<br />
Sumiu…<br />
(Rito de tramsmutação secular da machadinha ao lápis calculista, puxado pela música que o computador traz do<br />
milagre da tecnologia. O Corpo do macaco torna-se humano e com força maior na cabeça. Os recém transmutados<br />
corpos trazem o lápis laser, controle remoto e a boa nova:)<br />
O lápis calculista surgiu.<br />
(Condoleezza avança e delicadamente toca o crânio de um macaco brasiliero que adquire como todos a posicão<br />
horizontal.)<br />
Com lápis do artista<br />
estrategista<br />
riscamos o Line do Coro<br />
(dois Fields riscam a linha no chão, apoiados em duas réguas; a linha também pode ser feita com uma fita colante<br />
brilhante, reta. O grupo de oficineiros se espalha pela pista toda diante da linha do Coro e contra-regras trazem<br />
máscaras do palco italiano para todos.)<br />
Soldados, entrem nele sem Choro.<br />
Todos somos um,<br />
(Os Fields apontam para o Major como referência do Todo)<br />
um por todos.<br />
Brasileiros, entremos juntos no design deste traço.<br />
(Brasileiros exitam tímidos, com medo de perder sua singularidade ou seu jeito de ser e <strong>luta</strong>m contra a entrada na<br />
linha; os Fields ordenam com fúria:)<br />
RIGHT NOW! JUNTOS NO MESMO PASSO!<br />
(os brasileiros intimidados entram; os Fields tiram os chapéus e demonstram que é para os brasileiros apanharem<br />
do chão e solenemente se coroarem. Tambores rufam. Todos apanham os palcos-quepes, erguem pra os céus e os<br />
colocam na cabeça. Um apito, todos fecham as cortinas)<br />
Meia volta, volver!<br />
(os Fieldmarechais dão as batidas de Moliére e os brasileiros abrem suas cortininhas; os Fields em coro, passeando<br />
diante dos aprendizes, dão sua aula, bem cool, com a música cool de fundo que deverá ser apreendida pelos<br />
estudantes)<br />
Diante do inimigo<br />
coreografia padrão<br />
Corpos sarados sorrindo, luzes, canhões<br />
Tam tam tam tam tam tambores, bandeiras, blockbusters, explosões,<br />
numa única pulsação<br />
irresistíveis, como São Sebastião<br />
(Cenas de Soldados marchando contra o Inimigo em Músicais brasileiros e americanos)<br />
Musical Americano<br />
Engulamos o pobre kitsch rebolado brasiliano.<br />
(Grande arranjo de playback e banda ao vivo, o coro já aprendeu a coreografia, dançando juntos os passos de<br />
ganso. No palco, a República sola.)<br />
CORO e FIELDES<br />
Diante do inimigo<br />
coreografia padrão<br />
Corpos sarados sorrindo, luzes, canhões<br />
Tam tam tam tam tam tambores, bandeiras, blockbusters, explosões,<br />
numa única pulsação<br />
irresistíveis, como São Sebastião<br />
Musical Americano<br />
Engulamos o pobre kitsch rebolado brasiliano.<br />
(GRAN FINALE, cortinas abrem duas vezes até que na terceira reaparece Condoleezza)<br />
CONDOLEEZZA RICE<br />
We can afford everything you need.<br />
Está em jogo em Canudos<br />
o sorte do República,<br />
de all the world, in tudos.<br />
PRESIDENTE INTERINO MANOEL VITORINO<br />
Thank You! God Bless America!<br />
Agora a Segunda Expedição pode feliz partir!<br />
CORO DE FIELDS<br />
31
(desejando boa viagem à tropa, os Fields acompanham a partida do seu palco, com cortinas abertas)<br />
Que sejam úteis, arranjos coreografias, formações!<br />
Good Luck, Strong Emoções!<br />
Glorius Day,<br />
Our heros, good bye!<br />
(Hino ao Senhor do Bomfim na Estação da Calçada)<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
(Para o povo e multidão: prestes a entrar no trem para Queimadas. Todos estão com as baionetas apontadadas como<br />
para uma punctura.)<br />
Juremos à República, aqui na Estação da Calçada<br />
Indo agora pra Queimadas:<br />
Canudos, doença cancerosa<br />
será lancetada.<br />
CORO DO EXERCITO<br />
(apruma as metralhadoras faz um movimento de avanço, um juramento)<br />
URRA!<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Dia 25 de novembro, dia dos encontros: Alegria<br />
CORO DO EXERCITO<br />
Alegria!<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Eu, comandante do 9° Batalhão de Infantaria,<br />
Meu nome é Febrônio de Brito,<br />
Meu desejo: ser vosso Major favorito.<br />
(toca o apito)<br />
Embarquemos.<br />
Ouço o apito<br />
SOLDADOS, GOVERNADOR DA BAHIA, INTERINOS PRESIDENTES E MINISTRO DA GUERRA<br />
Viva o comandante Febrônio de Brito.<br />
REPÚBLICA<br />
TRIPLE MERDE!<br />
TODO O TEATRO<br />
MERDA<br />
(Aplausos Finais puxados por todos. Os Fields somem atrás da cortina, que sobe. Musical Americano com sua trilha<br />
de fechamento de espetáculo funde-se glorioso com o Trem para Queimadas - TRENZINHO DE JOÃO E VILLA-<br />
LOBOS PENETRANDO O LABIRINTO DO COMEÇO DO SERTÃO)<br />
QUEIMADAS<br />
ORAÇÃO MEDITATIVA<br />
(Ao som do telégrafo, os homens descem tremendo; o trem apita e passa… continuando a viagem para Joazeiro,<br />
vazio… Silêncio misterioso do sertão que começa, área limite.)<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
(para o Tenente Pires Ferreira)<br />
Segue vazio pro primeiro capítulo, Joazeiro…<br />
(para o público)<br />
Aqui em Queimadas, só o começo do segundo já me arrepia inteiro! Telégrafo, linha de tiro,<br />
Aqui, Civilização…<br />
(cruzando com um passo a divisa do sertão)<br />
Aqui Sertão…<br />
(voz off de Euclides em delay:<br />
“E ainda esta politicagem,<br />
do soldado<br />
entrega o pescoço”…<br />
Som de guilhotina)<br />
MAJOR E TROPA<br />
(suingando, afastam a energia pesada e sinistra)<br />
Xô Xô Xô!!!<br />
MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Atenção Pelotão!<br />
Estou revoltado,<br />
o plano afundou,<br />
o transporte combinado, não chegou,<br />
32
a paciência acabou.<br />
(olhando para o Sertão)<br />
Meu intento: arremetida fulminante,<br />
ao mocó da rebelião nesse instante,<br />
levando só munição<br />
que possam os praças, já na lona,<br />
carregar nas patronas.<br />
SOLDADOS<br />
O que?!<br />
Trágica decisão.<br />
Quem fala por nós nesta situação?<br />
(leit motiv de Wanderley, sua primeira manifestação)<br />
CABO WANDERLEY<br />
A Partida mais rápida de Queimadas<br />
não vai condenar em Monte Santo a estada mais demorada?<br />
TROPA<br />
É!<br />
FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Não Cabo. Não.<br />
(no suingue)<br />
Atenção Tropa, no suingue!<br />
Marchar, Marchar,<br />
É o nosso canto,<br />
mesmo no desencanto.<br />
TROPA<br />
Marchar, Marchar,<br />
É o nosso canto,<br />
mesmo no desencanto.<br />
(As colunas saem marchando e deixando a munição, dizendo adeus a elas)<br />
FEBRÔNIO DE BRITO<br />
Ano Velho adeus<br />
pro novo preparemos o colo:<br />
trilhando esse solo,<br />
Marchar, Marchar,<br />
É o nosso canto,<br />
mesmo no desencanto.<br />
(Levando um susto.)<br />
Tropa! Estacar!<br />
Cá em Quirinquinquá,<br />
(Volvem pare o levante a vista deslumbrada de Monte Santo onde Verônica canta a Ave Maria; estacam extasiados)<br />
Ouço o ano novo nesse canto<br />
estamos diante de Monte Santo.<br />
(Todos marcham hipnotizados, com a Música da Verônica, até chegarem em frente na rua da escadaria do Monte.)<br />
VERÔNICA DE MONTE SANTO<br />
(Diante dos que chegam.)<br />
As lágrimas de sangue que a virgem chorou<br />
anunciaram esse dia que Monte Santo virou<br />
Praça de Guerra.<br />
Verônica, faço vossos retratos sonoros,<br />
nos séculos de tristezas sangrentas que o Monte encerra.<br />
Descobridores, invasores,<br />
séculos opostos, desamores,<br />
os mesmos rancores.<br />
Massa de quartzo de serra,<br />
das arquiteturas monumentais da terra,<br />
a vertente oriental caindo, a pique, lembra vejam, a muralha chinesa.<br />
Rua saindo da praça — a via-sacra da pobreza,<br />
nem foi preciso ladrilhar,<br />
macadamizada de quartzo alvíssimo,<br />
em um século de romarias ao santíssimo,<br />
traz os passos de multidões sem conta a talhar,<br />
em milhares de degraus em caracol,<br />
vereda branca de sílica, mais de dois quilômetros ao sol<br />
33
escada subindo fugindo pro céu…<br />
Vosso retrato me dói na voz do coração.<br />
Monte Santo Centro de Guerra, de Operação!<br />
Não, Não, Não<br />
(Todos quedam mudos.)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Sai da formação cai de joehos diante da Santa que faz seu rosto como o do Cristo, ele e todos olham perplexos)<br />
FEBRÔNIO<br />
Volte a formação, Rei da Anarquia,<br />
ou te faço engolir a força da Hierarquia<br />
CABO WANDERLEY<br />
Minhas desculpas Major,<br />
minha emoção com Verônica foi maior.<br />
(O canto de Veronica continua longe)<br />
FEBRÔNIO<br />
(Com entusiasmo, abraçando a árvore.)<br />
Um ornamento único — talvez secular,<br />
uma cachimbada para quem adivinhar.<br />
CABO VIADO<br />
É a árvore do Coronel Tamariiiiindo!<br />
É azedo, é doce, é lindo.<br />
Um Taramarineiro.<br />
Que nossas vidas durem assim, um século inteiro.<br />
(Entra na Escadaria do Monte a população coberta com os panos cor de terra ou negros abertos festejando)<br />
FEBRÔNIO<br />
E o Ano Novo se Manifesta<br />
Vamos com o povo fazer a festa.<br />
F E S T A D E A N O N O V O<br />
CORO DA CIDADE<br />
(Todos fecham suas capas, forma-se uma massa unica confundindo-se com o Monte)<br />
Raça que ia morrer,<br />
desconhecida na história,<br />
entre paredes de taipa,<br />
de nossas casas de escória,<br />
quase acidentes do solo, tocas de animal<br />
(Tiram as Capas e tem roupas de festa de ano novo-verde- amarelas?)<br />
Mas agora de obscuro arraial,<br />
grandissíssimo quartel, acaçapado!<br />
Major Febrônio, o povo está reanimado!!!<br />
PREFEITA<br />
Que um levantamento<br />
do vosso glorioso equipamento<br />
seja pra este humilde povo mostrado.<br />
MAJOR FEBRÔNIO<br />
Excelentíssima Senhora Prefeita<br />
Este Major a vós e a vossa gente saúda.<br />
CORO DA CIDADE<br />
Deus lhe acuda.<br />
(sob o canto da Ave Maria as Armas são apresentadas religiosamente)<br />
MAJOR FEBRÔNIO<br />
Comblains,<br />
as novas Manlincher,<br />
metralhadoras Nordenfeldt,<br />
dois canhões Krupp 7-1/2.<br />
(Todos ajoelham-se no final da Ave Maria, e a Prefeita sai com todos acenando para os soldados com uma surpresa;<br />
eses ficam em Expo; logo entra visitando a exposição de armas os vaqueiros)<br />
O RAP DOS VAQUEIROS<br />
VAQUEIRO I<br />
Diz que é capaz de esboroar o Monte Santo.<br />
34
VAQUEIRO II<br />
Abalar com um só tiro,<br />
mais forte que mil “roqueiras”,<br />
as rochas do sertão, inteiras.<br />
é o cão!<br />
O que não pode esse progresso<br />
dessa civilização!?<br />
(foge desesperado a cavalo)<br />
(Os soldados continuam hieráticos como guardas de uma exposição, a luz baixa na pista e foca dois guerrilheiros no<br />
jardim)<br />
RAP FUNK DOS GUERRILHEIROS<br />
VAQUEIRO I<br />
Toco pro norte,<br />
pra Canudos.<br />
Ninguém me percebe.<br />
Encantados com o triunfo,<br />
é nosso trunfo.<br />
VAQUEIRO III<br />
Fico aqui espiando,<br />
indagando,<br />
contando,<br />
o número de praças.<br />
Todo trem de guerra vai passar por nossa olhada<br />
VAQUEIRO I E III<br />
Todo trem de guerra vai passar por nossa olhada<br />
VAQUEIRO III<br />
despacha já pra aldeia sagrada,<br />
e conta tudo pra jagunçada.<br />
VAQUEIRO I E III<br />
Louvado seja o senhor jesus cristo!<br />
E o anti-cristo!<br />
(O Vaqueiro III mal entra para ver a exposição com musica de orgão-museu-igreja, houve-se uma explosão de<br />
pólvora e um toque de terreiro pesado que provoca um estremecimento, mas os soldado riem, desfazem as armas<br />
e vão pro descanso brincando com uma coreografia de hit parede assobiado, “hoje é festa lá no meu AP”. No fosso,<br />
a Beata faz catimbó, sincronizado e chupado, comido da energia dos soldados, do seus pssos, clarins, risos, e<br />
assovios)<br />
BEATA<br />
(os soldados riem da dança que fazem)<br />
Acende, meu altar secreto-sagrado<br />
(risos)<br />
do riso do soldado,<br />
(os soldados percutem o ritmo com a botas)<br />
da bota o estrepitado,<br />
percutindo na calçada,<br />
é batida pra minha macumbada.<br />
(toca o clarim e Vivas)<br />
Vibrações de clarins,<br />
viva das ruas,<br />
batem nos meus rins.<br />
(soldados assoviam a melodia de “festa lá no meu AP”)<br />
Minha parede tudo coa,<br />
festa, penetra minhas fresta, ecoa, ecoa, ecoa…<br />
(gargalhando, com muito humor, relaxada)<br />
Prelúdio hilariante de um drama de amargar!<br />
(gargalha)<br />
Invasão, essa festança não adianta,<br />
não vão ver sequer as torres da igreja sacrossanta.<br />
Vem perturbar sim, dentro do “mim”.<br />
Louvado Seja Nosso Senhor e a Senhora amada<br />
Viva o Jesus da Diabada!<br />
(Dança. Solta uma gargalhada, cospe pinga e incendeia um clarão de pólvora. TREVAS. Toque de Ogum Forte com<br />
Trilha da Música da Festa do BANQUETE que vai do apogeu ao fim; a luz acende com todos terminando de comer<br />
um bode de verdade, há uma carcaça imensa dêle. E Jurema Preta. Um soldado ARROTA)<br />
B A N Q U E T E<br />
PREFEITO<br />
Tudo é uma novidade estupenda.<br />
35
Triunfo aos vencedores,<br />
Banda surpreenda!<br />
BANDA E CORO DA CIDADE<br />
Marcha soldado<br />
Cabeça de papel<br />
Se não marchar direito<br />
Vai preso pro quartel<br />
O quartel pegou fogo<br />
A polícia deu sinal<br />
Acode acode acode a bandeira nacional<br />
(Todos aderem com o público; o Exército levanta Febrônio e o coloca na mesa de pé.)<br />
DISCURSO<br />
FEBRÔNIO<br />
Distinto Povo de Monte Santo<br />
Autoridade deste Espanto!<br />
Senhoras e Senhores, tenho ditos<br />
Senhoritas, Senhoritos<br />
Povo Infantil<br />
do Brasil.<br />
Em todos os tons e na Igualdade<br />
-“Pátria… Glória… Liberdade!”<br />
CORO<br />
Pátria Glória Liberté Egalité!<br />
Pátria Glória et! Liberté Egalité!<br />
Pátria Glória Liberté Egalité!<br />
Pátria Glória et! Liberté Egalité!<br />
Canta eloqüência, vibrante,<br />
matéria-prima dos períodos retumbantes retumbantes!<br />
(Os Soldados começam a girar saindo com a mesa)<br />
Contra as Rodas dos carros de Shiva.<br />
SOLDADO<br />
Rodas dos canhões Krupp na Estiva!<br />
CORO<br />
rodando<br />
OUTRO SOLDADO<br />
pelas chapadas estiradas<br />
CORO<br />
rodando<br />
TERCEIRO SOLDADO<br />
por serranias empinadas<br />
CORO<br />
rodando<br />
QUARTO SOLDADO<br />
pelos tabuleiros aos ventos<br />
CORO<br />
deixando sulcos sanguinolentos.<br />
(Os sulcos dos enfeites das bandeirinhas são apanhados pelas mulheres que os passam aos soldados para<br />
pendurarem decorando o teatro para o fim do ano.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Rebeldes a ferro e fogo<br />
CORO<br />
destruídos serão!<br />
FEBRÔNIO<br />
É preciso um grande exemplo<br />
CORO<br />
e uma lição.<br />
FEBRÔNIO<br />
36
Aos rudes impunes, criminosos retardatários<br />
CORO<br />
dos sertões,<br />
FEBRÔNIO<br />
Que tem a gravíssima culpa de um apego estúpido às mais antigas<br />
CORO<br />
Tradições,<br />
FEBRÔNIO<br />
requer corretivo sangrento,<br />
CORO<br />
que saiam afinal da barbaria que escandaliza o nosso tempo,<br />
e que entrem para a civilização iluminada,<br />
a pranchada!<br />
SOLDADOS<br />
Está selado, brindado:<br />
o exemplo será dado.<br />
PREFEITA<br />
Crianças ao assunto:<br />
O Arco do Triunfo!<br />
(Mulheres trazem caniços curvados, com enfeites patrióticos, natalinos e de boa vinda ao ano)<br />
TODOS<br />
10…9…8…7…6…5…4…3…2…1… MEIA NOITE!!!<br />
Feliz Ano de l897!<br />
PREFEITA<br />
(abrindo a garrafa de Cidra)<br />
Ciiiiiiiiiiiiiidra e… confeti<br />
(ao som de fogos de artifício, de uma quadrilha, os soldados passam pelo arco do triunfo com os habitantes. O ano<br />
fatal de 97 - alegria no canto; a trilha pontua o trágico deste ANO)<br />
TODOS<br />
Cidra e confeti<br />
Vem a Vitória<br />
97 na história<br />
só honra e glória<br />
aos vencedores muitos amores<br />
arco do triunfo<br />
coroa o prenúncio<br />
derrota do jagunço<br />
Jurema e aruá!<br />
(todos vão passando e se deitando ao fundo do Monte em baixo da escadaria. O Cabo Wanderley fica envolto no<br />
arco do Triunfo até conseguir se libertar da armadilha que as mulheres fizeram, salta para o primeiro andar. Luz<br />
passa para a vereda da subida do Monte.)<br />
S U B I D A A M O N T E S A N T O N O P R I M E I R O D I A D O A N O<br />
CABO WANDERLEY<br />
(Viajando, falando com o céu, com o público, com as estrelas, os ventos, consigo mesmo.)<br />
Consegui me livrar desse mulherio roceiro,<br />
pra ficar só comigo um pouco, nesse dia primeiro.<br />
Na busca duma dona desconhecida<br />
ascendo a montanha do meu novo ano de vida.<br />
Xamã Zaratustra! Te invoco amado!<br />
Vem nesse vento cruzado circulado!<br />
Meu corpo balança na dança atordoado<br />
de não saber pra que lado…<br />
Ah! Ladeira sinuosa de capelinhas brancas orlada,<br />
nesse “passo” dou uma parada.<br />
Ah! Meu coração bate, ascensão exaustiva, mas querida.<br />
Registros, estampas, esperanças pendidas,<br />
deixo aqui o meu:<br />
(Rindo muito deixa seu retrato que Veronica fez, pendurado)<br />
Jesus meu, nesse passo,<br />
onde tu caíste,<br />
me levante, de aço.<br />
Me faça uma ascensão maior,<br />
37
me faça, antes dos 30, Major!<br />
Me case com a sobrinha do Imperador,<br />
mas sem que eu deixe minhas aventuras de amor.<br />
Quʼeu aconteça na corte republicana,<br />
e na rua do Ouvidor,<br />
senão o Senhor vai passar a sofrer ainda mais dor. Amem.<br />
(Sobe mais, até o pico.)<br />
Ah! Que nada,<br />
quero tanto da vida<br />
que arrisco nesta guerra ela perdida.<br />
Só sei que meu sangue está dançando<br />
vibrando aqui no alto da Santa Cruz.<br />
Olho para o norte: pontos de luz<br />
(Ventos fortes para empinar papagaios)<br />
Lufadas fortes. Me leva na tua morada furacão.<br />
Estou aqui — defronte o Sertão…<br />
(Silêncio.)<br />
Uma opressão… um breu.<br />
Me salta na boca o coração…<br />
Pronto. Desapareceu.<br />
Feliz Ano Novo Major Wanderley,<br />
(Ecos… Com as mãos em jura)<br />
altere os lugares comuns de lei,<br />
volte tranqüilo pra vila,<br />
discuta com nobreza régia<br />
nova estratégia.<br />
Acendam primeiros fogos de Aurora.<br />
(SOL DO NOVO ANO RAIANDO com o canto de Aurora)<br />
A campanha começa bem auspiciada. Deusa Troiana: Doura.<br />
(o canto mixa com a música dos índios, de povos de todo mundo despertando no Sertão como mantras de animais<br />
suaves e fortes)<br />
Monte Santo antecipa-nos ouros de vitória e fama.<br />
Nosso aparato bélico sob tua luz xama!<br />
Habitantes, invadidos pelo contágio desta espontânea crença,<br />
e eu e a tropa compartilhamos a mesma esperança?<br />
Não tenho esperança, não espero nada.<br />
Gosto da vida em cada gota de ouro que me é dada.<br />
Porque ser assim? Acho que sou lunático.<br />
Não torço pra ninguém, nem pra derrota do fanático.<br />
(Luz Invade excessiva, Wanderley some na Luz, em frações de segundos acende na pista)<br />
NA PRAÇA DE OPERAÇÕES<br />
15 DE JANEIRO<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
(na roda de uma Krupp)<br />
Ai que tortura!<br />
15 dias esperando!<br />
A expedição<br />
na opinião de toda a gente,<br />
vai positivamente<br />
vencer.<br />
soldados, banda, picoaracetes, cantemos, para dessifilizar o público, do VIS A TERGO o Canto.<br />
C A N Ç Ã O D O V I S A T E R G O<br />
CORO<br />
Nos sucessos guerreiros<br />
tem toda quota<br />
a preocupação da derrota.<br />
O melhor estímulo dos vencedores:<br />
Se imaginar perdedores.<br />
Vis a Tergo<br />
A certeza do perigo estimula<br />
Vis a Tergo<br />
A certeza da vitória deprime<br />
Oh! Guerra! Guerra!<br />
Monstruosa e ilógica em tudo!<br />
(Computer Music)<br />
Organização técnica superior,<br />
na sua forma atual,<br />
maculada de estigmas do banditismo original.<br />
(beats selvagens do instinto, GRITO DO VIS A TERGO:)<br />
Acima<br />
38
(Computer Music)<br />
do rigorismo da estratégia,<br />
do preceitos da tática de enciclopédia,<br />
dos aparelhos sinistros, da segurança fria,<br />
de toda a altitude da arte sombria,<br />
de pôr na frieza da matemática equação<br />
o arrebentamento de um shrapnel na explosão,<br />
e subordinar à invioláveis parábolas<br />
o curso violento das balas,<br />
(vis a tergo)<br />
vale o impulso de trás pra diante,<br />
da brutalidade animal de antes<br />
vale o impulso de trás pra diante,<br />
da brutalidade animal de antes,<br />
que permanece intacta<br />
é a vis a tergo, a motivação<br />
permanente, da ação.<br />
VIS A TERGO!<br />
ANIMAL!<br />
(troca rápida de luz)<br />
FEBRÔNIO<br />
Levante a Bandeira, soldado<br />
Partimos pro Cambaio agora<br />
Não vamos esperar nem mais uma hora.<br />
TROPA<br />
Uau!<br />
Animal!<br />
Vis a tergo!<br />
CABO WANDERLEY<br />
Desculpe a intromissão na hierarquia<br />
desse pobre ordenança,<br />
mas diante do que vejo, por que me calaria?<br />
Esperemos de Queimadas os trens de guerra, mantimentos.<br />
Aproveitemos o tempo agremiando melhores elementos.<br />
Ganhemos em força o que perdemos em celeridade.<br />
A aventura de um assalto é temeridade.<br />
Operação que mais tempo dura<br />
Pode acabar sendo mais segura.<br />
FEBRÔNIO<br />
Audácia do Cabo!<br />
Falas-me o que tu queres?!<br />
Desconheces tua categoria?<br />
Falas-me como um Major!<br />
Que ousadia!?<br />
CABO WANDERLEY<br />
Desculpe minha modesta pretensão.<br />
Sou soldado por minha opção.<br />
Amo, estudo as artes,<br />
e a militar com paixão.<br />
FEBRÔNIO<br />
Então aprenda essa,<br />
depressa.<br />
(Brada.)<br />
Vamos com equipamentos demais.<br />
Duas Krupps, pra que mais?!<br />
CABO WANDERLEY<br />
Quer ainda partir com a expedição<br />
menos aparelhada<br />
que na chegada?<br />
Quinze dias atrasada?<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Não admito esse Cabo cruzar a hierarquia superior.<br />
Cale essa Boca. Quer se expor?<br />
Ouvi em todas as pronúncias,<br />
sussurrar de cautelosas denúncias,<br />
mal boquejados avisos, correndo informação<br />
39
esboça-se uma traição.<br />
FEBRÔNIO<br />
Traição!?<br />
CABO WANDERLEY<br />
Dos mandões locais,<br />
de prontidão,<br />
na socapa estão<br />
fornecendo a Canudos material<br />
instruindo dos menores movimentos da tropa o arraial.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Cabo! Deixa de ser intrometido.<br />
Ponha-se em seu lugar, não quero ser interrompido.<br />
Mando o senhor pra cadeia.<br />
Lavar todo o quartel. Apanhar de correia!<br />
FEBRÔNIO<br />
Eu, Major,<br />
da minha hierarquia exijo,<br />
sob ameaça de corte marcial:<br />
Cabo, apesar de não passares de um animal,<br />
fale tudo o que souber.<br />
CABO WANDERLEY<br />
(Gaguejando amendontrado.)<br />
Obrigado Major.<br />
Desculpe Tenente.<br />
Major Febrônio…<br />
(Olhando dos lados e para um Oficial.)<br />
Vou ter que ser indiscreto, mas sem medos…<br />
na cama me revelam segredos,<br />
estamos ladeados por espias espertos do inimigo,<br />
aqui na própria vila há vários,<br />
fazendo amizades com os expedicionários.<br />
OFICIAL<br />
O que o senhor está insinuando olhando para mim?<br />
Que sou espia? O Sr. vai ser chicoteado agora assim.<br />
(Tira a correia da cintura.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Proíbo manifestações de histerias<br />
nas baixas hierarquias.<br />
Cabo falante, volte a falar.<br />
CABO WANDERLEY<br />
(Para Oficial)<br />
Nem passa por mim o intento de vos acusar<br />
mas eles já tem toda a informação<br />
da estrada escolhida por nós para a linha da operação.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
É a reedição do caso de Uauá,<br />
combate em caminho, pode contar.<br />
Major, a partida agora pode ser o início<br />
de um erro de ofício.<br />
M O N T E S A N T O<br />
FEBRÔNIO<br />
(Diante de toda soldadesca, pronto para partir.)<br />
Soldadaria<br />
sigamos os modelos magistrais<br />
que nos ensinaram nossos Fieldmarechais,<br />
velhos ditames clássicos da guerra.<br />
Ora, são clássicos!<br />
O que é Clássico não erra.<br />
(os soldados voltam a vestir seus palquinhos italianos)<br />
Vamos partir unidas, alinhadas<br />
dentro da estrutura maciça das brigadas.<br />
Bem coreografadas pelos caminhos em frente,<br />
Atenção! Sem dispersarmo-nos, repentinamente,<br />
em Canudos…<br />
40
MachoTauro Marchar!<br />
MACHO TAURO<br />
MachoTauro: um é um. Um é tudo<br />
Assim vamos pra Canudos!<br />
Thank you, sejamos morais<br />
Devemos tudo aos Fieldmarechais.<br />
FEBRÔNIO<br />
Saímos juntos, no mesmo balaio,<br />
para a estrada do Cambaio.<br />
Vejam verdadeiras matas européias,<br />
acende pulsões, vamos centopéias.<br />
(a tropa assovia a Marselhesa)<br />
TEN PIRES FERREIRA<br />
Tropa! Evoluir esquerda!<br />
Evoluir ré!<br />
CATINGAS ENTRAM EM CAMPO DE ACÃO E MOVIMENTAÇÃO<br />
TROPA:<br />
Marchando entusiasmados, avistam, fotografam as caatingas, que vestem a roupa base da terra.<br />
FAZ CALOR, mantém um suingue de marcha alterada por um canto vindo das Catingueiras da Catingas, provocando<br />
risos joviais mal sofreados. Breque.<br />
SERTANEJOS:<br />
escondidos dão o primeiro tiro.<br />
A bala passa, rechinante - obter esse som rechinante, mesmo numa fala.<br />
SERTANEJO:<br />
Atira e Diz:<br />
RECHINANTE.<br />
UM SOLDADO:<br />
é baleado e estende-se no chão morto.<br />
OS SOLDADOS:<br />
tendem a socorrer o morto,<br />
SERTANEJOS:<br />
dão tiros pausadamente passando sobre as tropas, em sibilos longos.<br />
TROPA:<br />
cem, duzentos, mil olhos projetam, volvem impacientes, em roda quadrada, isto é, não tem movimentos circulares,<br />
mas de um lado, depois de outro, guardando as viseiras do palco italiano, nada vêem.<br />
Um fluxo de espanto corre de uma a outra ponta das fileiras.<br />
Isso tudo é muito rapido.<br />
O ANTAGONISTA:<br />
vê mas não é visto pelos soldados…<br />
SERTANEJOS:<br />
E os tiros continuam raros, mas insistentes e compassados,<br />
pela esquerda, pela direita, pela frente agora, irrompendo de toda a banda.<br />
TROPA:<br />
A Metralha, manda um turbilhão de balas estrugidoramente dentro das galhadas.<br />
SILÊNCIO<br />
SERTANEJOS:<br />
Mas constantes, ruminantes, longamente intervalados os projéteis zunem traçados…<br />
Atiradores invisíveis da caatinga no seio<br />
batendo fileiras em cheio.<br />
SILÊNCIO.<br />
TROPA:<br />
A força cala as baionetas,<br />
ouve-se perfeitamente no silêncio os ruídos sincronizados dos soldados e forma-se uma linha que lampeja com a luz,<br />
com elas. Prepara-se para atravessar rapidamente as caatingas.<br />
Se atiram no Coro da Caatinga.<br />
CAATINGA: forma uma barreira de JUREMAS<br />
CORO CANTO DA CATINGA<br />
41
Jurema Preta<br />
Capeta<br />
Ritmo musical de embriagadoras - música de Ricardo CUTZ - as Juremas<br />
os agrilham, os deixa à toa, os embebeda, arrebata as armas da mão!<br />
OS 2 DA TROPA:<br />
Saem ofegantes, depois em surdina para as plantas não ouvirem.<br />
Contornam, volvem aos lados.<br />
2 outros formam outra linha<br />
pra tentar de novo atravessar,<br />
mas se dividem, batendo contra a caatinga.<br />
CAATINGA:<br />
forma espesso renque faiscante de XIQUEXIQUES:<br />
XIQUE XIQUE<br />
XIQUE CHIQUE<br />
SOLDADOS:<br />
tontos livram-se dos xiquexiques e correm, sem saber para onde, num labirinto formado pela caatinga xiquexiques.<br />
Alguns caem e outros imobilizam-se, estacam chumbados pelas pernas. 2 outros entram na <strong>luta</strong><br />
CAATINGA:<br />
MACAMBIRAS<br />
Macambirras, feitas de garras felinas cobertas de espinhos, entram na <strong>luta</strong> e cercam e se esfregam quase imóveis<br />
nos soldados que se debatem desesperadamente.<br />
As macambiras, assim, com o movimento dos próprios soldados, vão arrancando pedaços das fardas que vão<br />
ficando despedaçando, desvelcradas, num ritmo crescente. Deixam quase nus os soldados.<br />
SERTANEJOS:<br />
Atiram<br />
SOLDADOS:<br />
No tumulto atiram a esmo, sem pontaria, numa indisciplina de fogo. Acertam os próprios companheiros que estão nas<br />
Caatingas, eles gritam.<br />
Voltam para a coluna de marcha. A tropa esfarrapada reorganiza-se. Coça-se. Renova-se a marcha. A força vai<br />
prosseguindo mais cautelosa agora, em silêncio, procurando paranóica o inimigo entre o publico, em toda <strong>parte</strong>.<br />
SILÊNCIO<br />
SECA:<br />
A LUZ DESENHA O TREME-TREME EM CAMADAS FOLHEADAS DAS MIRAÇÕES DOS FALSOS OASYS.<br />
SOLDADOS:<br />
As brigadas escoam vagarosas.<br />
armas fulgurantes feridas pelo sol, rebrilhando de soslaio feito uma torrente escura transudando raios…<br />
SOLDADOS CAATINGAS SERTANEJOS:<br />
RESPIRAÇÃO COLETIVA PARANDO DE RESPIRAR NO PEITO, DEPOIS NO BAIXO VENTRE; SILÊNCIO;<br />
INSPIRAM FUNDO<br />
CAATINGA:<br />
Estala nos dedos o seco de deiscência!<br />
TROPA:<br />
Um estremecimento, choque convulsivo e irreprimível, fá-la estacar de súbito e se retirar<br />
MACHOTAURO - CORO GERAL DO EXÉRCITO<br />
Macho Tauro<br />
CATINGAS<br />
impotente<br />
MACHOTAURO<br />
possante,<br />
na envergadura de aço<br />
e grifos de baionetas,<br />
