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a luta 1ª parte - Uol

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A LUTA<br />

Primeira <strong>parte</strong><br />

1


PRELÚDIO – <strong>1ª</strong> EXPEDIÇÃO<br />

(Os atores já concentrados distribuem-se pelo espaço como<br />

Sertanejos e exercito camuflado. As portas se abrem para o público. Os soldados estão visíveis pelo espaço<br />

todo como se assegurassem os espectadores. Os sertanejos estão escondidos do público em baixo dos bancos,<br />

ou vem a se colocar nessa posição, progressivamente, sem serem percebidos pelo público. Os vídeos e a<br />

sonoplastia transmitem imagens e músicas de muita paz e tranquilidade.<br />

PRIMEIRO SINAL<br />

O Corneteiro do Exército chama o publico com toques como os do TNP de Jean Villar. Um toque lido de chamado,<br />

que é respondido por um toque de Berimbau vindo do lado Sul do Teatro. Os soldados reagem mas procuram não<br />

demonstrar ao público nenhuma inquietação e continua o publico entrando como para um Grande Baile, uma Festa<br />

Suave,<br />

VÍDEO: cenas de guerra e Paz com as personagens valsando, todos como se entrassem na Arca Russa, num dia de<br />

Festa.<br />

Oficina é um esplendor de Prazer, elegância e Alegria.<br />

SEGUNDO SINAL<br />

O Corneteiro prossegue e dá mais dois sinais, e é respondido por dois Berimbaus com Som vindo do Lado<br />

Norte. Os soldados inquietam-se começam pouco a pouco a se encaminhar lentamente para o Centro. De<br />

repente aparece um vulto de sertanejo e dá um susto na Platéia. Abala o baile ligeiramente. Susto.<br />

TERCEIRO SINAL<br />

O Corneteiro da os três derradeiros sinais. Três toques de berimbaus vindos do Leste e Quatro Guerrilheiros<br />

ocultos no meio do publico surgem repentinamente armados nos quatro cantos das galerias com Foice, Martelo,<br />

Trabuco e chuço, ao mesmo tempo que nas arquibancadas do térreo e dos lugares mais inesperados, no meio<br />

do público, surgem outr(o)as guerrilheir(o)as armados com ervas de tirar encosto, ídolos, incenso, facões. Entra<br />

O TEMA DO TROPEL DE BÁRBAROS. Os sertanejos se aproximam para um confronto com o exército no<br />

centro que aponta as armas para os quatro cantos; quando o confronto vai se dar, o Tema do Tropel introduz<br />

O “DIÁRIO CONFESSIONAL“ de OSWALD DE ANDRADE, todos depõe armas, se organizam em roda por<br />

naipes de voz, dançando e cantando para si, para o sol e para o público do instante ”O Canto do Humor e<br />

da Vertigem”. Imagens de Oswald chamando para os 50 anos da permanencia de sua poesia mais que nunca<br />

Viva no Humor e na Vertigem Viva. O Canto encerra-se; entra o Tema do “Prelúdio Grandioso de um Massacre<br />

Desmassacrado, Sagrado” Obra de Música Concreta Eletronica a partir dos sons das demolicões, genocídios<br />

e glórias do seculo 21, construções do seculo 19: telégrafo, Trem, Armamentos, em confronto vom com o<br />

Tropel de Barbaros. Ode à Civilização e à Barbárie. Ao vivo nos Telões, Euclides da Cunha abre “Os Sertões”<br />

na página de A LUTA - escrita como Sonia fez na fachada do Teatro. Entra O TEMA DO PRELÚDIO DA LUTA,<br />

Euclides lê o que está escrito, no livro em baixo do titulo)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

I - CAUSAS PRÓXIMAS DA LUTA.<br />

II - O INCIDENTE<br />

III - O AMOR<br />

IV - O NEGÓCIO.<br />

(Vai virar a página, antes diz apresentando)<br />

Do Amor primeiro Sócio,<br />

entre primeiro, Negócio.<br />

(Vira a Pagina está escrito: CAUSAS PRÓXIMAS DA LUTA – NEGÓCIO, BAIRRO CHINÊS. Entra Garga vindo<br />

do lado Norte. TRILHA SACANAGEM DO RABO GOSTOSA & NEGÓCIOS)<br />

COMISSÁRIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO OU SENHOR SHILINK<br />

(O Comissário está vestido com com um unifome de policia, botas, sem a camisa, coberto com um quimono chinês)<br />

Louvado Seja, Santo Pombeiro de Canudos, Garga Valadares!<br />

Atendeste meu chamado telegráfico dos ares.<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Louvado seja Senhor Comissário de Pulíça.<br />

Estou aqui, em Joazeiro-Petrolina, que delíça!<br />

Mesmo já tendo pago pela Madeira,<br />

da Igreja Nova Conselheira,<br />

uma Cúpula, uma Óca,<br />

Cheia de movimentos de abre e fecha Malóca<br />

Para ventos, luzes, planetário, projeção,<br />

Xavantes, Gropius, Piscator, circo alemão…<br />

Enviado estou para pagar justos juros ao senhor,<br />

nosso credor.<br />

(trilha cria um suspense circense. Garga olha dos lados, vira de bunda para cima, tira um trecho da calça que<br />

envolve suas nádegas e do seu cú lentamente vai tirando de dentro de uma camisinha, penetrada em seus<br />

intestinos, notas de dinheiro e entrega ao camelô)<br />

COMISSÁRIO DE POLÍCIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

(cheira o dinheiro, protocola)<br />

O cogata aí tem cofre seguro<br />

Não é só pra cagar.<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Tás me cantando velho pão duro?<br />

2


COMISSÁRIO DE POLÍCIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

Sim, mas sou brocha, não fico com o pau duro.<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Quer enxergar meu escuro?<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

Cumunicação é o que eu procuro.<br />

(quebra do clima)<br />

Com ou sem nota fiscal?<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Sem. Na Confiança.<br />

Na fé no nosso Conselheiro, na aliança<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

Não imaginava tamanha deferência, ainda bem,<br />

quando não me cumunico perco a paciência.<br />

Outubro<br />

(olha o painel eletrônico com a folhinha)<br />

Santo Homem é o Conselheiro!<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Quando será entregue, Madereiro?<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

(o placar eletrônico de Teatro de estádio marca 6 dias.)<br />

Fica ajustado dia 9, na regra<br />

o prazo de 6 dias para a entrega.<br />

Dia do meu anivesário.<br />

GARGA SERTANEJO<br />

(se insinuando com o rabo para Shilink, com um tema específico musical em torno do cú que dura toda a cena em<br />

que entra este jogo)<br />

Ia! Saio até do armário.<br />

Me cumunico, deixo tu ver meu cofre.<br />

Até lá não sofre<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

Ele vai seguir vazio?<br />

GARGA SERTANEJO<br />

É cheio de quente.<br />

Um coração, nunca frio.<br />

(Shilink vai atacar, Garga dribla esperto, o madereiro muda de assunto)<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

Os paus acabaram de chegar na Zona,<br />

do Alto Amazônas<br />

Preparo-os agora para embarcá-los por Trem.<br />

Joazeiro no mundo moderno está bem,<br />

(retoma do tema musical do cú)<br />

queres ver a Madeira no Prontuário?<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Já disse, só na entrega, no seu aniversário.<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELO SHILINK<br />

O Cogata só pensa nesse proposito?<br />

(faz o gesto de pegar nas calças como Silvio Santos quando trata de dinheiro)<br />

Veja.<br />

(Olha para o Painel)<br />

Um certo cogata fazia um filme sobre o corte ilegal por Moto Serradeiras.<br />

Chegamos no mesmo instante e apreendemos a Madeira.<br />

(A Madeira aparece sendo abatida da Floresta Amazonica por Moto Serras na Tela Virtual, num documentário de um<br />

jovem ecologista.)<br />

Agora<br />

(Imagens da Alcova no Projetor Lado Sul)<br />

Está sendo tratada em nossa alcova<br />

Pra nossa querida Igreja Nova.<br />

GARGA SERTANEJO<br />

Para esta grande obra de arte e fé.<br />

6 dias? Então, até.<br />

(ri safado dando uma saidinha)<br />

3


COMISSÁRIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA E MELOCAMÊLO<br />

(retoma musica do cú)<br />

Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristinho!<br />

GARGA SERTANEJO<br />

(safado, inpirando pelo ânus)<br />

Para sempre seja Louvado este tão bom Senhor!<br />

Contamos com tua presença na Inauguração<br />

Aí vou te dar o presentão.<br />

(Sai para Canudos)<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA<br />

Não é mais no aniversário?<br />

Estelionatário.<br />

(Para o Público)<br />

Tenho apreendido e vendido pra lá, de tudo,<br />

madeira que não dá a caatinga paupérrima de Canudos.<br />

E esse cogata Garga é safado. Me deixa até mais animado.<br />

(Olha o painel, Passaram-se seis dias.)<br />

Hoje termina o prazo ajustado para a entrega do material,<br />

Vou entregar e cunhecer o cogata afinal<br />

(saindo para se banhar e se perfumar, se aprontar para ir entregar a carga e ir ter com o Cogata)<br />

É um índice de crescimento esse dia<br />

Cultura, Economia, Sexo na Fantasia!<br />

(ENTRA O TEMA MUSICAL O DRAMA DE AMOR<br />

Nos Telões, CAUSAS PRÓXIMAS: O AMOR - No TEATRO DE ESTÁDIO)<br />

CORO<br />

Drama de Amor<br />

Incidente desencadeador<br />

Da Guerra da Tróia de Taipa<br />

Tocada com Muita Gaita.<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

(De Juiz Togado)<br />

Tenho velha dívida, com esse Fantasma Agitador Sertanejo,<br />

Vou saldar, eu Juiz do Bom Conselho, salvando a adorada Helena dona do meu desejo<br />

Sequestrada Por Pajeú,<br />

Este bandoleiro!<br />

PAJEÚ<br />

(Como um Deus Africano, com uma Coroa de Touro Macbetiana)<br />

General Othelo Haitiano de Antônio Conselheiro<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

Numa cena Publica Orquestrada<br />

Diante da Minha mãe: República<br />

Minha esposa, minha Helena, meu tesouro<br />

Toda minha prata, todo meu ouro<br />

Sem poder reagir, humilhado<br />

Chicoteado,<br />

Eu Juiz Arlindo Leoni<br />

Tragico Bufoni<br />

Venho neste estado<br />

neste Estádio<br />

Bode que Berra<br />

Declarar a verdadeira causa desta Guerra<br />

É o Gol da Paixão humana.<br />

Quero a minha Bela Helena de volta<br />

Um Tambor de Guerra explode no coração do meu coração<br />

SONG DE HELENA<br />

(em outro extremo do Estádio)<br />

HELENA<br />

Fugi para Canudos visionário<br />

Filha de Meu pai bilionário<br />

Queria seu Baú explodindo em riqueza<br />

Dinheiro, dinheiro, vindo de mais e mais beleza<br />

Canudos não ama a pobreza<br />

Trouxe nova peste, invenção da mais moderna riqueza.<br />

CORO (2x)<br />

O amor é livre e grande demais<br />

Pra ser julgado por nós<br />

4


Pobres mortais<br />

HELENA<br />

Apaixonei-me por Pajeú<br />

General da Capoeira, belo nú<br />

Flanelinha, vigia<br />

Prisioneiro Libertado, valentia<br />

Conquistou meu coração<br />

Guru do Bexigão<br />

(entra o Bexigão)<br />

Artérias, Harpas Cifrão<br />

Mas era tua Arlindo,<br />

Saía em Caras, meu coração vibrava<br />

Eras me tudo lindo Arlindo.<br />

Era Rainha da Orgya nos teus Camarotes<br />

Agora em Canudos da Orgya dou tambem os motes<br />

CORO<br />

(cerca Helena)<br />

O apocalipse é isso<br />

É isso<br />

É isso<br />

É isso<br />

É isso aí!<br />

(Helena os rejeita)<br />

HELENA E CORO<br />

Mas quero verdadeira Orgya<br />

Tudo com Todas, Todo Dia!<br />

Misturas, Finanças, Cultura, Bonança, Heranças<br />

Tudo é Comercio afinal<br />

Tudo é Social<br />

Mas eu quero mais,<br />

Alem do bem e do Miau.<br />

JUIZ LEONI<br />

(interrompendo)<br />

Pare, eu estou muito angustiado<br />

Você me seduziu, fui enganado…<br />

HELENA<br />

Eu Helena tenho um papel de memória<br />

De Trazer a paz dos contrários, luxo na história.<br />

ARLINDO LEONI<br />

Você faz de mim um Menelau, um horror<br />

A causa desta guerra é o meu estranho amor<br />

Coração<br />

atenção.<br />

Neste Estado<br />

Neste Estádio<br />

Abro meu abcesso fechado<br />

Da LUTA, jogo, o Prólogo.<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA SHILIK.<br />

(Está de Polícia, vestido para a Viagem)<br />

Sua cena foi muito interressante,<br />

Mas hoje já é o sexto dia, sou honesto negociante<br />

(o trem apita)<br />

O trem segue na hora que segue<br />

Vou seguir agora com as Madeiras contratadas<br />

Chegamos ainda hoje em Queimadas<br />

Até a volta<br />

ARLINDO LEONI<br />

Meia Volta!<br />

Coronel João Evangelista Pereira, vulgo Schilink,<br />

comigo não brinque.<br />

Comissário de Polícia,<br />

está feita a perícia.<br />

Proibo a entrega desta madeira, decisão Judicial<br />

Estamos proibindo toda e qualquer relação com o eixo do mal.<br />

Com esta comunidade de Terroristas.<br />

A madeira vai ser desapropriada a vista<br />

É ilegal!<br />

Colossos florestais da Amazonia derrubados,<br />

5


Vem de tráfico com o crime organizado.<br />

Que seja para o tesouro Nacional expedida<br />

Para Pagar o Loydʼs Bank, a Dívida<br />

Aqui está o mandado de segurança, de apreenssão<br />

Escrivão entregue-o, policiais partam para a execução<br />

HELENA<br />

Os Deuses no Fim darão o Remédio.<br />

A Paixão há de vencer a Guerra e o Tédio.<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