CAATINGAS<br />
desarmado!<br />
MACHOTAURO<br />
Minha garganta de sede exsica!<br />
Minha barriga de fome grita!<br />
CAATINGA<br />
pra retaguarda animal!<br />
42
MACHO TAURO E CAATINGA<br />
O deserto estéril ameaça, pior mal!<br />
O Flagelo é iminente!<br />
Foge MachoTauro demente!<br />
PRIMAVERA<br />
ANTEU - CORO SERTANEJO<br />
(Trovões. Chove; João Abade, Pajeú, João Grande, Estevão, deslizam rapidamente até o lugar da refrega e<br />
agrupam-se. Consideram por momentos a tropa, indistinta, ao longe. Entra na Trilha, a MELODIA da Primavera da<br />
TERRA: ”As Bategas de Chuva Tombam grossas sobre o chão… adunando-se em aguaceiro diluviano… no solo<br />
atapetado de Amarílis, ressurge triunfal a flora tropical!! AAAAAAAAAAAAAAAA; Caatinga, pela presença de seus<br />
amantes, paramenta-se e levanta-se flor em flor, entra o play back da Musica dos Anteus)<br />
SERTANEJOS<br />
Flora agressiva pro inimigo<br />
abre agora pro teu sertanejo,<br />
seio carinhoso e amigo.<br />
Te mamamos nas orgias,<br />
longas travessias,<br />
nos desvios verendas,<br />
firmes nas rotas de rendas<br />
conhecemos palmo a palmo por afeto<br />
todos os recantos<br />
desse imenso lar sem teto.<br />
Que importa a se a jornada não pára.<br />
se a habitação fica rara,<br />
se a cacimba quara?<br />
Cercam-nos amigações antigas.<br />
(os homens se descalçam juntos)<br />
CORO DA CAATINGA<br />
(em torno da ARVORE RENÉE RENASCIDA)<br />
Árvores, velhas companheiras,<br />
todas conhecidas gandaieiras,<br />
Nascemos juntos, bem antes<br />
crescemos amantes,<br />
<strong>luta</strong>ndo com os mesmos fados,<br />
sócias dos mesmos dias remansados.<br />
(AS Caatingas podem abrir-se para o publico)<br />
RITMO DO UMBU<br />
SERTANEJOS E CAATINGAS<br />
(com o público)<br />
Umbu, umbu, umbu<br />
(Umbu coroa, paramenta João Grande no meio do público)<br />
RITMO DOS AURICURIS<br />
SERTANEJOS E CAATINGAS<br />
Auricurí, Mari<br />
Quixabeira, quixaba aquí.<br />
(Auricuri, Mari e Quixabas, paramentam Estevão com seus cipós, flores e seu fruto no público)<br />
RITMO DAS PALMATÓRIAS POMBAS GIRAS EXUS<br />
SERTANEJOS E CAATINGAS<br />
IA! Palmatórias,<br />
Glórias!<br />
(Pamatória espinha e sangra João Abade, batem-se com o público)<br />
RITMO DOS JOAZEIROS E CAROÁS<br />
SERTANEJOS E CAATINGAS<br />
Joazeiro<br />
Joazeiro<br />
(Joás e Caroás paramentam o Sertanejo Sanfoneiro.)<br />
RITMO DAS CUNANÃS<br />
(Vem a noite, CAI A LUZ)<br />
SERTANEJOS E CAATINGAS<br />
Cunanãs<br />
43
(Luzes vindas dos Suterrâneos iluminam as grinaldas - Música de Cutz. Amanhece, comecíssimo de manhã)<br />
SERTANEJOS SOBEM NAS MÃES COMO PLANTAS HOMENS<br />
Natureza mãe, amante,<br />
protetora do teu filho bem amado<br />
Talha-nos titãs bronzeados Anteus,<br />
da terra indomáveis como o Deus<br />
detendo marcha dos exércitos ateus.<br />
CAATIGAS<br />
Anteus! Anteus!<br />
Não afastem filhos amantes meus<br />
Os pés de nossas seivas,<br />
pés nossos céus<br />
Não tirem pés do nosso chão<br />
É vossa força de pagão.<br />
44
(MÚSICA DA CENA TOMA CONTA ATÉ SECAR)O EXÉRCITO PERDIDO ENCONTRA O GUIA<br />
(Estão na Porta do Oficina, filmados com a gravação invadindo o espaço; ao mesmo tempo gravar a cena para se<br />
misturar o ao vivo ao filmado; ILUMINAR E MICROFONAR PARA ESTA CENA, A Sala de espera do Teatro. Tema<br />
DO GUIA Chegando como uma DIVINDADE como ANTÃO)<br />
GUIA DOMINGOS<br />
(Entra como um cachorro farejador)<br />
Anteu Pajeú Antão<br />
Pra vencê-lo basta levantá-lo do Chão<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
(reconhecendo o guia)<br />
Anteu Pajeú Antão<br />
Pra vencê-lo basta levantá-lo do Chão<br />
GUIA DOMINGOS<br />
Eu o Guia Domingos Jesuíno<br />
Capitão Jagunço por destino<br />
Servi A Guarda Nacional de Capitão<br />
Fui juiz de paz, republicano de coração<br />
Mas caí de amor por Conselheiro e pelas bacantes<br />
Deixei tudo por Canudos com outros comerciantes<br />
Pra quê, ó Deus dos Infernos!?<br />
Paguei minha tentação a esses subalternos<br />
Me apaixonei por mulher errada,<br />
de Pajeú amigada,<br />
fui estraçalhado<br />
Chicoteado<br />
Empalado<br />
Escarrado<br />
Pela Mandrágora<br />
a quem me tinha entregado.<br />
Me deixaram num banho de sal grosso,<br />
com ferida até no osso.<br />
Fui expulso do arraial,<br />
meu ódio cresceu como animal.<br />
Hoje sou cão farejador,<br />
vivo por vingança dessa dor.<br />
Só sossego acabando eu mesmo com Pajeú<br />
É minha razão de vida, meu deus e meu vodu.<br />
E Juro pro Brasil inteiro:<br />
acabo até com cadáver do Conselheiro.<br />
Por isso meu olhar de guia é forte,<br />
Aclara a rota, tem um norte.<br />
Galguemos trezentos metros acima<br />
até Lajem de Dentro,<br />
Vamos, minha vingança,<br />
minha guia te enfrento.<br />
ARTILHEIROS<br />
Em marcha reduzida<br />
Força nas Krupps, é subida!<br />
Os canhões emperram.<br />
FEBRÔNIO<br />
Soldados revesem.<br />
ARTILHARIA<br />
Soldados já, na mão,<br />
na tração,<br />
(Os soldados acorrem ao pedido, a artilharia cai no chão pedregoso.)<br />
caiu a Krupp nos grotões,<br />
Socorro!<br />
Patinações!<br />
FEBRÔNIO<br />
Mas são imprescindíveis máximas acelerações.<br />
OFICIAL DE CÁLCULO<br />
Vivendas incendiando-se. Perigo,<br />
sinais do inimigo.<br />
CABO WALDERLEY<br />
(Gritando como num ataque de terror noturno.)<br />
Espias Espias!<br />
Só eu sinto, assim próximos? Vigias!<br />
45
Na sombra, encobertos<br />
inimigos rondam perto.<br />
COZINHEIRO<br />
Não quero mais marcar toca.<br />
Vamos voltar. Acabaram-se as munições de boca.<br />
Dois últimos bois aqui no abate<br />
para quinhentos soldados em combate.<br />
(CAI a Luz, Pontos Luminosos no teatro)<br />
SOLDADO<br />
A Noite é de desencanto!<br />
Desapareceram os cargueiros contratados em Monte Santo.<br />
OFICIAL VENCESLAU<br />
São sinais que Deus nos esqueceu.<br />
O inimigo nos venceu.<br />
CABO WANDERLEY<br />
Insônia, deusa da vida alerta<br />
Luzes fracas fulgem, extinguem-se na noite aberta<br />
No alto estrelas rubras nos nevoeiros,<br />
posições inimigas demarcam: facheiros.<br />
(Alvorecer. Desdobraram-se imponentes as massas de contra-luzes do lado Leste do Sol Nascendo, furando<br />
as estruturas e rebatendo em todo espaço, brilhando as estruturas em meio à fumaça do fim da madrugada do<br />
Cambaio.)<br />
C A M B A I O<br />
C A N T O D A S A L M A S P E N A D A S D O C A M B A I O<br />
(TODOS OLHAM EXTASIADOS PARA O ESPAÇO, SUAS LUZES E PARA SÍ, PARA SEU LABIRINTO. Chegaram<br />
em GANESHA - o PORTAL DO LABYRINTO. Respiração kundalini, eterno retorno, dos baixos, cagando a expiração<br />
chamando a inspiração para a cabeça com contrição no cú para chamar o ar à cabeça, expirando devagar para<br />
seu corpo interno - que com o externo fazem um corpo sem orgãos, para as estruturas de seus ossos e orgãos em<br />
contacto com as estruturas do Corpo Pista)<br />
MANDRÁGORAS MULHERES DE BRANCO, TODAS AS ALMAS DO CAMBAIO, SERTANEJOS NA GALERIA,<br />
TODO O TEATRO, CABINE DE LUZ<br />
(TUDO RESPIRA CANTA E DANÇA nas ESTRUTURAS ILUMINADAS sombreadas com mistério de um castelo<br />
fantasma)<br />
Pedra encaminha<br />
Sobremarinha<br />
Amontoando<br />
convulsivos colossos<br />
recortando fossos<br />
fundas gargantas,<br />
degraus sucessivos, espantas.<br />
Trilhas só pra cabras de Pã,<br />
baluarte derruído,<br />
de Titã<br />
Cidade Encantada<br />
Por, Órion, Constelada.<br />
Matutos<br />
sábias sociedades,<br />
institutos,<br />
sobem<br />
a caverna de perdidas idades.<br />
Vale Vaza-Barris<br />
estranheza<br />
fortaleza<br />
redutos de, Marte,<br />
obras de arte.<br />
Necrópoles vastas,<br />
morros túmulos de castas,<br />
pontudos ossos furando terra acima,<br />
em blocos de rima<br />
partidos em portas<br />
grandes cidades mortas.<br />
Matuto passa com medo de alma penada,<br />
46
sem desfitar a espora dos ilhais do cavalo,<br />
em disparada,<br />
lá dentro população silenciosa<br />
(Silêncio)<br />
trágica<br />
jagunços, encrustrados,<br />
na montanha mágica.<br />
Velhíssimos castelos,<br />
outrora e hoje em elos.<br />
Assaltos<br />
sobressaltos<br />
desmantelam<br />
desordenam<br />
pedestais<br />
verticais<br />
torres finas<br />
montanham alma de ruínas.<br />
rachando no embate das tormentas<br />
insolações intensas,<br />
desmoronamentos seculares<br />
lento emocionamento eterno nos ares<br />
KUNDALINI<br />
(Os Corpos abaixam-se para sentir a coluna de Canudos no próprio corpo)<br />
A via sacra pra Canudos<br />
passa retilínea<br />
subindo em declive,<br />
comprimida convive,<br />
mergulhando por fim,<br />
(nos intestinos)<br />
no labirinto<br />
onde mora o inextinto<br />
(no sexo)<br />
Touro Preto,<br />
(desenrolando-se na coluna)<br />
Serpente<br />
(a coluna está erecta e se olha na pista iluminada como a crista da gilete)<br />
bem enfrente,<br />
na estrutura<br />
angustura.<br />
MANDRÁGORA DAS ALTURAS<br />
não tem a largura da rede de segurança<br />
tem é a largura do arame<br />
(Projeção no Chão bem precisa)<br />
D<br />
E<br />
S<br />
F<br />
I<br />
L<br />
A<br />
D<br />
E<br />
I<br />
R<br />
O<br />
Passagem para um teatro de passagem<br />
E a exata<br />
A precisa estreiteza<br />
De crista de Gilete.<br />
FEBRÔNIO<br />
(Ao guia)<br />
Por ali nos fiamos?<br />
GUIA JESUINO<br />
Enfiamos,<br />
trago comigo o fio<br />
não nos percamos…<br />
VOZES DAS ALMAS PENADAS<br />
“Ao combate!”<br />
47
(o exército forma-se numa linha de coro diagonal. Atulham a primeira ladeira em armas.)<br />
SOLDADOS<br />
(Os binóculos percorrem inutilmente encostas desertas)<br />
São só terras ameaçadoras,<br />
despertas.<br />
(vídeo revela sertanejo(a)s caminhando rentes ao chão; nos andares atrás dos espectadores, nas trincheiras,<br />
imóveis, expectantes, dedos presos nas pontarias fitos nas colunas em baixo)<br />
P R I M E I R O R E C O N T R O<br />
(JOÃO ABADE: ATIRA<br />
JAGUNÇOS: Tiros simultâneos<br />
TROPA: Todos caem deitados no chão em olas, como soldadinhos de chumbo ao mesmo tempo chumbados)<br />
CORO SERTANEJO<br />
“Avança! fraqueza do governo!”<br />
“Viva o Bom Jesus!”<br />
“Viva o Conselheiro!”<br />
(O MAJOR FEBRÔNIO Rompe pelas fileiras alarmadas e centraliza a resistência em réplica fulminante e admirável.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Conteirar rápido os canhões, Trupe…<br />
bombardeio a queima-roupa, Krupp<br />
(Os Krupps Atiram. Vendo pela primeira vez armas poderosas que decuplam o efeito despedaçando pedras, O<br />
VIDEO REVELA os jagunços debandando, tontos em FUGA)<br />
TENTATIVA DE ESCALAR AS ESTRUTURAS<br />
FEBRÔNIO<br />
Linha de assalto estirar-se.<br />
As trincheiras do alto,atacar<br />
9º a direita, 16° à esquerda<br />
FRACASSO NO GALGAR AS ESTRUTURAS<br />
(Tropeçando, escorregando nas estruturas, atirando a esmo para frente, as praças arremetem nas galerias.Estirase<br />
tortuosa e ondulante.Fracionados, tentando galgar penhascos a pulso, carabinas presas aos dentes pelas<br />
bandoleiras, combatentes arremetem em tumulto — sem o mínimo simulacro de formatura.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Linhas! Estão a se desalinhar!<br />
CORO DE MANDRAGORAS<br />
vagas humanas<br />
raivando contra os morros,<br />
num marulho de corpos,<br />
arrebentando em descargas!<br />
(Silêncio – Suspense)<br />
VOLTAM OS JAGUNÇOS ATIRANDO<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Os jagunços estão reaparecendo!<br />
No teso das ladeiras!<br />
estão aí velozes!<br />
O que?<br />
Já desaparecem às carreiras.<br />
O ATIRADOR FANTASTICO<br />
(Retorna o Techno-Xote de terror do Cozinheiro do Prelúdio, agora uma engenhoca, uma linha de montagem.)<br />
CORO DOS LUTADORES FANTÁSTICOS EM LINHA DE MONTAGEM<br />
(Sentados no fundo da trincheira, sertanejos invisíveis, revelados ao público pelos videos.)<br />
Evoluímos na linha de fabricação,<br />
da primeira pra segunda expedição.<br />
Solitário demorado que aflição na punheta<br />
Agora nós faz junto, na suruba sem boceta.<br />
PRIMEIRO LUTADOR<br />
A porva, a bucha as balas, enfio no xote<br />
Vai, passo Clavinote<br />
(passa para o segundo)<br />
48
SEGUNDO LUTADOR<br />
Te pego, na mesma ode<br />
Cevo, soco, como quem fode<br />
(passa para o terceiro)<br />
TERCEIRO LUTADOR<br />
Engatilho o cão<br />
Disparação!<br />
(Depois do disparo, baqueia metralhado. O atirador é substituído logo pelo segundo. O morto entra na primeira<br />
posição e vai se renovando o trio ao infinito.)<br />
GUIA JESUÍNO<br />
O mesmo busto dá o bote,<br />
com o véio clavinote<br />
Alvejado de novo.<br />
Caiu o corvo<br />
de bruços, baleado ficou<br />
outra vez se alevantou<br />
mal assombrado<br />
se abate, levanta aprumado<br />
Hectoplamástico!<br />
atirador fantástico.<br />
MERGULHÃO DA DANÇA DO GASTA BALA<br />
JOÃO GRANDE - RAPFUNK<br />
(Em OFF as vezes aparecendo e desaparecendo, dá um baile funk)<br />
Aço dessa serventia<br />
É pra acabar com a valentia<br />
resta funkar<br />
Sem parar<br />
Funkar sem parar<br />
Até essas balas gastar bala…bala…bala…<br />
E não chegar até o arraial, bala…bala…bala…<br />
Falsear a peleja franca pessoal!<br />
Corpo, clavinote cumprido,<br />
negro estirado, benzido,<br />
mira<br />
atira, bala…bala…bala…<br />
Vem Comigo Bexigão!<br />
Dançar o Sertão!<br />
(Entra a Criançada do Bexigão)<br />
Criançada bala! bala…bala…bala…<br />
Abala! bala…bala…bala…<br />
Canhão estrala!<br />
Bexigão quer bala! bala…bala…bala…<br />
Cambaio<br />
Entro e Saio,<br />
Canhão,<br />
manuliche mande<br />
Sou Bexigão<br />
Sou João Grande.<br />
(O CORO DO BIXIGÃO E DOS SERTANEJOS:<br />
imitam os movimentos na estrutura do Oficina; carreiras, saltos, figurações selvagens, vaivém de avançadas e<br />
recuos, dispersos, agrupados, desfilando em fileiras sucessivas, repartindo-se extremamente rarefeitos; a rojões,<br />
rolantes pelos pendores, subindo, descendo, atacando, fugindo, baqueando trespassados de balas, muitos, mal<br />
feridos, outros; em plena descida, caem das estruturas e rolam até ao meio das praças, que os acabam a coice de<br />
armas. Desaparecem inteiramente…<br />
SERTANEJOS:<br />
vem outra irrupção repentina sertaneja e toma a frente.<br />
TROPA:<br />
As seções param, recuam tolhidas de espanto, não as animam os oficiais acobardados.)<br />
REVOLTA DO BAIXO EXÉRCITO<br />
CABO WALDERLEY<br />
Oficiais parados?!<br />
Não merecem ser nomeados!<br />
Vamos nós sem hierarquia,<br />
dar o troco na valentia!<br />
VENCESLAU<br />
Às Trincheiras deles, atacar!<br />
49
Sou Leal,<br />
Venceslau<br />
Sou Oficial<br />
SOLDADO<br />
Vai Oficial Venceslau!<br />
Mostra que é o tal!<br />
Vai herói, te coroa!<br />
(João Grande aparece)<br />
VENCESLAU<br />
Vão indo que já estou a chegar!<br />
(Atiram mas os jagunços não recuam; sobem nas estruturas e <strong>luta</strong>m nas trincheiras do alto, no meio do público)<br />
SOLDADO<br />
Sai, Gorila<br />
Avança tropa, fora da fila!<br />
(Venceslau se perde e começa a cagar no mato de medo.)<br />
SOLDADOS E CABOS<br />
Sai da moita, Venceslau!<br />
CABO WANDERLEY<br />
Pra dentro das trincheiras!<br />
Conquistar a montanha inteira!<br />
ARTILHARIA<br />
Vamos subir mais artilharia, respirar outro clima<br />
puxar a pulso as irmãs Krupps ladeira acima.<br />
(Os soldados entram nas trincheiras das estruturas, sacos de terra, atrás do público.)<br />
CONQUISTA DAS TRINCHEIRAS<br />
(A Cena é travada sem falas; jagunços disparam as carabinas, e <strong>luta</strong>m num fanfarrear irritante e numa alacridade<br />
feroz; mudam as luzes, rola o tempo; os adversários <strong>luta</strong>m até que somem amedrontados com o poder das armas do<br />
exécito, que comemora, agora, com alacridade como a dos jagunços)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Três horas de conflito!<br />
A coragem cega venceu, admito!<br />
SOLDADOS E CABOS<br />
Vitória!<br />
CABO WANDERLEY<br />
(para os Oficiais, descendo das estruturas)<br />
Mas queremos sair nessa ordem do dia<br />
nós os cabos de esquadra nessa covardia,<br />
estamos sendo os Oficiais de guerra, bela porcaria!<br />
(muda o clima)<br />
MÉDICO<br />
Há somente fantasmas<br />
rigorosamente desencarnados<br />
na cidade encantada, encantados.<br />
ARTILHEIRO<br />
Nossas cargas dos trabucos<br />
estão acabando malucos<br />
nossa munição<br />
já é quase uma ilusão.<br />
O DÓLMEN<br />
(acorde rápido Druida e silêncio)<br />
FEBRÔNIO<br />
Olha lá,<br />
uma mesa de pedra nem sei se construída!<br />
Dólmen dos druídas!<br />
Um túmulo a mais!<br />
Pedra chata sobre duas outras verticais!<br />
Abrigo coberto, Ogiva!<br />
De rocha viva!<br />
50
(sussurrando)<br />
Jagunços escondidos na placenta!<br />
Uns quarenta!<br />
Chance de pênalti nesse fim de 1º tempo.<br />
Goleiros defendam nosso chute, tento.<br />
(Os Jagunços escondidos tomam posição de goleiros como se quizessem segurar a Bomba)<br />
OFICIAL DE CÁLCULO<br />
A terra protetora da aos vencidos seu último reduto.<br />
Vai artilheiro, sou engenheiro de cálculo, não erra no absoluto.<br />
Mira no centro do gol, arrebenta!<br />
Goleia e estilhaça esses quarenta!<br />
(o comandante apita, o artilheiro lança seu chute. Tiro seguido do ruir de um desmoronamento lento, mas implacável<br />
como um Terremoto)<br />
ARTILHEIRO<br />
Caralho, na trave!<br />
OFICIAL DE CÁLCULO<br />
(surpreendido)<br />
Errou na mosca!<br />
A granada acertou um alvo ainda mais grave!<br />
Arrebentou a pedra na juntura.<br />
Dilata de alto a baixo a estrutura.<br />
O bloco vai despregando,<br />
Está caindo, desmoronando,<br />
o peso todo das matrizes<br />
sobre os infelizes,<br />
sepultando!<br />
(Baque surdo. Fazem o sinal da cruz.)<br />
FIM DO CAMBAIO<br />
CABO WANDERLEY<br />
Enfim,<br />
estão no fim.<br />
OFICIAL VENCESLAU<br />
E nós no final!<br />
(Exausto)<br />
Não vamos prosseguir, estou mal.<br />
CABO WANDERLEY<br />
(sem parar, no comando)<br />
Estamos na orla do arraial.<br />
Vamos aproveitar o ímpeto na marcha caça,<br />
perseguição.<br />
CORO DE OFICIAIS<br />
Estamos combalidos da refrega,<br />
não agüentamos mais não<br />
Cambaio. Já cambaio!<br />
Estou torto, quase morto, cai não caio…<br />
Famintos ontem comemos nadas,<br />
Viramos almas penadas.<br />
LAGOA DO CIPÓ<br />
UM SOLDADO<br />
Um oásis!<br />
(Surge uma mulher com o parangolé da Lagoa do Cipó. Todos se atiram para beber a água e fazem um círculo em<br />
torno da Lagoa)<br />
GUIA JESUINO<br />
(Começa a fuçar como Caxangá, em círculos de ser canino.)<br />
A aproximada de Canudos me cachorra,<br />
cada lugar que sigo sinto cheiro de cu<br />
cheiro o cheiro do buraco antigo<br />
mais o de hoje, de Pajeú.<br />
Lagoa essa tua carinha é de vodu<br />
Aqui essa titica, esse buraquinho dʼágua<br />
Sempre me anunciou mágoa…<br />
Desta vez você Lagoa você passa<br />
Aqui ele me escarrou, me sangrou, estuprou Ariana pelo rabo<br />
Touro preto Minotauro, eu te acabo, está jurado.<br />
51
Aqui trago teu fio.<br />
Conheço teu labirinto, fazendo um c de cu no rio<br />
Cheguei no teu Ó<br />
Lagoa do Cipó.<br />
Vamos continuar<br />
Esse lugar não dá pra ficar.<br />
(Os Soldados caem exaustos)<br />
TRILHA DE C A N U D O S<br />
OS GUERREIROS VACILAM PERDEM O AXÉ<br />
(Chegam ao arraial os <strong>luta</strong>dores do Cambaio)<br />
JOÃO ABADE<br />
Eles vem com armas do cão,<br />
máquinas de matar o sertão.<br />
Vamo arrancar deles no braço<br />
Ou não vai sobrar nada com esse novo aço.<br />
(João Abade mal assobia e um bando entre os mais fortes,<br />
homens e mulheres vão para direção da Lagoa do Cipó. Metem-se, imperceptíveis, pelas caatingas; e aproximam-se<br />
do acampamento.<br />
À noite circulam os soldados que não pressentem em torno, a dança de Ronda dos jagunços.)<br />
S E G U N D O C O M B A T E<br />
(Amanhece. Os soldados estão preparando a partida.)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Saudemos essa manhã triunfal do tudo!<br />
Que Nossa Rainha cante seu lá mais agudo,<br />
abençoando nossa marcha para Canudos.<br />
(A Artilharia empertiga-se, o Corneteiro dá o Toque de Partida e cantam.)<br />
TROPA<br />
Eu sou a poderosa Artilharia,<br />
que na <strong>luta</strong> se faz pela metralha!<br />
(A Krupp emperra)<br />
ARTILHEIRO<br />
Uma schrapnel emperrou na alma do canhão.<br />
Resiste a todo esforço de extração.<br />
FEBRÔNIO<br />
A Rainha do Mundo está dando sua sugestão<br />
Aceitemos.<br />
Disparemos o Krupp pra Canudos, na sua direção.<br />
Uma aldravada batendo às portas do arraial,<br />
Chegou seu visitante esperado, abra o portal.<br />
O SINAL DO TIRO<br />
(O Tiro <strong>parte</strong> e os sertanejos enterreiram-se, tomam conta do terreiro da <strong>luta</strong>. Surgem de toda banda em grita, todos<br />
a um tempo, como se aquele disparo lhes fosse um sinal prefixo para o assalto.)<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Que peça mais repetitiva<br />
Não muda, só aditiva!<br />
O que mais eu temia aí está<br />
Reedição do episódio de Uauá.<br />
(Os jagunços, no arremesso da investida, jogam-se dentro dos intervalos dos pelotões,armados de fueiros dos carros<br />
de bois, foices, forquilhas, aguilhadas longas, facões de folha larga agarram-se aos soldados, que são obrigados a<br />
abandonar as espingardas, tentando fugir, de repente tudo foca numa dupla. Ouve-se somente a respiração ofegante<br />
dos dois homens.)<br />
UM CABO Consegue escapar, com a baioneta.<br />
Topa um SERTANEJO que lhe exibe o ferrão de vaqueiro - MÚSICA DO CARA A CARA - ele resolve mostrar a cara<br />
só pra o soldado ver. O CABO vê pela primeira vez o Sertanejo, examina-a tranqüilo agora, cara a cara. O movimento<br />
é replicado pela tropa toda e todos se olham olhos nos olhos e se vêem pela primeira vez, invisíveis e visíveis, algum<br />
tempo, voltam para dupla, que matam-se ao mesmo tempo, ficando o Jagunço trespassado pela baioneta e o Cabo<br />
atravessado com o ferrão de vaqueiro. Os soldados conseguem agarrar-se às armas replicando logo em descargas<br />
rolantes e nutridas, os jagunços não recuam, a onda assaltante e os soldados passam sobre os dois cadáveres.)<br />
52<br />
JOÃO GRANDE
João Grande salta sobre o canhão, que abarca nos braços musculosos, como se estrangulasse um monstro, todos<br />
olham.)<br />
Viram, canalhas, o que é ter coragem?<br />
(A guarnição da peça recua espavorida, enquanto o Matuto Roda o canhão, arma apresada no braço. Silêncio, os<br />
jagunços seguem ao mesmo tempo em que estão de prontidão. Os soldados acovardam-se, recuam, como que<br />
oferecendo-se para serem fuzilados. SILÊNCIO)<br />
CORPO A CORPO<br />
FEBRÔNIO<br />
Vai no braço!<br />
(Levamtam as armas lentamente, os dois lados, e as colocam no chão. Olham-se de novo nos olhos… Os soldados<br />
encorajam-se e a <strong>luta</strong> trava-se braço a braço, primeiro lentamente - <strong>luta</strong> quase de energias, depois brutalmente, sem<br />
armas, a punhadas, surda: um torvelinho de corpos enleados, de onde se difundem estertores de estrangulados,<br />
ronquidos de peitos ofegantes, baques de quedas violentas… João Grande foge.)<br />
CANHÃO RETOMADO & FUTEBOL DO NEGACEAR<br />
(O canhão é retomado pelo exército e volve à posição primitiva.)<br />
COREOGRAFIA<br />
SOLDADOS<br />
Manlinchers fulminantes.<br />
(JOÃO GRANDE RETORNA JOGADOR DANÇARINO DE FUTEBOL, em dois intervalos de uma saraivada de Balas;<br />
no Terceiro Cai)<br />
MORTE DE JOÃO GRANDE<br />
(O Exército dispara sua fuzilaria, cai João Grande, entra acorde sinfônico forte. Luz em JOÃO GRANDE; o parangolé<br />
da Lagoa, feito de mangueiras cheias de sangue, é cortado e encharca a pista; a LUZ FICA EM JOÃO GRANDE,<br />
MAS VAI PARA CANUDOS E APAGA A ÁREA DO EXÉRCITO)<br />
CANUDOS<br />
A L É G I O F U L M I N A T A<br />
D E J O Ã O A B A D E<br />
MENINA<br />
João Grande Morreu<br />
HABITANTES DE CANUDOS<br />
Trágico tiroteio,<br />
cada tiro bombardeia a nossa fé pelo meio.<br />
JOÃO ABADE<br />
(Recruta homens e mulheres.)<br />
Vamos juntar seiscentos <strong>luta</strong>dores válidos,<br />
seguir já em reforço aos que enfrentam o aço pálidos.<br />
NUM EXTREMO DA PISTA LAGOA DO CIPÓ<br />
SOLDADOS EXAUSTOS DE GASTAR BALAS DE ATIRAR<br />
FEBRÔNIO<br />
Soldados, vocês estão vários!?<br />
Façam a pontaria,<br />
contra nossos adversários.<br />
Estão atirando ao léu,<br />
mirando o sol no céu.<br />
(Na extremidade oposta da pista as balas vão atingir os homens ainda a caminho, distantes do campo da <strong>luta</strong>.)<br />
A PARÁBOLA DAS BALAS FATIGADAS<br />
(Criar o movimento físico deste milagre PELA LUZ QUE CHOVE COADA POR UM CHUVEIRO DO CÉU, em curvas<br />
até A TERRA; Os jagunços recebem a chuva de balas cada um assoviando tenuemente uma vez e tombando<br />
fulminado, sem reação. Os companheiros procuram o inimigo. Musical Coral de MILAGRE RELIGIOSO CHUVA DE<br />
AÇO DE BALAS DOS CÉUS)<br />
JAGUNÇOS VEDORES<br />
(Na Lagoa do Cipó, entre os dois campos, sob os arcos da trajetória das balas.)<br />
Balas para nós<br />
De nós perdidas,<br />
voando alcançam<br />
chuva quente,<br />
João Abade<br />
e nossa gente!<br />
JOÃO ABADE<br />
53
Agora somos nós que não vemos,<br />
onde estão os inimigos entocaiados?<br />
E as balas descem incessantes,<br />
pelo centro e de soslaio<br />
chuva silenciosa de raio<br />
pontilhando legião fulminada.<br />
(A Legião de João volve as vistas para o firmamento ofuscante.)<br />
Céus, é teu esse castigo de chibata,<br />
sobre nós legio fulminata!?<br />
NO OUTRO EXTREMO. NA LAGOA DO CIPÓ. EXAUSTÃO NA TROPA<br />
SOLDADOS<br />
Americanos no Iraque,<br />
só queremos o bivaque,<br />
enfastiados de matar,<br />
punhos amolecidos e frouxos de tanto atirar.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Vamos avançar aforradamente,<br />
deslocar o campo do combate,<br />
e cair sobre o arraial.<br />
FEBRÔNIO<br />
É desespero de afobado,<br />
de assaltantes e assaltados.<br />
CABO WANDERLEY<br />
Vamos em armas brancas!<br />
FEBRÔNIO<br />
Não te mete cabo. Te manca!<br />
Reunamo-nos oficiais longe desta soldadaria pretensiosa,<br />
que pensa que foi ela, a vitoriosa.<br />
REUNIÃO DE OFICIAIS - DECISAÕ DE RETIRADA<br />
(Grupo de Oficiais reunidos no tiroteio rareado agora.)<br />
FEBRÔNIO<br />
Com os homens está difícil contar…<br />
Mas os canhões podem fazer<br />
um bombardeio preliminar?<br />
ARTILHEIRO<br />
Restam apenas vinte litros de artilharia.<br />
FEBRÔNIO<br />
Oficiais,<br />
É preciso optar por uma das pontas do dilema,<br />
ou prosseguimos a <strong>luta</strong> até o sacrifício completo<br />
ou abandonamos imediatamente.<br />
OFICIAIS<br />
A retirada impõe-se urgente.<br />
BAIXAS<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Mas sob condição expressa:<br />
Não deixar um único ferido,<br />
e não ficar um único cadáver insepulto.<br />
FEBRÔNIO<br />
E nem uma única arma.<br />
(os Soldados vêm apanhar os corpos, mas ouvem a Ave Maria; Carregam os corpos ouvindo o outro lado, a Terra<br />
vem vindo passando pelos cadáveres de Tabuleirinhos)<br />
TERRA<br />
Mais de trezentos cadáveres sertanejos<br />
sangram sobre mim, Terra<br />
dizimados<br />
estão fora de paralelo as perdas<br />
sofridas de um e de outro lado.<br />
No exército, setenta e tantos feridos,<br />
mas mortos só quatro soldados.<br />
54
Como é desigual essa <strong>luta</strong><br />
Pra quem corações ausculta<br />
SANGUE RESSECADO<br />
LAGOA DO CIPÓ<br />
Corre minha água-de-guerra impura,<br />
Sol, bate de chapa na minha figura<br />
Me destaca sinistra no pardo escuro da terra requeimada<br />
…uma nódoa amplíssima, de sangue,<br />
iluminada!<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Mas o investir de arranco com o arraial,<br />
arrostando tudo, talvez seja ainda a vitória!<br />
(Os soldados começam a juntar as armas, enterrar os mortos e carregar os feridos para a retirada. A Artilharia<br />
continua atirando, com a atenção na retirada sem saber para onde está atirando.)<br />
ENTRE A LAGOA DO CIPÓ E A LEGIO FULMINATA<br />
JAGUNÇOS VEDORES<br />
(No centro.)<br />
As tropas vão partir,<br />
mas a artilharia não pára de rugir.<br />
Atenta à partida<br />
sem pontaria, atirando somente para se ouvir.<br />
Nosso olhar lacrimejante,<br />
vê o firmamento ofuscante,<br />
varado pelos ramos descendentes das parábolas invisíveis.<br />
Maldito lugar onde estamos sitiados,<br />
testemunhamos o absurdo<br />
o inimigo fugindo de um lado<br />
de outro, o rosto de nosso povo supersticioso assombrado…<br />
Os mais enérgicos precipitando<br />
desapontados para o arraial<br />
chegarão levando o alarma irreal.<br />
LEGIO FULMINATA<br />
(entrando em Canudos)<br />
O ENCANTO DE CONSELHIRO PERDIDO<br />
MENINA JAGUNÇA<br />
Não há mais ilusão possível nem mais crer<br />
o inimigo, dispondo de engenhos de tal poder,<br />
aqui vai estar em breve, seguindo de perto o rastro,<br />