(para o Publico)<br />

Meu coracão destroçado<br />

Sabe que o incidente, é pretexto aproveitado<br />

Talhado para a desafronta<br />

com aquele que sei confronta<br />

Conselheiro cairá na rede,<br />

com sede.<br />

Capturado na armadilha<br />

Reagirá, e exterminada será,<br />

sua camarilha<br />

É proprio de quem ama,<br />

Continuar o drama<br />

Para o Governador<br />

um paranóico telegrama.<br />

Telégrafo entra em ação.<br />

É a primeira guerra do Mundo em transmissão.<br />

RAPS CONTÍNUOS DOS CONTÍNUOS DOS TELEGRAMAS<br />

BAHIA-JOAZEIRO-QUEIMADAS<br />

(Cogata Dj de Queimadas, vai entrando junto com o de Joazeiro e os de Salvador. Os telegramas serão cantadosditados<br />

pelas autoridades, transmitidos por seus telégrafos em show de percussão corporal e recebidos e<br />

retransmitidos pelos telégrafos destinatários das mensagens)<br />

COMISSARIO DE POLICIA CORONEL JOÃO EVANGELISTA PEREIRA SHILINK<br />

(para um office boy)<br />

Telégrafo, mande para Queimadas<br />

Este recado<br />

(o cogata escrivão, vai para o seu DJ Bateria telégrafo)<br />

SHILINK / COGATA TELÉGRAFO<br />

Cogata Garga! Anuncio em prantos distrato feito<br />

Não posso entregar madeira, de nenhum jeito!<br />

impedimento legal Juiz, que asneira<br />

Enfezado, apaixonado, desajuizado<br />

Exigiu rompimento por ele anelado.<br />

PS: E o presente aniversário ainda esperado?<br />

Cogata, o seu Shilink aqui, não é culpado, está desconsolado.<br />

CHEFE DE GABINETE/TELÉGRAFO<br />

Dr. Luís Vianna,<br />

digníssimo governador da Bahia,<br />

um urgente telegrama<br />

JUIZ LEONI<br />

Boato corrente<br />

cidade florescente<br />

será esses dias assaltada<br />

por gente<br />

de Antônio Conselheiro,<br />

Providência urgente<br />

evitar Exodo população<br />

já em deserção.<br />

GOVERNADOR LUIS VIANA DA BAHIA<br />

Respondo a esse juiz paranóico<br />

Quer Brasil sangrando, ato heróico<br />

Mas a Bahia mesmo resolve<br />

E essas estrepolias dissolve.<br />

(Dita)<br />

Governo não move força por boatos<br />

mande vigiar estradas no recato<br />

governo fica prevenido enviar<br />

trem expresso, força pra rechaçar<br />

garantir tranquilidade cidade.<br />

6


(breque)<br />

Agora muda o tom<br />

Para o General Solon:<br />

(Dita)<br />

Sr. general comandante distrito<br />

Desfalcada força policial<br />

aquartelada nesta capital<br />

requisito:<br />

(No quartel da terceira divisão, recebendo, lendo)<br />

cem praças de linha,<br />

a fim seguirem a Juazeiro,<br />

apenas me chegue aviso do juiz daquele polipeiro.<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

(para o escrivão que dorme)<br />

Contínuo acorde ligeiro<br />

passe este telegrama ao Governador da Bahia<br />

esqueça o travesseiro…<br />

(Escrivão semi acordado passa o telegrama)<br />

ESCRIVÃO<br />

Esqueça o travesseiro…<br />

DJ GRAMA BAHIANO<br />

Esqueça o travesseiro…<br />

GOVERNADOR DA BAHIA<br />

Esqueça travesseiro?<br />

O que? Que trapaceiro!<br />

(ditando a seu chefe de gabinete, para General Solon)<br />

Sequazes Conselheiro<br />

distantes de Juazeiro<br />

dois dias, nossos portos<br />

Chegam dia dos Mortos,<br />

2 novembro.<br />

“Lembro<br />

sr. General<br />

afinal<br />

satisfação<br />

minha requisição”<br />

GENERAL SOLON<br />

Já chega atrasada<br />

Chega dessa enrolada…<br />

(para o recruta ditando para O Governador da Bahia)<br />

Prontamente satisfaço requisição,<br />

dr. governador do Estado,<br />

força cem praças da guarnição,<br />

bater fanáticos arraial fanatizado,<br />

número suficiente, pergunto<br />

GOVERNADOR DA BAHIA<br />

Suficiente!<br />

GENERAL SOLON<br />

Confio inteiro conhecimento vosso no assunto<br />

TABOLETA: ESTAÇÃO DA CALÇADA SALVADOR<br />

GENERAL SOLON<br />

(olhando para o Tenente Manuel Pires Ferreira, que estava cochilando)<br />

Agora, sem demora,<br />

bravo tenente de primeira<br />

Manuel da Silva Pires Ferreira,<br />

o 9.° Batalhão de Infantaria,<br />

esta à sua serventia.<br />

Faça seguir hoje dia 7<br />

até o terminal estrada de ferro Juazeiro, Leste!<br />

(O Corpo de Infantes, muito infantil, vai se formando, o médico chegando, a carroça com os bois, os oficiais etc…<br />

DESFILE DA PRIMEIRA EXPEDIÇÃO)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Nono Pelotão,<br />

Em Frente!<br />

(Marcha cantada dos Infantes – Hino da Infantaria)<br />

7


INFANTARIA<br />

Nós somos estes infantes<br />

Cujos peitos amantes,<br />

Nunca temem <strong>luta</strong>r,<br />

Vivemos,<br />

Morremos,<br />

Para o Brasil nós consagrar!<br />

Nós peitos nunca vencidos<br />

De valor desmedidos,<br />

No fragor da disputa,<br />

Mostremos<br />

Que em nossa pátria temos,<br />

Valor imenso<br />

No intenso<br />

Da <strong>luta</strong>.<br />

És a nobre Infantaria,<br />

Das armas a rainha,<br />

Por ti daria<br />

A vida minha,<br />

E a glória prometida,<br />

Nos campos de batalha,<br />

Está contigo<br />

Ante o inimigo<br />

Pelo fogo da metralha!<br />

MAQUINISTA<br />

Vai Partir!<br />

(O Corpo Militar segue para Joazeiro. Apito de Trem, sai a Taboleta da Estação da Calçada, o Trem que pode passar<br />

no Vídeo e entra a de<br />

JOAZEIRO<br />

Chegam os Infantes a Juazeiro marchando heróicos)<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

(cantam o hino da infantaria)<br />

Brasil te darei com amor,<br />

Toda seiva e vigor,<br />

Quem em meu peito se encerra,<br />

Fuzil!<br />

Servil!<br />

Meu nobre amigo para guerra!<br />

Ó meu amado pendão,<br />

Sagrado pavilhão,<br />

Que a glória conduz,<br />

Com luz,<br />

Sublime,<br />

Amor se exprime<br />

Se do alto me falas,<br />

Todo roto por balas!<br />

És a eterna majestade,<br />

Das linhas combatentes<br />

Es a entidade,<br />

Dos mais valentes.<br />

Quando o toque da vitória<br />

Marcar nossa alegria<br />

Eu cantarei,<br />

Eu gritarei,<br />

És a nobre Infantaria!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Alto!<br />

HABITANTES DE JOAZEIRO<br />

(Pops, Bregas Chic)<br />

Isso lá é soldado?!<br />

Joazeiro<br />

teu povo vai se picar daqui maneiro<br />

(para o Exército)<br />

Criançada! que porra!<br />

Isso vai atrair ainda mais<br />

a horda invasora.<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

8


<strong>1ª</strong> escala: Joazeiro<br />

recebidos sem respeito<br />

como escoteiros<br />

Por que esse olhar cabreiro?<br />

Não confiam no exército brasileiro?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Descansar!<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

(sentado ao chão, Soldados estacam numa encruzilhada de luz)<br />

HABITANTES DE JOAZEIRO<br />

(de partida)<br />

Que incidente mais desvalioso<br />

Porque esse Juiz Teimoso<br />

(olhando para Leoni em sua Tribuna no lado Norte)<br />

Não deixa entregar a Madeira<br />

Que o Santo pagou mais que devera<br />

Pra uma Helena rica, rampeira<br />

(Helena está em seu Pedestal do lado Sul da Estrutura)<br />

acabar com a cidade inteira?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

O Juiz Leoni representa a lei<br />

Infantes seguirei<br />

Dificuldades encontradas<br />

Serão superadas.<br />

(O Tempo Passa cinco voltas de luz)<br />

CORO DE SOLDADOS<br />

Estacamos chumbados sem saber como partir<br />

Esperamos chegar Godot<br />

todo mundo se picou, nenhum guia se encontrou<br />

(O tempo passa, o sol se esconde e aparece outra vez. Surgem os dois mulambos dois palhaços fazendo troca troca<br />

num teatro de sombras, com caralhos de banana, ao som de um shote, são imediatamente interrompidos por um<br />

Oficial)<br />

OFICIAL I<br />

Alto:<br />

Dois bananas tesos?!<br />

Estejam presos<br />

(eufórico)<br />

Consegui! Consegui!<br />

Dois guias! Mas não escondo<br />

São meio cegos…<br />

TROPA<br />

Cegos?!<br />

OFICIAL I<br />

Mas um tem um olho o outro nenhum,<br />

Um de carne, dois de vidro<br />

(cheirando os cús dos dois que tem coadores de café cheios de merda, nos cueiros)<br />

E dois fedido.<br />

Dizem que olham pelo quinto referido.<br />

No fundo de uma tóca,<br />

foram pegos fazendo troca-troca.<br />

É dupla, são coesos<br />

topam seguir pra não serem presos.<br />

Ou nos levam<br />

Ou xilindró!<br />

DUPLA SERTANEJA DE GUIAS (se apresentando)<br />

Nicolau e Mariquinha<br />

Nós somo meio cego, lá da terrinha<br />

Não conheçemo a região<br />

Nem somo guia de profissão<br />

Mas desviamo do bom caminho<br />

Temos faro e nos falta farinha<br />

O destino senhor dos anél<br />

Escolheu nosso papél.<br />

Não somos nada sortudo<br />

Guia pra Canudo!<br />

9


OFICIAL I<br />

Esses deficientes,<br />

contrabandeavam estupefacientes<br />

nas Feiras de Uauá<br />

O que é que há?<br />

Vão saber nos tirar daqui<br />

Assinem aqui.<br />

OS GUIAS<br />

Nós não sabe<br />

Nós tem medo.<br />

OFICIAL I<br />

Dá o dedo.<br />

OS GUIAS<br />

Aíii!<br />

OFICIAL I<br />

Estão contratados.<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Benvindo sejam, seus coitados<br />

TENENTE<br />

Fim dos revezes:<br />

Partiremos sexta-feira, 13.<br />

SERTANEJOS GUIAS<br />

13? Sexta feira?<br />

O demo sai na zoeira<br />

Creia Eia! Eia!<br />

Nós prefere a cadeia<br />

INFANTARIA<br />

Sexta 13?<br />

Novos Reveses!<br />

Nossa razão,<br />

Leva este limite<br />

Em consideração!<br />

TENENTE<br />

Somos o exército do iluminismo.<br />

Vamos combater o fanatismo.<br />

(Pausa)<br />

OS GUIAS<br />

Nós não somo fanático<br />

É que esses dias são fantástico<br />

Já que vamos morrer, morramos forçados,<br />

Nós prefere ser fuzilado.<br />

TENENTE<br />

Pelotão!<br />

Alinhar fuzilamento!<br />

(a infantaria recebe o comando e se alinha para o fuzilamento)<br />

OFICIAL I<br />

Não! Para a fuzilaria!<br />

Só tem esses dois guias!<br />

TENENTE<br />

Abortar!<br />

Está bem, hoje, dia 12,<br />

Aconteça o que acontecer<br />

Partiremos antes do anoitecer.<br />

PRÉ-OFICIAL PLATÃO<br />

Viva a boa Razão!<br />

Da Republica Inspiração!<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Viva!<br />

(a infantaria faz o Sinal da Cruz, e os guias fazem suas saudações e benzeduras de bruxaria e Macumba, o Oficial os<br />

recoloca na linha)<br />

10


OFICIAL I<br />

Sinal da Cruz!<br />

OFICIAL II<br />

Espantemos o demo nênens<br />

com 100 tiros de Comblains!<br />

(preparam as armas)<br />

JOÃO EVANGELISTA PEREIRA DE MELO SHILINK<br />

Comandante expedicionário<br />

Não siga avante, cuidado!<br />

Canudos só morde se provocado<br />

Negocie com o Juiz sem receio<br />

por todos os meios.<br />

As Madeiras estão aqui,<br />

Juro<br />

Pagas, com juros,<br />

É so entregar,<br />

Telegrafo pro pombeiro,<br />

Com uma Igreja Nova, sonha o Conselheiro.<br />

Vocês vão trazer é mais desgraça<br />

pra esta praça,<br />

pra vocês e pro Brasil inteiro.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Não venha com mau agouro<br />

Que eu te tomo até os couros<br />

Mas sol pro meio dia já vai indo.<br />

Demo, adeus, estamos partindo.<br />

OFICIAL II<br />

Fogo!!!<br />

(Todos atiram, todos se benzem)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Agora é Festa, é aniversário do Senhor Meu Pai<br />

Pelotões! Formai! Marchai. Marchai.<br />

Manhã Tropical! 12 de novembro!<br />

Marchemos cabeça, corpo, e membros<br />

em terreno agro, despovoado nas vias,<br />

temos duzentos quilômetros de travessia,<br />

Eu comandante, sou cruelmente sincero<br />

É inexeqüível marchar<br />

E vossas forças poupar,<br />

Mas confio em vossa garra Infantes<br />

No vosso heroísmo irradiante!<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Mamãe, da Primeira Expedição é hora<br />