dos derradeiros defensores de Canudos!<br />
O encanto do Conselheiro está quebrado,<br />
perdido.<br />
O que nos havia empolgado, nos dado fé,<br />
foi destruído.<br />
(Um grupo começa a fuga para o lado Sul)<br />
JOÃO ABADE<br />
(tenta detê-los)<br />
São armas novas. Nova tecnologia.<br />
Vamos fabricar iguais qualquer dia!<br />
(desanimado)<br />
A multidão já demanda a caatinga.<br />
E em mim a força já não vinga,<br />
ociosa<br />
Pra deter a liderança mais preciosa.<br />
MANDRÁGORAS<br />
(Cruzando com as multidões em fuga estão em busca de Conselheiro, clamando, em desalinho, mas ainda<br />
fascinadas, agitando os relicários, agrupam-se entre a Igreja Velha, o Santuario e a Igreja Nova em contrução e<br />
começam a terremotar num corpo só)<br />
Conselheiro onde tens andado?<br />
Não podes estar fugindo.<br />
Atende o nosso recado.<br />
Nós, filhas dos espermas dos enforcados<br />
exigimos tua presença.<br />
Juntas somos força não há o que nos vença!<br />
(percebem Leão de Natuba subindo a escada para alcançar o Conselheiro que está em frente a Uma Janela)<br />
CONSELHEIRO<br />
Você não, Leão de Natuba, você foge, conta esta história.<br />
55
(Conselheiro abre uma secção no vidro, chega ao telhado de vidro onde se vê a igreja nova.)<br />
MANDRÁGORAS<br />
Agora prepara-se para o martírio?<br />
Nós aqui não, na força do poder do delírio.<br />
CONSELHEIRO<br />
Você Boca Torta<br />
enterra esta chave<br />
(Conselheiro depois de um gesto, fecha a porta secção de vidro.)<br />
JAGUNÇOS VEDORES<br />
(entram esbaforidos)<br />
A força recua!<br />
(Cai desmaiado, os que iam fugindo largam as trouxas. Se atiram no chão.)<br />
CORO<br />
MILAGRE!<br />
Não é Martírio.<br />
Conselheiro viu o poder do Delírio.<br />
(MUSICA TRIUNFAL DA AVE MARIA. A Coriféia da Voz sobe até o alto para levar a chave para Conselheiro. A<br />
Música toma o espaço e Conselheiro retorna depois que a Coriféia abre a porta do Vidro, na Passarela)<br />
FUGIDOS<br />
Meu Santo! Minha Terra!<br />
Perdão pra gente que erra!<br />
PERSEGUIÇÃO<br />
PAJEÚ<br />
Vamos encalçar os fugidos<br />
(Para os que tentaram fugir)<br />
E arrancar deles os Krupps,<br />
as Comblé, as munições!<br />
Fujões.<br />
Só assim vocês merecerão perdões!<br />
(Multidão Canudense:<br />
reorganiza-se comovida e vai toda para os corredores das estruturas do Cambaio<br />
Soldados:<br />
estão do lado Norte da Pista para Voltar pelo Cambaio)<br />
PAJEÚ - A PERSEGUIÇÃO<br />
(Jagunços:<br />
capitaneados por Pajeú surgem ladeando pelo alto a tropa.)<br />
PAJEÚ<br />
(Para o exército que retira.)<br />
Mestiço bravo, aqui estou: Pajeú.<br />
Cuidado Senhores<br />
temperamento impulsivo<br />
nos meus interiores<br />
Armazeno tendências de todas as raças inferiores:<br />
troglodita sanhudo<br />
aprumando aqui sem escudo<br />
o mesmo arrojo da velha idade eterna,<br />
vibrando o machado de pedra dentro da minha caverna…<br />
GUIA JESUINO<br />
(Atirando.)<br />
Sai Tinhoso<br />
(Silêncio de suspense, os oficiais e subalternos falam baixo, dão o comando como que em segredo, olhando para os<br />
jagunços temendo atravessar o corredor polonês que de um momento a outro pode desabar.)<br />
PAJEÚ<br />
Entreguem os armamentos seus Faraó!<br />
Senão lá vai bedengó!<br />
FEBRÔNIO<br />
Não há resposta a dar,<br />
há o silêncio, as armas guardar.<br />
Cabo, dirija a vanguarda,<br />
o campo é propício,<br />
o destino te traçou esse ofício.<br />
56
(O Cabo Wanderley toma a frente do exército, protagonista.)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Não falha mas tarda,<br />
a justiça divina do teatro militar.<br />
Minha vez de protagonizar<br />
olha eu dirigindo a vanguarda!<br />
É retirada,<br />
Nivelados oficiais<br />
e praças de pré pelo mesmo sacrifício,vamos andar<br />
A expedição perdeu toda a estrutura militar…<br />
(Os soldados escondem-se respirando exaustos, pela boca; o Sol culmina ardente e a luz crua do dia tropical cai na<br />
região pedregosa e despida e reflui aos espaços num flamejar de queimadas grandes alastrando-se pelas galerias<br />
aquecendo tudo. Silêncio. Ares secos irrespiráveis de pedra.)<br />
CORO DO EXÉRCITO TEATRÃO<br />
A brutalidade humana rola surdamente<br />
dentro da quietude universal das coisas…<br />
MANDRÁGORA<br />
É A Luta!<br />
Pra ator transhumanizado<br />
saiam de cena<br />
atores infelizes,<br />
nesse epílogo de drama<br />
mal representado,<br />
e saiam vaiados.<br />
Combates, provações, provações<br />
findos neste desfecho, neste fracasso<br />
vaiemos de camarote no estardalhaço!<br />
(Mandrágora puxa a vaia do público. O medo da travessia paralisa a tropa. Os jagunços incitam o exército.)<br />
CORO<br />
Bedengó!<br />
A montanha é um arsenal.<br />
Blocos esparsos soltos da ossamenta,<br />
pilhas se equilibrando mal<br />
desencadear o potencial<br />
de quedas violentas!<br />
PAJEÚ<br />
(em cima)<br />
Espingarda imprestável em alavanca transmuda;<br />
e desgruda…<br />
CABO WANDERLEY<br />
Antes que entulhem os caminho<br />
Morrer entupidos sozinhos?!<br />
Vai nem ter ensaio,<br />
É direto atravessar as gargantas do Cambaio.<br />
Fui!<br />
PAJEÚ<br />
Símios amotinados tripudiar,<br />
Matulha! barulhar!<br />
virar o apedrejamento,<br />
garotada, num passatempo!<br />
Olha o Bedengó de Baixo!<br />
(Imagem Projetada da Cena por T. Gaudencio)<br />
CHUVA DE BOLAS DE PINGUE PONGUE DE TODOS OS LADOS<br />
(Jagunços desfilam pelos altos em corrimaças turbulentas e ruidosas, brados irônicos e irritantes, cindidos de longos<br />
assovios e cachinadas estrídulas. Garotos incorrigíveis. A tropa vai saindo de cena, sob intensa chuva de Pedras. O<br />
Sol começa a se pôr. Sai a Luz. Imagens projetadas do Quadro de T.Gaudencio retornam.<br />
(O Exercito deixa-se cair em Bendegó de Baixo na Porta do Oficina acampamento dO sol põe-se rápido.Acende uma<br />
fogueira)<br />
A INVASÃO DA CABRA<br />
A CABRA<br />
Fiz promessa que não dormia<br />
enquanto não tomasse a artilharia…<br />
57
(Silêncio. A tropa escuta sininhos, prepara-se para revidar, mas a arisca invade o acampamento e tenta apanhar um<br />
canhão. É uma diversão feliz. Homens abso<strong>luta</strong>mente exaustos apostam carreiras doidas com a veloz cabra. Pegam.<br />
A Câmera mostra os vitoriosos com pedaços dela; comem acocorados em torno de uma fogueira, dilacerando carnes<br />
apenas sapecadas no fogo. Andrajosos, imundos, repugnantes, tintos pelos clarões dos braseiros, como um bando<br />
de canibais famulentos em repasto bárbaro… O Sol levanta-se como um leque enorme e volta cair)<br />
PLANTIO DOS MORTOS<br />
(O Sol volta a ser o da tarde do dia anterior, invade as estruturas do Cambaio. Os conselheiristas canudenses estão<br />
por todos os cantos espalhados, cantando muito baixo a Excelência procurando os mortos: jagunços, soldados, o<br />
público… Pelo espaço todo há <strong>luta</strong>dores baqueados. Os vivos sobem às grotas altas, e alam-se aos vértices dos<br />
fraguedos abruptos para, do mais alto, trazer o cadáver de João Grande…)<br />
CANTO DA PRIMEIRA PARTE DA EXCELÊNCIA<br />
CORO PUCHADO POR CORIFÉIA DIABA<br />
Nos abismos profundos<br />
nas grotas<br />
fins de mundos<br />
colhendo<br />
vossos corpos<br />
Ah! nossos mortos,<br />
vamos andando.<br />
Vossa esquerda mão<br />
em nossos ombros pousando,<br />
vamos andando.<br />
Al Aqsa, palestinos,<br />
judeus,<br />
Esses mortos<br />
também são seus<br />
(Queimam os ex-votos, plantam os mortos.)<br />
EXCELÊNCIA - ADRIANA – CHICO – JOÃO CABRAL - CORO<br />
CORIFÉIA DIVA<br />
Amado João<br />
Ao passares em Jordão<br />
E os demônios te atalharem<br />
perguntando o que e que levas,<br />
diz que levas cera<br />
capuz e cordão<br />
mais a Virgem da Conceição<br />
uma Excelência<br />
dizendo que a hora é hora.<br />
Ajunta agricultores<br />
que o corpo vira semente plantados mortes nascentes<br />
CORO<br />
Duas Excelências<br />
dizendo que a hora é hora.<br />
Ajunta agricultores<br />
que o corpo vira semente plantados mortes nascentes<br />
(Cantam nove Excelencias conduzindo o Povo para o Jardim e para os Subterrâneos)<br />
FANTASMA DA CABRA ATÉ A LUZ SER FEITA<br />
Muito baixo no horizonte,<br />
o sol desce vagarosamente,<br />
e roça a orla cintilante, adourada,<br />
do extremo mais remoto na chapada,<br />
e seu último clarão,<br />
a cavaleiro das sombras,<br />
que se adunam na baixada,<br />
cai no dorso da montanha:<br />
Aclara,<br />
Ilumina,<br />
fugaz,<br />
usina,<br />
o préstito,<br />
que à cadência das rezadas vai seguindo.<br />
Desliza insensivelmente, subindo,<br />
à medida que lentamente as sombras ascendem,<br />
até ao alto,<br />
onde os seus últimos raios<br />
58
cintilam píncaros altaneiros,<br />
enormes círios tesos,<br />
prestes acesos,<br />
prestes apagados,<br />
na meia luz do crepúsculo, bruxuleados.<br />
Brilham as estrelas primeiras.<br />
Rutilando na altura,<br />
a cruz resplandecente<br />
Órion constelação<br />
alevanta-se gigante,<br />
titã sobre o sertão…<br />
(João Grande recebe uma massagem com a cera derretida. O Canto da Excelência retoma mais 9 vezes e toma<br />
conta de tudo, o público desfila entre os mortos, que planta. Até um ponto final na 18 excelência.)<br />
FIM DO PRIMEIRO ATO<br />
59
Expedição Moreira Cezar<br />
60
FLORIANO PEIXOTO<br />
(Sonoplastia e o vídeo com o rumor das multidões de posses, cenas de espera: pode entrar o povo das “diretas já”, e<br />
seu rumor. Os atores vãos para seus lugares, Sociedade civil e Jacobinos. A República vai para seu Trono, ela deve<br />
lembrar a estátua da Liberdade, o Cristo Redentor, talvez uma Tocha na cadeira e uma coroa como a da própria em<br />
Manhatan. Luz especial nela. Afinações de instrumentos das bandas preparando Hino Nacional, faixas… vídeos de<br />
movimentos civis, IMAGENS DO POVO NAS POSSES DE BRASILIA, etc… Um grande acontecimento: o primeiro<br />
presidente civil do Brasil vai ser empossado. A luz vai para a antecâmara no alto da estrutura Sul, onde Prudente de<br />
Morais está sendo paramentado pela Minoria Pensante Civil, sob a direção de Tia Augusta, no Protocolo. A Tela de<br />
Vídeo pode estar tomando toda a sua frente e esta cena pode se passar atrás dela. O Público está terminando de<br />
entrar (para a posse), o Presidente já está pronto, desce ao Balcão.<br />
3º SINAL: A Sonoplastia entra com a Gravação do “Hino da Proclamação da República”. A Luz entra na Pista,<br />
vazando os Telões e trazendo os Jacobinos. No Balcão Sul, os civilistas tomam café; na pista, é servido o Vinho<br />
Tinto, iniciando o Ritual dos Jacobinos, um Ritual Republicano; luz mais fraca na platéia que se supõe estar na<br />
cerimônia jacobina. É como o último Comício de Bush, Schwarzneger. Os Jacobinos se alinham por toda a pista para<br />
a despedida de Floriano. Entra o próprio trazendo nas mãos a Constituição Brasileira que ergue sob aplausos dos<br />
jacobinos puxando aplausos do público, sob o Hino da República, que continua baixo no discurso de Floriano. Ele<br />
entrega a Constituição para a República)<br />
FLORIANISTA<br />
Viva Floriano Peixoto!<br />
Viva a República!<br />
Um brinde ao nosso Marechalíssimo de Ferro<br />
Verdadeiro amante da República<br />
E nosso Etherno Presidente!<br />
Saúde!<br />
PORTA VOZ DO GOVERNO<br />
Marechalíssimo, o novo Presidente Prudente,<br />
(os jacobinos debocham rindo)<br />
as autoridades, o povo e a imprensa<br />
aguardam sua chegada<br />
em Companhia de Madame República,<br />
para transmissão da faixa presidencial.<br />
(A República que está presente faz um gesto de “Espera”)<br />
FLORIANO PEIXOTO<br />
Aguarde este meu pronunciamento a este público fiel<br />
que tem me acompanhado<br />
e transmita-o depois<br />
Porta Voz.<br />
(digindo-se a todo o Teatro que se transforma no seu Templo Republicano de uma Convenção.)<br />
Meu público, meu povo.<br />
Meu Governo teve função combatente e demolidora:<br />
abater a indisciplina emergente,<br />
as sucessivas sedições.<br />
Eles dizem maldosamente<br />
que por isso agravei a instabilidade social<br />
e que violei um programa preestabelecido.<br />
Como isso seria possível?<br />
Se nasci do impeachment triunfante<br />
contra um golpe de Estado<br />
violador das garantias constitucionais<br />
do Marechal Deodoro da Fonseca<br />
Perna magra e bunda seca.<br />
(GARGALHADAS E APLAUSOS, apanha a Constituicão. Na sonoplastia, tema de Amor à República)<br />
Abracei tenazmente a Constituição,<br />
afoguei-a de tanto amor<br />
a ponto de ter de criar a suspensão de suas garantias,<br />
para defendê-la.<br />
A legalidade sempre foi e será o maior dos meus desejos,<br />
a essa palavra consagro, se preciso for,<br />
todos os crimes,<br />
viro até ao seu avesso<br />
se preciso for, nesta terra sem leis.<br />
(sai o tema de amor)<br />
Sou com muito orgulho, sim, o Marechal de Ferro<br />
Nas crises que assoberbaram e assoberbam a República,<br />
apelei a todos os recursos,<br />
todos os meios,<br />
para defendê-la incondicionalmente.<br />
61
(parece que terminou de falar, mas volta)<br />
Mesmo que nem vocês<br />
nem a amplitude da opinião nacional<br />
internacional<br />
me compreendam agora,<br />
quero dizer que<br />
entre paixões e interesses<br />
do meu partido<br />
que, salvante raras exceções,<br />
sei que congrega todos os medíocres ambiciosos desse país,<br />
acabei por debelar<br />
a Revolta do Setembro Negro,<br />
que enfeixou todas as rebeldias contrariadas<br />
todos os tumultos.<br />
(Aplausos crepitantes.)<br />
Sei que criei<br />
mas destruí revoltosos.<br />
Sei que bati a desordem<br />
com a desordem.<br />
e sei que agora forma-se em latência,<br />
(Conselheiro atravessa o espaço)<br />
prestes a explodir,<br />
os germens de mais perigosos levantes<br />
que hão de vir, nesse novo governo, prudente e moral.<br />
(emocionado, tira um lenço, enxuga o suor e as quase lágrimas)<br />
Deixo o poder sem ter cumprido minha missão.<br />
Os que odeiam os verdadeiros defensores da revolução Republicana, nós, os jacobinos,<br />
fazem agora o poder passar aos adeptos da prudência das morais,<br />
desse civil amaricado.<br />
Minha decisão final,<br />
comunique Porta Voz<br />
aos presentes à cerimônia lá fora,<br />
que não vou cometer desonra de comparecer<br />
à transmissão de poder a um fraco.<br />
Um fraco não merece o poder.<br />
(Aplausos intensos jacobinos)<br />
JACOBINOS<br />
Viva o Marechal de Ferro!<br />
(aplausos JACOBINOS, enquanto a República apronta-se para sair)<br />
REPÚBLICA<br />
Minha Imagem<br />
doce Floriano<br />
assim traída<br />
não vai deixar de crescer,<br />
por vocês meus defensores de mais tino,<br />
meus adorados jacobinos<br />
que nos acompanham nos transes dificílimos do nosso governo<br />
by all the world.<br />
Il faut qui je pars.<br />
La real politik waits for me.<br />
FLORIANO<br />
Divina República<br />
Jacobina<br />
Entre nós não há segredos<br />
Posso falar sem dedos<br />
Ficarão muitos agitadores,<br />
robustecidos duma intensa aprendizagem de tropelia,<br />
não vão se acomodar a papeis secundários nessa nova Dramaturgia.<br />
REPÚBLICA<br />
Não, mon heros.<br />
Eu não permitirei.<br />
Vocês serão sempre a minha garantia<br />
Minha segurança de fazer minha imagem crescer<br />
e permanecer.<br />
(Floriano tira a Faixa e passa para a República; Entra o Hino Nacional, o porta voz, apanha correndo a faixa da<br />
presidência das mãos da Republica, sai correndo para entregar a Faixa ao Presidente Prudente. Os Jacobinos,<br />
protestando, se retiram de costas. A LUZ do salão republicano sai; LUZ FOCA Floriano. No balcão Sul, Prudente<br />
recebe a Faixa. Todos cantam Hino Nacional. Em seus trajes levam ramos de café. Símbolo da aristocracia rural do<br />
Café.)<br />
62
CIVILISTAS<br />
Viva o primeiro presidente civil da República do Brasil! Viva!<br />
PRUDENTE DE MORAIS DISCURSA<br />
(Não tenho o texto)<br />
(sai a Luz do Balcão depois do discurso e fica o foco no Floriano na pista)<br />
FLORIANO PEIXOTO<br />
Os movimentos dos Jacobinos,<br />
estacar não vão.<br />
Pela nova situação<br />
adentro dilatar-se-ão.<br />
(LUZ NAS GALERIAS, na personagem que representa agora, de um lado: Coro da Multidão Criminosa, escrito em<br />
letras Garrafais numa faixa Sangue. No outro lado, na platéia menor: Coro da Multidão Consciente, com uma Camisa<br />
de Força como uma bandeira enfeitando seu Balcão)<br />
CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />
(no meio do Público, deve-se projetar o Texto no projetor central para que o público possa fazer junto.)<br />
Tolerância Zéro<br />
Tolerância Zéro<br />
Somos<br />
a Multidão Criminosa Republicana Mundial<br />
inerte<br />
e abso<strong>luta</strong>mente neutral.<br />
Nós, maioria consciente,<br />
mas retraída,<br />
sofremos mimetismo<br />
e vestimos a feição moral<br />
medíocre<br />
comedida.<br />
CELEBRIDADE<br />
Eu não!<br />
Meu povo, sou uma vossa Celebridade!<br />
Atrevida vos tomo a frente, como exemplo na cidade.<br />
Na tribuna, na mídia, na passarela<br />
celebridade,<br />
(ela deixa cair um dos sapatos; a percussão marca.)<br />
cinderela,<br />
sem ideais, dizem,<br />
suspeita adoradora da República brasileira,<br />
sempre fazendo da<br />
Americana,<br />
cópia grosseira.<br />
Mas pra mim<br />
mesmo assim<br />
minha história é lisonjeira<br />
TIETES<br />
Autógrafos!!!<br />
CELEBRIDADE<br />
Não é o caso,<br />
Aplauso! Aplauso!<br />
(Entra Marcha Fúnebre Evolutiva como a de Chopin, são as Pompas Fúnebres do enterro de Floriano)<br />
FLORIANISTAS JACOBINOS<br />
(trazendo Arca da Aliança, um Baú com as cinzas de Floriano)<br />
Hoje não é comédia<br />
É dia da Brasileira Tragédia.<br />
Marechal Floriano Peixoto<br />
Lá se vai nosso garoto.<br />
Musa da Guarita<br />
Fênix! Ressuscita!<br />
REPÚBLICA<br />
(com Véus de Viúva Czarina)<br />
Vamos agora vivêr<br />
da exaltação gloriosa do seu cadavêr…<br />
CUNHA MATOS<br />
(discursa enquanto o corpo é enterrado)<br />
Marechal Floriano Peixoto<br />
63
seu túmulo, nesse país roto,<br />
é nessa hora triste sem esperança<br />
Nossa Arca de Aliança<br />
(Glórias)<br />
Pra nós rebeldia impenitente,<br />
MILITARES JACOBINOS<br />
URRA!!<br />
CUNHA MATOS<br />
seu nome,<br />
grande Homem<br />
no meio da Pátria em desordem,<br />
é agora, palavra de ordem.<br />
(Todos fazem um juramento sagrado ajoelhados com as mãos no túmulo…)<br />
CORO<br />
Ordem e Progresso.<br />
(…depois atiram para cima como nos enterros de policiais assassinados, 21 tiros. Entra Samba de Protesto Carioca<br />
dos anos 60)<br />
CORO DA MINORIA PENSANTE<br />
Nós somos a minoria,<br />
pensante do Brasil<br />
Nossa retração criminosa permite, excessos a mil<br />
Em meio à indiferença geral<br />
Aceita, aplaude,<br />
as mediocridades irritadiças afinal!<br />
Não nos assusta terror econômico desesperador:<br />
torne-se insolúvel, arrasador.<br />
(na Pista)<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
Somos o Exército da República nascente<br />
Elemento ponderador da agitação crescente.<br />
SOLO I<br />
Desde os escravos libertados:<br />
SOLO II<br />
Estamos nós predestinados<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
Cortejam-nos,<br />
atraem-nos<br />
afanosamenete<br />
imprudentemente,<br />
amorais,<br />
(dirigindo-se à multidão)<br />
E a multidão. Quer o que?<br />
CORO DA MULTIDÃO CRIMOSA<br />
Bush, Stalin ou Pinochet!<br />
CASTING<br />
(Estúdio de marketing, fabricação de imagens, um barril de pólvora.)<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
A Nova do desastre do Cambaio,<br />
aterradora<br />
Para chefe da expedição vingadora,<br />
um de nós será o escolhido<br />
Marechal Floriano Peixoto morreu de ofendido.<br />
CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />
A Multidão sedenta agora aguarda<br />
CORO DO EXÉRCITO<br />
O fetichismo político exige Manipansos de farda.<br />
CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />
(com texto para o público ler junto)<br />
Nós opinião nacional,<br />
oscilamos…<br />
no aquilatar vencedores<br />
e vencidos…<br />
Nesse baralhamento<br />
64
perdidos…<br />
diante de nossa visão<br />
estreita…<br />
sentimental<br />
e suspeita…<br />
Em todos os tons, todas as cores,<br />
propagamos sem pudores<br />
O Mercenarismo!<br />
O Mercenarismo!<br />
O Mercenarismo!<br />
Caricaturamos nós, o herói<br />
e o heroísmo.<br />
(Cobrem uma pessoa do público solenemente na Pista com a Púrpura Sangue)<br />
Imortais de quarto de hora!<br />
que nossa carência adora<br />
destinados à suprema sina<br />
de uma placa na esquina,<br />
sem sabermos se bandido, santo,<br />
louvados, difamados, não sabemos por enquanto!<br />
(O TEATRO Transforma-se num estudio de Publicidade. MAS A TODO TEMPO DA ESCOlHA DO MANIPANSO,<br />
HAVERÁ LUZES EM PRUDENTE, QUE, ENQUANTO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, É O JUIZ DA CENA; NA<br />
REPÚBLICA; NA MAIORIRA CRIMINOSA E NA MINORIA PENSANTE, ISSO ATÉ A COROAÇÃO FINAL DE<br />
MOREIRA: HABEMOS SÃO JORGE. Na Banda, um Cantor(Danilo), para criar clima para um teste de escolha do<br />
Manipanso de Farda, canta uma versão mix do Hino Nazista. O diretor chega com óculos e uma prancheta pequena<br />
com papéis, fotos de Moreira… Olha para os candidatos, a personagem não se convence. Ninguém o impressiona.<br />
Debaixo da Púrpura sangue, com o piano tocando um ATIREI UM PAU NO GATO DE MILAGRE, surge uma criança.<br />
O diretor a cumprimenta, e ela possa a examinar os candidatos até que pára diante de um)<br />
MENINO DOURADO ADORADO ADORADOR<br />
Entre todos brilha uma obra de arte<br />
Coronel Moreira Cezar, figura à <strong>parte</strong>.<br />
Igualmente ao vê-lo ficam vários,<br />
admiradores e<br />
(olhando para a Sociedade Civil Bem Pensante)<br />
adversários!<br />
(destaca-se do coro como se descolasse, nascesse, protagonista: Moreira Cezar, fazendo Ricardo III, sobe no trono,<br />
no Centro: um Barril de Pólvora. Do lado Leste a Maioria Criminosa segura um Manto Púrpura. Do outro – Oeste, a<br />
Minoria Consciente com uma Camisa de Força Gigante. O menino senta-se ao seu lado. O ator começa a fazer um<br />
esquentamento vocal. Todos os que vieram para o teste começam imitá-lo. O menino manda todos calarem a boca<br />
com um violento Psiu!)<br />
ATOR QUE VAI FAZER MOREIRA CEZAR<br />
Eu Antonio Moreira Cezar<br />
Grosseiramente feito,<br />
majestade no amor,<br />
(entra o tema do amor pedófilo puro)<br />
não tenho direito,<br />
nem de pavonear-me extasiado<br />
diante dos meninos adorados,<br />
ninfo de lascívio meneio,<br />
eu, feio<br />
privado de proporção, de beleza,<br />
desprovido de encantos pela pérfida mãe natureza,<br />
disforme, inacabado,<br />
abortado,<br />
antes do tempo pro mundo dos vivos enviado<br />
terminado pela metade,<br />
com os cães latindo ando na cidade<br />
dissertando sobre minha deformidade.<br />
Assim, já que não posso mostrar-me como amante<br />
entretendo a galanteria da oligarquia farsante<br />
atrasada burguesia do sertão,<br />
(refere-se a Sociedade Civil)<br />
resolvo portar-me como vilão,<br />
odiar os frívolos prazeres deste lixo de nobreza,<br />
sem grandeza,<br />
contaminando a República do meu coração<br />
com sua escrotidão.<br />
(O Menino Adorado aplaude-o e olha para o público obrigando a todos, atores inclusive, a uma ovação a Moreira. O<br />
diretor aplaude e cumprimenta o Ator.)<br />
PERSONAL ACTOR TRAINING<br />
65
Meus Parabéns.<br />
O senhor é um grande ator.<br />
O papel já é quase do senhor.<br />
E os senhores tão Aplicados,<br />
para Coros e Oficiais, estão contratados.<br />
(para o candidato a Moreira)<br />
Começo com as perguntas clássicas:<br />
Parou de fumar?<br />
Parou de cheirar?<br />
Parou de beber?<br />
Parou com os meninos?<br />
(O ator reage um pouco contrariado. O diretor contempla e esculpe o Ator)<br />
O ator não tem o “fisique du rôle”,<br />
vamos fabricá-lo sob nosso contrôle.<br />
O aspecto tende a reduzir-lhe a fama.<br />
(O ator reage, quer ficar esguio)<br />
A personagem é figura diminuta, não reclama.<br />
(então se abaixa um pouco)<br />
tórax desfibrado…<br />
(apertam o colo largo do ator e o desfibra)<br />
…sobre os pernis em parêntesis arcados.<br />
(dobra-lhe as pernas)<br />
Daqui pra frente somente atuas<br />
Com os Pés…<br />
(a Banda acompanha a transformação dos pés)<br />
em dez para as duas.<br />
Pronto, agora interioriza, o de fora acabou<br />
está organicamente inapto,<br />
como a personagem,<br />
para a carreira que abraçou.<br />
(Começa a sua paramentação, despe a antiga roupa, começam a vesti-lo de branco enquanto fala. A música vai<br />
criando o tema até derramar-se e explodir na Coroação do Cezar)<br />
ATOR MOREIRA CEZAR<br />
(para seu espelho, o público.)<br />
Falta-me esse aprumo,<br />
compleição inteiriça da imagem,<br />
que no soldado são a base física da coragem.<br />
(sentindo farda)<br />
Apertado na farda - que raro a personagem dependura -<br />
os membros de adolescente frágil, me agravam a postura.<br />
DIRETOR<br />
Maquilladora.<br />
(entrando no clima da fala, ela/ele procura desenhar uma máscara neutra)<br />
ATOR MOREIRA CEZAR<br />
Fisionomia inexpressiva e mórbida<br />
completa-me o porte desgracioso<br />
e exíguo de quem não pratica esporte.<br />
Nada, abso<strong>luta</strong>mente,<br />
trai minha energia surpreendedora<br />
a temibilidade rara, avassaladora<br />
no meu rosto de convalescente<br />
sem uma linha original grandiloqüente,<br />
(comovido consigo mesmo, enquanto o Camera, a Maquilladora vão lhe detalhando a falta de expressão facial - uma<br />
música de órgão pode acompanhar)<br />
pálido, mal alumiado,<br />
velo uma tristeza permanente,<br />
na minha face imóvel como um molde de cera,<br />
impenetrável, pela própria atonia muscular.<br />
(com força Iang)<br />
Os grandes paroxismos da cólera,<br />
e o entusiasmo mais forte,<br />
(toca as faces, fica In)<br />
aqui se amortecem inapercebidos,<br />
na lassidão dos tecidos,<br />
na face contida<br />
impassível, rígida.<br />
(Música de final de Preparação; para o público)<br />
Estão me vendo pela primeira vez?<br />
(desce do Barril agora que está pronto e, falando, caminha para a República, beija-lhe respeitosamente as mãos sem<br />
parar de falar)<br />
Imaginam nesse homem de gesto lento e frio,<br />
maneiras corteses, tímidas e… vazio?<br />
Campeador brilhante?<br />
Ou demônio crudelíssimo, intolerante?<br />
66
Não tenho os traços nem de um, nem de outro.<br />
Talvez, porque seja os dois ao mesmo tempo<br />
e contra tempo.<br />
Tendências monstruosas e qualidades superiores,<br />
no máximo grau de intensidade.<br />
(vendendo-se sutilmente a Prudente e ao Público)<br />
Sou tenaz, paciente, dedicado,<br />
cruel, vingativo, ambicioso, impávido.<br />
(pequena Pausa, um órgão docemente fúnebre da banda o acompanha)<br />
Velo as personagens todas,<br />
no armário guardadas,<br />
cauteloso, sistemático, reservado.<br />
(está realmente comovido)<br />
Um único homem, alma gêmea, ah! meu Deus!<br />
(vai saindo o órgão; entra Floriano)<br />
Marechal Floriano Peixoto, percebeu,<br />
alguma coisa de grande e incompleto em mim,<br />
que a evolução prodigiosa de predestinado,<br />
faz saltar enfim<br />
nesta fase crítica<br />
que devo definir-me em verso<br />
heróico ou perverso?<br />
Assim, desequilibrado,<br />
minhʼalma oscila no balançado<br />
da extrema dedicação<br />
ao esvair-se no extremo ódio,<br />
da calma soberana à explosão nervosa subindo vitoriosa ao pódio<br />
e da bravura cavalheiresca de Quixote<br />
à barbaridade revoltante de Pixote…<br />
(Entra o Jovem Moreira Cezar; canto, trilha, a luz, o vídeo, vão trazendo o flash back, Moreira e o Jovem Cezar ficam<br />
de quatro como Bebês, Erês.)<br />
MOREIRA CEZAR E CORO<br />
Atirei o pau no gato-to<br />
Mas o gato-to<br />
Não morreu-reu-reu<br />
Dona Chica-ca<br />
Admirou-se-se<br />
Com o berro<br />
Com o berro<br />
Que o gato deu!<br />
Miau!<br />
CONTRA ARGUMENTAÇÃO<br />
OFICIAL ARGENTINO<br />
Es um hombre<br />
Muy esquizito…<br />
MOREIRA CEZAR E JOVEM CEZAR<br />
Esquizito?<br />
Que dizes?<br />
És um Hombre?<br />
És Mujer?<br />
Esquisito és tu<br />
Argentino de merda!<br />
(Moreira Jovem ataca com uma faca)<br />
OFICIAL ARGENTINO<br />
Yo soy el oficial argentino<br />
Fu victima de su desatino<br />
Herido por este cutillo,<br />
por suerte, a tiempo detenido,<br />
no mas que por cierta palavra de mi lengua,<br />
mal compreendida.<br />
Esquisito.<br />
Pero no tuve la mala suerte de un periodista,<br />
que causando un escandalo izquerdista,<br />
hizo intolerables acusaciones a la Corte del antiguo Império,<br />
y habiendo acusado el ejército de delicto serio,<br />
fue resuelto por algunos oficiales,<br />
como supremo recurso, absurdo justiciamiento.<br />
La solución fulminante, desesperante<br />
del linchamiento!!!<br />
67
(O Sino Bate Meio Dia. O Coro do Exército, Mulheres disfarçadas com seus cabelos como bigodes, armados de<br />
Comblains ameaça a aproximar-se do jornalista, enquando de um carro sai o motorista e fica um Velho Militar dentro.<br />
Moreira Cezar jovem tira a faca do oficial argentino)<br />
FANTASMA DO JORNALISTA<br />
É meio dia, muita luz!<br />
Oficiais do Exército armados de comblains,<br />
saem de carros que os conduz.<br />
Vejo num deles, autoridade superior do próprio Exército,<br />
refugio-me dentro, sento-me ao seu lado<br />
ao patrocínio imediato das leis querendo ser acoitado.<br />
(O Coro Ataca o Jornalista)<br />
Sou de dentro arrancado<br />
pelas costas esfaqueado<br />
a primeira facada<br />
veio com o prazer de um coito<br />
pelo mais afoito,<br />
(olha para o Jovem que o apunhá-la)<br />
olho no seu rosto Moreira Cezar,<br />
imploro, rezo<br />
Você goza!<br />
E apunhala<br />
E apunhala<br />
E apunhala<br />
(O Coro de Oficiais Linchadores tenta apunhalar, Moreira impede)<br />
Aos outros não deixa apunhalar…<br />
(olha nos olhos de Cezar que o encara também; o jornalista olha para o público, Moreira não tira os olhos dele.<br />
Silêncio absoluto.)<br />
Minha última reportagem agora no ar<br />
o povo da Rua do Ouvidor, parado…<br />
(olha bem pra Moreira que faz com que a cena vire uma cena de penetrar, fazer amor)<br />
e você<br />
a apunhalar<br />
a apunhalar<br />
a apunhalar.<br />
(Moreira Jovem desenterra a faca das costas do jornalista e entrega-a para a Autoridade Superior, enquanto os<br />
outros fogem com as facas respectivas)<br />
MINORIA PENSANTE<br />
Linchamento! Punição!<br />
Sibéria Canicular Brasileira! Mato Grosso!<br />
Sem Perdão!<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(Tema do calor úmido de Mato Grosso)<br />
Este “justiciamento”<br />
custou-me a transferência para Mato Grosso,<br />
onde sofri nessa Sibéria tórrida do nosso Exército o calor até o osso.<br />
Mas a proclamação da República<br />
(entra o Hino da República se possível em versão coral de “Caderneta de Campo”. Entra Euclides)<br />
devolveu-me o direito<br />
ainda que tardio<br />
e traz-me de volta em glória para o Rio.<br />
(Floriano passa a Espada ritualmente para Moreira.)<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
(com fascínio erótico com o som do Hino da República Baixo e um piano como o de um Capricho de Villa-Lobos)<br />
Eu vi essa personagem na ocasião.<br />
Era ainda capitão<br />
Nos dias vacilantes do novo regime,<br />
o governo desejava ter perto de si este esteio firme.<br />
Não raro a faca era relampagueada<br />
mas era inteiramente virgem ainda a espada.<br />
(Moreira reage como uma virgem enrubecida)<br />
Saiu da abstinência,<br />
(Euclides lambe os beiços com a língua)<br />
com muita apetência,<br />
nos últimos anos da existência.<br />
68
Já Coronel no debelar da Revolta da Armada<br />
Floriano passou-lhe os phoderes todos à virgem espada<br />
(Floriano unge, com vaselina sua espada e passa-a a Moreira, num rito sensual. A banda toca um Militar Chet Baker)<br />
Em Santa Catarina,<br />
(entra o tema Música do Massacre de Inhatu Mirim)<br />
pra phoder a conflagração,<br />
que contagiava os Estados do Sul em rebelião<br />
é a espada descabaçada que entra em ação.<br />
185 Fuzilamentos no cenário de uma ilha deserta,<br />
da cidade<br />
que leva o nome de Floriano,<br />
em homenagem a essa sexual crueldade.<br />
(Um grupo de rebeldes, ligados a um colar de lâmpadas elétricas acesas que iluminam os rostos que os vídeos<br />
ampliam, em formação ordenada de pelotão de fuzilamento. Mulheres que serão Mandrágoras nascidas do esperma<br />
dos decaptados, entram e se deitam no lado oposto aos condenados na pista. Estes vão sendo decapitados pela<br />
espada de Moreira, ao desligarem-se as lâmpadas. Nos rostos a última expressão é de gozo. Cada um que é<br />
decapitado goza e faz nascer uma Mandragora. Cada uma delas replica com o gozo do nascimento.)<br />
BLUE DO FANTASMA DO MARJOR ALFREDO PAULO DE FREITAS<br />
Fui ultrajado a rebencadas sem contemplação<br />
Cezar começou a encarcerar suspeitos da revolução<br />
Fui embarcado de Niterói<br />
com a farda que cobriu meu corpo até o fim<br />
a barca fez meia volta ao aproximar-se de Inhatu Mirim.<br />
CORO<br />
Inhatu Miriam<br />
BLUE DO FANTASMA DO MARJOR ALFREDO PAULO DE FREITAS<br />
Com mais 184 cabeças a minha foi decepada<br />
o mar bebia nosso sangue, a terra nosso esperma guardava.<br />
MANDRÁGORAS E DECAPTADOS<br />
o mar bebia nosso sangue, a terra nosso esperma guardava.<br />
(Mulheres tocam no esperma sangue, ungem a boceta e a cabeça, vão virando Mandrágoras)<br />
UMA MANDRÁGORA<br />
(a capela)<br />
Aurora nasceu envergonhada,<br />
na Ilha de Inhatu Mirim<br />
ficou vermelha sim<br />
com a sangria que a maré trouxe acanhada<br />
(entra arranjo orquestral na trilha, o som do mar, deste movimento forte de nascimento, origem das Mandrágoras de<br />
Canudos)<br />
MANDRÁGORAS<br />
Só nós Floriano, alegres demos Florada<br />
mandrágoras nascidas do gozo de cada cabeça cortada.<br />
Gritando da nossa separação da Terra fomos arrancadas<br />
(Uma India paraguaya Velha lhes arranca da Terra, elas gritam)<br />
Por Mandrágora Índia Paraguaja, da Guerra mal lembrada<br />
As Gaivotas apiedadas nos levaram pra Canudos<br />
(Acordeom Trágico, anunciador da cena de sangue do Angico)<br />
Onde esperamos você Cezar<br />
pra servir em miúdos.<br />
(Vinheta Samba–Bossa de Prostesto da Minoria Pensante)<br />
UM MEMBRO ILUSTRE DA MINORIA PENSANTE<br />
Terminou a revolta da Armada,<br />
mas a opinião nacional está abalada.<br />
Governança civil, recém-inaugurada,<br />
Exija do responsável,<br />
que contas sejam prestadas.<br />
(Telégrafos acompanhando o pedido de esclarcimentos de Prudente, muito baixinhos, até que cessam, e deixam um<br />
silêncio absoluto para a resposta de Moreira)<br />
PRUDENTE DE MORAES<br />
Houve fuzilamento de militares de mar e terra determinados por autoridades da República?<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Não.<br />
EUCLIDES<br />
69
Um “não”?!<br />
(olhando pra Moreira, depois para o público, perplexo)<br />
simples, seco, atrevido, cortante,<br />
desconcertante<br />
sem atavio, rodeio, ressalva, explicação<br />
(entra o baixo-dardo, Prudente quase cai desmiado)<br />
um dardo<br />
batendo logo caído<br />
no peito da nação<br />
no coração do poder constituído.<br />
PRUDENTE DE MORAES<br />
(tentando se recompor aos poucos)<br />
Cel. Moreira Cezar, compareça imediatamente ao Rio de Janeiro,<br />
E apresente-se ao Presidente da República.<br />
(Luz, a Banda produzem a Viagem, o teatro todo é o Barco; Moreira Cezar encantado olha a Ilha de Floriano e a<br />
Inhatu Mirim)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(aos seus homens)<br />
Prudente das Morais<br />
chama-me ao Rio de Janeiro<br />
nesse navio mercante,<br />
embarco com o meu batalhão inteiro<br />
(Olha para as Estruturas superiores e vê suas crianças cantando na partida do navio)<br />
MOREIRA E SEU BATALHÃO<br />
stamos em pleno mar…<br />
MINORIA PENSANTE<br />
Louco!<br />
Camisa de força pra você!<br />
(A Camisa de Força é hasteada como vela no meio de uma tempestade.)<br />
MOREIRA<br />
Desta camisa de força,<br />
Faço uma vela!<br />
UM MEMBRO DA MINORIA PENSANTE<br />
Não, é Camisa de Força mesmo.<br />
(Tempestade, faz-se um escuro momentâneo, as luzes se acendem novamente, Moreira sente coisa estranha… olha<br />
pra Cabine técnica/comando do Barco:)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
O que? Um desvio na rota?<br />
Está preso o senhor comandante.<br />
(imediatamente os soldados invadem a Cabine e ameaçam o iluminador de degola, não esperam novas ordens de<br />
Moreira)<br />
COMANDANTE DA LUZ<br />
Eu?! Eu sou só o Operador de Luz!<br />
(alguns soldados sobem até a cabine)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Suspeito de traição,<br />
quer prender a mim e aos soldados?<br />
A serviço de uma sedição.<br />
COMANDANTE DA LUZ<br />
Vosso ato é inexplicável,<br />
a desorganização psíquica<br />
de que é vítima, é responsável.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Não se atreva a julgar meus atos<br />
está preso agora por desacato!<br />
Soldado, permaneça com a espada desembainhada<br />
voltada para o pescoço desta cabeça desmiolada!<br />
SOLDADO<br />
E quem vai operar a luz?<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Faça-o seguir viagem<br />
na rota certa, sem espionagem.<br />
(Moreira dá sinal para a viagem continuar. A Viagem continua)<br />
Sou até capitão de navio, mando<br />
70
dono do batalhão que comando;<br />
Minha competência, conquista<br />
até o pessoal que ameaça<br />
ultrapassa, o número regulamentar de praças,<br />
(no som, música de encantamento pedófilo)<br />
dezenas de crianças a quem ensinarei,<br />
com meu amor, armas carregar<br />
em manifesta reinterpretação da lei.<br />
Venham meus amores,<br />
(olha para o público)<br />
estão a me julgar<br />
(Olha para Prudente; vai conquistá-lo com as crianças)<br />
pois cantem o hino que compuseram por me amar.<br />
CRIANÇA ADORADA<br />
LIDERANDO UM CORO DELAS UNIFORMIZADAS<br />
(Cantam para todos, para o público, mas principalmente para recomendar Moreira ao presidente da República como<br />
chefe da Terceira Expedição)<br />
Nosso Cezar, nosso amor<br />
Adorado imperador<br />
Criou o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />
Com lucidez e amor ao mundo infantil<br />
qualidades eminentes, francas, raras<br />
de chefe disciplinador, inteligente, caras<br />
contestando com bravura<br />
aos que chamam o seu gênio de loucura<br />
interpretando como maldita pedofilia<br />
a inclusão da infância na infantaria.<br />
Dai a Cezar o que é de Cezar<br />
Criança reza, reza,<br />
Só ele pode ser escolhido<br />
Pra nós vermos Canudos destruído.<br />
Nosso Cezar, nosso amor<br />
Adorado imperador<br />
Cria o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />
Com lucidez e amor ao mundo infantil!…<br />
(Moreira aplaude e faz o púbico aplaudir as crianças, entram Euclides e Antonio Conselheiro que tem no meio dos<br />
aplausos, um ataque epilético simultâneo. Entra Dra. Ana Nina Rodrigues com avental de Médica sobre o Traje do<br />
seculo 19 de Ana)<br />
DR. NINA RODRIGUES ANA DA CUNHA MÉDICA EPILÉTICA<br />
Três Temperamentos desiguais e bizarros<br />
de epilépticos provados.<br />
Doentes graves<br />
em placidez disfarçados,<br />
desvendando-se inteiramente em violentas comoções,<br />
em ataques, em físicas manifestações.<br />
A epilepsia alimenta-se de paixões.<br />
Há num crime, um achaque<br />
(Euclides levanta-se)<br />
num lance de heroísmo,<br />
o equivalente mecânico,<br />
de um ataque.<br />
(Moreira levanta-se)<br />
Contido o braço homicida,<br />
ou imobilizado o salva vida<br />
no arremesso bruto.<br />
doente pode surgir, ex-abrupto.<br />
(Conselheiro levanta-se)<br />
O crime surge como um derivativo à loucura.<br />
O doente sente a vida cada vez mais dura,<br />
e <strong>luta</strong> tenazmente pra se segurar.<br />
O doente vai caindo no estado crepuscular,<br />
condensa no cérebro a soma de todos os delírios<br />
prontos a desencadear-se em ações violentas e martírios<br />
que podem atirar no crime,<br />
ou,<br />
na glória, no sublime.<br />
A sociedade, nessa ocasião, que torça:<br />
pra dar-lhe<br />
a púrpura<br />
ou a camisa de força.<br />
EUCLIDES<br />
71
(recuperando-se, mencionando Conselheiro)<br />
Se um grande homem<br />
pode impor-se a um grande povo<br />
pela influência deslumbradora do gênio,<br />
os degenerados perigosos<br />
(mencionando Moreira)<br />
fascinam com igual vigor as multidões tacanhas,<br />
que os levam ao proscênio.<br />
CRIANÇA ADORADA<br />
A República agora está com São Jorge em união<br />
Pra derrotar o inimigo comum,<br />
(Olha para Conselheiro)<br />
o Dragão.<br />
Ele agora é nosso etherno ídolo!<br />
Vamos idolatrá-lo!<br />
Adorá-lo!<br />
CORO DA MINORIA PENSANTE<br />
(recuperando a Camisa de força)<br />
Oferecemos a Camisa de Força.<br />
MULTIDÃO CRIMINOSA<br />
Oferecemos a Púrpura.<br />
Que Canudos Arda!<br />
PRUDENTE DE MORAIS<br />
(Entra um tema de Eric Satie ou uma das sonatas de Villa-Lobos) Eu, Prudente de Morais<br />
Ano passado vi a estréia em Londres de Oscar Wilde<br />
The Importance to be Ernest,<br />
ao lado da Minha Senhora, Tia Augusta<br />
que peça justa!<br />
Pertcebí: chamar-me Prudente me responsabiliza,<br />
ainda mais como defensor de todas as Morais.<br />
Por isso tenho a honra de confiar<br />
a Coronel Antonio Moreira Cezar<br />
a primeira expedição nacional, regular<br />
contra Canudos.<br />
Só vos Coronelíssimo, poderá chefiar.<br />
(Os Jacobinos vestem, à força, a Camisa de Força em Conselheiro que encara Prudente. As crianças de Moreira<br />
Cezar recebem das mãos de Prudente enfeites para enfeitar e abençoar a espada; e elas mesmas ataviam, com as<br />
próprias mãos em delícia. Luzes e Música de Coroação e Glória como uma Hosanah Militar Celeste! O Manto de<br />
Púrpura desce sobre Moreira Cezar. Entra o Cavalo Branco que está também de Branco como Moreira que o monta<br />
levantando sua espada)<br />
CUNHA MATOS<br />
Habemos São Jorge!<br />
Ave Cezar!<br />
MAIORIA CRIMINOSA<br />
Ave!<br />
(A MÚSICA MONUMENTAL DA COROAÇÃO CONTINUA NAS TREVAS, durante a transformação do espaço a Tropa<br />
retira a escadaria de Prudente/Monte santo, até o TOQUE DE NAVIO. A luz vai entrando e<br />
trazendo o Porto do Rio. Tambores de Guerra. Estão diante do Barco ITAIPÚ escrito grande no lombo das estruturas.<br />
A tropa está pronta pra partida, como para a apresentação de um show de rock, luzes, desfile festivíssimo; A banda<br />
toca o funk do Cabo)<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
E cá estou eu de volta, ainda cabo, ainda cru<br />
Desfilando e penetrando no Navio Itaipu<br />
Diante daqueles que todo mundo preza<br />
Nosso Novo Cezar<br />
TROPA<br />
(ovacionando Moreira com o gesto Romano)<br />
Ave Cezar!<br />
(Moreira agradece a ovação cercado de suas crianças)<br />
CABO WANDERLEY<br />
3 de fevereiro de 1897<br />
partimos pra Bahia com nosso nacional escrete.<br />
TROPA?<br />
UH UH UH UH UH!<br />
72
CABO WANDERLEY<br />
(apresentando as Crianças armadas)<br />
O vosso vis a tergo Coronel,<br />
a Brigada Infantil!<br />
Herdeiros do nosso Brasil!<br />
CRIANÇAS<br />
Nosso Cezar, nosso amor<br />
Adorado imperador<br />
Cria o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />
Com lucidez e amor ao mundo infantil!<br />
(todos aplaudem as Crianças)<br />
CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />
Embarquem primeiras crianças!<br />
Inundando o mar de fé e Esperanças<br />
(vão subindo no navio)<br />
Apresentação:<br />
7º Batalhão de Infantaria e Comissão de Engenharia<br />
em todos seus atos<br />
sob direção do major Rafael Augusto da Cunha Matos;<br />
(entram no navio)<br />
Capitão Pedreira Franco, do 9º Esquadrão de Cavalaria<br />
no abalo,<br />
inaugura O Homem e o Cavalo!<br />
(O Capitão Cavalo, com sons de trote, relinchos, entra no Navio)<br />
E o 9°, de Infantaria,<br />
do coronel Pedro Nunes Tamarindo<br />
nossa reserva ecológica moral mais antiga, persistindo<br />
pra guerra indo,<br />
lindo, lindo!<br />
(sobe o Coronel com seu cachimbo e seu ar cético de ainda não<br />
aposentado, mal humorado, tipo José Lewgoy. Uma fã no cais do Porto avança para beijar-lhe)<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Não enche o saco!<br />
CABO WANDRLEY<br />
E também do 9º, pela 3ª vez indo à Guerra,<br />
com ele não tem zoeira,<br />
Ten. Pires Ferreira!<br />
(entra com um perna só no navio)<br />
Nosso corpo médico, chefiado pelo Dr. Ferreira Nina<br />
com a mala cheia de morfina!<br />
(entra Freak, Junkie, no navio)<br />
do 2.° Regimento de Artilharia,<br />
Vai presentear Canudos com suas bolas negras de Bocha<br />
comandada pelo Capitão José Salomão Agostinho da Rocha<br />
(Sobe Salomão. No cais, o navio apita e a corneta toca anunciando a partida; zarpam; o exército embarcado, as<br />
pessoas muito bem vestidas da corte republicana carioca, dão adeus cantando o Hino das Crianças para Moreira; na<br />
sonoplastia o mar completa a viagem para a Bahia. O navio apita anunciando a chegada em Salvador; a banda toca<br />
a introdução da Baixa do Sapateiro; Uma taboleta da galeria se abre, escrito BAHIA. No cais as mesmas pessoas,<br />
vestidas quase da mesma maneira do Rio, agora com turbantes esperam. Estão todos preparados pra discursar. O<br />
Prefeito, um tocador de Acordeons Famoso, começa a cantar o Hino da Bahia, acompanhado de seu coro)<br />
PREFEITO E POPULAçÃO DE SALVADOR<br />
Coronel Moreira Cezar,<br />
a Bahia vos quer muito bem.<br />
Que o brilho da luz…<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
(surgindo no Convés, lado Norte no Alto, interrompendo as homenagens)<br />
Não temos tempo pra enrolação<br />
nem recepção.<br />
Ordeno:<br />
autoridades civis<br />
militares<br />
eclesiásticas<br />
entusiásticas damas<br />
da sociedade de acarajé, baianas,<br />
estamos em guerra com o Sertão, ponham-se em ação!<br />
73
Depois desta viagem demorada,<br />
descarreguem o barco com a tropa que chega atrasada.<br />
Queremos chegar ainda hoje em Queimadas.<br />
Ajuda patriótica obrigatória<br />
Não há escapatória.<br />
(A Multidão se entreolha sem saber o que fazer)<br />
Sociedade oligárquica baiana<br />
não entende português,<br />
ou quer entrar toda em cana de vez?<br />
(O Exército avança e obriga as senhoras, os senhores vestidos com rigor do século 19, a receber carga pesada que<br />
vem do alto, do andar superior do navio. Os bahianos são colocados à força, de prontidão, no terminal de cargas<br />
e então começam a descer as coisas. A banda toca o Hino da Bahia em axé até que o percussionista fica tomado<br />
e toca um violentíssimo chamado pra presença da Viúva Negra. A banda pára, todos param com a fúria que traz a<br />
personagem.)<br />
VIUVA NEGRA<br />
(com sotaque bahiano carregado, seu corpo treme todo e irradia<br />
terremotos, na terra como no céu.)<br />
Xangô<br />
Por Justiça e Adoração<br />
desacorrenta Exu Senhor da minha ação<br />
que ninguém esqueça<br />
esse é um cortador de cabeças,<br />
(Moreira Cezar finge que não a vê, ela vai até ele e o obriga, à distância, a encará-la; os guardas nem se aproximam,<br />
tal é a energia da Fúria que obedecem)<br />
não desvia de mim teu olhar do meu mal olhado<br />
farrapo de honra, suíno, massacrador, detestado,<br />
aborto de nascença selado,<br />
produto maldito dos rins do teu pai,<br />
difamador do ventre da tua mãe,<br />
sapo peçonhento de perna torta,<br />
pelas cabeças que tua espada corta,<br />
teu pescoço de frango Cezar do Sangue,<br />
com teus miúdos vão virar bumerangue.<br />
(mudando a ação, falando como uma mãe da Plaza Rosada)<br />
Tu me deves todos maridos<br />
Todos os filhos,<br />
todos os desaparecidos<br />
Infame assassino<br />
Naquela noite de Inhatumirim meus cabelos viraram cal<br />
(tira o véus da cabeça detalhadamente e exibe um cabeleira branca de Kabuki)<br />
Naquela noite cento e oitenta e cinco Mandrágoras<br />
da porra dos teus assassinados nasceram pra te fazer mal.<br />
(com força, velocidade, tremor)<br />
Maldições aqui da Bahia de Todos os Santos<br />
atravessem o fundo da Terra,<br />
dos mares, dos ares<br />
vão pra todos os cantos<br />
cheguem às nuvens,<br />
toquem os céus.<br />
Te ofereço coisa Podre,<br />
teus troféus!<br />
Nesta guerra imunda<br />
agora, sucumbas<br />
levando contigo tuas criancinhas malditas pras tumbas…<br />
Que o verme da consciência roa sempre tua cínica calma<br />
Que teus amigos te traiam até o ânus da tua alma<br />
Que jamais o sono feche teus olhos fatais<br />
a não ser pros pesadelos do inferno que criais<br />
Viveis cada um de vós escravos do ódio desse pigmeu<br />
ele do vosso e todos vós do ódio de Deus.<br />
(Os guardas levam a mulher, para fora do Teatro, com a porta semi<br />
aberta, enquanto Salomão da Rocha e Coronel Tamarindo, seguram<br />
Moreira Cezar; fuzilam a viúva)<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Começamos bem, meu último passeio militar na Bahia.<br />
(Trevas, Tambores fortes pra Exu fundindo ao apito e barulho das<br />
locomotivas e telégrafos de Queimadas)<br />
QUEIMADAS<br />
(o telégrafo vai anotando e transmitindo as novas para o país; os<br />
soldados saem mal do trem, exaustos do ritmo e do stress da Expedição)<br />
74
MOREIRA CEZAR<br />
Dia 3 saímos do Rio de Janeiro<br />
cinco dias depois,<br />
aqui está a expedição reunida inteira.<br />
Em vez das maldições,<br />
temos um milagre: rapidez nas mobilizações.<br />
GUIA JESUÍNO<br />
(chega latindo e assustando a criança adorada; Cezar não gosta)<br />
Jesuíno, guia-capitão.<br />
Sou o faro também desta expedição.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Prossigamos<br />
A Rapidez do Telégrafo, das balas, inspira<br />
Somos homens dum tempo que pra frente atira.<br />
CRIANÇAS<br />
(Da posição de sentido cochilando, começam a cair sob o peso das<br />
mochilas)<br />
Que vergonha coronel, nós crianças caídas pelas filas!<br />
Não suportamos mais o peso das mochilas!<br />
CRIANÇA ADORADA<br />
(tema musical da criança adorada)<br />
A mim a mochila é uma asa<br />
maior é o peso<br />
mais parece ela vaza…<br />
É a mesma coisa para vocês vanguarda<br />
E pra vocês também, anjos da guarda.<br />
TRIO DE ANJOS DA GUARDA<br />
Seguimos convosco a protegê-lo da maldição da bastarda.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Meus anjos adorados<br />
sou criança também, anjos caem, outros seguem alados<br />
Vós caídos, vós cansados aqui ficam com a missão<br />
de fazer de Queimadas nossa <strong>1ª</strong> Base de Operação.<br />
Vos passo este comando Tenente Platão.<br />
Descansem por nós crianças,<br />
Sigamos juntos voando na vanguarda<br />
Trio de Anjos da Guarda.<br />
Em marche marche pra Monte Santo!<br />
(tomam o caminho em marche-marche; mal se voltam, as luzes saem de Queimadas com os que ficam despedindose<br />
e Cezar pára de repente)<br />
TRIO DE ANJOS<br />
Quirinquinquá!<br />
O que é que há?<br />
Pelo Deus de Israel<br />
que vês Coronel?<br />
(entra a Aleluia de Villa-Lobos; entra imponente o Monte Santo no vídeo; Coronel olha fixamente e começa a ter<br />
convulsões até o ataque epilético, o médico e o Cabo Wanderley, entendido, acorrem para socorrê-lo)<br />
MÉDICO<br />
(para os Oficiais superiores, Tamarindo, Salomão da Rocha, Capitão Pedreira Franco, e, como sempre de<br />
intrometido, o Cabo Wanderley)<br />
Por favor Ordenança, “Cabo” Wanderley<br />
Nunca serás promovido, pensas que és rei?<br />
CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />
Nada que é humano<br />
me é estranho<br />
mas me afasto a vosso pedido<br />
não ajo assim pra ser promovido.<br />
(afasta-se)<br />
MÉDICO<br />
Meus senhores, nos obriga o dever da profissão<br />
Coronel Moreira Cezar está sem condição<br />
por mim, médica por ele próprio comandado,<br />
por meu diagnóstico está condenado.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(sai a música de Monte Santo: Moreira desperta)<br />
75
Que fazem vocês aqui parados?<br />
Em frente, em marche-marche para seus comandados.<br />
MÉDICA<br />
O senhor teve um desmaio grave,<br />
como as crianças caiu de cansado.<br />
Não pode continuar no comando<br />
deve descansar, recuperar-se voltando.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(tirando o revólver)<br />
O senhore está presos. Desacato à autoridade.<br />
(para dois soldados)<br />
Encaminhe-o pra Queimadas.<br />
(os soldados não obedecem; para os soldados e oficiais comandantes perplexos)<br />
E vocês o que estão esperando?<br />
Estou é falando a vocês, moscas mortas, fico alérgico.<br />
(os soldados saem para prender a médica)<br />
Será que preciso chamar um delegado policial enérgico?<br />
Engenheiros militares,<br />
Vocês têm uma semana para reconhecer a paragem<br />
E quero fazer saber que a vocês escolho<br />
É por que não quero bases medidas a olho,<br />
Nem aos habitantes inquirições<br />
Nem erros de cinco graus como primor de medição.<br />
Urgente surdos-mudos,<br />
mil e tantas baionetas dentro de Canudos.<br />
(a tropa sai em marche-marche; passa uma semana, a tropa está<br />
cansada; os engenheiros fazem uma meia volta e recebem da contraregragem<br />
seu levantamento numa caderneta de campo)<br />
ENGENHEIROS MILITARES<br />
Comandante o levantamento feito aqui está para ser examinado.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(dá uma olhada de ponta cabeça, a tropa tenta conter o riso)<br />
É sem maior exame, aprovado.<br />
Vejo aqui escolhida a nova estrada.<br />
Contornando o Cambaio, pelo levante,<br />
É mais longa, mas mais vantajosa<br />
Evita a zona montanhosa.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Não é prudente<br />
Estabelecer linha de operações?<br />
Dois ou três pontos defensáveis,<br />
garantidos de guarnições?<br />
Que possam apoiar a resistência,<br />
no caso de um recuo, uma desistência?<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Não se cogita a mais passageira hipótese de um revés.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Temos quarenta quilômetros de areal<br />
A seca atinge o ponto maximal<br />
Água, muita água<br />
os combatentes precisam ir carregando<br />
as legiões romanas, Cezar, venciam os deserto se hidratando.<br />
ENGENHEIROS<br />
Levamos uma bomba artesiana.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Mas conhecem as camadas profundas desta terra?<br />
(entra o tema da água das Zabaneiras)<br />
ENGENHEIROS<br />
Ignoramos até a superfície onde nosso batalhão erra.<br />
CABO WANDERLEY<br />
Mas há entre as Zabaneiras<br />
rabdomantes marcadeiras<br />
com varinhas danadas<br />
sentem o ponto exato das camadas aguadas.<br />
76
MOREIRA CEZAR<br />
Marchar!<br />
SOLDADOS<br />
(a tropa sai em marche-marche e chega no deserto; contra-regras jogam areia pelos caminhos e nela soldados<br />
marcham sem sair do lugar)<br />
Marchemos para o desconhecido,<br />
veredas desfreqüentadas, nosso chefe enfrenta decidido<br />
subamos sem cantil<br />
varando do Itapicuru ao Vaza?Barril,<br />
É o divorcio das águas divortium aquarum,<br />
desmedido areal…<br />
Regato? Nenhum.<br />
(Música Eletrônica do deserto)<br />
Jornada longa, é certo<br />
150 quilômetros ilhados no deserto.<br />
(TAMBORES MILITARES; OS SOLDADOS COLOCAM-SE DO LADO OESTE<br />
PELA PISTA TODA; ENTRAM OS SERTANEJOS DO OUTRO LADO,<br />
TRAZENDO ROUPAS. DE REPENTE UMA VIRADA DE BATERIA E A MÚSICA<br />
SALTA DA DO EXÉRCITO PARA A INTRODUÇÃO DA MÚSICA DO<br />
ROMANCEIRO CANTADOR…)<br />
TOQUE DE CHAMADA<br />
(…E COMEÇA A TROCA DAS FARDAS PELOS<br />
TRAJES DE SERTÃO, COMO SE ABANDONASSEM O EXÉRCITO PELO<br />
SERTÃO. OS SERTAJEJOS AJUDAM A SE LIVRAR DAS FARDAS E VESTIR A<br />
ROUPA SERTANEJA, GUARDAM AS FARDAS EM SUAS MOCHILAS<br />
ENQUANTO OS CAVALOS-CONTRA-REGRAS, QUE DEVEM TER<br />
FERRADURAS NAS ROUPAS, RECOLHEM TUDO E LEVAM PARA O CAMARIM<br />
DO SUL.)<br />
ROMANCEIRO CANTADOR<br />
Em três semanas,<br />
CORO<br />
IÁ!<br />
ROMANCEIRO CANTADOR<br />
esquenta<br />
E o arraial,<br />
CORO<br />
IÁ!<br />
ROMANCEIRO CANTADOR<br />
aumenta<br />
De modo extraordinário,<br />
triunfando de repente<br />
ajuntando tanta gente<br />
contra os expedicionário.<br />
Aqui o povo não mente,<br />
mais deixa tudo mais quente<br />
as quantidades aumenta<br />
romanceia, argumenta<br />
cada episódio novela<br />
remendando<br />
vira lenda<br />
na emenda destrambela<br />
virando uma refazenda<br />
destrói a vacilação<br />
dos crentes desse sertão<br />
dos que temiam o mistério<br />
do primeiro falanstério<br />
do mundo desse sertão.<br />
CORO<br />
destrói a vacilação<br />
dos crentes desse sertão<br />
dos que temiam o mistério<br />
do primeiro falanstério<br />
do mundo desse sertão.<br />
Do Mundo Sertão!<br />
77
TIMOTINHO SINEIRO<br />
(badala o sino respondendo ao mundo chamando)<br />
CORO DE SERTANEJOS<br />
Venham <strong>luta</strong>dores, aventureiros<br />
Correndo o sertão inteiro<br />
dos Estados nordeste, do seu quintal<br />
surge a capital de um novo estado internacional<br />
CORIFÉIA<br />
Coração do mundo,<br />
CORO DE SERTANEJOS<br />
barriga da fome do capital!<br />
Jagunços do S. Francisco!<br />
Lavradores do MST!<br />
Cangaceiros do Cariris!<br />
Canhemboras<br />
Quilombolas do PCC!<br />
Ruski, Chechenos<br />
Calangos!<br />
Balaios! Armênios<br />
Israelitas<br />
Palestinos<br />
Vietnamistas<br />
Latinos Artistas<br />
Cabanos! Muçulmanos<br />
Cubanos Americanos<br />
Africanos<br />
Haitianos<br />
das entranhas religiosas de renegados<br />