Deus Pai, agora é com o Senhor, e com a nossa Senhora.<br />

(Saem em Marcha, atravessam paisagem belíssima projetada, e fértil)<br />

Vamos indo! Está sendo lindo!<br />

Começo abençoante!<br />

Abraçados nesta paragem exuberante!<br />

Oh! Belo sertão de Curaçá,<br />

Oh! Feracíssima trajetória<br />

até Santo Antônio da Glória!<br />

Perlongando sem riscos<br />

Mares de verde bravio<br />

a margem direita do Francisco, Santo Rio;<br />

Fecundas praias de Vila Nova da Rainha.<br />

Nossa espedição navega ondas vegetais marinhas!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Festa é aniverseario do Senhor Meu Pai<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Festa!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Em frente Pelotões! Marchai. Marchai.<br />

(breque, muda a paisagem)<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

11


Mas ai desatino! Saimos da verde moldura<br />

Entramos no quadro, na textura, da pintura<br />

É certo<br />

É o deserto.<br />

Joazeiro era lindo de cantar<br />

Tão belo quanto o Sertão de Curaçá<br />

Mas durou pouco, que aflição<br />

Nosso coração bate, é o vasto sertão!<br />

Pequena é nossa expedição<br />

O segundo dia de viagem desperta<br />

quarenta quilômetros, estrada deserta<br />

marchando,<br />

vamos calcando<br />

até essa ipueira<br />

miniatura na pintura inteira.<br />

GUIAS<br />

Oásis! Miragem!<br />

Lagoa do Boi!<br />

(susto, decepção)<br />

Já foi<br />

Restos dʼágua pra lavagem.<br />

SOLO DE INFANTE<br />

Ainda nem é pleno estio,<br />

Mas depois das dez da manhã<br />

equipado de mochila, cantil carregado<br />

Caminhar é desafio<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Em frente!<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

Pelos tabuleiros o dia inteiro<br />

desdobra-se abrasador,<br />

sem sombras um inferno azul de cor<br />

na terra nua o ardor reverbera,<br />

multiplica, destempéra<br />

a altíssima temperatura<br />

acelera, destrambela nossa estrutura<br />

nossas funções vitais, Tenente! Alta!<br />

Ai! Cansaço subito nos assalta!<br />

(Param a marcha um pouco mas se sentem torrando sob os refletores e continuam.)<br />

GUIAS(bravos com o Tenete e a tropa)<br />

Nós não vamos ficar aqui parado<br />

Pra ser fritado<br />

Pó de guaraná no estoque<br />

Sem stope<br />

até às proximas cacimbas<br />

Toque<br />

São terras ignotas do planeta<br />

Poucos atravessam, quase não há quem se meta<br />

Mas infância rale<br />

É, aspérrimo mesmo esse Vale<br />

Inóspito sem vivendas,<br />

léguas e léguas,<br />

Não chorem nem dêem tréguas.<br />

É a Seca Bahia.<br />

Só o Vaza Barris,<br />

meio morto, meio via<br />

faz a travessia<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Oued tortuoso e longo da Tunisia<br />

Mas não é azul, cor de bosta, dá azia!<br />

GUIAS<br />

Aiii! O tenente está ficando “vário”<br />

É assim mesmo nos gerais<br />

Aqui vamos “variar” muito mais.<br />

Que receituário?<br />

Médico, o senhor que trata dos “vários”?<br />

MÉDICO<br />

Pra essa Azía só a positiva psicología<br />

12


O santo freio da Razão, como eu, se não varia.<br />

Pensamento positivo!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Pensamento positivo!<br />

INFANTARIA DOS INFANTES<br />

(num ataque de histeria, começam a sair da formação e a girar)<br />

Estamos ficando vários!!!!<br />

GUIAS<br />

Nós é vário há muito tempo<br />

É só ir tocando e variando no contratempo.<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

Estamos sem rumo,<br />

desnorteados nos plainos sem prumo,<br />

paisagens uniformes<br />

melancólicas, enormes<br />

Flora picadora, aterradora.<br />

Nossa Senhora da Caatinga. Socorra!<br />

GUIAS<br />

Uma ipueira<br />

É só uma lameira<br />

De nada<br />

para o nada,<br />

Caraibinhas,<br />

Mari,<br />

Mucambo,<br />

Rancharia.<br />

Do nada<br />

Para o nada<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

É tudo nonada! Horror!<br />

(rastilhos de incêndios)<br />

Seca, teu Preludio é enlouquecedor!<br />

OFICIAL III<br />

Diviso estradas encontrando-se!<br />

OS GUIAS<br />

Estradas<br />

encruzas do nada<br />

Não é dia de semana<br />

Tamo aperreado<br />

Feiras eram aqui concorridas aos sábados!<br />

Dá medo esse cemitério desabitado!<br />

Não há por que duvidá<br />

É mesmo<br />

Uauá<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

(muito baixo, apavorados)<br />

Uauá!<br />

GUIAS<br />

Uauá<br />

Cadê os moradores?<br />

Pelos boatos alarmadores<br />

abalaram pro norte<br />

pra fugir da má sorte<br />

tangendo rebanhos de cabras,<br />

animais que fazem esse clima, abracadabra!<br />

(uma cabra passa balindo pelo espaço aterrorizando a tropa)<br />

A Cabra!<br />

Vamos virar cabras,<br />

Nem se conteste<br />

Isso é pra Cabra da Peste!<br />

Uauá! Uauá!<br />

é mesmo cá.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Uauá agora é inteira<br />

Praça de guerra!<br />

Hasteiam a Badeira Brasileira<br />

13


Hoje é o dia dela, é preciso dar Bandeira!<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

Uauá, Uauá<br />

chegamos exáusticos<br />

Travessia de Marte, astronáuticos.<br />

Que pretensão! Que Raio de Arraial!<br />

— duas ruas desembocando numa praça encalhada —<br />

capital do nada?!<br />

GUIAS<br />

Era trecho mais animado desse sertão!<br />

Ai!!! Era o Cão!<br />

Cem casas mal feitas e tijupar tristonho,<br />

mas nos sabados…<br />

(Os Palhaços vivem um flashback, tiram de dentro da roupa, panos coloridos de palhaços gloriosos, tiram os óculos,<br />

enchergam)<br />

…era um sonho!<br />

GUIAS E UAUAUENSES<br />

(Entra o povo de Uauá, das quatro estradas, todo transado, pop, cafona, como o de Joazeiro, cantando com os<br />

Guias)<br />

Encruzilhada de quatro estradas,<br />

TROPA<br />

De muitos nadas<br />

GUIAS E UAUAUENSES<br />

Jeremoabo<br />

Monte Santo,<br />

Juazeiro<br />

Patamuté,<br />

GUIAS<br />

Foi opulenta capital<br />

Do Sertão até!<br />

Pra lá são as Terras Grandes<br />

Roma Rio de Janeiro, ou além<br />

Logo ali, Jerusalém.<br />

INFANTARIA DE INFANTES<br />

Jerusalém?!<br />

POVO DE UAUÁ<br />

Jerusalém!<br />

GUIAS E UAUAUENSES<br />

Bons tempos, nós entrajados<br />

pasmos, em couro alinhados<br />

Vendo no mostrador as vitrinas<br />

com modelos novos raros de latrinas<br />

Três templos pra fazer negócio<br />

no largo da feira só não tinha ócio.<br />

Canudos de Pito<br />

vendidos no grito<br />

e pra descansar redes de caroá<br />

courinhos curtidos<br />

comidas a fio<br />

muito desafio<br />

pra gente cantar<br />

e ganhar!<br />

(pausa, todos dão marcha ré para a idade de ouro e os dois repõe os oculos e a cegueira, os contra regra, retiram<br />

suas velhas roupas)<br />

Nem mais uma venda?<br />

Uauá abandonado…entenda!!!<br />

UMA DESLUMBRADA HABITANTE DE UAUÁ<br />

(ainda toda pop)<br />

Que espadaria reluzente!<br />

Aguardando a passagem da hora ardente,<br />

Acordei fremente!<br />

O povo estava recolhido,<br />

Acordou com as corneta!<br />

PARTE PEQUENÍSSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ<br />

(aparecem uns poucos)<br />

Caceta!<br />

14


É a tropa!!!<br />

MENINA<br />

Vinheram da Orópa?<br />

PARTE PEQUENÍSSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ<br />

Que infantaria mais empoeirada!<br />

mal firme na formatura,<br />

maltratada!<br />

UMA DESLUMBRADA HABITANTE DE UAUÁ<br />

Mas esse bando de baioneta fulgura, refrata<br />

— é um exército brilhante!<br />

Sodadinhos radiantes, de prata!<br />

PARTE PEQUENISSIMA DA POPULAÇÃO DE UAUÁ JÁ COBERTA COM BURKAS COR DE TERRA<br />

É o primeiro exército que vejo na minha vida, Chourisso!<br />

Esqueço tudo de meu,<br />

vou é dar é o sumiço.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Povo de Uauá porque essa inquietação, porque?<br />

Somos o Exército Brasileiro e estamos protegendo vocês.<br />

Atenção em Uauá num dia da pátria sagrado<br />

O Hino da Bandeira cantemos afinados:<br />

(hasteia-se a Bandeira)<br />

TODOS<br />

“Salve Lindo Pendão da esperança!<br />

Salve Símbolo augusto da paz!<br />

Tua nobre presença a lembrança<br />

A Grandeza da patria nos traz.<br />

Recebe o afeto que se encerra<br />

em nosso peito juvenil<br />

Querido simbolo da terra<br />

Da amada terra do Brasil“<br />

Viva o Brasil!!! Viva!!!<br />

OFICIAL I<br />

Faça-se em torno um círculo de vigilância:<br />

Postem-se sentinelas à saídas dos quatro caminhos em alternância<br />

Os números 78, O5, 24 e 32, ninguém se esconda<br />

sorteados para as rondas.<br />

A expedição, depois de descanso e estudos<br />

abala imediatamente para Canudos.<br />

OFICIAL II<br />

Estamos fatigados.<br />

OFICIAL III<br />

Vamos ocupar estas moradas, abandonadas.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Decidimos continuar a marcha amanhã de manhã.<br />

Repousaremos acantonados tranquilamente.<br />

Dispersar!<br />

(O povo saindo de mansinho até não ficar mais ninguém, pegam seus pertences e vão deixando a cidade, conforme<br />

vai escurecendo escurecendo… é noite, os habitantes levam lanternas vagalumes)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Uauá, terra dos vagalumes, quantos!!!<br />

Estão indo embora também!!!<br />

CONSELHERISTAS DE UAUÁ POMBEIROS DE CANUDOS EM UAUÁ<br />

(para os que de<strong>parte</strong>m)<br />

Isso, fujam deixem o campo pronto<br />

Pro Confronto.<br />

(riem do pavor dos departidos passando na frente em micro grupo procissão)<br />

Santo Expedito é pra já, nesse chote<br />

Vamos lá, Olimambo! no trote… trote… trote… trote<br />

Travessia noite a dentro, nós descampados em fora<br />

Avisar o Conselheiro que já é chegada a hora.<br />

Voltamos com ele em procissão<br />

Sem confronto, ao encontro dessa expedicão,<br />

Fora dos papéis da Republica, pra quem preste.<br />

Espalhando o teatro da peste<br />

15


UAUÁ<br />

CORNETEIRO CASTRATTI<br />

Repouso merecido,<br />

Dormimos, sonhamos, tranqüilos,<br />

Acantonados, sem grilos<br />

SOLO<br />

Oh! O Luar do Sertão<br />

SOLO<br />

Vejam, a Constelação do Escorpião!<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Amanhã vamos surpeender não mais “vários”<br />

nossos adversários<br />

GUIAS<br />

Não tem mais ninguém pra ver.<br />

É circo de duelo, matar ou morrer<br />

Na Rua principal vazia<br />

Acampemos nós Guias!<br />

(Roncos. Adormece a tropa no arraial, cada qual para seu lugar, sua casa, sua cama escolhida. Atmosfera de noite<br />

sensual de Escorpião, lua, um soldado canta ao violão, outro gaita, até o silêncio vencer tudo, quebrado por roncos,<br />

suspiros, e de repente, um grito na calma um Carcará Noturno.)<br />

CANUDOS<br />

(Ouve-se o som das afinações dos mantras e refrões; se prepara enfim, o desfile da peste-festa-procissão; vestem os<br />

balangandãs, contas de proteção, seus fetiços, seus poderes, sob a mesma Lua de Escorpião. Chegam no trote os<br />

pombeiros em Canudos)<br />

POMBEIROS<br />

Tem cem praças de pré<br />

um rebotalho<br />

Soldados Infantes, sem fé<br />

A Tropa toda dorme, só um galo a cantar<br />

em toda Uauá,<br />

Se sairmos agora nosso povo<br />

Pegamos eles no sono novo.<br />

A fuga do povo é em massa<br />

A arena está vazia<br />

aos <strong>luta</strong>dores todo este dia<br />

JOÃO ABADE<br />

(que começa a carregar uma cruz imensa)<br />

O Carcará canta o prelúdio do dia<br />

Vamos para a benção da procissão<br />

Vou de Pagador de Promessa, meu corpo suporta<br />

Mas se nossa peste não abrir a porta<br />

Essa cruz vira raquéte, ariéte<br />

A procissão vira combate, na percussão<br />

À Jesus dos Combates, Louvação!<br />

CONSELHEIRO<br />

(Benze)<br />

Louvação!<br />

CORO<br />

Louvação!<br />

BEATINHO<br />

Na Batuta Beatinho,<br />

Afoxé Fé-Procissão<br />

derviche de ocupação<br />

nos mistérios sagrados da gozação, Olimabô!<br />

CORO GERAL<br />

Olimambô!<br />

(se organizando, coreografando, no icto de um novo Taitá)<br />

Primeiro Passo<br />

Toma tomar conta do espaço<br />

Tem espaço a bessa<br />

Só você sabe do seu<br />

Antes ocupe<br />

depois se vire,<br />

16


olhe em volta,<br />

dê um rolê<br />

não esqueça que você está cercado<br />

cuidado com as imitações.<br />

BEATINHO<br />

Dá um rolê<br />

Mais um<br />

Breque<br />

Outro pra ver<br />

(pausa cheia)<br />

Roletrando<br />

Rolando.<br />

(O longo cajado à mão direita, oscilando isocronamente,<br />

feito enorme batuta, compassando a marcha verdadeiramente delirante.)<br />

FURIAS<br />

Furias<br />

Bacantes<br />

Espalhar nossa peste de amor<br />

O quanto antes<br />

MANÉ QUADRADO<br />

Juntem Folhas Vivas Galhos Secos tortos<br />

Comisssão de Frente Vivos e Mortos!<br />

UAUÁ<br />

CORO DO PRELUDIO SERTANEJO<br />

(No Placar do Estádio: dia 21 de novembro. O sol começa a nascer.)<br />

Florestas Caminham<br />

Umbus, Coqueiros,<br />

Alecrins dos taboleiros<br />

Canudos de Pito<br />

Bromélias<br />

Favelas<br />

Palmeiras do Diabo<br />

Joazeiros<br />

Cabeças de Frade<br />

Facheiros<br />

Quipás<br />

Jurema, Juremá!!!<br />

MANOEL QUADRADO<br />

Coro de Oficina de Florestas Avança<br />

longínquo na mudez da terra adormida dança!<br />

BEATINHO<br />

Matutos crendeiros nos atos<br />

Não vamos sangrar, basta os te-atos<br />

CORO (2X)<br />

(com o público – letra projetada, cada dupla de versos do mantra é cantada duas vezes)<br />