no instinto da nova desordem irmanados.<br />
(Surge amanhecendo, camadas de gente vindas de todos os lados: os<br />
doentes; toda sorte de gente e o <strong>luta</strong>dor solitário)<br />
CORO DOS QUE ESTÃO CHEGANDO<br />
CORO DOS PEREGRINOS<br />
(suave, quase Wagneriano)<br />
Pelo alto das colinas,<br />
multidões peregrinas<br />
paragem lendária<br />
pra revolução agrária.<br />
Em redes, carregados, maltrapilhos, estropiados,<br />
ansiando risonhos<br />
pelos últimos sonhos.<br />
Moribundos<br />
nesse encontro de mundos.<br />
Lazarentos, aos milagres atentos<br />
Terroristas<br />
capitalistas<br />
cura imediata,<br />
(chega um executivo deprimido, engravatado, um terrorista desabotoa seu colarinho)<br />
no desfazer do nó da gravata<br />
CAPITALISTA<br />
Não sofro mais, do capital a dor<br />
Como todos, sou um poder criador<br />
CORO MASCULINO<br />
Vaqueiro crédulo frevoroso<br />
Irmanado a mangalaça do tinhoso<br />
MULHERES<br />
ingênuas mães de família amasiadas<br />
CORO<br />
à zabaneiras putadas sagradas.<br />
(Toque de gaita)<br />
SHANE O LUTADOR<br />
No coice dessa procissão<br />
estranho, sigo minha solidão<br />
samurai solteiro<br />
capanga à disposição<br />
78
procuro um teatro maior<br />
à minha índole pior<br />
(João Abade Abóia)<br />
impulsiva<br />
vadia<br />
valentia<br />
de <strong>luta</strong>dor<br />
que <strong>luta</strong><br />
pela <strong>luta</strong>.<br />
(entra Xaxado)<br />
JOÃO ABADE<br />
Comandante da rua.<br />
Recebo lua a lua<br />
recém-vindos,<br />
bem vindos<br />
não indago a procedência,<br />
nem se são gente de decência.<br />
São antigos conhecidos<br />
novos desconhecidos.<br />
Debaixo do cangaço:<br />
não rechaço<br />
(para o público)<br />
capanga de balas lotada?<br />
Polvarinho cheio à testada?<br />
Garrucha de dois canos à cinta atravessada?<br />
A parnaíba de corte fino?<br />
E o clavinote de boca-de-sino?<br />
(convida o público a entrar na Pista)<br />
Entrem pelo largo,<br />
Sem encargo<br />
Sou parelha na turbulência,<br />
tenho a mesma vossa ascendência<br />
argúcia rara, laivos de superioridade mental,<br />
vindas do estudo num liceu da capital do capital<br />
(breque)<br />
vivi o Inferno de Wall Street<br />
até o limite<br />
(o coro diz o nome de todas as moedas do mundo)<br />
Fugi no primeiro crime que pratiquei;<br />
alucinado numa jogada em que me endividei,<br />
minha noiva amada assassinei.<br />
(corre pra noiva e enterra a peixeira entre as pernas dela, enquanto a abraça)<br />
Agora num raio de cinco léguas,<br />
disciplino e domino sem tréguas<br />
trabalho aqui não sobra<br />
de Madrugada distribuímos a mão de obra<br />
braços pra trabalho<br />
e muitos abraços<br />
(abraça a noiva que agora é MATA HARI; esta dirige-se ao centro, cercada por sertanejos e ordena para o público e<br />
para alguns sertanejos)<br />
MANDRAGORA ZABANEIRA MATA HARI DO SERTÃO<br />
Piquetes vigilantes nesse zum zum zum<br />
vinte homens cada um,<br />
você, cabecilha de confiança,<br />
de Cocorobó a Ramalah, avança;<br />
(para alguém do público)<br />
pra Baixada ao alto da Favela de Gaza vocês,<br />
já se organizando<br />
render os que atravessaram a noite,<br />
velando.<br />
(para um grupo que gosta de Jardinagem e agricultura)<br />
Vocês ontem pagaram um a um<br />
o tributo do serviço comum;<br />
podem ir pras plantações.<br />
(para os construtores de catedrais)<br />
vocês para as obras da igreja<br />
pra volúpia das curvas impossíveis pra que veja.<br />
CABRA POMBEIRA<br />
Pombeiros em missões<br />
de discretos espiões<br />
(aponta zonas do público mais desligadas)<br />
indaguem delicados sobre os novos invasores,<br />
lembrem, autoridades nos espiam horrores<br />
79
contrabandeiem armamentos,<br />
sem tormentos,<br />
tudo espiando,<br />
tudo perguntado<br />
cautelosamente.<br />
JOÃO ABADE<br />
Pra ação<br />
(GRUPOS RUIDOSOS INDO AO TRABALHO, uns com picaretas furam os muros da Igreja Nova, outros espionam<br />
no meio do público cantando; outro grupo de foice e enxada prepara a terra e o Jardim; outros vão construir<br />
trincheiras. Todos tem que ter um trabalho específico que fazem ao som do Reggae)<br />
CANTO DO DESEJO DA PAZ<br />
COROS DOS TRABALHADORES TESUDOS<br />
Vão nos deixar em paz<br />
só queremos criar<br />
trepar<br />
e muito mais…<br />
Vão nos deixar em paz<br />
só queremos criar<br />
trepar<br />
e muito mais…<br />
E partimos bem trepados, felizes…<br />
caminhos entrelaçados, raízes…<br />
pequenos grupos ruidosos, ruidosos, ruidosos<br />
carregamos armas,<br />
carnosos,<br />
ferramentas de trabalho<br />
batucamos, batucamos, batucamos<br />
phoderosos<br />
massacres passados,<br />
esquecidos<br />
nos corpos eróticos<br />
acordem novos vagidos<br />
Vão nos deixar em paz<br />
só queremos criar<br />
trepar<br />
e muito mais…<br />
Vão nos deixar em paz<br />
só queremos criar<br />
trepar<br />
e muito mais…<br />
vão… na cidade e no sertão<br />
vão… na cidade e no sertão<br />
na cidade e no sertão<br />
CONSELHO DOS DOZE<br />
CORIFÉIA DIABA<br />
Pra que se deixar iludir,<br />
Pra que?<br />
Nesse ir e vir<br />
de ofícios,<br />
bons vícios…<br />
CORIFÉIA E CORO DA GUARDA CATÓLICA<br />
(chamado de retorno; nós todos os desligados, nos reagrupamos)<br />
Raízes<br />
disciplinem-se<br />
congreguem-se<br />
arregimentem-se<br />
prum objetivo único presente:<br />
reagir à invasão iminente.<br />
PAJEÚ<br />
A terra de alto a baixo e no meio<br />
é um modelo em cheio<br />
serrote empinado é redutos,<br />
rio escavado até o osso<br />
vira fosso<br />
80
Caatinga trançada<br />
É natural barricada<br />
CONSELHO DOS DOZE<br />
Sobre as terras altas<br />
(olham as estruturas do Oficina, onde apanham as enxadas e picaretas)<br />
nas passarelas bem acima em ribaltas<br />
rolando,<br />
carregando,<br />
pedras amontoando<br />
bocas no chão,<br />
no desvão ,<br />
a enxada é opereta<br />
da terra vem o aço<br />
ocupando todo o espaço<br />
ópera de picareta<br />
HOMENS MEXENDO NA TERRA<br />
ORQUESTRA DO ARSENAL ATIIVO<br />
OS TRINCHEIRAS<br />
(Em plano subterrâneo, estão trincheirando.)<br />
Cavidade<br />
o atirador vai se ocultar e dançar à vontade…<br />
Bordar de pedritas<br />
estragos dos sauditas<br />
rica pedraria<br />
pro cano da pontaria<br />
Tocas progredindo,<br />
regularmente intervaladas indo,<br />
para todos os rumos… rumos… rumos…<br />
crivadas na terra de bocas de fumo… fumo… fumo…<br />
no alto no baixo e no meio<br />
Canudos em rodeio, rodeando rodeio<br />
Anfiteatro de canhoneiras incontáveis<br />
público oculto, atiradores notáveis.<br />
G R Ã C I R C O C A N U D O S<br />
MUTÃZEIROS<br />
(Espaço aéreo; valsa do trapézio ou das evoluções que Zé Paiva, Largatixa e Daniel fazem, trapézios e cordas de<br />
circo)<br />
Arbustos mais altos, frondosos,<br />
galhos interiores, trançamos caprichosos<br />
sem desfazer a fronde,<br />
lugar de esconde esconde<br />
dois metros do chão,<br />
pequeno jirau suspenso, ascenso<br />
atiradores invisíveis nas folhagens<br />
engenharia avoenga vem no nosso gens<br />
Mutã indígena tocaia o jaguar<br />
palanque pra disparar!<br />
OS PIROS<br />
(pólvora e enxofre no chão)<br />
Temos carvão, oh<br />
temos o salitre<br />
arrancado à flor da<br />
terra mais pro norte<br />
e temos também cá,<br />
junto ao São Francisco<br />
sem dificuldades<br />
o enxofre no cisco.<br />
É só misturar na<br />
dosagem exata,<br />
Pilar, e o explosivo<br />
Surge aqui na lata.<br />
(fazem a mistura explosiva: Buuum)<br />
Descobrimos a pólvora!<br />
HOMEM CLAVINOTE<br />
(com um macacão e uma boca de palhaço onde pode entrar tudo)<br />
A minha goela de boca larga<br />
de bacamartes aceita a carga:<br />
seixos rolados,<br />
pregos enferrujados<br />
pontas de chifres mal amados<br />
81
cacos de garrafas de cachaça<br />
esquírolas de Pedras, caca, na raça<br />
(O homem bala devolve tudo atirando. Percussão de preparação no couro, que antecede o heavy metal)<br />
RITO DA INVENÇÃO DA BIGORNA<br />
(Ritual de escolha de um homem a ser sacrificado como Touro; ele é no chão colocado à força; o Bode aceita sua<br />
remoldação no corpo sem orgãos; as mulheres o beijam uma a uma, e ele se coroa com os cornos; sua cabeça<br />
bicorneada é esmagada, o sangue molha a terra do rito para construir a enorme bigorna rude: a mina é aberta no<br />
ventre da terra; o Malheiro espalha o sangue nas bocetas das mulheres da Pista. O ferro é arrancado batendo o<br />
Malheiro na terra, com o malho de pedra que esmagou o touro; fole fogo e o espaço físico que é o ferro vodu do<br />
Oficina, do nosso corpo, vai sendo desenterrado e depois malhado pra virar a cabeça do Deus Touro, que em uma<br />
Bigorna imensa é virado; Coro das Bigornas de Wagner; O CORO URRA DE FELICIDADE DA DESCOBERTA, os<br />
atores sintonizados, sentindo, dançam esse palco bigorna forjado:<br />
o corpo do ator reinventando-se é levado à bigorna pelo coro masculino: o Malheiro Molda com uma Malhada<br />
todos os seus chacras; colocam primeiro no palco da bigorna, sua cabeça com seus chacras-moleira, terceiro olho,<br />
nuca, garganta - moldados com o Malho; o Coro então o coloca com o Peito-Coração; depois com os Intestinos, a<br />
Barriga; a seguir o Baixo Ventre; por fim o ânus. Com todos os Chacras é malhados, o Bode Ator Canta e Renasce,<br />
jogando-se na Boceta da Primeira Sacerdotiza que encontra; então o Corro URRA O NASCIMENTO DO PRIMEIRO<br />
BIGORNEADO que SALTA ERGUENDO OS BRAÇOS PARA O ALTO E DISPARA NUMA CORRIDA PARA O CORPO<br />
SEM ORGÃOS, ao som dos “Anéís dos Niebelungos” de Wagner. A percussão a partir das facas enormes de uma<br />
Cega, dá o ritmo renovado nas batidas do malho na bigorna, entrando na Ferraria de Canudos)<br />
MALHEIRO<br />
(dá grito primal do heavymetal)<br />
UAUAUAUAAAAOOOOOO<br />
CORO DOS FERREIROS<br />
(responde malhando as estruturas de todo o espaço)<br />
O Arraial estruge<br />
nas forjas,<br />
a estridente orquestra<br />
das bigornas,<br />
à cadência dos malhos e marrões:<br />
maleando foices, enrijações,<br />
aguçando, aceirando ferrões sem corte;<br />
temperando lâminas de arrasto de morte,<br />
afiadas e compridas como espadas;<br />
retesando arcos nas malhadas,<br />
consertando a perra fecharia da espingarda<br />
vadia.<br />
(à capela)<br />
E nossos corpos no desembaço,<br />
tomados tomando todo espaço<br />
ares abrasantes<br />
Irrompendo ressoares metálicos histéricos<br />
irritantes<br />
(retomada com a banda)<br />
do arsenal ativo<br />
no heavy metal dos vivo<br />
Oficina Ozonando a Guerra Zona<br />
Uzynando a puta paz da Uzona<br />
(entra a Cabra, silêncio)<br />
CABRA POMBEIRA<br />
70 oficiais reluzentes<br />
1211 soldados fosco-pardecentes<br />
com 220 tiros nas patronas<br />
bolsonas<br />
mais 60 nos cargueiros<br />
300 000 tiros incerteiros<br />
4 canhões krupp<br />
2 metralhadoras cheias de truque<br />
e um comandante celebridade<br />
herói de quatorze batalhas efemeridade<br />
cortou mais de 180 cabeças nas terras grandes<br />
CORO<br />
é o cão<br />
CABRA POMBEIRA<br />
mostra até a glande<br />
Chamam de Cristo<br />
do Anti-Cristo<br />
SÍNCOPE<br />
(Imobilidade, atividade febril dos jagunços imobiliza-se na síncope de espanto)<br />
82
MANDRÀGORA CARMEM MARIA PADILHA<br />
É o Corta-cabeça…<br />
(A Cabra tem uma incorporação ataque epilético e recebe o santo demônio do Comandante)<br />
CABRA INCORPORADA<br />
Corto cabeça<br />
De quem mereça!<br />
Por onde passo<br />
O rei desfaço.<br />
(deita-se no chão como se desse o rabinho)<br />
O anticristo tem novo comandante<br />
O comandante é de menino amante<br />
Cavalgando pelo sertão<br />
Venho da terra grande<br />
E agora beijo a boca da escuridão<br />
HOMEM BALA DESERTOR<br />
(para o público)<br />
Eu vim por que diziam: aqui é o desbunde<br />
vale qualquer coisa, a cabeça funde<br />
só não rola grana<br />
conflitos, sexo bacana<br />
disciplina anárquica<br />
Báquica<br />
As fileiras devem ficar mais fortes agora, eu sei<br />
Mas eu vou desertar meu rei<br />
Foram tempos maravilhosos<br />
aprendi e passei momentos gloriosos<br />
Não levo nenhuma mágoa, coroa<br />
Mas é muito navio pra minha lagoa<br />
(em surto histérico)<br />
dias de tortura virão<br />
em todos os lugares devastação<br />
Canudos à bala a fogo, e a espada<br />
desmoronada<br />
Os piquetes dos arredores retornados<br />
chegarão de nós desfalcados,<br />
sinistros companheiros, é minha hora<br />
Desculpem, mas dessa estou for a.<br />
(mata Hari sai correndo atrás dele coma cabeça do Touro)<br />
BARNABÉ<br />
Cessa,<br />
de chofre,<br />
a vinda de peregrinos,<br />
cantando hinos.<br />
Os piquetes não passam contentes<br />
entoando rap e repentes.<br />
Pela moita,<br />
o pessoal do piquete pernoita<br />
vigilante…<br />
(os que farão soldados na próxima cena vão se retirando, como se fossem para seus trabalhos fora do arraial)<br />
NORBERTO CARIRI<br />
Há muito clima, tudo pesa<br />
Mas ao contrário que esse mito reza<br />
A expedição Corta Cabeça Moreira Cezar<br />
Um único objetivo empresa<br />
Dar de graça armamento moderno<br />
Municiar o nosso inferno!<br />
Sinto essa energia desse desvairado<br />
Vindo aqui pra fortalecer nosso lado.<br />
(O arraial está preparado para a <strong>luta</strong>; as Mandrágoras <strong>luta</strong>m com as forças da fetiçaria)<br />
MANDRÀGORAS<br />
Vem a noite<br />
Nós a legião da beataria corajosa,<br />
nesta situação perigosa<br />
vamos encantar os combatentes<br />
acendamos fogos ardentes<br />
prolongando além do tempo consagrado,<br />
Ritos, rezas, em todo espaço contagiado<br />
Ramas aromáticas de caçatinga<br />
Vindas de dentro do Santuário da caatinga<br />
(entra Conselheiro)<br />
83
ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />
Irmãs, Irmãos-amantes amados<br />
Esse movimento de temor e deserção<br />
É movimento de seleção.<br />
Livra o arraial dos que tem que ser arrastados<br />
não sabem de si, quem são, são levados.<br />
A grande maioria dos verdadeiros desejantes<br />
permanecem como antes…<br />
O fluido que vem desse Corta Cabeça<br />
Está em nós, em quem mereça<br />
Pode ficar de pé ou de ponta cabeça<br />
Nada do humano ou transhumano<br />
Desconheçamos<br />
nem o sano nem o insano.<br />
Noite desce no mundo ao meios<br />
Enquanto o dia noutra metade se abre em cheio<br />
Repouse o arraial.<br />
Repousem as armas.<br />
Vamos esquecer alarmas<br />
Vamos sair em procisssão pelas terras<br />
Como nas secas, na seca das guerras,<br />
numa fuga bacante silente em longa meditação<br />
pelos descampados do nunca conhecido sertão.<br />
Voltemos, revemos como pela primeira vez outra ,nossa cidade,<br />
fé, defesa, armas, com a energia da tranqüilidade.<br />
(saem em uma caminhada em silêncio até em frente ao Teatro. Os Sertões descansam iluminados pela noite de<br />
pouca lua, entregues a si mesmos…)<br />
PARTIDA DE MONTE SANTO<br />
(Alvorada Militar. Os soldados, em Monte Santo, vão saindo das ruelas da cidade)<br />
CABO ORENANÇA WANDERLEY<br />
Corneteiro! Toque o meu toque bem ligeiro!<br />
(lendo a Ordem do dia, desenrolando um papiro.)<br />
Ordem do dia<br />
As tropas vão partir, amanhã, a 22 de fevereiro.<br />
TROPA<br />
Legal!<br />
CABO ORENANÇA WANDERLEY<br />
Hoje, véspera da partida, atenção<br />
um ensaio de formação<br />
na ordem de marcha,<br />
um esquentamento<br />
para avaliar-se homens, armas, equipamento.<br />
Coronel Moreira Cezar dará depois da revista o Comando<br />
”ensarilhar armas e debandar”<br />
(todos brincam de debanda, saem em desordem)<br />
Não me respeitam? Vou incorporar.<br />
(imitando Moreira Cezar, entortando as pernas etc…)<br />
Cavalgadura! Batráquio! Moscas mortas!<br />
A gente tem que ser Homem!<br />
Amanhã será dado “colunas marchar”<br />
(as crianças repreendem o Cabo; para as crianças)<br />
Meus Adorados!<br />
Sou criança também…<br />
(Moreira Cezar aparece, pega o Cabo imitando-o, este fica mais que sem graça, apavorado)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(aplaudindo)<br />
Muito bem, Cabo, sabe macaquear<br />
Mas chegou o diretor, vamos ensaiar.<br />
Sentido.<br />
(A Zabaneira catimbópzeira faz um trabalho de vodu com o boneco de pano de Moreira; ervas, pólvora, nos<br />
subterrâneos do Teatro, cheio de fumaça; ela ”comanda” Moreira Cezar, o faz mudar de idéia)<br />
COLUNA EM MARCHA!<br />
(Silêncio pesado. Todos aguardam a voz de ”ensarilhar armas” e debandar.)<br />
CABO WANDERLEY<br />
84
Não Coronel, essa ordem é de amanhã.<br />
A de hoje é ensarilhar armas e debandar!<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
(dando um berro nos ouvidos do Cabo Wanderley e do Corneteiro)<br />
COLUNA EM MARCHA!<br />
(O Corneteiro dá toque de “coluna em marcha, então o Coronel Moreira Cezar a galope toma a frente de todos e<br />
vai em frente. Silêncio constrangedor. Mas não há o mais leve murmúrio nas fileiras. Só a ação interior da surpresa<br />
mostrada em todos os olhares, se entreolhando sem entender nada. Ficam todos parados. Retumbam os tambores<br />
na vanguarda; vão se deslocando sucessivamente as seções, desfilando, adiante, a dois de fundo, ao penetrarem<br />
o caminho estreito; começa a abalar-se o trem da artilharia; e finalmente rodam comboios… desaparece ao longe,<br />
na última curva da estrada, a Terceira expedição contra Canudos. A catimbópzeira faz outra explosão silenciosa<br />
de pólvora seguida de sua gargalhada e o Coronel tem outro ataque epilético no meio da estrada de Cumbe, na<br />
escadaria nordeste.)<br />
DRª. MAUDSLEY<br />
(acode-o)<br />
É… vamos recolhê-lo na fazenda da Baronesa de Jeremoabo Andrômeda Magalhães da aristocracia Baiana.<br />
São gente muito fina<br />
e receptiva,<br />
ela é minha prima.<br />
(Wanderley e outro soldado , já levam o Cabo para Baixo)<br />
MARJOR CUNHA MATOS<br />
Mas ele odeia o que chama de oligarquias da Bahia<br />
Maior ódio que dos jagunços de Canudos, que defendem a monarquia!<br />
São os monarquistas que ele considera responsáveis<br />
por esta guerra demente.<br />
Drª. MAUDSLEY<br />
Ele nem sabe de si, está inconsciente<br />
TAMARINDO<br />
Fica aquartelada algumas horas,<br />
toda a força,<br />
até o Coronel restabelecer-se.<br />
Que todo mundo torça<br />
MARJOR CUNHA MATOS<br />
Não, segue uma vanguarda<br />
pro Cumbe, senão a expedição sucumbe.<br />
(Cunha Matos e Tamarindo enfrentam-se como galos de briga, se ameaçam e cada um vai pro seu lado; o Cel. Cezar<br />
chega à casa do Palácio da Baronesa)<br />
A BELA E A BESTA<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Onde estou?<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
(já fala algumas palavras de Tupy, veste o Cocar e Colares de Tupys)<br />
Barone nde rerekoaba pupé<br />
DIVINE<br />
Sob a proteção da Baronesa Coronel.<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Voulez-vous un té de capim grosso?<br />
DIVINE<br />
O senhor aceita um chá de capim grosso?<br />
(o Coronel aceita, o Trio de Anjos o impedem de beber e ele joga a xícara no chão)<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Que estou fazendo aqui<br />
Na casa Grande de uma oligarca?<br />
TRIO DE ANJOS<br />
(cochichando)<br />
Está envenenado…<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Este chá pode estar envenenado…<br />
Parto imediatamente!<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
85
Ndʼerekatui emonã abá rerekóbo!<br />
DIVINE<br />
O senhor não pode classificar as pessoas dessa maneira!<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Endé rasy,<br />
DIVINE<br />
Ele tá sofrendo,<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
vous avez besoin dʼun bon thé,<br />
pour vous reposer…<br />
DIVINE<br />
aceite um chá,<br />
pra repousar…<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Porque não fala a língua de nosso povo Madame?<br />
DIVINE<br />
A Baronesa,<br />
depois que os conselheiristas queimaram suas propriedades,<br />
não fala mais a língua portuguesa,<br />
só francês e a língua do nosso povo: O tupy.<br />
TRIO DE ANJOS<br />
Tupy?<br />
(cochichando)<br />
É uma espiã…<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
É por acaso uma espiã da Vendéia?<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
(traduzindo para Divine)<br />
Vendôme…<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Eu sou um Republicano e não aceito a monarquia,<br />
nem chá de véia!<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
(chorando, quase desmaiando)<br />
Conselheiro rekó rupinduara ossapy opá xe mbaʼe<br />
DIVINE<br />
De um lado, os conselheiristas queimam todas as suas propriedades,<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
De lʼautre, cette indélicatesse et ces gros<br />
mots de la part de mes égaux!<br />
DIVINE<br />
De outro, essa indelicadeza, estes palavrões grosseiros<br />
vindos da <strong>parte</strong> de um igual…<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Xe posanongaba!<br />
DIVINE<br />
Seus medicamentos…<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Mes nerfs brûlent avec mes reliques brúlées…<br />
et la brutalité de cette étrange figure de la Belle et la Bête…<br />
DIVINE<br />
Seus nervos queimam com suas relíquias queimadas…<br />
e a brutalidade deste estranho par…<br />
A Bela e a Besta!<br />
(Moreira Cezar tomado pela loucura da Baronesa, sai cortês, beija-lhe as mãos)<br />
TRIO DE ANJOS<br />
Besta é tu!<br />
86
Chá de véia!<br />
BARONESA DE JEREMOABO<br />
Brasil-poreausubara!<br />
DIVINE<br />
Pobre Brasil!<br />
SECA<br />
ORDENANÇA WANDERLEY<br />
Dia 26<br />
alcançamos o sítio de Cajazeiras,<br />
abalamos direto ao norte, Serra Branca<br />
Tudo o que eu quero é não morrer de secura<br />
A tropa esta exausta.<br />
sequiosa.<br />
Oito horas caminhando sem parar,<br />
em pleno arder do sol bravio do verão.<br />
Minhas veias em completa depleção esgotadas pelo suor,<br />
estou perdendo todo meu líquido.<br />
É o inferno! Não, é pior.<br />
(Vem a tabuleta “Serra Branca”; a Zabaneira rabdomante com sua varinha busca água, olha para Wanderley, se<br />
apaixonam, sentem água do amor; a Zabaneira inspirada localiza litros, muita água, debaixo da terra, a varinha<br />
fremente é magnetizada pelo subterrâneo; a luz faz ver o azul do subsolo dourado onde Oxum canta baixo.)<br />
ali, na profundura da cava,<br />
muitos litros dʼágua.<br />
CORO DA ENGENHARIA<br />
Vamos cavar com o tubo da bomba artesiana.<br />
(É um suspense e um aguardar angustiante)<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
Mas isso não é bate-estaca<br />
É um macaco de levantar pesos!<br />
TROPA<br />
Macaco?!<br />
(Todos quedam a ficar por ali perplexos semi desmaiados)<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
(Tirando o revólver)<br />
Não se intromete no que não lhe compete<br />
Como castigo por essa parada insana<br />
só há alvitrar-se partida imediata,<br />
malgrado a distância percorrida,<br />
para o sítio do Rosário,<br />
seis léguas mais longe<br />
Não acamparemos mais<br />
Não acamparemos mais<br />
(O corneteiro toca o toque de EM MARCHA; todos olham com ódio ao Cabo Wanderley e a Zabaneira que tenta<br />
acarinhá-lo. A tropa combalida abala, vem a noite, o brilho das estrelas; no chão entra um rendilhado de espinhos<br />
que côa a luz dos astros; obtem-se pela luz dos subterrrâneos o chão de martírios; a tropa caminha no mesmo lugar<br />
36 KM, sem folga, cambaleante, torturada de sede, homens acurvados sob as armas; os jagunços nas sombras<br />
começam a ladear a tropa. Tropear soturno das fileiras, tinidos das armas na calada do ermo, assonância ilhada no<br />
silêncio. A Respiração coletiva desenha a cena, minimalista. Os jagunços ladeiam a tropa, espionando. Zabaneiras<br />
exaustas, guardam um pouco do precioso líquido e passam nos lábios de Wanderley e de Tamarindo, escondidas do<br />
Coronel Moreira Cezar.<br />
Ninguém nem pensa nos sertanejos. Todos sonham em marche marche no pouso. Seguem entregues, mas afinal<br />
vão sendo parados pelo cansasço em plena estrada: alguns estropiados perdem-se distanciados à retaguarda, os<br />
mais robustos, como o Cabo, a custo caminham. Uma alta por si só, ou melhor, sob o comando do fim do fôlego<br />
humano. Houve-se somente a respiração ofegante final no silêncio até todos capotarem ritmicamente, caírem<br />
todos. O Cabo chora. Moreira vem feito uma múmia em seu cavalo que de repente pára. Todos caem e dormem. Os<br />
sertanejos entram, fazem uma fogueira acesa, muito próximos, deixando de propósito cabritos em pedaços grandes,<br />
deixam uma arma de fogo, outra de corte – um ferrão de vaqueiro, e fazem marcas de pés explícitas, esculpindo os<br />
pés na terra; <strong>parte</strong>m rindo quando o galo canta. O vídeo pega o cabo observando tudo, não dormiu. Mal saem os<br />
sertanejos, ele corre até os pedaços de cabrito e é seguido pela Rabdomante, enquanto os outros ainda dormem)<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
(para a Zabaneira)<br />
Estou proibido de falar<br />
mas os sertanejos passaram a noite aqui<br />
rodeando-nos<br />
invisíveis,<br />
87
velando por nosso sono.<br />
ZABANEIRA MATA HARI<br />
E não foi?<br />
(tira uma peixeira)<br />
Não vai soltar o bico<br />
(mostra a peixeira)<br />
Senão não vai levanta mais esse periquito<br />
Nós da zona sempre estamos do lado do freguês,<br />
pisa devagar<br />
é zona de inimigos de vocês.<br />
(ela come um pedaço do cabrito e passa a faca acariciando o pau dele; acorda a Zabaneira Cunanã)<br />
ZABANEIRA CUNANÃ<br />
Uma fogueira de chicanos<br />
pistola de dois canos<br />
ferrão de caboclo boiadeiro<br />
olha, impresso, um pé inteiro<br />
(os três voltam a se deitar; o Corneteiro toca a Alvorada)<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Estamos na barriga<br />
Inimiga.<br />
ZABANEIRA CARMEM<br />
Cuidado Coronel com a barriga<br />
Inimiga entra é nela, faz figa!<br />
GUIA JESUINO<br />
Zabaneira<br />
Rampeira<br />
Respeita o protocolo<br />
Te degolo.<br />
ZABANEIRA CARMEM<br />
Vai dar o cu na cruz<br />
Jesuíno Jesus<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Nesse último passeio<br />
Só não quero aperreio<br />
É bom parar de marchar<br />
Poupar forças pro recontro<br />
descansar<br />
GUIA JESUINO<br />
Parar com todo respeito, é pra otário<br />
Temos que agüentar até Rosário<br />
antes do meio-dia,<br />
meu terço lá me guia<br />
lá a água inunda,<br />
garganta profunda!<br />
(faz um aboio do mantra água)<br />
Senhora dos Afogados<br />
tira do mar com todo cuidado<br />
muita água pra esse lado<br />
cria tudo o incriado<br />
nʼágua venha, o abençoado!<br />
(A Tropa segue três passos e cai violento, um aguaceiro)<br />
Dilúvio Plúvio!<br />
Bebam! Bebam<br />
Recebam! Recebam!<br />
Água Santa de milagre!<br />
No sovaco do Teatro do inimigo<br />
Pari água meu umbigo!<br />
(trovoada fortíssima)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(A cavalo magistral, pronto ao combate)<br />
O inimigo ao furor dos elementos, entocaiado<br />
no fragor da trovoada<br />
Atacar!<br />
(outra trovoada fortíssima)<br />
LAMA<br />
(Corneteiro Toca o Atacar; a tropa e as zabaneiras correm e caem, resvalando no chão de lama; esbarram-se em<br />
88
carreiras cruzadas, a chuva cai, os oficiais e praças procuram a formatura impossível, surdos às discordes vozes de<br />
comando de Cunha Matos e Tamarindo, alinhando seções e companhias ao acaso, num tumulto. E Moreira Cezar<br />
rompe de arremesso as tentativas de fileiras e voa como um centauro isolado, sem ordenanças, precipitando-se a<br />
galope entre os soldados tontos, lançando-se pela estrada, na direção do inimigo).<br />
JOSE AMERICO CAMELO DE SOUSA VELHO CORONEL DA GUARDA NACIONAL<br />
Coronel Moreira Cezar,Ê!<br />
Calma, ê cavalinho, ê!<br />
Não corta minha cabeça, que cousa!<br />
Coronel da Guarda Nacional José Américo Camelo de Sousa!<br />
TROPA<br />
Camêlo!<br />
JOSE AMERICO CAMELO DE SOUSA VELHO CORONEL DA GUARDA NACIONAL<br />
Trago esse comboio, vem das minhas fazendas em Juetê,<br />
soldado precisa comer.<br />
(nem há tempo de festejar, quando vão comer famintos o comboio, o Coronel pressente outro ataque)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
O Inimigo!<br />
Tropa formar,<br />
Armas apontar…<br />
(O Exército imediatamente se prepara para o ataque, e entram os Meninos que haviam ficado em Queimadas. Susto<br />
seguido de alívio geral.)<br />
CORO DOS MENINOS<br />
Somos os meninos do rancho do Nunca<br />
Peter Pan ficamos em Queimadas<br />
Nós já não choramos mais,<br />
Ficamos corajosos<br />
Trouxemos o correio<br />
E os cavalos pro esquadrão<br />
Cavalos pro esquadrão…<br />
Vocês estão viajando com uns muares imprestáveis!<br />
Olhem nossos presentes.<br />
(viram de costas, mostram os rabos de cavalos)<br />
TROPA<br />
Huuummm!<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Que belos rabos!<br />
TROPA<br />
Uuuiiii!<br />
(os Meninos, ao som do TCHAN, trazem cavalos novos para Tamarindo, Cunha Matos, Pedreira Franco, Moreira<br />
Cezar, colocando os rabos.)<br />
TROPA<br />
Aaaiiii!<br />
MENINO SOLDADO DO CORREIO<br />
E o correio?<br />
Vocês esqueceram o correio?<br />
(Prelúdio de Villa-Lobos. Os nomes são ditos em voz alta, firme. Os meninos começam a distribuir cartas para todos;<br />
emoção e comoção na tropa recebendo notícias de amor, morte, tragédias, comédias…)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Tropa, vamos saudar o êxito das crianças<br />
da base de operações de Queimadas,<br />
e ao Coronel Camelo também!<br />
TROPA<br />
(recebendo o comboio)<br />
Viva!<br />
(Vão comer o comboio, mas são surpreendidos por um palavra nunca ouvida do Coronel)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Agora é festa!<br />
CORO GERAL<br />
Festa?!<br />
(Todos circundam o Coronel, agradecidos)<br />
O Coronel é bom<br />
O Coronel é um santo.<br />
O Coronel é nosso…<br />
89
Coronel é nosso Céu!<br />
O Coronel é nosso Cezar.<br />
Ave Cezar!<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Vamos comemorar, mas<br />
Vamos deitar cedo<br />
Principalmente vocês pimpolhos<br />
Devem estar exaustos<br />
(pega no colo um)<br />
Porque na madrugada do dia de hoje para amanhã: dia 2 de março<br />
os batalhões vão marchar em direção ao Angico<br />
(vinheta premonitória do Angico, do que está reservado a expedição)<br />
onde temos de chegar antes do meio dia<br />
(Vão se dispersar mas ouvem o canto de Jesuíno; a luz começa a cair, ficando forte no rosto de Jesuíno, até fim do<br />
canto dêle)<br />
GUIA JESUÍNO<br />
O Cansaço escreveu na minha trilha<br />
Meditarmos descansando nesta ilha<br />
acampamos no grande curral do Vigário<br />
Zona do inimigo Sanguinário<br />
Começo da fabricação do meu mau<br />
Vamos seguir o tempo e a rota<br />
que no meu coração tracei<br />
Meu fio no labirinto me leva onde eu passei,<br />
do ponto de onde cheguei<br />
E comecei outra vida torta<br />
vivida pra encontrar a vida morta.<br />
(A luz sai e fica somente na Cabana de Moreira no meio da Catinga; TELÕES: CORUJA CABANA DE MOREIRA<br />
CEZAR)<br />
REUNIÃO DE CONSELHO.<br />
(Sob a árvore iluminada, Estado Maior: Cel. Tamarindo, Major Cunha Matos, Capitão Salomão e Pedreira Franco.<br />
Cabo Wanderley é o escrivão)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Tomaram-se medidas assegurando esse nosso audacioso experimento!<br />
O território inimigo é nosso acampamento!<br />
CUNHA MATOS<br />
(fazendo uma dança)<br />
Estamos por piquetes rodeados<br />
Sentinelas circulando em girados<br />
O inimigo imitamos em aprendizados<br />
De segurar pro seis lados.<br />
céu, inferno, norte, sul, leste, oeste<br />
(TAMARINDO puxa aplausos, entra um Noturno Sagrado da Catinga, talvez com uns sons de bichos da noite, o lado<br />
Mosteiro)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Nessa caatinga quis me adentrar<br />
Um mosteiro brasileiro<br />
pra me reconsiderar<br />
(Silêncio)<br />
Meditemos Guerreiros<br />
meus meninos, meus anjos guardeiros.<br />
(Todos se põe na posição de meditação e fazem as paradas de respiração. Moreira canta como um Monge Tibetano<br />
do Sertão)<br />
Minha ânsia de chegar<br />
bicho alado sem paciência de pousar<br />
é mais forte que meu eu<br />
vem da entranha do corpo<br />
que era meu<br />
e a guerra fez seu.<br />
(muda-se o clima, para uma discussão objetiva; todos logo se sentam e vão ao que interessa, animados, rápidos,<br />
yang.)<br />
Mas outro ser<br />
concordo em obedecer<br />
vosso plano<br />
mais humano<br />
definitivo de rota,<br />
concebido com a intenção<br />
de cristão<br />
90
de poupar nossos homens da exaustão<br />
evita nossa derrota.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Recapitulando<br />
e fechando<br />
(Com os fios de uma bota, quepe e outras peças, que devem ser VISTAS PELA LUZ)<br />
1- A tropa pro Angico se abala dia 3<br />
anda oito quilômetros,<br />
se instala<br />
descansa, pernoitando como reis.<br />
Só decampam dia 4<br />
Légua e meia caminhando no Teatro,<br />
Aí cai direto com tudo<br />
Confluindo pra Canudos.<br />
CUNHA MATOS<br />
2- mas resguardos na investida,<br />
modificações nos são impostas<br />
na marcha que até então se aposta.<br />
Sugiro em duas a divisão<br />
da coluna unida até então,<br />
uma vanguarda forte pro reconhecimento<br />
pro combate primeiro<br />
entrando a outra na ação,<br />
como reforço na situação.<br />
Se poderosos os recursos do adversário,<br />
um recuo se faria necessário<br />
em ordem para Monte Santo,<br />
onde as forças entretanto,<br />
aumentadas, ensaiadas<br />
retomariam seu Encanto<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(dirigindo-se às crianças)<br />
Que pensam os anjos da guarda?<br />
CRIANÇAS<br />
A não pensar em nenhuma retirada.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Obrigado meus guias, meu menino Jesus<br />
No comando cada um de vós, de chefe pus<br />
(mudando de tom, para os Oficiais, com inédito respeito.)<br />
Não oculto a vós companheiros de história minha segurança abso<strong>luta</strong> na vitória.<br />
Escrivão, traga a ata desta sessão<br />
sobre ela, mãos<br />
vossos planos se cumprirão<br />
ESTADO MAIOR<br />
Está jurado, nesse grande momento.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Boa Noite fica assim nosso encerramento.<br />
(Luz vai saindo fica somente a vela que Moreira apaga com as crianças. Trevas. Toque de alvorecer traz de volta o<br />
dia; logo a seguir um “toque de Partida” para o Angico. Projeção enorme, dia 3 de março de 1897: ORDEM DO DIA<br />
IGUAL À PARTIDA DE MONTE SANTO)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Porra!<br />
CUNHA MATOS<br />
(para Tamarindo mostrando a Ordem do dia Projetada no Placar)<br />
A ordem do dia é a mesma da partida anterior,<br />
nada refere ao juramento ontem feito com tanto ardor.<br />
TROPA<br />
Cezar negou tudo o que juramentou.<br />
Nosso plano tão humano, definitivo de rora, micou.<br />
CRIANÇAS<br />
Cezar acertou!<br />
CRIANÇA ADORADA<br />
Ave Cezar!<br />
91
TROPA<br />
Ave!<br />
(a tropa se põe a Marchar, contrariada)<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
Natureza imóvel depois do orgasmo<br />
caída num grande espasmo,<br />
sem uma flor, uma ramagem,<br />
sem um bater de asas na paisagem.<br />
Coluna em marcha, um fio estirado<br />
não foi assim combinado,<br />
linha de três quilômetros desenhado?!<br />
Com um longo arriscado risco fino<br />
tortuoso negro desdobrado intestino?!<br />
Entra em mim um mau destino?<br />
Os chefes se olham nada falam, desatino!<br />
Dia 3 de março<br />
porque disfarço<br />
sinto de novo o breu<br />
Não, passou, sou de novo eu.<br />
(no ritmo do marchando, vai nascendo um evoé de quem vai ficando excitado, como quase glossolalias que vão virar<br />
a canção da psicologia do soldado, que o Cabo por enquanto fala-sola)<br />
TAITÁ DO EXERCITO<br />
PSICOLOGIA DO SOLDADO BRASILEIRO<br />
SE EU VOLTAR!<br />
SOLO<br />
Quanto mais aproxima o inimigo<br />
Mais alegria explode do meu exército amigo<br />
Me coça, me estroça, me faz cantar.<br />
CORO DE SOLDADOS<br />
(para o Público até das últimas galerias)<br />
Lances perigosos, emoção de morrer de matar<br />
o planeta agora vive a passar<br />
mundos, misturados, fim de todas as raças<br />
instintos guerreiros em alta nas praças,<br />
imprevidência selvagem,<br />
inconsciência, sabotagem<br />
desapego à vida, à sorte<br />
arremesso fatalista pra morte.<br />
(dá uns passos como seguisse para a Batalha)<br />
Sigo para batalha, turbulento folguedo.<br />
Insuportável é a paz, me relaxa, me da medo.<br />
(Coreografam-se como num parada Militar de Avenida)<br />
Inclassificável nas paradas de rua<br />
passo sem garbo, como quem já recua,<br />
mole de carne e de bunda<br />
sob a espingarda corcunda.<br />
(Para o Desfile, ainda em Forma)<br />
A guerra é melhor meio de instrução, decreto<br />
inimigo, meu instrutor predileto,<br />
transmuda-me,<br />
(Transmuda-se o desfile de Quasímodos em Hercules Titãs, excitados com a proximidade do inimigo)<br />
na virada de um dia,<br />
enrijam-me,<br />
exercícios de cansar,<br />
energia!<br />
Na marcha do combate,<br />
o que nunca tivemos nas capitais,<br />
o arrebate<br />
altivez do porte,<br />
segurança do passo<br />
sem medo da morte,<br />
precisão do tiro,<br />
celeridade das cargas<br />
sem sucumbir nas provações mais amargas.<br />
(Caminhada suingada)<br />
Ninguém me imita, desafio,<br />
no caminhar dias a fio…<br />
(como Chacrinha, e o dedo de Renée corografando a boca)<br />
não bosquejo reclamações,<br />
nem as mais leves<br />
nas aperturas<br />
que nunca são breves<br />
92
Quem me parelha no resistir à fome?<br />
Ainda rindo,<br />
rebolando o abdome?<br />
Meto(fôdo)<br />
no delírio do martírio<br />
Troçar<br />
joça mais séria<br />
gozo<br />
na riqueza da miséria.<br />
Do combate, rir…<br />
quem é capaz de entrar<br />
e sair?<br />
(marchando como os Feldmarechais Prussianos, não americanos)<br />
O prussiano na vitória ou na derrota<br />
cu-de-ferro, podômetro preso à bota.<br />
(transmuda-se em garotão arruaceiro)<br />
Sou desordenado,<br />
revoltado<br />
garoto heróico,<br />
terrível,<br />
necessário<br />
arrojando contra<br />
o adversário,<br />
(breque)<br />
com bala, pranchada, dou de lambuja<br />
piada é o que sai da minha boca suja.<br />
(coloca-se em massa de Machotauro)<br />
Sou impróprio aos desdobramentos<br />
das grandes massas nas campanhas clássicas<br />
e nos grandes eventos!<br />
SOLDADO<br />
Manieta-me formatura correta.<br />
SOLDADO<br />
Estonteia-me manobra complexa.<br />
SOLDADO<br />
Tortura-me obrigação de combater restrito<br />
à corneta de ritmo careta sem mito.<br />
CABO VIADO<br />
Obedeço por prazer estratégias rebolantes,<br />
sigo, impassível, para os pontos preocupantes.<br />
SOLDADOS<br />
Quando o inimigo me chega à ponta da espada<br />
quero combater na minha jogada.<br />
Sem rancor, fanfarrão,<br />
entre balas e cutiladas,<br />
arriscando-me a loucura<br />
barateando a bravura.<br />
(mudança brusca de ritmo, todos olham pra Moreira no Centro)<br />
Faço tudo porém,<br />
de olhos fixos em quem me quer bem<br />
quem me dirige<br />
a energia dele viva me exige.<br />
Mas à mínima vacilação do diretor<br />
Viro de pronto só dor<br />
minha ousadia extinta<br />
sou um ser perdido, sinta,<br />
caio num abatimento instantâneo<br />
salteado de invencível desânimo<br />
Mas hoje, agora: tudo vaticina vitória<br />
Com tal chefe?<br />
como cogitar reveses nessa história?<br />
Firmes para a frente,<br />
impacientes<br />
ter às mãos o adversário esquivo,<br />
vender a pele do urso sertanejo vivo,<br />
cenas jocotrágicas, antológicas<br />
dentro das taperas mitológicas<br />
varrendo a tiro o santuário<br />
salafrário.<br />
93
Quando eu voltar…<br />
ninguém vai acreditar<br />
vou virar<br />
de guerra herói<br />
minha vida como dói!<br />
Burburinhos, evoés<br />
sulcados por ondas risadas em ré ré<br />
mal contidos da ralé<br />
(Todos em torno do Piano)<br />
Quando eu voltar…<br />
ninguém vai acreditar<br />
vou virar<br />
de guerra herói<br />
minha vida como dói!<br />
Burburinhos, evoés<br />
sulcados por ondas risadas em ré ré<br />
mal contidos da ralé.<br />
(A Tropa se põe em formação entusiasmada)<br />
CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />
Manhã resplandecente<br />
Alente<br />
firmamento dos sertões arqueia<br />
sobre nós irisado vagueia<br />
do zênite azul rente<br />
à púrpura em diagonal do oriente.<br />
Porque nos deixam assim livre, natureza e adversário,<br />
o caminho de céu lindo do santuário?<br />
É cilada? Não pior, é ameaça, desafio,<br />
Topar o arraial dos sediciosos, vazio!<br />
(A TROPA TODA PÁRA)<br />
TAMARINDO<br />
Pra mim o desapontamento vem a calhar<br />
Esta Guerra é meu ultimo passeio militar<br />
(TROPA VAIA, Corneteiro avança até o Centro)<br />
CORNETEIRO<br />
Se eu não disparo um só cartucho…<br />
No meu bucho, agora, aqui,<br />
pratico haraquiri.<br />
TROPA<br />
Haraquiri!<br />
ORDENAÇA CABO WANDERLEY<br />
Dia três<br />
morro nesse numero de vez?<br />
ou sobro pro dia quatro<br />
pra atuar no amphiteatro…<br />
GUIA JESUÍNO<br />
(riscando o chão sem desperdiçar água; quer dizer, sem água, conforme o que fala, desenha um arco que cria a<br />
visão da vila de Pitombas sendo entrada pela flecha da expedição)<br />
Pitombas<br />
O rio, o caminho e a tropa são a corda<br />
A tropa é a flecha do ribeirão que borda<br />
a estrada<br />
ora a transborda<br />
serpenteia<br />
deixa a estrada<br />
arquea-se<br />
em longa volta,<br />
pra Pitombas a flecha se solta.<br />
(arremessam-se em flexa)<br />
PRIMEIRO ENCONTRO<br />
(Chegam em Pitombas, a vanguarda atingiu o meio, estoura uma descarga de meia dúzia de tiros)<br />
SOLDADOS<br />
(em festa, agradecidos)<br />
É o inimigo afinal!<br />
(um piquete de sertanejos rondando ou ali aguardando aproveita o terreno para um ataque instantâneo; cai um<br />
soldado ferido - o Cabo Ordenança Wanderley além de seis a sete soldados. Fogem a tempo de escapar à réplica,<br />
que foi pronta).<br />
94
CAPITÃO SALOMÃO<br />
Coiterar os canhões<br />
explodir no matagal.<br />
(Varre, como um vento. Cunha Matos e ala direita do 7° lançam-se na direção do inimigo, atufando-se nas macegas,<br />
a marche-marche, roçando-as a baioneta. O inimigo foge e a ala retorna à linha da coluna. Aclamações. O Corneteiro<br />
toca o antigo toque de “trindades”, agora o sinal da vitória, em vibrações altíssimas; Moreira Cezar abraça, num lance<br />
de alegria sincera, Cunha Matos que dera aquele repelão valente no antagonista)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Recontro pantagruélico<br />
É quase para lastimar<br />
tanto aparelho bélico,<br />
tanta gente, pra <strong>luta</strong>r<br />
tão luxuosa encenação<br />
pra meia dúzia de disparação…<br />
(para o Médico)<br />
E os feridos em estado grave?<br />
MÉDICO<br />
São somente feridos de feridas localizadas<br />
já foram desinfetadas.<br />
Já o Cabo Wanderley<br />
Escapou por um triz<br />
O tiro pasou-lhe rente ao nariz<br />
(todos riem)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
O Inimigo até adivinhou, foi castigado<br />
Nariz não se mete onde não é chamado.<br />
ORDENAÇA CABO WANDERLEY<br />
Ao Contrário. Ficou com o faro mais apurado.<br />
CAPITÃO SALOMÃO<br />
Nossos despojos da nau:<br />
uma pica-pau,<br />
cano finíssimo, leve espingarda<br />
Cuidado, está carregada.<br />
(passa para o Coronel Moreira que está a cavalo, e dispara-a para o ar. Um tiro insignificante)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(tranqüilo)<br />
Esta gente está desarmada<br />
A CRIANÇA ADORADA<br />
Não viu o cabo, coitadinho<br />
não mata nem passarinho.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Seja a marcha, rápida reatada<br />
agora, a passos acelerados<br />
(olhando os feridos)<br />
fiquem em Pitombas<br />
médicos, cuidem destas “bombas”<br />
sob a proteção<br />
dum resto de cavalaria<br />
contingente policial da base dessa freguesia.<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
Sigo com a tropa e protejo o Corpo Meretriz<br />
(O Corpo Meretriz forma-se atras dêle)<br />
Está de palhaço agora o meu nariz.<br />
(Todos debocham, os combatentes <strong>parte</strong>m céleres; batem o caminho e embrenham-se no meio do público-catingas<br />
rastreando os espias que acaso por ali houvesse)<br />
SOLDADOS<br />
Tropa marche-marche, abso<strong>luta</strong><br />
Na atração irreprimível da <strong>luta</strong>,<br />
ebriez mental deliciosa, estonteia balanceia<br />
entre a força heroificada<br />
e a brutalidade<br />
li-be-ra-da!!!!!!!!<br />
Num exército que persegue há<br />
o mesmo automatismo impulsivo<br />
do que foge espavorido<br />
95
O pânico, a bravura poema,<br />
o extremo pavor, e a audácia extrema,<br />
a mesma vertigem, a mesma nevrose<br />
estimulam, alucinam em idêntica dose<br />
o homem que foge à morte<br />
e o homem que quer matar.<br />
O exército antes de tudo é,<br />
uma multidão<br />
um evoé<br />
basta uma centelha de paixão<br />
súbita mutação<br />
espontânea geração<br />
milhares de indivíduos diversos<br />
se fazem animal único perverso<br />
fera anônima monstruosa<br />
caminhando para dado objetivo<br />
no tempo imperativo<br />
OFICIAIS CAUTELOSOS<br />
Somente um chefe de fortaleza moral<br />
pode impor no tumulto outro ritual<br />
estrategistas farejam no instinto:<br />
primeira vitória: o contágio emocional extinto<br />
(Música de Exércitos de Robots)<br />
Um plano de guerra riscado a compasso<br />
exige almas inertes, nervos de aço<br />
máquinas de matar encarrilhadas<br />
nas linhas projetadas<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Ideal sinistro de ação<br />
ao invés de reprimir a agitação<br />
quero mais é a emoção,<br />
a osmose<br />
Declaro-me expoente da paixão.<br />
Da nevrose!<br />
CUNHA MATOS<br />
Breque,<br />
o momento é chegado<br />
Angico,<br />
(Voz Premonitória)<br />
angelito tan esperado<br />
Estatuído está<br />
Vamos repousar<br />
Decampamos amanhã de manhã<br />
Caiamos sobre Canudos Titãs!<br />
TROPA<br />
Titãs!!<br />
CUNHA MATOS<br />
Descansar!<br />
(os soldados começam a desmobilização, Moreira interrompe)<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Meus camaradas!<br />
Como sabem, estou visivelmente enfermo.<br />
Há muitos dias não me alimento; mas Canudos está muito perto. Vamos tomá-lo!<br />
Já chegaram os idos de março!<br />
CABO ORDENAÇA WALDERLEY<br />
Terceiro dia ainda não ido de Março<br />
Amado Cezar, não vá para Canudos!<br />
(Medo excitado hesitante na tropa, Moreira fala bem alto)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Vamos almoçar em Canudos!<br />
(Responde-lhe uma ovação da soldadesca. A marcha prossegue. Na direção de Canudos, um rápido fogo de<br />
conselho de guerrilha)<br />
JOÃO ABADE<br />
Vamos atrair a tropa pra nossa arapuca<br />
Somos agora seus guias nessa sinuca<br />
raros,<br />
96
nos disparos<br />
tiros espaçados,<br />
de adversários<br />
apavorados<br />
em fuga.<br />
Estratégia animal,<br />
Arrebatar a tropa até ao arraial<br />
combalida, exáustica, língua de fora<br />
de uma marcha de seis horas…<br />
(somem nas trincheiras e mutãs, enquanto o exército continua a marcha)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Em acelerado!<br />
Praças!<br />
Fora:<br />
Mochilas,<br />
Bornais,<br />
Cantis<br />
(ligeira confusão, Moreira rege como um maestro)<br />
Sem perder o andamento!<br />
Fora! Todas as peças do equipamento,<br />
Mas não cartuchos, armamentos,<br />
à retaguarda a cavalaria,<br />
vai recolhendo essas porcarias.<br />
(João Abade põe em prática seu plano animal de atração da tropa.)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Alto!<br />
(Todos param ofegantes. Silêncio onde se ouve só a respiração dos homens e dos cavalos)<br />
GUIA JESUINO<br />
(aponta, tirando o gesto do olho do coração)<br />
A Luz dos meus olhos em projeção<br />
Ilumina o arraial nesta direção<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Capitão Da Rocha Salomão, no rumo indicado<br />
gradue a alça de mira e aponte o canhão<br />
pra três quilômetros de extensão.<br />
(quase jovial, com o humorismo superior de um forte)<br />
Lance tiro certeiro<br />
Lá se vão dois cartões de visita ao Conselheiro…<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Fogo!<br />
(A frase passa como um frêmito entre as fileiras. Máquina de Fumaça. Aclamações. ENTRA TRILHA BOMBÁSTICA<br />
DA INVESTIDA ATÉ O MORRO DA FAVELA. OS CAVALOS DA CONTRA-REGRAGEM TRAZENDO FERRADURAS<br />
GRANDES NOS MACACÕES, ABREM O FOSSO QUE VIRA VAZA-BARRÍS. Renova-se a investida febrilmente; o<br />
sol dardeja à prumo. Os Batalhões abalam dentro de uma nuvem pesada e quente de poeira;<br />
De súbito, estacam - A TRILHA TRANSMUDA-SE, VÊ O SERTÃO, OUVE O SERTÃO - surpreendendo-se com a<br />
vista de Canudos do alto da Favela; na pista a planta baixa é trazida por um tapete arquitetônico de cor contrastante<br />
com a terra, no corpo das Mulheres nuas, marcando casas, ruas, e becos; Luz no Sino Alteado e Potente, com os<br />
badalos bem iluminados; nas Torres Gêmeas da Igreja Nova, talvez Mutãs)<br />
OFICIAIS EM CORO<br />
Tróia de Taipa!<br />
Tapera Imensa!<br />
Existe! Viva!<br />
Mítica! Monolítica!<br />
Ah! Nossa Geopolítica!<br />
TEN PIRES FERREIRA<br />
As expedições anteriores não conseguiram te alcançar<br />
TROPA<br />
Está aqui, na nossa frente, a nos chamar.<br />
Rugas da Terra: milhares de casebres, desenterra<br />
As duas igrejas nítidas<br />
a do Sino<br />
(olham à direita)<br />
e a nova!<br />
(olham à esquerda)<br />
Montanhas arquibancadas rebolando em curvas de nível<br />
97
Incrível<br />
No fastígio da montanhosa platéia<br />
nós, protagonistas no dia da estréia!<br />
Triple Merde!<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Fogo!<br />
(DESCE A CORTINA DO CAMAROTE DE MOREIRA CESAR, os soldados da artilharia mandam ver em metralha<br />
violenta pela direita. Abrem o canhoneiro disparando todos a um tempo em tiros mergulhantes. Simultaneamente às<br />
cargas dos tiros, uma primeira fumaça de pólvora, de incenso e de gelo seco, compacta, nuvem de poeira e de fumo,<br />
cobrindo tudo. Mal se vê qualquer coisa)<br />
ELETRIC SOUND<br />
(O troar solene da artilharia estruge os ares; reboa longamente por todo o âmbito desses ermos, na assonância<br />
ensurdecedora dos ecos refluídos das montanhas… Timóteo bate o sino da igreja velha, toque de chamar os fiéis<br />
pra a batalha. O arraial começa a ser visto pelos claros do fumo como uma colméia alarmada: passam correndo,<br />
carregando ou arrastando pelo braço crianças, as últimas mulheres, na direção da latada, procurando o anteparo dos<br />
muros da igreja nova. Grupos inúmeros, dispersos, rompem do alto das estruturas, sopesam as armas, dos becos;<br />
saltam do alto.)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(para as 3 crianças adoradas como se estivesse num camarote de teatro, cochichando)<br />
Bravura dos soldados<br />
competência dos oficiais empenhados<br />
tudo isso é nada<br />
diante o tremor e o terror<br />
da caipirada<br />
apavorada<br />
em fuga de horrores<br />
colhida por nossas Krupps,<br />
meus armores.<br />
(as crianças morrem de rir e o Major também. Por fim emudece o sino que tocou todo tempo sem parar em várias<br />
linguagens e ritmos)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(quase sussurrando de prazer e intensidade)<br />
Vamos tomar o arraial sem disparar mais um tiro!… À baioneta!<br />
(Silêncio absoluto. OUVE-SE O MONTAR DAS BAIONETAS. A força começa a descer, estirada pelas laterais,<br />
diferenciadas; uma <strong>parte</strong>, a esquerda, pelas estruturas, a outra pela direita, plana. A LUZ RESSALTA AS BAIONETAS<br />
DESLUMBRANDO NUM IRRADIAR ESPELHADO, DIANTE DO ESPELHO COMO SE FOSSEM CENTENAS. No<br />
Placar da Projeção: uma hora da tarde. Biombo, feito de uma réplica da Capa de Os Sertões é incendiado, um<br />
Soldado ateia o primeiro incêndio…<br />
A infantaria vem descendo estremada à direita pelo 7°, que vai tendendo para o Vaza-Barris e à esquerda pelos 9º<br />
e 16° com muita dificuldade em terreno impróprio. A artilharia no centro, sobre o último esporão do Morro da Favela<br />
fronteiro e de nível com o teto da Igreja Nova, faz-se o eixo desta tenalha prestes a fechar-se, apertando os flancos<br />
do arraial.)<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
FOGO!<br />
SOLDADOS<br />
(gritam dos dois lados: esquerdo e direito e ainda olham para cima, para os canhões)<br />
Para! Estamos nos matando, porra!<br />
Fogo amigo?!<br />
Deixa de olhar pro umbigo.<br />
Olha, o inimigo está lá esculhambando!<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Por Alá!<br />
Nem a Igreja<br />
nem o povoado,<br />
a artilharia pode bombardear<br />
fora eu não há outro técnico que veja?<br />
ARTILHEIRO<br />
Tá na cara desde o primeiro minuto da peleja<br />
caralho de Plano Militar de Português!<br />
Estamos a atirar no próprio freguês!<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Não podemos fazer nada,<br />
vamos cruzar os braços assistir a palhaçada<br />
98
(Forma-se sob o Comando de Cunha Matos uma coluna estirada em Chorus line; os sertanejos a parodiam e formam<br />
outra coluna; parece que vai haver confronto.)<br />
CUNHA MATOS<br />
Tropa Preparar!<br />
Apontar!<br />
(Os sertanejos dispersam-se rindo, deixando os Miltares perplexos; estes então começam a penetrar na cidadela,<br />
com algumas sertanejas fazendo uma dança negaceante de atração)<br />
CIDADELA-MUNDÉU<br />
(IGREJA VELHA:<br />
Vibra de novo o sino da igreja velha… uma fuzilaria intensa irrompe das paredes e tetos das vivendas mais próximas<br />
ao rio<br />
IGREJA NOVA:<br />
estrondam, numa explosão única, os bacamartes dos guerrilheiros adensados dentro da igreja nova.<br />
TROPA:<br />
Ressoam os toques das CORNETAS de todos os corpos<br />
DIREITA<br />
O 7° Favorecido pelo terreno:<br />
um Soldado do 7° Batalhão marcha em acelerado, sob uma saraivada de chumbo e seixos rolados, até à borda do<br />
rio.<br />
Vinga a barranca oposta, e entra na praça, ali mesmo tomba, engolido pelo Vaza-Barrís, rola na água, arrastado pela<br />
corrente, que se listra de sangue, vomitada pela personagem Vaza-Barrís que se mancha de vermelho.<br />
A maioria avança, batida dos lados e de frente pelos sertanejos…<br />
ESQUERDA<br />
O 9°:<br />
Uma ala do 9º na extrema esquerda, com o Coronel Tamarindo escondendo-se entre os soldados, E vencendo as<br />
dificuldades da marcha toda tropeçada, toma posição à retaguarda da igreja nova<br />
CENTRO<br />
O 16° e a ala direita do 7°:<br />
Investem pelo centro, num avançar temerário.<br />
O Combate não tem evolução ou movimento combinado,<br />
nada que revele a presença de um chefe)<br />
O EXÉRCITO FRACIONA-SE<br />
(LUZ SAI e depois vai acompanhar com pimbins, os Sertanejos povoando Canudos com Edições grandes, como<br />
pequenas casas, como um livro aberto em Biombo de duas Capas. A Luz vai para Focos específicos, onde estão as<br />
quinas dos livros)<br />
PLANOS APROXIMADOS<br />
LABIRINTO DE TODA A PLANTA BAIXA DO ARRAIAL<br />
(TABULEIRO DE DUAS CORES DE XADRÊS – LIVROS VERMELHOS, CHÃO PRATEADO, CAPA LETRAS<br />
PRATA)<br />
COROGRAFIA DA CAÇA LEVANDO O CAÇADOR PARA ARMADILHA<br />
(PRÓLOGO: INCÊNDIO)<br />
PERSEGUIÇÃO<br />
(A luz foca um combatente isolado; do alto se tem o espetáculo estranho de um entocamento de batalhões,<br />
afundando, de súbito,<br />
no casario indistinto.<br />
LUZ:<br />
FOCO QUADRADO CASA, como se fosse de casa em casa<br />
FOCO 1<br />
UMA CASA<br />
UM SOLDADO:<br />
Escancara com um coice de arma uma porta do subterrâneo, a casa está vazia.<br />
FOCO 2<br />
UM SOLDADO:<br />
Invade outra casa<br />
SERTANEJO:<br />
Entocaiado na casa, enforca o soldado.<br />
SOLDADOS PRÓXIMOS:<br />
Acodem num pugilato corpo a corpo, bruto, até que os soldados, mais numerosos, transpõe o portal estreito do<br />
99
casebre.<br />
SERTANEJO:<br />
Lá dentro, num recanto escuro, o morador repelido descarrega em cima o último tiro e foge.<br />
FOCO 3<br />
SOLDADO:<br />
Invade outro casebre ao lado<br />
SERTANEJO:<br />
Defende tenazmente o lar paupérrimo. E revida, sozinho contra a matula vitoriosa, com a qual se afoita; repele-as à<br />
faca; a tiro; a foiçadas; com o aguilhão; com os trastes miseráveis; lança sua mulher como bomba; arroja-se afinal,<br />
ele próprio, resfolegando, procurando estrangular o primeiro que lhe cai entre os braços<br />
MULHERES:<br />
Em torno mulheres desatinadas atacam os grupos em <strong>luta</strong> suja, pelo saco, pelos cús em gritos de fúrias<br />
SERTANEJO:<br />
O sertanejo <strong>luta</strong>dor temerário rola pelos cantos, até baquear no chão, cosido à baioneta ou esmoído a coronhadas,<br />
pisado sob o rompão dos coturnos; sua mulher é morta com um tiro.<br />
MULHERES:<br />
Continuam <strong>luta</strong>ndo até quase desnudar os soldados<br />
SOLDADOS:<br />
Atormentados em fuga, com a gritaria das bacas<br />
FOCO 4: MÓVEL<br />
TENENTE PIRES FERREIRA:<br />
perneta, aparece correndo atrás de um sertanejo em fuga, quando chega ao Beco, um magote de sertanejos de<br />
súbito desembocando duma esquina o cerca; ele estaca atônito, mal dando tempo para uma pontaria mal feita e<br />
uma descarga; foge.<br />
(O CORO DAS MULHERES ENTRA COM O ENORME PARANGOLÉ DE CIDADELA:<br />
ARMADILHA EM FORMA DE UMA REDE TRAMADA DE BIOMBOS)<br />
MANDRÁGORAS CIDADELA<br />
(As Mandrágoras estão nuas, com a planta de cidade cobrindo sua nudez, de pernas abertas, centrando o Parangolé<br />
Cidade)<br />