A reza, a peste, a força pode<br />

Procissão na cadência do canto do bode<br />

É um Hino<br />

A Bandeira do Divino<br />

ritmos, ictos torés<br />

Furiosos Evoés<br />

COMPADECIDA<br />

Os estios longos das sêcas vencemos<br />

Os estios longos das das guerras vençamos.<br />

O que esta Bandeira Tomar<br />

a divina pomba da Paz Vai Baixar<br />

CORO (2X)<br />

Pomba Pomba GIRA<br />

Pomba Pomba PIRA<br />

MANDRAGORA PROFETA (KARINA)<br />

Alegria de feira<br />

De longe na paz,<br />

já dando bandeira<br />

Despertando inimigos<br />

pruma <strong>luta</strong> de amigos<br />

17


CORO<br />

Á reza, a peste, a força pode<br />

Procissão na cadência do canto do bode<br />

É um Hino<br />

A Bandeira do Divino<br />

ritmos, ictos torés<br />

Furiosos Evoés<br />

MANOEL QUADRADO<br />

Por todos que querem a mar<br />

Sem sinais guerreiros<br />

nos guiam símbolos de paz:<br />

CORO<br />

Á reza, a peste, a força pode<br />

Procissão na cadência do canto do bode<br />

É um Hino<br />

A Bandeira do Divino<br />

ritmos, ictos torés<br />

Furiosos Evoés<br />

JOÃO GRANDE<br />

Um pelotão escasso de infantaria<br />

Oculto pelas caatingas envolventes,<br />

Pode dispersar-nos em minutos.<br />

JOÃO ABADE<br />

Mas Uauá na frente não revela <strong>luta</strong>dores a postos.<br />

Dormem, Dormentes<br />

CORO (2x)<br />

Dorme menino grande que eu velarei por ti<br />

Sonha o que bem quiseres, nós chegamos aqui.<br />

UAUÁ<br />

(Os soldados dormem nas casas, os quatro sentinelas também<br />

Vagalumes. Amanhece, Guia acorda acha que de um pesadelo.)<br />

GUIA DE UM OLHO SÓ (atordoado, aos berros)<br />

Sinto uma Floresta que Caminha<br />

Me diziam que eu só ia morrer<br />

No dia em que as árvores caminhassem<br />

Não estamos bêbados nem chapados<br />

Estamos tendo um Sonho acordados?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

(de sua casa dormindo)<br />

Deixem de besteira, a tropa tem que dormir,<br />

Vamos atacar Canudos quando o Sol surgir<br />

GUIA SEM OLHO<br />

Eram muitos. Três mil.Uma bacanal?<br />

Avançavam sem ordem, num carnaval<br />

Na madrugada girando, feito espiral<br />

GUIAS<br />

Não é sonho é realidade<br />

Ou a realidade virou sonho de verdade?<br />

CORO<br />

Chegamos, beiramos a linha de sentinelas avançadas.<br />

Despertem, espadas embainhadas!<br />

(O vedeta, sentinela avançado, estremunhando surpreso, dispara à toa. É o sinal: os guerreiros preparam-se pra<br />

espostejar à faca. O sentinela reflui precipitadamente para a praça que fica à retaguarda, deixando em poder dos<br />

agressores um companheiro. Manoel Quadrado tenta impedir os sertanejos com uma bíblia. João Grande se benze<br />

beijando a bíblia, e, ritualísticamente a troca pelo facão e esposteja uma melancia gigante, que os sertanejos<br />

devoram. Manoel Quadrado quase desmaia. É, então, o alarma: os soldados correm estonteadamente pelo largo e<br />

pelas ruas; Manoel Quadrado desesperado, reza, clama, mas continua com sua ação de reza fé. Os soldados saem,<br />

seminus, e nús, pelas portas; saltam pelas janelas; vestem-se e armam-se às carreiras e às encontroadas… Não<br />

formam.)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

9 o Pelotão Formar?<br />

(Tenta-se um movimento instantâneo, forma-se uma coluna de pessoas de ciroulas, cuecas, semi fardados, e<br />

totalmente torta. Sem armas, uma fileira cospe.<br />

18


O Médico com sua carroça Enfermaria, começa querer atender os feridos e leva porradas dos dois lados, tenta<br />

defender os remédios)<br />

MÉDICO<br />

Vou tomar um floral<br />

Cuidar de mim,<br />

De quem já me perdi!<br />

Estou sem mim?!<br />

Socorro um Médico!<br />

(A mal formada coluna é logo dispersa pelos movimentos em ronda dos sertanejos, avançando e os soldados<br />

fugindo.)<br />

DESORDEM DE FEIRA TURBULENTA REANIMA UAUÁ<br />

GUIAS<br />

Isso que é feira animada. Turbulenta.<br />

Uauá capital da terra Grande! Esquenta!<br />

(as praças, protegidas pelas casas, e abrindo-lhes as paredes em seteiras, volvem à defensiva franca.)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Fuzilaria em Massa!<br />

Ouçam o prelúdio de nossas armas de repetição!<br />

INFANTARIA (2x)<br />

Bala bala<br />

Bala bala<br />

Bala bala<br />

Bala La I Ka<br />

MATUTOS<br />

Com um balido abala a balada<br />

A bala abalada<br />

Abala a balada do baile de gala<br />

INFANTARIA MATUTOS<br />

Bala bala Com um balido abala a balada<br />

Bala bala A bala abalada<br />

Bala bala Abala a balada do baile de gala<br />

Bala La I Ka Mééééé<br />

MATUTOS<br />

João João<br />

Fura a parede<br />

Fura a parede<br />

Fura a parede<br />

Como um furacão<br />

Tem aí 100 macaco<br />

Comblé na mão<br />

Fura aqui Fura aqui<br />

Fura aqui Fura aqui<br />

Fura lá Fura lá<br />

Fura lá Fura lá<br />

Além<br />

Além do Além<br />

Além do Além<br />

Além do Além<br />

Aqui<br />

JÁ!<br />

INFANTARIA MATUTOS<br />

Bala bala A EEEE IIII UU O<br />

Bala bala A EEEE IIII UU O<br />

Bala bala A EEEE IIII UU O<br />

Bala La I Ka A EEEE IIII UU O<br />

(Os matutos conjuntos à roda dos símbolos sacrossantos, no largo, começaram de ser demolidos em massa.<br />

Baqueam em grande número; e torna-se-lhes a <strong>luta</strong> desigual a despeito da vantagem numérica.)<br />

COMPADECIDA<br />

19


A Compadecida<br />

está emputecida!<br />

Mangue De Sangue<br />

Assim nos recebe esta gangue!<br />

JOÃO ABADE<br />

Trágica aposta vencí<br />

Cruz vira ariete aqui<br />

Invade essa fortaleza torta<br />

Paga tua promessa,abre essa porta.<br />

Esmaga Santa Madeira<br />

Essa infantaria inteira<br />

(Manoel Quadrado tenta impedir, mas é segurado pela turba que o protege ao mesmo tempo. João invade com o<br />

ariete cruz um bando atrás de uma porta e massacra todos os de dentro com a madeira)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Lá se vão 100 tiros de Comblain<br />

INFANTARIA<br />

Bala bala<br />

Bala bala<br />

Bala bala<br />

Bala La I Ka<br />

(tiros certeiros dos soldados)<br />

ALFERES MIGNON<br />

Despertei atrasado?<br />

Sonho ou verdade?<br />

É um pesadelo? –<br />

- da janela aboco sobre o peitoril<br />

a carabina ao peito dos assaltantes<br />

sem errar um tiro como antes?<br />

Mas quê que eu faço batendo longo tempo pelado?<br />

Sonhei que estava sendo amado<br />

Masturbei muito ontem<br />

(mortes dos jagunços)<br />

JAGUNÇO COZINHEIRO DE ARMAS<br />

(ao fundo de um ritmo de disparos)<br />

Na estonteadora ebriez do tiroteio<br />

é um recreio<br />

Canta a receita desse lento produto<br />

Executa heroísmo imóvel de dois minuto<br />

Minha mão revolve os aiós, que cheiro<br />

retira pólvora primeiro<br />

depois a bucha<br />

as balas, puxa;<br />

a vareta não esquece maluco,<br />

enfia pelo cano largo do teu trabuco<br />

ceva devagarinho como quem fode<br />

ja que póde<br />

soca lá dentro esses ingredientes,<br />

prepara o alimento, dos soldados, esquente;<br />

escorva a polvora<br />

engatilha o cão,<br />

vai lá clavinote<br />

no pinote<br />

dá cabo, disparação<br />

goza!<br />

(disparo)<br />

OFICIAL I<br />

Olha lá um disparo de clavinote!<br />

ALFERES MIGNON<br />

Me firo<br />

Sou um soldado modelo<br />

Caio morto<br />

Em pêlo<br />

No leito em que durmo<br />

E não tive tempo de deixar<br />

Nem pra saber<br />

Se morri, se vivi, e eu sei?<br />

Sonhei? Gozei?<br />

20


Matei?<br />

Morri?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Mais Cem tiros de Comblain!<br />

(Nova saraivada de balas, mas os Jagunços balindo, girando e cantando escapam dos projéteis)<br />

MATUTOS<br />

Com um balido abala a balada<br />

A bala abalada<br />

Abala a balada do baile de gala<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

(Joga as mancheias de balas depois de<br />

arrebentar caixotes de munição, que caem em cima do guias)<br />

BEATINHO<br />

Reunamo-nos empestiados<br />

em volta da bandeira do Divino,<br />

estraçoada de balas e vermelha,<br />

o Hino !<br />

CORO<br />

Primeiro Passo<br />

Toma tomar conta do espaço<br />

Tem espaço a bessa<br />

Só você sabe do seu<br />

JOÃO ABADE<br />

Pelas ruas vamos nos enfiar<br />

O arraial rodear<br />

Volver ao largo, na mais ativa<br />

BEATINHO<br />

(ao público)<br />

VOZEAR VIVAS!<br />

Viva a Peste da Paixão! Viva!<br />

Viva o nosso Bom Jesus! Viva!<br />

Viva o nosso Conselheiro! Viva!<br />

Viva Infante nosso irmão! Viva!<br />

(silêncio)<br />

INFANTARIA<br />

Infantes?!<br />

CORO<br />

Infantes!<br />

BEATINHO<br />

A <strong>luta</strong> de amor, Infantes na caatinga<br />

no leito desafogado da cantiga<br />

CORO DE INFANTES<br />

Sem vergonhas!<br />

VEADOS!<br />

JOÃO ABADE<br />

Não chinga!<br />

Venham dançar com a gente na Catinga.<br />

GUIAS<br />

VIVA O BOM JESUS!<br />

VIVA O CONSELHEIRO!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

E vai um fogo amigo pra vocês<br />

guias da Nossa perdição!<br />

MEDICO E CONSELHERISTAS TENTANDO AVANÇAR NOS GUIAS<br />

N Ã O!<br />

(OS GUIAS PEDEM QUE OS SERTANEJOS PAREM, pois todas armas estão apontadas para os conselheristas que<br />

vão ser massacrados )<br />

GUIAS<br />

Nós Gosta de Fogo Amigo<br />

Nos batemos com as da Terra Grande<br />

21


Até lá chegou o cordão do nosso umbigo<br />

Pra que mais, nosso destino que mande.<br />

(Os Sertanejos avançam para impedir a morte dos Guias e juntamente com êles são metralhados)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Fogo!<br />

CORO SERTANEJO(para o Público)<br />

Viva Nicolau!<br />

Viva Mariquinhas!<br />

(OS CONSELHEIRISTAS revoltados põe-se em ronda desnorteada e célere. Variando o exército gente cruel e séria.<br />

Apitos. Gritos, Zoeiras. Giros revoltos, folhas de parreiras… João Abade solta silvos estridentes de apitos de taquara,<br />

atravessam o largo arrebatadamente… dali por diante, desordem de feira turbulenta. As praças, protegidas pelas<br />

casas, volveram à defensiva franca.)<br />

ESTEVÃO<br />

Não sentem nossa peste?<br />

Nossa atração?<br />

Venham pro plaino desafogado da várzea<br />

Ver o que é ter coração.<br />

(tiros do exército, as vacas, a pombeira mandrágora caem mortas)<br />

MÉDICO DA FORÇA<br />

Minhas vacas, minhas vacas, morreram<br />

Quem leva minha ambulância?<br />

OFICIAL I<br />

Olha, abandonam, o campo.<br />

Escondem-se nas moitas?<br />

Pra Canudos reconduzem o povo inteiro?<br />

(acorde grave de Baixo)<br />

Ou vão buscar a Madeira em Joazeiro?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Vamos alcançá-los?<br />

INFANTARIA INFANTES<br />

Estamos exausticos.<br />

(Somem os Canudenses, Silêncio. Baixo toca as notas)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Baixas.<br />

CORNETEIRO<br />

dez mortes—<br />

um alferes,<br />

sete praças<br />

e os dois guias<br />

(infantaria de infantes cai num berreiro)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

E o Inimigo?<br />

OFICIAL III<br />

Número desconforme - dezenas de sertanejos – 150<br />

(silêncio-o berreiro pára)<br />

OFICIAL I<br />

Vamos avançar<br />

Nós temos setenta homens válidos,<br />

Temos toda a munição.<br />

TENENTE PUIRES FERREIRA<br />

Nós ganhamos?<br />

OFICIAL I<br />

Ainda não.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Lavram incêndios em vários pontos, nas cercas, nas hortas<br />

Sobre os soalhos e balcões ensagüentados, à soleira das portas,<br />

pelas ruas e na praça,<br />

22


O sol dardeja, o tempo passa<br />

contorcem-se os feridos, estendem-se mortos.<br />

Assombra-me este assalto.<br />

Vi de perto o arrojo dos matutos.<br />

Essa vitória nos deixa malucos?<br />

Se tal nome cabe ao sucedido,<br />

Pelas suas consequências me sinto fodido<br />

MEDICO<br />

Quedo-me, inútil, ante os feridos, alguns graves,<br />

Mas eu sou medico, o melhor é queimar tudo<br />

É uma peste… eu diagnostico para o mundo<br />

Eu estou contagiado…<br />

São tantos feridos<br />

estamos vencidos…<br />

É uma peste nova,<br />

cabeça contaminada<br />

quem cuida da minha, que agora está virada…<br />

Viva o Bom Jesus!<br />

Viva o Conselheiro!<br />

Não há remédio a não ser o fogo.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

O médico da força enlouqueceu…<br />

Desvairio eu tambem<br />

(amarram o médico na camisa de força de sua propria roupa)<br />

Que peleja é esta?<br />

A retirada impõem-se, urgente, antes da noite,<br />

ou de um outro recontro,<br />

só de pensar nessa idéia tremo eu,<br />

triunfador? Não! Deus enlouqueceu.<br />

INFANTES DA INFANTARIA<br />

Não há o que temer, olhem<br />

Desaparecem ao longe na virada<br />

listrando a caatinga com a bandeira sagrada<br />

Seu escudo<br />

Reconduzem a Canudos.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

É só uma volta, nos confrontar hoje é o fito.<br />

Vamos inumar nossos mortos, e deixar este lugar maldito.<br />

MEDICO<br />

Queimar espermas empestiados nesses mortos, gene.<br />

Receito querozene.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Vamos largar sob o sol ardente.<br />

Em fuga? Até onde eu mergulhe numa aguardente!<br />

OFICIAL II<br />

(abraçado a um cadáver apaixonado)<br />

Eu fico nos micróbios dessa Mandragora<br />

Podem ir<br />

Peguei a peste, me apaixonei,<br />

na Ágora<br />

Não sou de fujir. (Se suicida)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Marchemos pra<br />

Juazeiro, em acelerado<br />

O sol e os jagunços nos perseguem por todos os lados<br />

O que fizemos em oito<br />

Temos que fazer em quatro dias<br />

Ave Marias!<br />

Quem quizer sobreviver a essa assombração<br />

Me siga. Esta floresta vai avançar e será a destruição!<br />

(ateiam fogo nos corpos dos sertanejos, com o querozene que o médico receita; trazem os corpos dos dois guias<br />

mortos pra enfermaria, puxada por dois infantes exaustos, inumam os mortos, pegam os feridos e marcham até<br />

Joazeiro, onde chegam na estação de trem.)<br />

JOAZEIRO<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

Mas vocês ganharam ou perderam?<br />

23


MÉDICO<br />

Os Jagunços vem vindo em cima, nos nossos rastros,<br />

Trazendo a peste. Vamos clamar aos astros!<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

Incompetentes!<br />

Eu conhecia de Conselheiro a Ficha!<br />

Era preciso um contingente maior<br />

O Governador da Bahía põe a política partidária<br />

acima dos interesses da República.<br />

POVO POP DE JOAZEIRO<br />

Vocês que vão nos defender<br />

ou nós que vamos defender vocês?<br />

Vocês estão pior que antes<br />

Retirantes, viraram retirantes!<br />

(A população alarma-se. Começa o êxodo).<br />

Fogos fiquem acesos na estação da via-férrea<br />

todas as locomotivas, no trenzinho de João Gilberto…<br />

Portões abertos<br />

(Mulheres, crianças, velhos e covardes caminham em direção a elas. O povo foge e os soldados também.)<br />

Adeus Joazeiro<br />

Malditas Madeiras<br />

Porque não entregaram ao Conselheiro?<br />

Agora eles vem aqui buscar<br />

E quem ficar Juiz Leoni, vai com a vida pagar.<br />

JUIZ LEONI<br />

Convoquem todos os homens válidos dispostos ao combate!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Não há uma alma sequer disposta ao combate<br />

E Helena sua esposa lá estava de destaque<br />

MEDICO<br />

Viva o Bom Jesus!<br />

Viva o Conselheiro!<br />

JUIZ ARLINDO LEONI<br />

(ameaçando com um revólver o telégrafo de Schilink que vai fugindo)<br />

Telegrafo, não fuja.<br />

(O trem <strong>parte</strong>)<br />

Dito:<br />

E as linhas do telégrafo transmitem ao país inteiro o prelúdio da guerra sertaneja…<br />

(o telegrama de Arlindo é retransmitido pelo telégrafo em todas as línguas do mundo …Espanhol …Alemão …Inglês<br />

…Francês …Italiano …russo …árabe …chinês …japonês …nagô… As notícias do prelúdio da guerra sertaneja<br />

irradiam de todos os pontos, enchem o espaço REMIXADAS com sons de telégrafos, demolições, gemidos, gozos,<br />

orações, somadas à música do revoluteio - Começa o TROPEL DE BÁRBAROS em Percurssão com os telégrafos…<br />

Tema de toda esta <strong>parte</strong> da <strong>luta</strong>. Começa na boca de um cantador, vão para os Coros até a versão remix, com<br />

telégrafos, pânico internacional…<br />

CANTADOR<br />

A força recuou<br />

ninguém sabe bem por que<br />

por medo não encarou?<br />

Ou viu o que ninguém vê?<br />

Bandido dioido armado<br />

fogo, facão, foice, machado…<br />

Bandido dioido armado<br />

fogo, facão, foice, machado…<br />

CORO<br />

Toando hino<br />

pomba girando<br />

a bandeira do divino<br />

cirandandandandandan<br />

dandandandandandandandando<br />

Guerrando <strong>luta</strong><br />

cantando dançando na batuta<br />

Guerrando <strong>luta</strong><br />

cantando dançando na batuta<br />

ai! ai! ai! tropel de bárbaro<br />

ia! ia! ia! doce amargo<br />

24


ai! ai! ai! tropel de bárbaro<br />

ia! ia! ia! doce amargo<br />

…O TROPEL chega ao sertão: Queimadas, Monte Santo; ao litoral: Salvador, Rio, na Rua do Ouvidor, onde o remix<br />

entra gravado e é sucesso no sertão mundial: China, Russia, Áfricas, Américas; em São Paulo já radiofonizado,<br />

mixado em som do tropel do horror, sendo cobertos por telégrafos em varias línguas de Radio, de Tv, de<br />

Computadores em Bagdá, Paris, Nova York, Berlim, Luanda, Xangai; em Salvador, no gabinete do governador Luis<br />

Viana que ouve a repercussão mundial, idem no quartel onde está o Comandante do 3º Distrito Militar, Solon Ribeiro;<br />

idem na Presidência da República no Rio; idem no gabinete da Governadora marli Rocinha; idem no Teatro Oficina, e<br />

formam uma onda de pânico e dicussão em que o Tropel contracena com a Marselhesa.)<br />

2ª EXPEDIÇÃO<br />

CONFLITOS DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA<br />

GRANDE DISCUSSÃO EM REDE PELO ESPAÇO TODO<br />

SOLON<br />

Exmo. Ministro da Guerra Dionísio<br />

Felizmente Casto, ou melhor, Castro<br />

Dr Manuel<br />

Felizmente Vitorino.<br />

Ilustre presidente da República interino<br />

informações alarmantes nacionais<br />

para as repúblicas internacionais.<br />

Aqui, on line, da nossa mais alta instância<br />

Vos encontro: Conselho de beligerância.<br />

O revés de Uauá exige reação segura,<br />

diferente da jacobina linha dura.<br />

(Vaias Jacobinas, aplausos da Minoria pensante)<br />

A mão oculta monárquica<br />

explora a multidão anárquica.<br />

Entra o Mundo na disputa,<br />

exigindo Invenção Novo Plano de Luta.<br />

(aplausos da Minoria pensante)<br />

Atacar a revolta por dois pontos incisivos<br />

Fazendo avançar para um único objetivo<br />

não uma, mas sem lacunas,<br />

duas colunas.<br />

GOVERNADOR LUIS VIANA<br />

Não perca tempo em teoria,<br />

É agitação sertaneja tem terapia!<br />

GOVERNADORA MARLI ROCINHA<br />

Terapia?<br />

Eu, Marli Rocinha,<br />

governadora do estado da chacina, declaro:<br />

o traficante Conselheiro impera sobre extensa zona conquistada,<br />

dificulta o acesso à cidadela entocaiada.<br />

Em nome do Senhor, eu proponho,<br />

em torno de Canudos, a construção de um muro<br />

que torne esse país mais puro e mais seguro.<br />

GOVERNADOR LUIS VIANA<br />

25


Boa idéia, governadora Rocinha<br />

mas escuta só a ação que já é minha:<br />

mando já diligências policiais,<br />

100 homens e 3 oficiais,<br />

sob o comando estrito<br />

do meu Príncipe<br />

Major Febrônio de Brito.<br />

(Entra o Formoso Major Febrônio de Brito em Salvador, aplausos gerais dos seus homens que estão esperando)<br />

São mais que suficientes as medidas tomadas<br />

para extinguir a turba fanatizada.<br />

Não há necessidade da força federal,<br />

para reforçar diligência tal.<br />

(aplausos)<br />

GOVERNADORA ROCINHA<br />

O Muro!<br />

GENERAL SOLON<br />

Discordo, são impressões superficiais,<br />

a repressão legal parou em diligências policiais.<br />

Não se trata de prender criminosos,<br />

mas extirpar móveis de decomposição, portentosos.<br />

O arraial de Canudos é um manifesto amoral,<br />

um desprestígio à autoridade e à República Federal!<br />

Preestabelecer vitória massacrante,<br />

sobre a rebeldia sertaneja dita insignificante?!<br />

Um novo plano<br />

Oligarchia<br />

da Bahía !<br />

GOVERNADOR LUIS VIANA DA BAHIA<br />

Bahia! Bahia! Bahia!<br />

(os baianos fazem coro com ele)<br />

Com grande honra<br />

no poder Federal se irradia!<br />

SOLON<br />

A Tropa sem plano afronta com o desconhecido sem perspectiva,<br />

só contando com fragilidade da tropa impulsiva.<br />

Não há nenhuma tática sobre inevitáveis assaltos inesperados,<br />

nem de acordo com os terrenos calcinados.<br />

O chefe expedicionário leva o pequeno corpo da tropa<br />

como se passeasse em algum campo esmoitado da Europa.<br />

(aplausos da Minoria pensante)<br />

Como a neve pra Napoleão,<br />

O deserto pode ser nossa perdição.<br />

(saindo João Abade dos subterrâneos com Mata Hari no seu lado oposto)<br />

JOÃO ABADE<br />

Senhoras e Senhores<br />

Vamos nós, aproveitar o tempo enquanto segue vossa controvérsia.<br />

Aparelhar pro revide, sair da inércia.<br />

MATA HARI<br />

Tempo estéril perdido<br />

pra vocês, inimigo perigoso<br />

pra nós florindo:<br />

Plantio fogoso.<br />

JOÃO ABADE<br />

Queimar Tudo!<br />

Num raio de três léguas<br />

em roda de Canudos,<br />

Longe e perto,<br />

faça-se o deserto.<br />

Para todos os rumos, pousos, fazendas, carbonizar.<br />

Isolar nosso arraial Palestina,<br />

num grande círco de fogo de Ruína.<br />

MATA HARI<br />

Não vamos ter destruído do inimigo o fundamento<br />

se as últimas ruínas sobrarem pro chororo e pro lamento.<br />

26


BARONESA DE JEREMOABO CHEGANDO COM DIVINE<br />

(Toca o Apito do Navio, a Baronesa chega no Rio, enquanto o Brasil sua Casa Grande queimam)<br />