CORO<br />
Entretecuzadas de mil de bécos<br />
Ruelas de menos de dois métros,<br />
muros de taipa, frágil donzela,<br />
sou Canudos fortíssima cidadela<br />
Agressores destruam-me aos coices!<br />
quebrem minhas foices!<br />
abatam-me as paredes!<br />
minhas redes!<br />
meus tetos de barro!<br />
varem-me com seus carros!<br />
Sou inconsistente, flexível, traiçoeira,<br />
fácil me penetrar,<br />
bater,<br />
varrer<br />
me dominar<br />
dificílimo me deixar.<br />
(o soldados amedrontados mas sedentos, não se atrevem, não se aproximam)<br />
SOLO<br />
Te atraio oh assalto,<br />
vêm oh ímpeto das cargas do asfalto<br />
invasores do alto,<br />
nas minhas vielas contorcidas<br />
nas minhas entranhas descontraídas.<br />
SERTANEJOS<br />
Na história sombria das cidades batidas,<br />
humílimo vilarejo surjo em Majestade<br />
num lampejo de trágica originalidade.<br />
Intacto sou fragílimo, domável<br />
feito escombros - formidável.<br />
Rendo-me para vencer, vencido<br />
ao conquistador surpreendido<br />
100
apareço na retina<br />
inexpugnável e em ruína.<br />
(os soldados do exército se encorajam e aproximam famintos; chegam até as bocetas e fartam-se, as mulheres<br />
devem estr sem terra nas bocetas)<br />
MANDRAGORAS<br />
Envergadura de ferro do exército<br />
Me desarticula, me abala inteira<br />
Me faz um montão de poeira, uma tralheira<br />
(as Mandrágoras dão uma chave de boceta nos soldados, percutindo ao mesmo tempo com tambor. Muda a cena, a<br />
luz, tudo)<br />
MANDRAGORAS<br />
Fera sem esperteza<br />
está presa<br />
entre meus vacilantes tabiques<br />
de pau a pique<br />
agite-se vigorosa,<br />
deita<br />
nas malhas da minha armadilha perfeita<br />
cidade mundéu<br />
cidade armadilha do Tabaréu<br />
Desabe-me!<br />
Sobre vós mesmos,<br />
(como se gozassem)<br />
ACABE!<br />
MULHERES:<br />
Os contra-regras dão para as mulheres as armas químicas; elas perseguem os soldados fugindo por toda a banda,<br />
clamando, amaldiçoando, rezando… A multidão da legião tremente, mancas armada de muletas apavoram. Doentes<br />
de doenças contagiosas, fazem uma espécie de guerra química, espantando os soldados com panos encharcados de<br />
sangue leproso, aidético.<br />
SOLDADOS SOBREVIVENTES:<br />
Perdem-se por fim, no arraial convulsionado e imenso.<br />
Às vezes aparecem cenas de <strong>luta</strong>s que desaparecem, como num resumo da cena anterior dos focos, com mais<br />
velocidade, mal vistos entre o fumo, embrulhados, numa <strong>luta</strong> braço a braço.<br />
NO CAMAROTE<br />
ESTADO MAIOR (Com binóculos):<br />
A luz e os vídeos mostram o que eles mal vêem; continua um ruído eletrônico DJ de todas as guerras e guerrilhas do<br />
mundo do momento, misturado com ruídos dos atores de defesa e ataque.<br />
CANUDOS<br />
ATIRADORES DA IGREJA NOVA:<br />
Permanecem firmes, visando tranqüilos, impunes, e atirando no que escolhem.<br />
MORRO DA FAVELA<br />
ARTILHARIA:<br />
Evita atirar, teme qualquer desvio de trajetória, que lance as balas entre os próprios companheiros encobertos;<br />
IGREJA VELHA<br />
ouvem-se mais altas as pancadas repetidas do sino<br />
NO CAMAROTE<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Cavalaria, pelo centro, atacar!<br />
CAVALARIA:<br />
Cavalos abombados, rengueando sobre as pernas bambas, largam em meio galope curto até à beira do rio; as águas<br />
respingam chofradas de tiros e pedrinhas. Os animais assustadiços refugam. Dilacerados à espora, chibateados à<br />
espada, mal vadem até o meio da corrente empinando, e curveteando, freios tomados nos dentes; cospem da sela os<br />
cavaleiros, volvem em desordem à posição primitiva.)<br />
FOGO EM CEZAR<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Eu vou dar brio àquela gente…<br />
(Desce a cavalo branco; a meio caminho, porém, refreia o cavalo. O TEMPO PÁRA. Vídeo focado no Cabo<br />
Ordenança Wanderley e na sua alça de mira focada em Moreira Cezar)<br />
CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />
(voz gravada, monólogo interior)<br />
Eu te avisei Cezar, fui insistente…<br />
101
(vídeo focado na alça de mira de João Abade)<br />
JOÃO ABADE<br />
(voz gravada, monólogo interior )<br />
Moreira<br />
Fui João filho do Diabo<br />
Cezar é da minha antiga irmandade<br />
Vai Diabo, atira João Abade<br />
(O Ordenança Cabo Wanderley e João Abade atiram de lados opostos ao mesmo tempo; uma câmera foca o Cezar<br />
se inclinado, abandonando as rédeas, caindo sobre o cavalo)<br />
MEDICO<br />
(acudindo)<br />
Foi atingido no ventre por uma bala.<br />
(O Estado-maior o rodeia e <strong>parte</strong> da artilharia os protege)<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Não foi nada<br />
um ferimento leve<br />
(MC Não descavalga. Volve amparado por Cunha Matos. Câmeras focam João Abade, a Zabaneira e Cabo<br />
Wanderley; os três atiram ao mesmo tempo.)<br />
MATA HARI<br />
(Voz Gravada, monólogo Interior)<br />
Isso é pra mim,<br />
Por Inhatumirim<br />
(ela atira)<br />
MEDICO<br />
Está mortalmente ferido.<br />
(João Abade, Wanderley e Mata Hari atiram novamente)<br />
MÉDICO<br />
Seis tiros<br />
três diferentes pontarias<br />
pecado dizer, vieram até da infantaria<br />
Me retiro<br />
antes do abate.<br />
O Coronel está fora de combate<br />
RETIRADA DA CIDADELA – TRAVESSIA DO VAZA_BARRIS<br />
(Levam o corpo de Cezar. Toques de Corneta dão o sinal de recuo da cidadela. A Luz vai para o Sino da Igreja Velha<br />
que recomeça a bater alarmando, chamando os jagunços à <strong>luta</strong>, e abrem o leito do Parangolé do Vaza Barris e<br />
esparramam a enchente de soldados; os soldados estão ensopados, música FUGAFREVO BACHIANO. Os soldados<br />
viram uma enchente fora do leito transbordado, saltando<br />
acachoando, estrugindo… Bandos estonteados caindo, primeiros rechaçados, outros e mais outros recuados,<br />
correndo desalinhados, oficiais e soldados misturados, poentos, chamuscados, fardas em tiras, correndo alarmados,<br />
disparando à toa espingardas, vociferando retaguardas, ondas tontas, em fuga bachiadas, torcidas, estouradas, a<br />
tiros rolando, sem comando, cada um a seu modo <strong>luta</strong>ndo, na correnteza das águas enxurrando, sem armas, feridos<br />
pelotões, na hipnose do pânico, aos empurrões, apisoando malferidos tombando, extenuados afastando, derrubando,<br />
afogando,<br />
no estrídulo discordante vozear, ansiando as margens do rio vingar, filando-se às pernas dos felizes, que conseguem<br />
nos deslizes, levantar, agarrando-se às matas, escassas, nas armas escorando, embaralhando, fervilhando,<br />
recuando, recuando,<br />
coando. Escutam todos apavorados; o sineiro da Igreja velha para de tocar interrompendo o alarma)<br />
HORA DA AVE MARIA<br />
(No norte os jagunços disparam a última descarga, fumaça densa; harmoniosamente a Luz faz cair a noite na<br />
claridade morta do crepúsculo; descobrindo-se atirando aos pés os chapéus de couro, as mulheres acendendo<br />
fogueiras, começam a murmurar as notas da Ave-Maria)<br />
AVE MARIA<br />
No Monte todo<br />
a noite desce…<br />
reza uma prece<br />
Ave Maria<br />
Ave Maria<br />
QUADRADO<br />
(carregam o corpo de CEZAR para um quadrado de luz verde onde estão os feridos sangrando; neste quadrado um<br />
losango amarelo, onde instalam o corpo agonizando e sangrando; no centro uma bola de luz onde há o trono de<br />
Cezar, o barril de pólvora. A bandeira Brasileira de luz pra onde vem oficiais de toda direção e vão fazendo um círculo<br />
que vai encontrar-se na ponta com o Coronel Tamarindo, vindo do lado norte, farda estirada, sangrada, queimada,<br />
visivelmente comovido e abalado; o círculo se faz em torno do Coronel e o acua até o Barril de Pólvora Trono. Fileiras<br />
desunidas e bambas, a oficialidade, os feridos, as ambulâncias, o trem da artilharia, os cargueiros. Todos imóveis<br />
como um museu de cera escutando a Ave Maria, ouve-se a respiração de Moreira Cezar que tem a seu lado o Cabo<br />
102
Wanderley, compungido; luz diferente focando a agonia; no centro, sentado no barril, Coronel Tamarindo)<br />
NOVO CEZAR<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
(chorando preparando seu cachimbo)<br />
Quem sou eu<br />
Oh meu Deus!?<br />
Pra assumir esse comando<br />
sem salvar meu próprio batalhão,<br />
em aflição<br />
no rio sangrando?<br />
Sou homem avesso a bizarrear façanha,<br />
contra meu querer fui incluído nessa campanha.<br />
Pobre comprimido corpo expedicionário,<br />
preocupado só em evitar o adversário<br />
tão ansiosamente procurado,<br />
é agora esse traste embolado.<br />
Animais, fardas, canhões sem artimanha<br />
entupindo uma dobra de montanha…<br />
(Cessa a Ave Maria. Silêncio escuridão do mundo; as estrelas de calor nos céus; braseiros dos incêndios na terra no<br />
lado de Canudos.)<br />
MÉDICO<br />
(exausto, com as roupas sujas de sangue, chamuscadas, para Tamarindo, falando baixo enquanto se ouvem gemidos<br />
baixos, e relinchos)<br />
Médicos reduzidos<br />
não bastam pro número de feridos<br />
corpos pisados… por cavalos espavoridos,<br />
se arrastam de sede, dores,<br />
centenas, gemendo horrores<br />
não se pode bem curá-los no escuro<br />
se luz de um fósforo, rápido fulguro,<br />
dizem: é risco,<br />
então desisto, não me arrisco.<br />
Por enquanto só um morto<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
E o nosso ainda Cezar<br />
MÉDICO<br />
(olham pro corpo de Cezar e do Cabo Wanderley que ao seu lado reza)<br />
Só com muita reza<br />
(cochichando mais, olhando Moreira Cezar)<br />
o inferno espera o outro consumido<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Médico vexante<br />
fosse eu um comandante,<br />
te mandava chicotear<br />
(o médico se retira)<br />
de uma catástrofe, sou herdeiro forçado, que roubada,<br />
delibero o nada.<br />
CUNHA MATOS<br />
(acompanhado do Comando Maior)<br />
Esse cerro está demais do inimigo aproximado,<br />
promíscuo, essa noite pode ser assaltado.<br />
É forçoso abandoná-lo comandante<br />
arrastando canhões, nesse instante.<br />
Iniciem-se as deslocações.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
(explodindo)<br />
Comandante? De um Comando que comandas<br />
Senta aqui neste barril, explode, tu mandas!<br />
(contendo-se depois de uma cachimbada)<br />
Eu aqui entronado à força neste tambor<br />
vivendo o estoicismo da dor<br />
do meu próprio desalento<br />
abdico desse meu tormento.<br />
Meu único Ministro,<br />
meu Canudo de Pito<br />
recomenda: levantar a turba esmorecida<br />
é pra gente valorosa, como há aqui, esclarecida<br />
CUNHA MATOS<br />
103
Ninguém na oficialidade está pronta ao sacrifício.<br />
Velho comandante, sinto,<br />
só vós pra este ofício.<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
(explodindo novamente)<br />
Cunha Matos, pára com isso, dói!<br />
Quer me passar tua pinta de herói?<br />
(acalmando-se com outra canudada)<br />
A coletividade presa de violenta emoção<br />
precisa de um Ham-let de decisão<br />
minhas qualidades pessoais, mesmo antes<br />
nunca foram brilhantes.<br />
Quedo-me impassível,<br />
é mesmo inadmissível<br />
alheio à ansiedade geral…<br />
Minha ordem da noite afinal<br />
pra quem a vida preza:<br />
passar meu reinado ao comando de outro Cezar.<br />
Quem tiver perna que corra<br />
Quem tiver cansado morra<br />
É preciso nascer duas vezes<br />
Pra <strong>luta</strong>r nessa gangorra.<br />
(cantarolando como uma folclórica nordestina)<br />
É tempo de murici<br />
cada um cuide de si.<br />
(silêncio escandalizado)<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
É possível revide, novo assalto<br />
a força pega o inimigo incauto.<br />
Antes do despontar da manhã<br />
despontar em arremetida sobre os fanáticos.<br />
(explodindo, mas mantendo como todos um falar soçobrado por causa da agonia de Cezar)<br />
A vitória deve ser alcançada<br />
a despeito de tudo que tenha que ser sacrificado.<br />
Nos quatro lados desse quadrado mal feito<br />
joga-se o destino da República, seu conceito.<br />
É preciso vencer.<br />
Repugna<br />
revolta<br />
humilha<br />
angustia<br />
é de matar<br />
é de morrer<br />
essa situação ridícula mas grave, infernos!<br />
Aqui no meio de canhões modernos,<br />
carregando armas primorosas,<br />
sentados um bando de medrosas<br />
sobre cunhetes repletos de cartuchos…<br />
dando-nos aos luxos<br />
de sermos encurralados sem ficar putos<br />
por uma turba de matutos!<br />
CUNHA MATOS<br />
Veja a tropa que chegou horas antes,<br />
entusiasta na vitória, confiante<br />
e a que aqui está agora,<br />
vencida, patética, por fora<br />
uma solução única pode ser patenteada:<br />
TAMARINDO E CUNHA MATOS<br />
a retirada.<br />
(Vão até o lugar onde está estirado Moreira Cezar tendo ao lado o Cabo Wanderley que a tudo segue reagindo; as<br />
crianças segurando nas mãos do chefe sentadas no chão. Médico)<br />
CUNHA MATOS<br />
Coronelíssimo Moreira Cezar,<br />
eu Major de Infantaria Cunha Matos<br />
incumbido estou por nosso Oficialato<br />
À cientificá-lo de nossa resolução pro agora<br />
à Vigésima Terceira Hora.<br />
Nós oficiais reunidos<br />
votamos decididos:<br />
por maioria está decretada<br />
104
para esse instante nossa retirada<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(olha a todos, aperta as mãos das crianças que choram, olha o Cabo, olha o Comando, começa a rir, depois a chorar,<br />
cai a máscara, agora sinceramente explode como um vulcão, tudo que segurou na vida)<br />
Está Impugnada<br />
(perde a força, o médico aproxima-se, ele o afasta emocionado)<br />
Estou dolorosamente surpreendido<br />
E ofendido, ofendido<br />
(abraça sua criança mais querida, chorando baixo)<br />
meu amor à arte militar<br />
me pede Cezar, acalmar…<br />
(tentando ser racional)<br />
Considerem oficiais, na cena das campanhas<br />
inflexível dever militar, dar suas entranhas<br />
à quem não se dá, posso friamente demonstrar.<br />
Há todos os elementos para um novo embate<br />
mais do terço da tropa está apta pro combate<br />
há dois terços de munição<br />
há talvez oitocentos soldados aptos pra ação<br />
Não é Rocha, Salomão<br />
SALOMÃO<br />
(Salomão tenta conter o choro mas não consegue)<br />
Capitão fui voto vencido.<br />
Sim temos sobre o inimigo, domínio renhido.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(num crescendo de cólera e de angústia, ajoelha-se)<br />
Será uma mácula pra eternidade<br />
a sombrear meu nome na crueldade<br />
Não me sacrifiquem!<br />
(levanta-se com dificuldade)<br />
minha ordem do dia<br />
a essa incomensurável, profana cobardia.<br />
CABO WANDERLEY<br />
(que está prostrado junto ao corpo de respiração agonizante de Moreira)<br />
Porque meus superiores intensificam a agonia<br />
do mais valente herói do nosso dia.<br />
CORONEL MOREIRA CEZAR<br />
Eu ainda sou o Cezar da Terceira Expedição<br />
Dou a minha última ordem atenção<br />
Ordenança faça uma ata, dito<br />
(O Ordenança vai escrevendo num livro militar)<br />
Declaro que hoje, dia três de março de l897<br />
deixo aqui registrado meu, tirem o casquete!<br />
A repugnante covardia de meus oficiais vírgula<br />
apesar de termos condições de avançar ideais vírgula<br />
vergonhosamente vírgula<br />
plenos de efetivos vírgula munições vírgula<br />
recuam para a vergonha nossa entre as nações.<br />
Não sejam somente palavras vazias a ditar.<br />
Declaro nesta,<br />
meu abandono da carreira militar.<br />
Ponto Final.<br />
CABO WANDERLEY<br />
(hesita)<br />
Ilustre Cezar… não se pode abandonar<br />
o que é nossa vida, nosso corpo, nosso amar!<br />
MOREIRA CEZAR<br />
Obedeça-me fiel Ordenança<br />
que meu ato vire eterna lembrança<br />
de amor contra o vilipêndio da carreira militar.<br />
(No Arraial mantras e cânticos noturnos são entoados, avesmarias, enquanto fumam a jurema, e cantam a sua Ave<br />
Maria: as juremas, revigorando-se para o combate)<br />
TEN PIRES FERREIRA<br />
Tive eu, na primeira,<br />
na segunda,<br />
e na terceira expedição<br />
um milagre, a ressurreição,<br />
vi com meus olhos, quatro cabecilhas<br />
105
que foram mortos em pilhas<br />
por pedras massacrados no ensaio do Cambaio;<br />
reincorporados<br />
Ressuscitadas<br />
CORO DE SOLDADOS<br />
São <strong>luta</strong>dores-fantasmas,<br />
Invisíveis ectoplasmas<br />
Antônio Conselheiro,<br />
um sem par feiticeiro<br />
tudo que profetizou está acontecendo<br />
em catástrofe tremenda!<br />
SENTINELAS<br />
(Cabeceavam nas fileiras frouxas do quadrado, despertaram de repente tremendo, segurando grito de alarma)<br />
Não é um surdo tropear de assalto. É pior Cezar<br />
O inimigo, no arraial invisível de novo reza ladainhas tristes não de auto piedosas<br />
Mas de mulheres, sambistas punks, indecorosas<br />
O burburinho deixa a soldadesca pasma,<br />
kyries resfolegantes entre gozos e asmas<br />
piores que intimações enérgicas,<br />
reagir a essa mantra lisérgica transfigurada,<br />
em fé religada.<br />
MOREIRA CEZAR<br />
(Olhar fixo nos seus meninos e herdeiros, vai deixando a vida, um último ataque, seguido de uma catarse, uma calma<br />
estranha, ouvindo os mantras suaves sorrindo para as crianças com olhar profundo de quem aceita)<br />
Minha espada pra minha criança adorada<br />
Seja passada<br />
(Cabo Wanderley faz esse rito final, a criança chora, mas segura com um sorriso olhando despedindo-se do chefe)<br />
CABO WANDERLEY<br />
(muito baixo, reza, mostrando seis balas nas suas mãos)<br />
Covardes balas, de teus buracos retiradas<br />
relíquias eternas a partir de agora sagradas!<br />
(perplexo olhando o brilho solar do olhar de Cesar, que a câmera de vídeo capta e amplia pelo espaço)<br />
Deuses! Olhar de Cezar emite luz final de farol<br />
Turbilhão de vida da morte nessa meia noite: um sol!<br />
(Moreira olha para o público, para todos, sorri com seu olhos faróis bem abertos, despedindo-se. )<br />
MÉDICO<br />
O Coronel Moreira Cezar acaba de falecer.<br />
(O cabo desata em pranto. Um minuto de silêncio; o sol começa a nascer e começa a operação de retirada da tropa.<br />
Os Cavalos da Contra-regragem vestem as Mochilas nos Oficiais e Soldados. Toque de retirada. Fingem um enterro,<br />
mas estão com as armas apontadas para os dois lados e estão realmente se mandando. Saem organizadamente<br />
com uma solenidade fúnebre e cautelosa, mas que de repente vai se acelerando, de repente VIOLENTA VAIA dos<br />
jagunços e do público.)<br />
SOLDADO VANGUARDA DA DESERÇÃO<br />
Cezar Morreu! É o que faltava, O Empurrão !!!!<br />
Eu sou a vanguarda da deserção<br />
(os soldados começam a vaiar a oficialidade)<br />
Faluja Faluja<br />
Não é retirada<br />
É Fuja!<br />
SOLDADOS<br />
Faluja Faluja<br />
Não é retirada<br />
É Fuja!<br />
(ri, chora, a tropa no tumulto atropelado vai atrás cantando o refrão; força constituída por praças de todos corpos<br />
abala, e vai num desfile desvairado em fuga de ambulâncias, cargueiros, padiolas; uma especial segurada pelo Cabo<br />
Wanderley - a do comandante malogrado subindo pelos vários andares das estruturas)<br />
SERTANEJA(O)S<br />
(antes contemplam pirados a fuga, num ritmo sertanejo de caça em perseguição)<br />
Quem queria botar medo<br />
Foge todo amedontrado<br />
Vai soltando os torpedo<br />
Dos peido todo cagado<br />
(A Igreja Nova explode descargas e todos fogem com mais pavor, enquanto os sertanejos como num circo, vaiam,<br />
sibilam, gargalham, pateiam. O sineiro bate desabaladamente o sino; o público sertanejo aplaude)<br />
106
CORONEL TAMARINDO<br />
(vem vindo da contramão da fuga a cavalo,começa a fazer uma feitiçaria chamando o duplo do seu corpo, o herói.)<br />
Esta cena enquadro<br />
como um raivoso cão ladro<br />
toda a mais maligna natureza<br />
me contagie, vem baixeza,<br />
(tambores dos baixos de seu corpo)<br />
me penitencie anti-herói da dor<br />
da minha fraqueza anterior<br />
faz me socorrer no ódio,os soldados<br />
sangrando em Canudos isolados.<br />
(persegue os Corneteiros em fuga)<br />
Corneteiro não vira desaparecido<br />
Toque em repetido,<br />
ordeno, pauto:<br />
“meia volta, alto!”<br />
(as notas das cornetas convulsivas emitidas pelo corneteiro sem fôlego, vibram inúteis)<br />
CUNHA MATOS<br />
(a cavalo passa gritando)<br />
D E B A N D A R!!!!!!!!<br />
(CORONEL TAMARINDO indignado engatilha revólveres ao peito do Oficial foragido)<br />
CUNHA MATOS<br />
Cezar! Cezar !<br />
É o que tu prezas!?<br />
É tarde Tamarindo<br />
Volta pro teu cachimbo<br />
(Tamarindo não consegue atirar. Cunha Matos foge)<br />
CORIFEU DESERTOR<br />
À toa pelas veredas…<br />
Abaixo a formatura, na aventura da loucura!<br />
DESERTORES EM DEBANDADA<br />
(percebendo Tamarindo armado)<br />
E agora?<br />
Nós desertores cercados<br />
Entre um Oficial armado<br />
e os jagunços alucinados?<br />
(se jogam no chão entre o fogo cruzado de Tamarindo e Pajeú)<br />
PAJEÚ<br />
(aparece de soslaio)<br />
Ataquem os oficiais graduado<br />
os de botão dourado<br />
na estrada dando bandeira.<br />
Os soldados, deixem na besteira.<br />
(jagunços miram nos ouros, nos botões e nas roupas mais suntuosas, abso<strong>luta</strong>mente distintas da dos soldados;<br />
oficiais caem alvejados)<br />
Ah Jesuíno tava no faro do minotouro preto<br />
(abrindo os braços, bem sensual)<br />
Cheira meu cheiro de bicho perfumado, galeto<br />
JESUINO<br />
(se rastejando como um bichinho, cheirando o chão)<br />
Minotouro Perdão<br />
Eu beijo teu chão!<br />
PAJEÚ<br />
Cagão! Não merece que te leve de novo ao espeto.<br />
O Minotouro é rei,<br />
ele pode, ele te solta.<br />
Some e não volta<br />
(Guia Jesuíno, desmaia quase, tenta ir, Pajeú se tocaia; Jesuíno, arrasta-se até o Cabo Wanderley, agarra-lhe o<br />
braço que está carregando o cadáver de Moreira Cezar com as 3 crianças adoradas)<br />
Ordenança teu braço que me sustenha<br />
Fui vosso guia, me mantenha!<br />
(o Cabo tira o braço)<br />
CABO WANDERLEY<br />
De Cezar levo o corpo<br />
Não profane este morto!<br />
(Jesuíno foge espavorido correndo como um bicho e se embrenha nas veredas)<br />
107
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
(Corifeu e Coro na pista correndo no mesmo lugar, nas argilas de cocôs cagados)<br />
Sou vanguarda da debanda<br />
Tropa corre não mais anda<br />
Espingardas<br />
(levanta a espingarda)<br />
CORIFEU E CORO<br />
(jogando as armas)<br />
Abandonadas.<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
Peças dos equipamentos<br />
(comboios, com remédios, peças de canhões, barris de pólvora)<br />
CORIFEU E CORO<br />
Com as cagadas<br />
(soltam os equipamentos na merda)<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
Padiolas dos feridos<br />
CORIFEU E CORO<br />
(arreando os feridos que protestam)<br />
Arreadas<br />
FERIDO<br />
Socorro! Alguém me leva daqui!<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
Oficiais ou soldados<br />
CORIFEU E CORO<br />
(livram-se dos feridos que caem na merda - oficiais e soldados que clamam juntos de maneira diferente)<br />
Abandonados<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
E os mortos<br />
CORIFEU E CORO<br />
Fiquem aqui pra serem secados.<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
Dai a Cezar o que é de Cezar<br />
CORIFEU E CORO<br />
Urubus esfomeados.<br />
(as crianças que carregam o cadáver de Moreira Cezar, o boneco vodu da Feticeira, vão deixando: um, dois, e fica<br />
somente o Cabo Wanderley e a Criança Adorada, ao lado do Cadáver de Cezar que cai sobre a própria padiola<br />
virada tapete do chão; os demais desertores que correm, avançam todos cinco passos pra deixar visível o corpo do<br />
Coronel nos braços do Cabo Wanderley, música longínqua de corneta tocando um toque de heroísmo fúnebre que<br />
compõe a cena de heroísmo, criada por Wanderley; A PRÓPRIA LUZ, O DESENHA, ESCULPINDO-O COMO UMA<br />
ESTÁTUA: O ORDENANÇA SOLIDÁRIO COM SEU CHEFE; um desertor até fotografa, todos olham a cena mas sem<br />
parar de correr simulado)<br />
CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />
E o Cabo Wanderley?<br />
CORIFEU E CORO<br />
Fica aí imortalizado.<br />
(Todos olham pra frente e continuam a corrida simulada, mal se viram, o Cabo Wanderley chuta o cadáver na estrada<br />
e corre simulado no mesmo lugar; a Criança Adorada tira a espada e ameaça Wanderley, se encaram. Wanderley,<br />
a contra gosto, empunha a sua arma e mata a criança. Tema Musical, Leit Motivo do Desespero da Cena; somente<br />
depois entra Cunha Matos que não olha dos lados)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Cunha Matos Filho da Puta, Covarde, Caralho!<br />
(Cunha Matos desaparece… Cabo estafado)<br />
Meu Reino por um cavalo.<br />
(está meio vário, vai entrar numa vereda, no meio do publico, a Zabaneira o segura)<br />
ZABANEIRA<br />
(dá-lhe água)<br />
Não quero que você se desgarre pro deserto<br />
Na estrada anda, certo?<br />
108
Não quero você pra sempre perdido,<br />
agonizando, morrendo secando esquecido<br />
Eu fico aqui, certo?<br />
(ele titubeia, ela lhe cobre a cabeça, pra proteger do sol)<br />
Fica esperto, vai embora!<br />
Se quiser me encontrar é aqui perto,<br />
Certo? Certo?<br />
(VÍDEO FILMA A VANGUARDA NO SEGUNDO ANDAR GERAL DAS ESTRUTURAS)<br />
CORIFEU VANGUARDA E DESERTORES<br />
Os cinturões,<br />
CORO<br />
Desapertar<br />
(barulho dos cinturões dentro do ritmo)<br />
pra na carreira desafogar<br />
CORIFEU<br />
Dólmãs,<br />
CORO<br />
Arrancar<br />
CORIFEU<br />
Calças carmesim,<br />
CORO<br />
deixar cair assim<br />
CORIFEU<br />
diante do inimigo,<br />
não basta desarmados<br />
CORO<br />
pelados… pelados… pelados… pelados… pelados…<br />
(vão sumindo enquanto entra a Artilharia com as Krupps)<br />
ARTILHARIA<br />
(vagarosa, unida, solene quase; um desfile militar que para de vez em quando pra disparar nas margens das platéias,<br />
margens traiçoeiras; vê os pelados que desceram para a pista e atira)<br />
CORO DOS PELADOS<br />
Tiros de caçadores<br />
nos caçando!<br />
Caçados!<br />
Caçados…<br />
(caem mortos, alguns das estruturas. Salomão da Rocha fala para o inimigo no Vazio aparentemente despovoado)<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Jagunçada de Merda!<br />
A dissolução da tropa no aço dos meus canhões estaca<br />
nossa guarnição diminuta se destaca…<br />
Galvanizada pela força de valentões!<br />
(Os sertanejos em torno da Artilharia vão aumentando cada vez mais, perseguidores cercando a Artilharia por quatro<br />
Cantos)<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Krupps<br />
Agrupes<br />
Deixem escapar<br />
o resto da expedição<br />
Sejamos dela o escudo<br />
Mas pra Canudos<br />
Cospe fogo na ousadia<br />
Deusa Bateria<br />
na Marcação<br />
(SERTANEJOS vão ao encontro das Krupps; a trupe desrepresa, aduna-se, avoluma-se, atira, recua… desrepresa,<br />
aduna-se, avoluma-se…)<br />
SALOMÃO DA ROCHA<br />
Ao meio parto adutora<br />
tua onda rugidora<br />
descargas arrebentar<br />
fulminar!<br />
109
(vem a carga em cima dos sertanejos; muitos tombam, brados de cólera, de dor; tontos de fumo, saltam dos<br />
esconderijos em chamas, rompem na estrada sertanejos em chusma, saltando, gritando, correndo)<br />
SERTANEJOS<br />
Resistência assombrosa<br />
represas lambamos essa coragem sem prosa<br />
(desrepresam, adunam-se, avolumam-se, atiram)<br />
JOÃO ABADE<br />
Jagunçada<br />
em cima à foiçada!<br />
(Os movimentos de represa dos sertanejos, vão constringendo a pouco e pouco o círculo do ataque; a bateria pára,<br />
não pode mais, os canhões emperrados; Salomão cai retalhado junto aos canhões que não abandona, imobilizam-se<br />
no caminho… Tamarindo entra na pista apontando para o Corneteiro)<br />
CORNETEIROS<br />
(As notas das cornetas vibram inúteis… Cessam)<br />
Não tem a quem chamar chefia…<br />
Desapareceu a infantaria, artilharia, cavalaria…<br />
(na estrada, vê-se apenas peças esparsas de equipamentos, corpos, mochilas, espingardas, cinturões, sabres,<br />
jogados a esmo por ali fora, como coisas imprestáveis)<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
Inteiramente só,<br />
sem uma única ordenança,<br />
lanço-me só, tenho esperança<br />
vou conter pessoalmente<br />
essa vanguarda indecente.<br />
Meu cavalo, a galope!<br />
Pela estrada cospe…<br />
(Ruído de cavalos. Tamarindo cai precipitado do cavalo por uma bala. O Corneteiro o acode)<br />
CABO WANDERLEY<br />
Tamarindo, te alcancei,<br />
Nem sei por que voltei…<br />
CORONEL TAMARINDO<br />
(Caído sobre a ribanceira do Rio, murmura)<br />
Minha última ordem:<br />
Procure o Cunha Matos…<br />
(Tamarindo continua vivo, Cabo sai pra cumprir sua última ordem; O Corneteiro de desvaira diante o trágico cenário e<br />
vaga tentando re-descobrir seu instrumento. Thimóteo acerta-o dentro da corneta, e um SOM INTENSO E TRÁGICO<br />
MUSICAL-INSTRUMENTAL entra e estoura o Corneteiro.<br />
A pista fica isolada, silêncio; fica entregue a si mesma e ao público, estranhos frutos, no meio dessa <strong>luta</strong>. Depois<br />
desta pausa cheia, vão entrando num solene de vingança, equilíbrio ecológico, os jagunços e as Mandrágoras. Estão<br />
todos virados, rito silencioso, cantado depois pelo Estranho Fruto; vão com a precisão visual e manual de artistas<br />
plásticos realizando mudos uma instalação internacional de beleza e horror, tomados; Descobrem Tamarindo ainda<br />
vivo, despem-no e o colocam no trono-barril de pólvora como espectador especial de seu rito, no lado sul no centro,<br />
em frente a porta grande do teatro.<br />
Vão recolhendo o que jaz pela estrada, pelos lugares próximos esparsos; corpos, mãos, almas, recolhendo<br />
maníacamente; os jagunços as armas, munições… enquanto as Mandrágoras apanham as peças dos fardamento,<br />
com precisão e dançando sutilmente uma dança quase surda, de cumprimento de uma ação necessária, em quase<br />
câmara lenta; enquanto os jagunços em todo espaço do Angico até Canudos, todo o Teatro, vão esvaziando esse<br />
arsenal desarrumado, ao ar livre, puxando encantados as “rainhas do mundo” pro arraial: as Krupps; Uma está<br />
emperrada, o BIGORNEIRO maneja, vê que está travada e sai para uma Oficina de Ferragem, para virar bigorna;<br />
olha o que está escrito no aço, passa os dedos, murmura:)<br />
FERREIRO SERTANEJO<br />
Essen…<br />
(trocam espingardas velhas de carregamento moroso pelas Mannlichers e Comblains fulminantes enquanto as<br />
Mandrágoras<br />
vão recolhendo fardas, cinturões, bonés, sapatos como se pegassem em coisa contaminada, ou material atômico,<br />
trazendo até panos de muçulmanas que colocam no nariz como enojadas, pelo mau cheiro; as Mandrágoras vão<br />
separando as coisas; dependuram nos arbustos mais altos da estrutura, e talvez num varal de cipós, ou uma latada,<br />
os restos de fardas, calças, dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e<br />
mochilas, pendurados, lateralmente na pista…<br />
Junto, no centro, o dinheiro, o soldos todo dos oficiais e soldados, que quando <strong>parte</strong>m levam o que tem nos bolsos,<br />
na hora da debandada. O dinheiro do soldo, num lugar bem desenhado vai sendo amontoado para ser queimado.<br />
Juntam ao dinheiro coisas pequenas, carteiras, objetos, fotos, detalhes encontrados, fotos de esposas, celebridades,<br />
carteiras de banco, documentos de identidade, cartões de crédito.<br />
Sertanejos reúnem os cadáveres e fazem uma alleiona com os corpos nus. As cabeças regularmente espaçadas,<br />
fronteadas, olhando para o teto dos céus do Teatro.<br />
Silencio intenso. Todas Mandrágoras com peixeiras, uma Coriféia dá O SINAL. Levamtam torso dos cadáveres até<br />
110
o Centro da Pista. O corpo clone do boneco de Moreira Cezar trazido por Helena. Decapitam todos os corpos ao<br />
mesmo tempo, sob o Comando da Coriféía do Gol Sul. A Coriféia Nossa Senhora Mata Hari, atravessa a pista com o<br />
fogo e outra Coriféía com o Sangue. Juntam-se e destripam o Coronel. Juntam-se, queimam o dinheiro e um pedaço<br />
de carne.<br />
A Mandrágora da Voz que não é vista mas ouvida, entra e sola o Estranho Fruto de todas as decapitações capitais do<br />
capitalismo deste nosso instante de Guerra Mundial)<br />
ESTRANHO FRUTO<br />
Nos arbustos marginais<br />
onde ninguém alcança<br />
calças e dólmãs<br />
multicores de festança,<br />
restos de fardas,<br />
selins, cinturões, capotes, mantas,<br />
quepes de listras rubras,<br />
cantis e mochilas tantas<br />
Caatinga nua, mirrada<br />
aparece de repente<br />
de estranhos frutos carregada<br />
desabrocha, florescente.<br />
Colorida extravagantemente<br />
no vermelho forte das divisas,<br />
no azul desmaiado dos dólmãs<br />
nos brilhos dos talins das chapas vivas<br />
Aroma fresco e doce<br />
da carnaúba copada<br />
invadido pelo cheiro repentino<br />
da carne queimada.<br />
(As Mandrágoras pegam o corpo do Tamarindo, do trono do barril de pólvora, levam seu corpo até Jardim, diante da<br />
Cezalpina, o Angicão do Teatro Oficina, no alto do Janelão. Os Jagunços sobem com o corpo; em baixo Mandrágoras<br />
erguem um longuíssimo tyrso e enterram entre as pernas no parangolé do cú de Tamarindo. Uma Barriga envolvendo<br />
o cú e a pança, deixando o pau de fora, que permita que entre o cano pelo cú e saia pelo peito, quer dizer, em sua<br />
boca. Tamarindo geme, grita. Empalam lentamente.)<br />
MANDRÁGORA ESTRANHO FRUTO<br />
A uma banda avulta,<br />
num galho seco empalado,<br />
protagonista do drama,<br />
estranho fruto dependurado,<br />
o velho comandante<br />
dançando, indo e vindo<br />
com a brisa do nordeste<br />
o coronel Tamarindo.<br />
Aqui está uma fruta<br />
para os urubus bicarem<br />
para a chuva lavar<br />
para os ventos secarem<br />
Aqui estão estranhos frutos<br />
neles o sol se deita<br />
para as árvores derrubarem<br />
azeda e estranha colheita<br />
APODREÇA<br />
(A Mandrágora do voz, vai dando as últimas notas, até a ultima como Bidu Saião na famosa boca chiuzza do final<br />
da bachiana numero 5 de Villa Lobos, no escuro silencioso… somem do espaço do Angico as Mandrágoras, artistas<br />
plásticas ocultas no espaço… e deixam, uma exposição, onde ficam as cabeças iluminadas dos soldados pelas<br />
ribaltas, suas roupas estiradas ocupando o espaço vertical lateral do teatro. Mantos, Fardas, azuis e carmim, luz<br />
especial nas pratas dos talins e das esporas. Silencio, venta… o fantasma balança…)<br />
FANTASMA DE TAMARINDO<br />
Lúgubre espantalho, manequim,<br />
meu cadáver desaprumado, no começo do fim…<br />
braços e pernas pendidos,<br />
ao vento oscilando gritos dos esquecidos<br />
no galho flexível da asa do anjo, angico vergado,<br />
apareço nos ermos um endemoniado…<br />
Eu o Espectro do velho comandante permaneço balançando longo tempo, não esqueço<br />
no Angico, no caminho de Canudos ao Rosário, vário,<br />
eterno luto<br />
estranho fruto<br />
111
RUA DO OUVIDOR<br />
112
(O Cenário do Angico termina por ser um happening num programa de Tv transformando o Oficina em Rua do<br />
Ouvidor, num programa especial, sobre o acontecimento da reação cruel sertaneja diante da derrota da terceira<br />
expedição. As Luzes caem, o público aplaude e os atores nús performers presentes em cena agradecem<br />
solenemente para os dois lados, apontam para a entrada dos atores para agradecerem como no final da peça mas<br />
entra LUCIANTA PATRÃO paranóica, com a Overture de seu programa com um tom inédito para a ocasião, devido as<br />
últimas notícias da Expedição Moreira Cesar. Vinheta de TV de seu programa com o Toque da Paranóia do Momento.<br />
Tabuleteiros com textos para reação do Público RUA OFICINA UZYNA UZONA DO OUVIDOR On Line. Entram<br />
pipoqueiros, cachorro quente.)<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
(iniciando sessão. As personagens das mídias vem do público como entidades de uma Umbanda Midiática. A Música<br />
deve juntar os sons de cada entrevista gravada, com a ambiência de Paranoia e desejo de Paz do Programa,<br />
cercado pela ameaça do tropel sonóro de Barbaros.)<br />
Boa Noite opinião pública nacional e internacional!<br />
(TABOLETEIROS: Taboletas escritas BOA NOITE, o público repete)<br />
Encerrando a programação nesta noite, muito especial,<br />
aqui na Rua Oficina do Ouvido Ouvidor,<br />
Muvuca per e reper cutindo alegria e dor.<br />
Depois da performance chocante desses meninos<br />
A Republica clama do fundo dos seus hinos!<br />
(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; Introdução ao Hino da República)<br />
Dia 4 de março de 1897 dígito. 2005<br />
EM VÍDEO E AO VIVO<br />
REPÚBLICA<br />
(Toda entubada numa cama de UTI, toda monitorizada, Estátua da Liberdade passando mal)<br />
Eu República estou a perigo<br />
é preciso salvar a República,<br />
(TABOLETEIROS com escritos de VAMOS SALVAR A REPÚBLICA!)<br />
que o Presidente chame às armas<br />
os republicanos de todas as tendências<br />
contra o Cartel de Canudos<br />
(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; vem entrando o Tapete Orelhão que é instalado no Centro da Pista trazido por<br />
um ator de Peter Brook, A banda de Brook se instalada com seus musicos Suffi)<br />
LUCIANTA<br />
No meio desta Guerra<br />
Saiamos do Teatro em Paz com a nossa Terra<br />
Ela Sua Santíssima Santidade não está mais entre nós, agora sem truques,<br />
Nossa Homenagem ao Papa do Teatro<br />
Bendito seja este Tapete da Paz e a Banda Peter Brook.<br />
(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS. Alguém se comunica com Lucianta pelo ponto eletrônico avisando que o<br />
presidente vai entrar no circuito ao vivo)<br />
LUCIANTA<br />
Atenção, desculpe uma interrupção,<br />
mas o Presidente da República está aqui no fim desta apresentação<br />
e vai falar sobre as barbaridades que acabamos de assistir.<br />
BUSH VÍDEO/TRADUÇÃO AO VIVO<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
(Entra Bush ao Vivo e nos Telões e projetores, ao lado de Schwarzneger)<br />
We will destroy your town, Canudos.<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
Vamos batê-los na sua cidadela, Canudos.<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
(olhando e apontando para o Público)<br />
The country has their eyes fixed upon you<br />
and awaits your great deeds of bravery.<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
a Pátria tem olhos fitos sobre vós,<br />
tudo espera da vossa bravura.<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
The terrorist, the treacherous enemy who attacks us while hiding…<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
O terrorista, o inimigo traiçoeiro<br />
que não se apresenta<br />
que combate-nos sem ser visto,<br />
ARNOLD SCHWARZNEGER<br />
Sissies!<br />
Faggots!<br />
113
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
OS Maricas.<br />
(TABOLETEIROS MOSTRAM TABOLETA VERTICAL:<br />
MARICAS<br />
MARICAS<br />
MARICAS<br />
e puxam o público para dizer isto tipo torcida.)<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
Continuing, the enemy…<br />
Cowards, sissies.<br />
These are not men, these bloodthirsty monsters!<br />
However, they have suffered at our hand considerable losses.<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
Continuando, o inimigo…<br />
Covarde, maricas,<br />
não são “Homens” esses sanguinários,<br />
tem contudo sofrido perdas consideráveis.<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
They have been demoralized by our bravery and especially that of our hero, Colonel Moreira Cesar.<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
Estão desmoralizados por nossa bravura e principalmente pela da do nosso herói Coronel Moreira Cezar<br />
(Imagens de Moreira, com crianças, fundo da música Maicojéca - comida, como as homenagens que o Oscar faz<br />
aos Mortos.)<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
And if you stay steadfast<br />
in knowing that the best of America are the Americans,<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
E pois, se tiverdes constância,<br />
de saberem que o melhor da América são os americanos,<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
and if you are still the bravest men of all time,<br />
Canudos will be ours before the year is out,<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
se ainda uma vez forem os bravos homens de todos os tempos,<br />
Canudos estará em nosso poder antes do fim do ano.<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
terrorism will be terminated and we may rest in our home safely<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
O terrorismo terminará,<br />
poderemos ir descansar, seguros em nossas casas<br />
(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS)<br />
BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />
The Republic will be deeply grateful for our sacrifices.<br />
Long live Colonel Moreira Cesar.<br />
Ave Cesar!<br />
TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />
e a República saberá agradecer os nossos sacrifícios.<br />
Viva o Coronel Moreira Cesar<br />
Ave Cezar!<br />
(Lucianta faz o gesto de estender o braço e as mãos para puxar o público. TABOLETEIROS levantam: AVE CESAR.<br />
A Música paranóica, patriótica, continua.)<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
E agora no nosso programa,<br />
a tradição, a família e a propriedade do nosso Teatro Brasileiro,<br />
a esposa de Shakespeare praticamente, gente,<br />
comentando esse acontecimento criminoso, ela,<br />
Bárbara Heliodora!<br />
BÁRBARA HELIODORA<br />
(desce fechada, no palquinho dos músicos, a Cortina tipo Guilhotina; TAMBORES e BANDA fazem uma vinheta pra<br />
descida da cortina.)<br />
Do teatro Carioca da Rua do Ouvidor<br />
114<br />
Nossa Contrapartida mais que Social,
de Amor, sem Medo<br />
do grande Arthur Azevedo:<br />
O JAGUNÇO!<br />
Corto ESTA Fita de Inauguração<br />
Com GRANDE peça de Participação:<br />
(Introdução da Banda, bem ao estilo dos músicais atuais cariocas, cover dos americanos, misturados com o cover<br />
dos músicais de Luis Antonio. BÁRBARA corta a fita de inauguração e a cortina se abre; AS CORISTAS ENTRAM<br />
RASTEJANDO e logo que surgem, vão se levantando rápido: Introdução e Canto;)<br />
CORISTAS DO CÉUS<br />
Guerra, Guerra<br />
Que é dever de patriotismo<br />
Guerra, Guerra<br />
Pra defender nossa terra<br />
Guerra, Guerra<br />
Contra o negro fanatismo<br />
Marchar que a pátria espera<br />
Na primavera<br />
Um novo sol<br />
Guerra nesse céu de anil<br />
Viva a Tevê! Orelha do Brasil…<br />
(A música muda completamente, editando o programa que entra em outro bloco: sai o tema de Arthur Azevedo entra<br />
o tema paranóico que dá dinâmica ao programa do Lado Pânico)<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
Primeiro o mór<br />
espanto<br />
logo a seguir<br />
desencanto,<br />
geral,<br />
toma a opinião pública mundial<br />
um intenso agitar de conjecturações,<br />
sobre o inconceptível acontecimento sem explicações,<br />
o induzir quais as razões<br />
do esmagamento de tal força de combate,<br />
aparelhada e na chefia tendo chefe de quilate.<br />
Qual a sua impressão? Pé Frio?<br />
Professora da PUCUSP RIO, Doutora Inah Mestra Positiva?<br />
EM VÍDEO:<br />
INAH POSITIVA<br />
Nas capitais, federal e estaduais, insisto<br />
meia dúzia a nível de reacionários contemplativos, mansos, atuam em quisto, platônicos icônicos.<br />
Pareciam inofensivos elitistas<br />
mas a mídia personalista<br />
restaura a celebridade carismática monárquista,<br />
que hoje leva a essa situação anárquista.<br />
(TABOLETEIROS PEDEM APLAUSOS; Vinheta com algum tema de “A LUTA PARTE 1”, TRATADOS EM<br />
LINGUAGEM DEMAGÓGICA DE MÍDIA PARA APRESENTAR EUCLIDES DA CUNHA, CELEBRIDADE NO<br />
MOMENTO POR SEU CONHECIMENTO DO ASSUNTO)<br />
LUCIANTA PAULA PATRÃO<br />
E Com seu cãosinho Caxangá:<br />
o Doutor Euclides da Cunha?<br />
(TABOLETEIROS pedem APLAUSOS, Lucianta faz sua pergunta de improviso)<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
Canudos — uma diátese<br />
LUCIANTA PAULA PATRÃO<br />
Metátetese?<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
Diátese<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
Pode explicar aos nosso patrocinadores<br />
o significado desta expressão de doutores?<br />
(TABOLETEIROS pedem EXPLICA! EXPLICA! EXPLICA!)<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
(olho no olho do Público)<br />
Pode ser encontrado nos distúrbios dos sertões<br />
nascidos nas cidades,<br />
explosões de exclusões<br />
em São Paulo-Rio bumerangados<br />
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capital de alienados,<br />
em vastíssimas conspirações dos falcões<br />
contra as republicanas instituições.<br />
Canudos é uma Vendéia,<br />
um Iraque de Odisséia:<br />
por trás de um Pajeú, abro um véu de seda…<br />
o perfil arcaico da Al Qaeda;<br />
a dinastia Bragança em disponibilidade<br />
tem um Osama: João Abade.<br />
E Antônio Conselheiro<br />
Seu Papai Noel, seu Messias de pardieiro,<br />
toma nas mãos frágeis trementes<br />
os destinos de um povo de dementes.<br />
LUIANTA PATRÃO<br />
Que forte?!<br />
O sertanejo é antes de tudo um forte.<br />
(Vinheta de finalização do programa, a Boceta de Pandora trazendo uma Buceturna, uma Urna com essa palavra<br />
inscrita, coloca-se na Buceta de Renée)<br />
Auditório, agora é com você,<br />
porque no final,<br />
aqui na BUCETURNA,<br />
VOCÊS VÃO DECIDIR TURMA!<br />
(Acordes de Pã, de Pânico, pedindo Socorro!)<br />
Qual a solução?<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
Eu sou o primeiro?<br />
A solução é a 4ª Expedição!<br />
(entram acordes de preparação da Orquestra da Opera de Milão que se prepara para dar…não me lembro que<br />
Opera Marta viu????, mas é importante saber)<br />
EM VÍDEO:<br />
REGINA MARTA<br />
(chic em Roma)<br />
Regina Marta aviso República<br />
com competência<br />
na loucura, sou a tua consciência<br />
Se os Republicanos não ganharem a eleição,<br />
Se tua Buceturna não parir uma renovação<br />
nesta hora, o adversário,<br />
o monarquismo reacionário retomará sua posição.<br />
Maria Antonieta de Higienópolis<br />
destruirá você República, e a Megalopólis<br />
e a unidade do Brasil, do Sertão<br />
e das nossas plásticas de recuperação.<br />
(TABOLETAS: ELEIÇÃO 2006!; Volta o tema do Pânico)<br />
EM VÍDEO<br />
REGINA DUARTE<br />
Tenho medo.<br />
(Corta Tema do Pânico. Música Evangélica Gospel forte)<br />
EM VÍDEO:<br />
PERUA DE DEUS<br />
(texto do Video gravado)<br />
Eu sou a perua de Deus<br />
Só sabemos Ele e eu,<br />
o que com um golpe abala<br />
a instituição proclamada:<br />
é o movimento armado<br />
é fanatismo religioso,<br />
é o camuflamento de drogas que vai contra as instituições,<br />
e agem acelerado! irmão!<br />
CRENTE<br />
Aleleuia Irmãos!<br />
(TABOLETA: ALELUIA!; Corta Música Gospel; Vinheta semelhante ao programa de Boris Casoy)<br />
SR. VERGONHA<br />
A tragédia do nosso 3 de março<br />
amarra o cadarço.<br />
Partido dos sem rei,<br />
monarquistas fora da lei<br />
à sombra da tolerância do poder do Estado<br />
apóiam os movimentos das terras tomadas.<br />
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Terroristas defendendo a separação<br />
das nações civilizadas<br />
proclamando independência pro Sertão.<br />
Terra da Jurema e da Maconha!<br />
Isto é uma vergonha!<br />
EM VÍDEO:<br />
(o casal é meio marxista)<br />
CASAL<br />
HOMEM - É do fanatismo monárquico a restauração<br />
MULHER – conspira-se, sequestra-se,<br />
HOMEM - forma-se o exercito da destruição<br />
MULHER - com nossas próprias armas<br />
HOMEM - roubadas<br />
MULHER - patenteadas,<br />
HOMEM - importadas,<br />
MULHER - exportadas<br />
HOMEM - comercializadas<br />
MULHER - reguladas<br />
HOMEM E MULHER<br />
Proibidas!<br />
Cabeças Rolando<br />
parodiando<br />
Nossas Cabeças Roladas<br />
Público com o remédio corramos<br />
parelhas com o mal.<br />
O fanatismo monárquico está armado afinal<br />
Ás armas clamam os democratas republicanos.<br />
Presidente Convoque o Exercito Americano!<br />
EM VÍDEO:<br />
BOFFE VELHO EMBURRADO<br />
A mesma toada em tudo.<br />
Em tudo a obsessão do espantalho monárquico comuna Alalaô<br />
Transmudado em legiões tarahumarastupysnagôs<br />
Extudo.<br />
MANIFESTANTES EMPASTELADORES<br />
INCENDIÁRIOS PARAMILITARES<br />
(convocandoo público)<br />
Todos por um num desabafo!<br />
Em protesto soprar no mesmo bafo<br />
o fogo e tudo que arde<br />
antes que seja tarde.<br />
Neste pretencioso e interminável espetáculo,<br />
vamos lançar nossos tentáculos.<br />
Queimar tudo!<br />
Queimar Os Sertões e a Guerra de Canudos!<br />
(entram a Baronesa, a índia Divina e os monarquistas protestando)<br />
Cacetetes, fuzis canhão<br />
evitar qualquer assalto<br />
à liberdade de expressão.<br />
(a polícia exige que todos participem das manifestações)<br />
Quem não manifesta, não queima,<br />
vai preso, não teima!<br />
(ameaçando com as armas; TABOLETAS: QUEIMA! QUEIMA!<br />
Formam uma grande fogueira, com livro de OS SERTÕES; no vídeo o livro pegando fogo.)<br />
(UM ENORME CRISTAL DE PRISMA<br />
ORA SE TIRA A LUZ<br />
ORA SE REVELA<br />
SOMBRA)<br />
EUCLYDES<br />
(ao vivo filmado e projetado nos telões do incêndio, a Ponte de São José do Rio Pardo em construção ou já pronta.<br />
Euclides ao mesmo tempo do auto da fé de “ Os Sertões” fala em direto como público do Teatro. Luz do cristal<br />
iluminando no centro, ao lado do fogo ao vivo da Rua Oficina do Ouvidor onde “Os Sertões” estão sendo queimados;<br />
Todo teatro está tomado de Pânico, da Peste. Som Eletrificado da Corte em pânico)<br />
A rua do Ouvidor vale por um desvio das caatingas.<br />
A correria do sertão entra<br />
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arrebatadamente pela civilização adentro.
E a guerra de Canudos é sintomática apenas.<br />
O mal é maior.<br />
Não se confina num recanto da Bahia. Alastra-se.<br />
Rompe nas capitais do litoral.<br />
O homem do sertão, encourado e bruto, tem parceiros mais perigosos.<br />
Os meios mais adiantados<br />
encobertos de tênue verniz de cultura<br />
são trogloditas completos.<br />
EM VÍDEO JABOR, ou EUCLYDES AO VIVO:<br />
Revela que pouco nos avantajamos<br />
aos rudes patrícios retardatários.<br />
Estes, ao menos, são lógicos.<br />
Insulado no espaço e no tempo,<br />
o jagunço,<br />
um anacronismo étnico,<br />
só pode fazer o que faz<br />
bater, bater terrivelmente a nacionalidade que,<br />
depois de o enjeitar cerca de cinco séculos,<br />
procura levá-lo para os deslumbramentos da nossa idade<br />
dentro de um quadrado de baionetas,<br />
mostrando-lhe o brilho da civilização<br />
através do clarão de descargas.<br />
ANA DA CUNHA<br />
(pelas ruas como uma louca de Ópera de Carlos Gomes, culminando com o Vento Levou qaundo aparece Scarlet)<br />
Há muito boato, paranóia, fantasia<br />
Notícias dominando por um dia<br />
por uma hora ganham todas atenções,<br />
extinguem-se em minutos diante de efêmeras versões<br />
DIVA ENLOUQUECIDA<br />
Um alarma crescente covarde nos ares<br />
boatos medrosos boquejados no recesso dos lares<br />
à mentira escandalosa rola com estardalhaço pelas ruas<br />
uma tortura permanente de dúvidas crúas<br />
A cidade agoniza em colvulsão<br />
da Peste vinda do Sertão.<br />
EUCLIDES DA CUNHA<br />
(AO VIVO EM TORNO DO AUTO DA FÉ)<br />
Eu estou aqui, queimando tudo<br />
Eu ainda não fui à Canudos.<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
(Vinhetas do Fantástico Canástrico)<br />
Vinhetas do Canástrico?!<br />
Entramos em Conexão, Fantástico!<br />
A Noiva aqui está do depois de morto rei<br />
O já famoso Cabo, Wanderley!<br />
(TABOLETEIROS pedem APLAUSOS)<br />
VIUVA<br />
(NO CANÁSTRICO)<br />
Era meu noivinho<br />
O Cabo Wanderley? Pobrezinho!<br />
Um soldado humildezinho,<br />
Despertou o IBOP e no povo, póstumo carinho<br />
Gravei sózinha todas as personagens do seu martirio.<br />
(No ECRAN. Apanha o microfone, de Lucianta. Música como as que acompanham os programas deste tipo no<br />
Canástrico)<br />
De Moreira Cezar era Ordenança,<br />
quando a tropa desparatou sem esperança,<br />
e o cadáver de Cezar ficou abandonadinho<br />
à margem do caminho,<br />
Wanderleyzinho<br />
permaneceu <strong>luta</strong>dor leal ao lado do coronel,<br />
guardando-o como reliquia, como um anel<br />
por todo exército abandonado<br />
cuidando o Cabo,<br />
daquele ser sagrado.<br />
De joelhos junto ao corpo do comandante,<br />
não se rendeu<br />
até ao último cartucho se bateu<br />
tombando, afinal, sacrificando-se<br />
Jesus no Horto<br />
por um morto…<br />
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(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; música patriótica fúnebre, elegia de Villa-Lobos)<br />
LUCIANTA PATRÃO<br />
Público já somos um milhão neste momento<br />
Todo mundo pede: alistamento<br />
Homenagens cívicas solenes;<br />
Pra formação quarta Expedição, infurna<br />
Seus votos na BucetUrna<br />
O CABO WANDERLEY<br />
(entra no estúdio em trapos)<br />
Eu não morri, eu estou vivo.<br />
Descobri! Vivi, por teu amor.<br />
VIÚVA<br />
Não meu amor você é um fantasma.<br />
Eu sou viúva<br />
Esse programa está com um sucesso absoluto<br />
Você morreu<br />
(Joga seu luto sobre ele)<br />
E sai do estúdio…<br />
CABO WANDERLEY<br />
Você não me ama mais?<br />
ATRIZ VIÚVA<br />
Amo, morto.<br />
CAPITÃO CAVALO PEDREIRA FRANCO<br />
O Senhor morreu Cabo Wanderley<br />
Mas ressuscita em outro papel<br />
É promovido na hierarquia<br />
À Alferes da cavalaria<br />
(Hino como o da cavalaria Rusticana ou da Brasileira que deve ter seu Hino; recebe o título e o cavalo)<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Monte Santo atendeu a dadiva do meu retrato<br />
virei celebridade de fato,<br />
que barato!<br />
LEVANTAMENTO EM MASSA<br />
(CORAL DA MARSELHESA)<br />
PRESIDENTE DO CONGRESSO<br />
Eu, Presidente do Congreso Nacional, Severino,<br />
declaro que o Congresso decidiu<br />
pelo esmagamento do Crime organizado<br />
dos inimigos da República,<br />
armados pela caudilhagem monárquica<br />
revolucionária anárquica.<br />
Meu primo da oposição e minha sobrinha da situação<br />
estão unidos<br />
(Uma civil e Um Militar se dão as mãos.)<br />
apoiando todos os atos de energia cívica<br />
que o governo praticar pela desafronta ao Exército E à pátria.<br />
Esta conjunção, E , vale por cem páginas eloqüentes!<br />
O exército E a pátria!<br />
(HINOS RECENTES CANTADOS NO VATICANO NA AGONIA E FUNERAL DE JOÃO PAULO)<br />
VÍDEO:<br />
FANTASMA DO PAPA<br />
Aqui diante de Deus!<br />
Que me recebeu<br />
Rezem pro “Pace” em todas as heresias<br />
Línguas, povos, tiranias e democracias<br />
(MÚSICA DA PAZ DO INÍCIO DA LUTA RETORNA; pode ser o prelúdio de Piano de Villa-Lobos; a palavra PAZ é dita<br />
em várias línguas)<br />
PORTA VOZ DE PRUDENTE DE MORAIS<br />
(traz numa eletrola “His master voice, a voz gravada do presidente)<br />
O Governo começa a agir, atenções<br />
Agir é isto — agremiar batalhões.<br />
TENENTE PIRES FERREIRA<br />
Estão abertas inscrições<br />
para o preenchimento de vagas<br />
sem compulsões.<br />
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LUCIANTA<br />
Aliste-se!<br />
HOMEM BOMBA<br />
Jihad! Alalaô!<br />
Sono io, ingenheiri italiano, padeiro de panetone,<br />
adestrado nos polígono bravio do Afeganistone.<br />
(Pratica o Suicídio por Alá! Explodindo-se com uma bomba. Vai tudo aos ares. Luciana cai, grita. Pânico no Programa<br />
e no Teatro)<br />
CESAR SAIA<br />
Os jagunços já tomaram Monte Santo, Salvador, Maçacará e o Iraque.<br />
Marcham convergentes para o sul,<br />
acrescidas de novos contingentes,<br />
demandam o litoral,<br />
avançam agora sobre o Rio de Janeiro<br />
onde querem derrubar o Corcovado<br />
e a TV Globo, o Projac Inteiro!<br />
(Imagens do Corcovado caindo e da TV Globo, do Astrolábio, do Projac explodindo)<br />
CESAR SAIA<br />
(Ouve; encosta a orelha no TAPETE OUVIDO como se ouvisse o subterrâneo)<br />
Ouve!?<br />
LUCIANTA<br />
Um surdo tropear de bárbaros…<br />
Descendo de Kabul<br />
Pra Zona Sul<br />
(ouve-se os coros subterrâneos formando tropeis vindos do Ceará de Padre Cicero, apoiando Conselheiro; do profeta<br />
José Guedes de Pernambuco; de João Brandão destroçando escoltas no alto do São Francisco em Minas; do Sul do<br />
Monje Louco do Paraná; das Favelas funkeando o Rio; dos guetos de HIP HOP São Paulo; de TECNOS DE TOKIO;<br />
de VENTRES DE ISTAMBUL; de MIAMI, RUMBEIROS RAP; TANGUISTAS DE BUENOS AIRES; PERCUSSÕES<br />
DE ÓPERAS DE PEQUIM; COSSACOS CIGANOS DE MOSCOU; SHIVAISTAS DE BOMBAIM; EMIGRANTES<br />
DE PARIS; PAQUISTANESES DE LONDRES; TAMBORES DE JAZZ DO CONGO, DO ZAIRE; MAROMBAS DE<br />
MOÇAMBIQUE; COROS DE ANGOLA; TARANTELAS ITALIANAS; CÂNTICOS DA GEORGIA E DO CAUCASO;<br />
SINOS DE BALI; MACUMBAS DE ISRAEL; BOLEROS RAPS DO MEXICO; RAPS CUBANOS; COMANCHES;<br />
TARAUMARAS, NAMBIQUARAS; TUPYS nos novos subterrâneos do Oficina)<br />
ALFERES WANDERLEY<br />
Que fizestes, Oh Cezar,<br />
com as minhas legiões!?<br />
CORO<br />
(emergindo dos subterrâneos)<br />
Nós soterrados, agora, lancetamos o pus.<br />
Na ação, na ação, nação<br />
retornamos à Luz.<br />
Chegamos à barricada<br />
Coragem incendiária<br />
destruir a própria alma desvairada! Desvairada…<br />
Destruir a própria alma desvairada! Desvairada…<br />
Nascida nos céus subterrâneos<br />
em que nos acoitamos.<br />
As catacumbas líricas se esgotam, míticas<br />
Ou desembocam,<br />
nas catacumbas políticas<br />
Corpo Sertão<br />
Sem orgãos<br />
saúda o cosmos,<br />
multidão.<br />
(TROPEL DE BÁRBAROS DO SUBTERRÂNEO SUBINDO PELAS ESTRUTURAS EM TRÁFEGO LIVRE TERRA,<br />
CÉU E INFERNO)<br />
M E R D A<br />
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