BARONESA<br />

Moi Barone de Jeremoabo,<br />

déracinée par les gens de Conselheiro<br />

quiont occupé et déchu<br />

les terres de moi infance perdue…<br />

DIVINA<br />

Eu, a Baronesa de Jeremoabo,<br />

“A desterrada” pela gente do Conselheiro,<br />

que ocuparam, fuderam e queimaram<br />

as terras da minha infância perdida<br />

BARONESA<br />

…également déchues par les nouveaux monarques de la republique païenne<br />

Jacobine Brésilienne,<br />

DIVINA<br />

Igualmente arrasadas pelos novos monarcas da república pagã<br />

Jacobina Brasileira anticristã!<br />

BARONESA<br />

Bouleversie par cette grave situation<br />

ma fievre me couronne de pardon…<br />

DIVINA<br />

Transtornada pela grave situação<br />

Trago a febre coroando meu perdão<br />

BARONESA<br />

Moi, baiana exilé<br />

qui avais juré de ne<br />

plus jamais retourner,<br />

je reviens a mon peuple infantil,<br />

pour lutter pour ma patrie aimée<br />

Bresil!<br />

DIVINA<br />

Eu, baiana exilada<br />

já tinha jurado<br />

jamais por meus pés nesta terra amaldiçoada,<br />

Retorno agora ao meu povão infantil<br />

para <strong>luta</strong>r pelo Brasil.<br />

BARONESA<br />

Douloureux otage du banditisme prétendument monarchiste<br />

Et de lʼarmée républicaine positiviste.<br />

DIVINA<br />

Dolorosamente sofro refém do banditismo que se coroa monarquista,<br />

e do exército republicano positivista.<br />

BARONESA<br />

Oh brésiliens, aimez avec moi ce peuple entre deux feux<br />

Mois je suis maintenant, la Mère dʼun enfant-pays affreux<br />

DIVINA<br />

Ô brasileiros, amem comigo esse povo entre um e outro fogo<br />

Eu sou agora mãe duma criança-país horroroso<br />

BARONESA<br />

Jʼapprends maintenant le tupy<br />

comme mon fusil<br />

DIVINA<br />

(orgulhosa)<br />

Eu aprendo agora Tupy,<br />

como meu fusí,<br />

BARONESA<br />

notre vraie langue<br />

avec mes fonctionnaires indiennnes du Mangue.<br />

DIVINA<br />

Ah!… Madame…<br />

27


nossa língua de sangue<br />

com minhas funcionárias índias do Mangue.<br />

BARONESA<br />

Et jusqué à savoir lutter avec cette lʼarme labiale<br />

je ne dirais plus um mot de la langue du Portugal!<br />

DIVINA<br />

E até saber <strong>luta</strong>r com esta arma labial<br />

não direi mais uma só palavra da língua do Portugal!<br />

BARONESA<br />

À la recherche de notre temps perdu<br />

Je sens lʼodeur de la merde crue,<br />

qui brûle sèche en mon foyer déchu…<br />

DIVINA<br />

A busca do nosso tempo perdido<br />

Eu sinto o cheiro da merda ainda crua<br />

Que queima seca na minha fazenda nua…<br />

BARONESA<br />

Mais moi, je ris, de moi même je jouis<br />

Que vive la Patrie Mère: Moi, oui, oui, oui<br />

Tupy Tupy!<br />

DIVINA<br />

Mas ria-se da vida que a vida ri de ti<br />

Que viva Eu, a Pátria Mãe, estou gozando, ai, iiii<br />

Tupy Tupy!<br />

(O Público da Assemebléia aplaude)<br />

SOLON<br />

Contra o sertanejo antagonista<br />

incendiário, na pista,<br />

não pode estender-se a mais apagada linha de combate.<br />

Não há combate, no rigorismo técnico do termo e da conduta.<br />

Não há nem condições de <strong>luta</strong>…<br />

LUIS VIANA<br />

Há! Caçada humana!<br />

Batida Brutal a Canudos!<br />

OFICIAIS E MÉDICOS<br />

Desencontradas informações,<br />

oscilam emoções,<br />

Desalentos…<br />

Tormentos…<br />

A empresa é grande demais,<br />

ultrapassada<br />

A Luta assim<br />

Não vai dar em nada.<br />

CABO WANDERLEY<br />

A Luta<br />

vem plena<br />

de esperança inesperada…<br />

CORO DE PRÉS<br />

E crises desesperadas.<br />

(Silêncio Geral, todos contemplam os pré e Wanderley reza alto)<br />

MAJOR FEBRÔNIO<br />

Vem Natal, Ano velho saia,<br />

rezemos soldados ao céu,<br />

SOLDADOS<br />

Que um Plano de Campanha agora caia,<br />

trazido por Papai Noel!<br />

GENERAL SOLON<br />

(comovido)<br />

Sem planos somos tartarugas<br />

diante da tática estonteadora sertaneja da fuga.<br />

Mas o Plano de duas colunas a atacar,<br />

atraindo-os pra um e outro lugar,<br />

28


é vencê-los.<br />

Nossos patrícios, há cem anos, saíam dos modelos.<br />

Criavam Minúsculos exércitos de “capitães-do-mato”,<br />

num sem conto de revoltas, dando trato<br />

batalhas ferocíssimas, sem nome,<br />

imitando sistema do índio, do africano, do homem a homem!<br />

(conclamando)<br />

Brasileiros! Pra ofensiva,<br />

no recuo inevitável à guerra primitiva.<br />

(Vaias imensas e poucos aplausos)<br />

Função do Homem e da Terra<br />

É pra golpes de estrategista revolucionário essa guerra.<br />

LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />

Eu governador estadual da Bahia,<br />

estou farto de falação.<br />

Vou agir dentro da Constituição,<br />

há uma ameaça à soberania<br />

do meu Estado pela Federação.<br />

Ao seu Plano de Campanha a Bahia brada:<br />

REJEIÇÃO!<br />

BAHIANOS<br />

REJEIÇÃO!<br />

GOVERNADOR LUIS VIANA<br />

Essa confusão de plano não assino, é covardia,<br />

atenta a nossa mais íntima Soberania.<br />

GENERAL SOLON<br />

Acima do desequilibrado Conselheiro,<br />

seu diretor, seu dignatário,<br />

há toda uma sociedade de retardatários.<br />

O ambiente moral dos sertões favorece o contágio,<br />

o alastramento da nevrose.<br />

A desordem local neste estágio,<br />

é núcleo de conflagração em todo o interior do Norte.<br />

A Intervenção Federal exprime o superior porte,<br />

dos princípios federativos brasileiros.<br />

A colaboração dos Estados,<br />

numa questão, não da Bahia, mas do mundo republicano inteiro.<br />

LUIS VIANA GOVERNADOR DA BAHIA<br />

Senhor Presidente, senhor Ministro da Defesa:<br />

sobre as bandeiras vindas de todos os quadrantes,<br />

do extremo norte e do extremo sul,<br />

há de pairar intangível a Soberania<br />

do palco onde acontece a historia: a Bahía!<br />

O Chefe de Distrito sediado em meu Estado,<br />

traça Plano de Campanha que não leva meu abaixo assinado.<br />

(aplausos bahianaos)<br />

PRESIDENTE DA REPÚBLICA INTERINO<br />

Membros do Conselho, senhores ministros, poveira,<br />

generais, chefes especiais, representações estrangeiras<br />

Eu, presidente interino,<br />

Manoel Vitorino<br />

para melhor a constituição resguardar,<br />

removo do comando do 3º Distrito Militar<br />

o General Solon Ribeiro. E vá ligeiro!<br />

(silêncio pesado)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Protesto!<br />

(entram acordes rocks de Jagger Euclydes)<br />

MINISTRO DA GUEERA<br />

Para infelicidade sua,<br />

Doutor Euclides da Cunha,<br />

a de Danton, Robespierre, ou Saint Just não é sua Sina.<br />

Teu sogro não irá para a Guilhotina,<br />

que o General Solon em Matogrosso passe seu fim de ano,<br />

para curar-se da monocórdica obssessão dessa hitória de “plano”<br />

Anti bahiano!<br />

(aplausos bahianos entusiásticos. Novos acordes-rocks de Jagger Euclydes)<br />

EUCLIDES<br />

29


Falamos, falamos,<br />

Vitória Glória<br />

dos Quentes Panos!<br />

Não temos planos!<br />

Não temos Planos!<br />

(Vaias. Dois soldados entram para “acompanhar” Solon em seu exílio; prestam continência.)<br />

Querido General Solon,<br />

em nome dos republicanos,<br />

protesto, clamo,<br />

que vilipêndio pra grandeza de seu plano:<br />

um Spa na Sibéria Canicular de Mato Grosso<br />

e ainda esta politicagem, do soldado entrega o pescoço…<br />

(Som Brusco de Guilhotinas; Solon prepara-se pra sair pro seu exílio. Euclides em protesto:)<br />

Revolução republicana, não atinas?<br />

A Ti mesmo Guilhotinas?!<br />

(Musical Blockbuster, Sons eletrônicos de Explosões. Cai a cortina guilhotina do palquinho decepando Solon que sai<br />

preso. Entram os Fieldmarechais e se colocam no palco atraz da Cortina do TEATRO ITALIANO)<br />

PRESIDENTE INTERINO- MINISTRO DE GUEERRA<br />

Nós, da Bahia, Severinos<br />

MINISTRO DE GUEERRA<br />

Ministro<br />

PRESIDENTE INTERINO<br />

e Presidente da República<br />

PRESIDENTE INTERINO- MINISTRO DE GUEERRA<br />

Interinos,<br />

Como Medida Provisória, decretamos:<br />

agora que a sala está desinfetada,<br />

sigam as forças policiais já pra Queimadas.<br />

Mas antes, pelos Fieldmarechais sejam treinadas.<br />

T E A T R O – T E A T O<br />

OPERA DE ENSAIO DE MUSICAL AMERICANO.<br />

(O Ministro e o Presidente Interino abrem as cortinas do Musical, onde estão em cena a República, os Fieldmarechais<br />

e será anunciada a presença vip de Condoleezza Rice. Todo coro de recrutas aprendizes, sob o Comando de<br />

Febrônio de Brito, baixa para a oficina dos Fields, boquiabertos! Formam uma almondega dentro da pista central. Os<br />

Fields trazem palquinhos italianos na cabeça; eles abrem suas cortininhas.)<br />

PRESIDENTE VITORINO<br />

Que lindo!<br />

É com inenarrável satisfação<br />

que anuncio este presentão:<br />

A Presença very special, very nice<br />

da maior amiga da Latino America<br />

Condoleezza Rice!<br />

(a tropa tem surtos histéricos; um beijoqueiro invade o palco e beija Condoleezza)<br />

CONDOLEEZZA RICE<br />

(agradece)<br />

One, Two, Three, Four<br />

FIELDMARECHAIS<br />

(Play back com arranjo grandioso. Os Fields tem um ligeiro sutil sotaque Americano)<br />

Fields marechais<br />

Trazemos padrões internacionais.<br />

Aqui por contrato<br />

Com o Ministro da Guerra Dionísio de Castro.<br />

Thatʼs it!<br />

CORO<br />

Thatʼs it!<br />

FIELDMARECHAIS<br />

(cantando como computadores)<br />

Doutores na arte de matar hoje na Europa,<br />

invadimos a ciência, o teatro, com a tropa,<br />

perturbando seu remanso retinindo esporas insolentes sem canso.<br />

Leis formulamos para a guerra eloqüentes<br />

pra batalhas inteligentes.<br />

(Uma nota só no teclado dançando a dança Xamanica arcaica do Macaco; Fields trazem uma machadinha de Pedra,<br />

os soldados brasileiros os imitam como macacos e os Fields passam a imitar os brasileiros)<br />

30


Guerreiro, de nossa mão<br />

a heróica machadinha foi pro chão<br />

de dois gumes,<br />

levávamos no quadril:<br />

a Francisca,<br />

foi traída, risca!<br />

Sumiu…<br />

(Rito de tramsmutação secular da machadinha ao lápis calculista, puxado pela música que o computador traz do<br />

milagre da tecnologia. O Corpo do macaco torna-se humano e com força maior na cabeça. Os recém transmutados<br />

corpos trazem o lápis laser, controle remoto e a boa nova:)<br />

O lápis calculista surgiu.<br />

(Condoleezza avança e delicadamente toca o crânio de um macaco brasiliero que adquire como todos a posicão<br />

horizontal.)<br />

Com lápis do artista<br />

estrategista<br />

riscamos o Line do Coro<br />

(dois Fields riscam a linha no chão, apoiados em duas réguas; a linha também pode ser feita com uma fita colante<br />

brilhante, reta. O grupo de oficineiros se espalha pela pista toda diante da linha do Coro e contra-regras trazem<br />

máscaras do palco italiano para todos.)<br />

Soldados, entrem nele sem Choro.<br />

Todos somos um,<br />

(Os Fields apontam para o Major como referência do Todo)<br />

um por todos.<br />

Brasileiros, entremos juntos no design deste traço.<br />

(Brasileiros exitam tímidos, com medo de perder sua singularidade ou seu jeito de ser e <strong>luta</strong>m contra a entrada na<br />

linha; os Fields ordenam com fúria:)<br />

RIGHT NOW! JUNTOS NO MESMO PASSO!<br />

(os brasileiros intimidados entram; os Fields tiram os chapéus e demonstram que é para os brasileiros apanharem<br />

do chão e solenemente se coroarem. Tambores rufam. Todos apanham os palcos-quepes, erguem pra os céus e os<br />

colocam na cabeça. Um apito, todos fecham as cortinas)<br />

Meia volta, volver!<br />

(os Fieldmarechais dão as batidas de Moliére e os brasileiros abrem suas cortininhas; os Fields em coro, passeando<br />

diante dos aprendizes, dão sua aula, bem cool, com a música cool de fundo que deverá ser apreendida pelos<br />

estudantes)<br />

Diante do inimigo<br />

coreografia padrão<br />

Corpos sarados sorrindo, luzes, canhões<br />

Tam tam tam tam tam tambores, bandeiras, blockbusters, explosões,<br />

numa única pulsação<br />

irresistíveis, como São Sebastião<br />

(Cenas de Soldados marchando contra o Inimigo em Músicais brasileiros e americanos)<br />

Musical Americano<br />

Engulamos o pobre kitsch rebolado brasiliano.<br />

(Grande arranjo de playback e banda ao vivo, o coro já aprendeu a coreografia, dançando juntos os passos de<br />

ganso. No palco, a República sola.)<br />

CORO e FIELDES<br />

Diante do inimigo<br />

coreografia padrão<br />

Corpos sarados sorrindo, luzes, canhões<br />

Tam tam tam tam tam tambores, bandeiras, blockbusters, explosões,<br />

numa única pulsação<br />

irresistíveis, como São Sebastião<br />

Musical Americano<br />

Engulamos o pobre kitsch rebolado brasiliano.<br />

(GRAN FINALE, cortinas abrem duas vezes até que na terceira reaparece Condoleezza)<br />

CONDOLEEZZA RICE<br />

We can afford everything you need.<br />

Está em jogo em Canudos<br />

o sorte do República,<br />

de all the world, in tudos.<br />

PRESIDENTE INTERINO MANOEL VITORINO<br />

Thank You! God Bless America!<br />

Agora a Segunda Expedição pode feliz partir!<br />

CORO DE FIELDS<br />

31


(desejando boa viagem à tropa, os Fields acompanham a partida do seu palco, com cortinas abertas)<br />

Que sejam úteis, arranjos coreografias, formações!<br />

Good Luck, Strong Emoções!<br />

Glorius Day,<br />

Our heros, good bye!<br />

(Hino ao Senhor do Bomfim na Estação da Calçada)<br />

MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />

(Para o povo e multidão: prestes a entrar no trem para Queimadas. Todos estão com as baionetas apontadadas como<br />

para uma punctura.)<br />

Juremos à República, aqui na Estação da Calçada<br />

Indo agora pra Queimadas:<br />

Canudos, doença cancerosa<br />

será lancetada.<br />

CORO DO EXERCITO<br />

(apruma as metralhadoras faz um movimento de avanço, um juramento)<br />

URRA!<br />

MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />

Dia 25 de novembro, dia dos encontros: Alegria<br />

CORO DO EXERCITO<br />

Alegria!<br />

MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />

Eu, comandante do 9° Batalhão de Infantaria,<br />

Meu nome é Febrônio de Brito,<br />

Meu desejo: ser vosso Major favorito.<br />

(toca o apito)<br />

Embarquemos.<br />

Ouço o apito<br />

SOLDADOS, GOVERNADOR DA BAHIA, INTERINOS PRESIDENTES E MINISTRO DA GUERRA<br />

Viva o comandante Febrônio de Brito.<br />

REPÚBLICA<br />

TRIPLE MERDE!<br />

TODO O TEATRO<br />

MERDA<br />

(Aplausos Finais puxados por todos. Os Fields somem atrás da cortina, que sobe. Musical Americano com sua trilha<br />

de fechamento de espetáculo funde-se glorioso com o Trem para Queimadas - TRENZINHO DE JOÃO E VILLA-<br />

LOBOS PENETRANDO O LABIRINTO DO COMEÇO DO SERTÃO)<br />

QUEIMADAS<br />

ORAÇÃO MEDITATIVA<br />

(Ao som do telégrafo, os homens descem tremendo; o trem apita e passa… continuando a viagem para Joazeiro,<br />

vazio… Silêncio misterioso do sertão que começa, área limite.)<br />

MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />

(para o Tenente Pires Ferreira)<br />

Segue vazio pro primeiro capítulo, Joazeiro…<br />

(para o público)<br />

Aqui em Queimadas, só o começo do segundo já me arrepia inteiro! Telégrafo, linha de tiro,<br />

Aqui, Civilização…<br />

(cruzando com um passo a divisa do sertão)<br />

Aqui Sertão…<br />

(voz off de Euclides em delay:<br />

“E ainda esta politicagem,<br />

do soldado<br />

entrega o pescoço”…<br />

Som de guilhotina)<br />

MAJOR E TROPA<br />

(suingando, afastam a energia pesada e sinistra)<br />

Xô Xô Xô!!!<br />

MAJOR FEBRÔNIO DE BRITO<br />

Atenção Pelotão!<br />

Estou revoltado,<br />

o plano afundou,<br />

o transporte combinado, não chegou,<br />

32


a paciência acabou.<br />

(olhando para o Sertão)<br />

Meu intento: arremetida fulminante,<br />

ao mocó da rebelião nesse instante,<br />

levando só munição<br />

que possam os praças, já na lona,<br />

carregar nas patronas.<br />

SOLDADOS<br />

O que?!<br />

Trágica decisão.<br />

Quem fala por nós nesta situação?<br />

(leit motiv de Wanderley, sua primeira manifestação)<br />

CABO WANDERLEY<br />

A Partida mais rápida de Queimadas<br />

não vai condenar em Monte Santo a estada mais demorada?<br />

TROPA<br />

É!<br />

FEBRÔNIO DE BRITO<br />

Não Cabo. Não.<br />

(no suingue)<br />

Atenção Tropa, no suingue!<br />

Marchar, Marchar,<br />

É o nosso canto,<br />

mesmo no desencanto.<br />

TROPA<br />

Marchar, Marchar,<br />

É o nosso canto,<br />

mesmo no desencanto.<br />

(As colunas saem marchando e deixando a munição, dizendo adeus a elas)<br />

FEBRÔNIO DE BRITO<br />

Ano Velho adeus<br />

pro novo preparemos o colo:<br />

trilhando esse solo,<br />

Marchar, Marchar,<br />

É o nosso canto,<br />

mesmo no desencanto.<br />

(Levando um susto.)<br />

Tropa! Estacar!<br />

Cá em Quirinquinquá,<br />

(Volvem pare o levante a vista deslumbrada de Monte Santo onde Verônica canta a Ave Maria; estacam extasiados)<br />

Ouço o ano novo nesse canto<br />

estamos diante de Monte Santo.<br />

(Todos marcham hipnotizados, com a Música da Verônica, até chegarem em frente na rua da escadaria do Monte.)<br />

VERÔNICA DE MONTE SANTO<br />

(Diante dos que chegam.)<br />

As lágrimas de sangue que a virgem chorou<br />

anunciaram esse dia que Monte Santo virou<br />

Praça de Guerra.<br />

Verônica, faço vossos retratos sonoros,<br />

nos séculos de tristezas sangrentas que o Monte encerra.<br />

Descobridores, invasores,<br />

séculos opostos, desamores,<br />

os mesmos rancores.<br />

Massa de quartzo de serra,<br />

das arquiteturas monumentais da terra,<br />

a vertente oriental caindo, a pique, lembra vejam, a muralha chinesa.<br />

Rua saindo da praça — a via-sacra da pobreza,<br />

nem foi preciso ladrilhar,<br />

macadamizada de quartzo alvíssimo,<br />

em um século de romarias ao santíssimo,<br />

traz os passos de multidões sem conta a talhar,<br />

em milhares de degraus em caracol,<br />

vereda branca de sílica, mais de dois quilômetros ao sol<br />

33


escada subindo fugindo pro céu…<br />

Vosso retrato me dói na voz do coração.<br />

Monte Santo Centro de Guerra, de Operação!<br />

Não, Não, Não<br />

(Todos quedam mudos.)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Sai da formação cai de joehos diante da Santa que faz seu rosto como o do Cristo, ele e todos olham perplexos)<br />

FEBRÔNIO<br />

Volte a formação, Rei da Anarquia,<br />

ou te faço engolir a força da Hierarquia<br />

CABO WANDERLEY<br />

Minhas desculpas Major,<br />

minha emoção com Verônica foi maior.<br />

(O canto de Veronica continua longe)<br />

FEBRÔNIO<br />

(Com entusiasmo, abraçando a árvore.)<br />

Um ornamento único — talvez secular,<br />

uma cachimbada para quem adivinhar.<br />

CABO VIADO<br />

É a árvore do Coronel Tamariiiiindo!<br />

É azedo, é doce, é lindo.<br />

Um Taramarineiro.<br />

Que nossas vidas durem assim, um século inteiro.<br />

(Entra na Escadaria do Monte a população coberta com os panos cor de terra ou negros abertos festejando)<br />

FEBRÔNIO<br />

E o Ano Novo se Manifesta<br />

Vamos com o povo fazer a festa.<br />

F E S T A D E A N O N O V O<br />

CORO DA CIDADE<br />

(Todos fecham suas capas, forma-se uma massa unica confundindo-se com o Monte)<br />

Raça que ia morrer,<br />

desconhecida na história,<br />

entre paredes de taipa,<br />

de nossas casas de escória,<br />

quase acidentes do solo, tocas de animal<br />

(Tiram as Capas e tem roupas de festa de ano novo-verde- amarelas?)<br />

Mas agora de obscuro arraial,<br />

grandissíssimo quartel, acaçapado!<br />

Major Febrônio, o povo está reanimado!!!<br />

PREFEITA<br />

Que um levantamento<br />

do vosso glorioso equipamento<br />

seja pra este humilde povo mostrado.<br />

MAJOR FEBRÔNIO<br />

Excelentíssima Senhora Prefeita<br />

Este Major a vós e a vossa gente saúda.<br />

CORO DA CIDADE<br />

Deus lhe acuda.<br />

(sob o canto da Ave Maria as Armas são apresentadas religiosamente)<br />

MAJOR FEBRÔNIO<br />

Comblains,<br />

as novas Manlincher,<br />

metralhadoras Nordenfeldt,<br />

dois canhões Krupp 7-1/2.<br />

(Todos ajoelham-se no final da Ave Maria, e a Prefeita sai com todos acenando para os soldados com uma surpresa;<br />

eses ficam em Expo; logo entra visitando a exposição de armas os vaqueiros)<br />

O RAP DOS VAQUEIROS<br />

VAQUEIRO I<br />

Diz que é capaz de esboroar o Monte Santo.<br />

34


VAQUEIRO II<br />

Abalar com um só tiro,<br />

mais forte que mil “roqueiras”,<br />

as rochas do sertão, inteiras.<br />

é o cão!<br />

O que não pode esse progresso<br />

dessa civilização!?<br />

(foge desesperado a cavalo)<br />

(Os soldados continuam hieráticos como guardas de uma exposição, a luz baixa na pista e foca dois guerrilheiros no<br />

jardim)<br />

RAP FUNK DOS GUERRILHEIROS<br />

VAQUEIRO I<br />

Toco pro norte,<br />

pra Canudos.<br />

Ninguém me percebe.<br />

Encantados com o triunfo,<br />

é nosso trunfo.<br />

VAQUEIRO III<br />

Fico aqui espiando,<br />

indagando,<br />

contando,<br />

o número de praças.<br />

Todo trem de guerra vai passar por nossa olhada<br />

VAQUEIRO I E III<br />

Todo trem de guerra vai passar por nossa olhada<br />

VAQUEIRO III<br />

despacha já pra aldeia sagrada,<br />

e conta tudo pra jagunçada.<br />

VAQUEIRO I E III<br />

Louvado seja o senhor jesus cristo!<br />

E o anti-cristo!<br />

(O Vaqueiro III mal entra para ver a exposição com musica de orgão-museu-igreja, houve-se uma explosão de<br />

pólvora e um toque de terreiro pesado que provoca um estremecimento, mas os soldado riem, desfazem as armas<br />

e vão pro descanso brincando com uma coreografia de hit parede assobiado, “hoje é festa lá no meu AP”. No fosso,<br />

a Beata faz catimbó, sincronizado e chupado, comido da energia dos soldados, do seus pssos, clarins, risos, e<br />

assovios)<br />

BEATA<br />

(os soldados riem da dança que fazem)<br />

Acende, meu altar secreto-sagrado<br />

(risos)<br />

do riso do soldado,<br />

(os soldados percutem o ritmo com a botas)<br />

da bota o estrepitado,<br />

percutindo na calçada,<br />

é batida pra minha macumbada.<br />

(toca o clarim e Vivas)<br />

Vibrações de clarins,<br />

viva das ruas,<br />

batem nos meus rins.<br />

(soldados assoviam a melodia de “festa lá no meu AP”)<br />

Minha parede tudo coa,<br />

festa, penetra minhas fresta, ecoa, ecoa, ecoa…<br />

(gargalhando, com muito humor, relaxada)<br />

Prelúdio hilariante de um drama de amargar!<br />

(gargalha)<br />

Invasão, essa festança não adianta,<br />

não vão ver sequer as torres da igreja sacrossanta.<br />

Vem perturbar sim, dentro do “mim”.<br />

Louvado Seja Nosso Senhor e a Senhora amada<br />

Viva o Jesus da Diabada!<br />

(Dança. Solta uma gargalhada, cospe pinga e incendeia um clarão de pólvora. TREVAS. Toque de Ogum Forte com<br />

Trilha da Música da Festa do BANQUETE que vai do apogeu ao fim; a luz acende com todos terminando de comer<br />

um bode de verdade, há uma carcaça imensa dêle. E Jurema Preta. Um soldado ARROTA)<br />

B A N Q U E T E<br />

PREFEITO<br />

Tudo é uma novidade estupenda.<br />

35


Triunfo aos vencedores,<br />

Banda surpreenda!<br />

BANDA E CORO DA CIDADE<br />

Marcha soldado<br />

Cabeça de papel<br />

Se não marchar direito<br />

Vai preso pro quartel<br />

O quartel pegou fogo<br />

A polícia deu sinal<br />

Acode acode acode a bandeira nacional<br />

(Todos aderem com o público; o Exército levanta Febrônio e o coloca na mesa de pé.)<br />

DISCURSO<br />

FEBRÔNIO<br />

Distinto Povo de Monte Santo<br />

Autoridade deste Espanto!<br />

Senhoras e Senhores, tenho ditos<br />

Senhoritas, Senhoritos<br />

Povo Infantil<br />

do Brasil.<br />

Em todos os tons e na Igualdade<br />

-“Pátria… Glória… Liberdade!”<br />

CORO<br />

Pátria Glória Liberté Egalité!<br />

Pátria Glória et! Liberté Egalité!<br />

Pátria Glória Liberté Egalité!<br />

Pátria Glória et! Liberté Egalité!<br />

Canta eloqüência, vibrante,<br />

matéria-prima dos períodos retumbantes retumbantes!<br />

(Os Soldados começam a girar saindo com a mesa)<br />

Contra as Rodas dos carros de Shiva.<br />

SOLDADO<br />

Rodas dos canhões Krupp na Estiva!<br />

CORO<br />

rodando<br />

OUTRO SOLDADO<br />

pelas chapadas estiradas<br />

CORO<br />

rodando<br />

TERCEIRO SOLDADO<br />

por serranias empinadas<br />

CORO<br />

rodando<br />

QUARTO SOLDADO<br />

pelos tabuleiros aos ventos<br />

CORO<br />

deixando sulcos sanguinolentos.<br />

(Os sulcos dos enfeites das bandeirinhas são apanhados pelas mulheres que os passam aos soldados para<br />

pendurarem decorando o teatro para o fim do ano.)<br />

FEBRÔNIO<br />

Rebeldes a ferro e fogo<br />

CORO<br />

destruídos serão!<br />

FEBRÔNIO<br />

É preciso um grande exemplo<br />

CORO<br />

e uma lição.<br />

FEBRÔNIO<br />

36


Aos rudes impunes, criminosos retardatários<br />

CORO<br />

dos sertões,<br />

FEBRÔNIO<br />

Que tem a gravíssima culpa de um apego estúpido às mais antigas<br />

CORO<br />

Tradições,<br />

FEBRÔNIO<br />

requer corretivo sangrento,<br />

CORO<br />

que saiam afinal da barbaria que escandaliza o nosso tempo,<br />

e que entrem para a civilização iluminada,<br />

a pranchada!<br />

SOLDADOS<br />

Está selado, brindado:<br />

o exemplo será dado.<br />

PREFEITA<br />

Crianças ao assunto:<br />

O Arco do Triunfo!<br />

(Mulheres trazem caniços curvados, com enfeites patrióticos, natalinos e de boa vinda ao ano)<br />

TODOS<br />

10…9…8…7…6…5…4…3…2…1… MEIA NOITE!!!<br />

Feliz Ano de l897!<br />

PREFEITA<br />

(abrindo a garrafa de Cidra)<br />

Ciiiiiiiiiiiiiidra e… confeti<br />

(ao som de fogos de artifício, de uma quadrilha, os soldados passam pelo arco do triunfo com os habitantes. O ano<br />

fatal de 97 - alegria no canto; a trilha pontua o trágico deste ANO)<br />

TODOS<br />

Cidra e confeti<br />

Vem a Vitória<br />

97 na história<br />

só honra e glória<br />

aos vencedores muitos amores<br />

arco do triunfo<br />

coroa o prenúncio<br />

derrota do jagunço<br />

Jurema e aruá!<br />

(todos vão passando e se deitando ao fundo do Monte em baixo da escadaria. O Cabo Wanderley fica envolto no<br />

arco do Triunfo até conseguir se libertar da armadilha que as mulheres fizeram, salta para o primeiro andar. Luz<br />

passa para a vereda da subida do Monte.)<br />

S U B I D A A M O N T E S A N T O N O P R I M E I R O D I A D O A N O<br />

CABO WANDERLEY<br />

(Viajando, falando com o céu, com o público, com as estrelas, os ventos, consigo mesmo.)<br />

Consegui me livrar desse mulherio roceiro,<br />

pra ficar só comigo um pouco, nesse dia primeiro.<br />

Na busca duma dona desconhecida<br />

ascendo a montanha do meu novo ano de vida.<br />

Xamã Zaratustra! Te invoco amado!<br />

Vem nesse vento cruzado circulado!<br />

Meu corpo balança na dança atordoado<br />

de não saber pra que lado…<br />

Ah! Ladeira sinuosa de capelinhas brancas orlada,<br />

nesse “passo” dou uma parada.<br />

Ah! Meu coração bate, ascensão exaustiva, mas querida.<br />

Registros, estampas, esperanças pendidas,<br />

deixo aqui o meu:<br />

(Rindo muito deixa seu retrato que Veronica fez, pendurado)<br />

Jesus meu, nesse passo,<br />

onde tu caíste,<br />

me levante, de aço.<br />

Me faça uma ascensão maior,<br />

37


me faça, antes dos 30, Major!<br />

Me case com a sobrinha do Imperador,<br />

mas sem que eu deixe minhas aventuras de amor.<br />

Quʼeu aconteça na corte republicana,<br />

e na rua do Ouvidor,<br />

senão o Senhor vai passar a sofrer ainda mais dor. Amem.<br />

(Sobe mais, até o pico.)<br />

Ah! Que nada,<br />

quero tanto da vida<br />

que arrisco nesta guerra ela perdida.<br />

Só sei que meu sangue está dançando<br />

vibrando aqui no alto da Santa Cruz.<br />

Olho para o norte: pontos de luz<br />

(Ventos fortes para empinar papagaios)<br />

Lufadas fortes. Me leva na tua morada furacão.<br />

Estou aqui — defronte o Sertão…<br />

(Silêncio.)<br />

Uma opressão… um breu.<br />

Me salta na boca o coração…<br />

Pronto. Desapareceu.<br />

Feliz Ano Novo Major Wanderley,<br />

(Ecos… Com as mãos em jura)<br />

altere os lugares comuns de lei,<br />

volte tranqüilo pra vila,<br />

discuta com nobreza régia<br />

nova estratégia.<br />

Acendam primeiros fogos de Aurora.<br />

(SOL DO NOVO ANO RAIANDO com o canto de Aurora)<br />

A campanha começa bem auspiciada. Deusa Troiana: Doura.<br />

(o canto mixa com a música dos índios, de povos de todo mundo despertando no Sertão como mantras de animais<br />

suaves e fortes)<br />

Monte Santo antecipa-nos ouros de vitória e fama.<br />

Nosso aparato bélico sob tua luz xama!<br />

Habitantes, invadidos pelo contágio desta espontânea crença,<br />

e eu e a tropa compartilhamos a mesma esperança?<br />

Não tenho esperança, não espero nada.<br />

Gosto da vida em cada gota de ouro que me é dada.<br />

Porque ser assim? Acho que sou lunático.<br />

Não torço pra ninguém, nem pra derrota do fanático.<br />

(Luz Invade excessiva, Wanderley some na Luz, em frações de segundos acende na pista)<br />

NA PRAÇA DE OPERAÇÕES<br />

15 DE JANEIRO<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

(na roda de uma Krupp)<br />

Ai que tortura!<br />

15 dias esperando!<br />

A expedição<br />

na opinião de toda a gente,<br />

vai positivamente<br />

vencer.<br />

soldados, banda, picoaracetes, cantemos, para dessifilizar o público, do VIS A TERGO o Canto.<br />

C A N Ç Ã O D O V I S A T E R G O<br />

CORO<br />

Nos sucessos guerreiros<br />

tem toda quota<br />

a preocupação da derrota.<br />

O melhor estímulo dos vencedores:<br />

Se imaginar perdedores.<br />

Vis a Tergo<br />

A certeza do perigo estimula<br />

Vis a Tergo<br />

A certeza da vitória deprime<br />

Oh! Guerra! Guerra!<br />

Monstruosa e ilógica em tudo!<br />

(Computer Music)<br />

Organização técnica superior,<br />

na sua forma atual,<br />

maculada de estigmas do banditismo original.<br />

(beats selvagens do instinto, GRITO DO VIS A TERGO:)<br />

Acima<br />

38


(Computer Music)<br />

do rigorismo da estratégia,<br />

do preceitos da tática de enciclopédia,<br />

dos aparelhos sinistros, da segurança fria,<br />

de toda a altitude da arte sombria,<br />

de pôr na frieza da matemática equação<br />

o arrebentamento de um shrapnel na explosão,<br />

e subordinar à invioláveis parábolas<br />

o curso violento das balas,<br />

(vis a tergo)<br />

vale o impulso de trás pra diante,<br />

da brutalidade animal de antes<br />

vale o impulso de trás pra diante,<br />

da brutalidade animal de antes,<br />

que permanece intacta<br />

é a vis a tergo, a motivação<br />

permanente, da ação.<br />

VIS A TERGO!<br />

ANIMAL!<br />

(troca rápida de luz)<br />

FEBRÔNIO<br />

Levante a Bandeira, soldado<br />

Partimos pro Cambaio agora<br />

Não vamos esperar nem mais uma hora.<br />

TROPA<br />

Uau!<br />

Animal!<br />

Vis a tergo!<br />

CABO WANDERLEY<br />

Desculpe a intromissão na hierarquia<br />

desse pobre ordenança,<br />

mas diante do que vejo, por que me calaria?<br />

Esperemos de Queimadas os trens de guerra, mantimentos.<br />

Aproveitemos o tempo agremiando melhores elementos.<br />

Ganhemos em força o que perdemos em celeridade.<br />

A aventura de um assalto é temeridade.<br />

Operação que mais tempo dura<br />

Pode acabar sendo mais segura.<br />

FEBRÔNIO<br />

Audácia do Cabo!<br />

Falas-me o que tu queres?!<br />

Desconheces tua categoria?<br />

Falas-me como um Major!<br />

Que ousadia!?<br />

CABO WANDERLEY<br />

Desculpe minha modesta pretensão.<br />

Sou soldado por minha opção.<br />

Amo, estudo as artes,<br />

e a militar com paixão.<br />

FEBRÔNIO<br />

Então aprenda essa,<br />

depressa.<br />

(Brada.)<br />

Vamos com equipamentos demais.<br />

Duas Krupps, pra que mais?!<br />

CABO WANDERLEY<br />

Quer ainda partir com a expedição<br />

menos aparelhada<br />

que na chegada?<br />

Quinze dias atrasada?<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Não admito esse Cabo cruzar a hierarquia superior.<br />

Cale essa Boca. Quer se expor?<br />

Ouvi em todas as pronúncias,<br />

sussurrar de cautelosas denúncias,<br />

mal boquejados avisos, correndo informação<br />

39


esboça-se uma traição.<br />

FEBRÔNIO<br />

Traição!?<br />

CABO WANDERLEY<br />

Dos mandões locais,<br />

de prontidão,<br />

na socapa estão<br />

fornecendo a Canudos material<br />

instruindo dos menores movimentos da tropa o arraial.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Cabo! Deixa de ser intrometido.<br />

Ponha-se em seu lugar, não quero ser interrompido.<br />

Mando o senhor pra cadeia.<br />

Lavar todo o quartel. Apanhar de correia!<br />

FEBRÔNIO<br />

Eu, Major,<br />

da minha hierarquia exijo,<br />

sob ameaça de corte marcial:<br />

Cabo, apesar de não passares de um animal,<br />

fale tudo o que souber.<br />

CABO WANDERLEY<br />

(Gaguejando amendontrado.)<br />

Obrigado Major.<br />

Desculpe Tenente.<br />

Major Febrônio…<br />

(Olhando dos lados e para um Oficial.)<br />

Vou ter que ser indiscreto, mas sem medos…<br />

na cama me revelam segredos,<br />

estamos ladeados por espias espertos do inimigo,<br />

aqui na própria vila há vários,<br />

fazendo amizades com os expedicionários.<br />

OFICIAL<br />

O que o senhor está insinuando olhando para mim?<br />

Que sou espia? O Sr. vai ser chicoteado agora assim.<br />

(Tira a correia da cintura.)<br />

FEBRÔNIO<br />

Proíbo manifestações de histerias<br />

nas baixas hierarquias.<br />

Cabo falante, volte a falar.<br />

CABO WANDERLEY<br />

(Para Oficial)<br />

Nem passa por mim o intento de vos acusar<br />

mas eles já tem toda a informação<br />

da estrada escolhida por nós para a linha da operação.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

É a reedição do caso de Uauá,<br />

combate em caminho, pode contar.<br />

Major, a partida agora pode ser o início<br />

de um erro de ofício.<br />

M O N T E S A N T O<br />

FEBRÔNIO<br />

(Diante de toda soldadesca, pronto para partir.)<br />

Soldadaria<br />

sigamos os modelos magistrais<br />

que nos ensinaram nossos Fieldmarechais,<br />

velhos ditames clássicos da guerra.<br />

Ora, são clássicos!<br />

O que é Clássico não erra.<br />

(os soldados voltam a vestir seus palquinhos italianos)<br />

Vamos partir unidas, alinhadas<br />

dentro da estrutura maciça das brigadas.<br />

Bem coreografadas pelos caminhos em frente,<br />

Atenção! Sem dispersarmo-nos, repentinamente,<br />

em Canudos…<br />

40


MachoTauro Marchar!<br />

MACHO TAURO<br />

MachoTauro: um é um. Um é tudo<br />

Assim vamos pra Canudos!<br />

Thank you, sejamos morais<br />

Devemos tudo aos Fieldmarechais.<br />

FEBRÔNIO<br />

Saímos juntos, no mesmo balaio,<br />

para a estrada do Cambaio.<br />

Vejam verdadeiras matas européias,<br />

acende pulsões, vamos centopéias.<br />

(a tropa assovia a Marselhesa)<br />

TEN PIRES FERREIRA<br />

Tropa! Evoluir esquerda!<br />

Evoluir ré!<br />

CATINGAS ENTRAM EM CAMPO DE ACÃO E MOVIMENTAÇÃO<br />

TROPA:<br />

Marchando entusiasmados, avistam, fotografam as caatingas, que vestem a roupa base da terra.<br />

FAZ CALOR, mantém um suingue de marcha alterada por um canto vindo das Catingueiras da Catingas, provocando<br />

risos joviais mal sofreados. Breque.<br />

SERTANEJOS:<br />

escondidos dão o primeiro tiro.<br />

A bala passa, rechinante - obter esse som rechinante, mesmo numa fala.<br />

SERTANEJO:<br />

Atira e Diz:<br />

RECHINANTE.<br />

UM SOLDADO:<br />

é baleado e estende-se no chão morto.<br />

OS SOLDADOS:<br />

tendem a socorrer o morto,<br />

SERTANEJOS:<br />

dão tiros pausadamente passando sobre as tropas, em sibilos longos.<br />

TROPA:<br />

cem, duzentos, mil olhos projetam, volvem impacientes, em roda quadrada, isto é, não tem movimentos circulares,<br />

mas de um lado, depois de outro, guardando as viseiras do palco italiano, nada vêem.<br />

Um fluxo de espanto corre de uma a outra ponta das fileiras.<br />

Isso tudo é muito rapido.<br />

O ANTAGONISTA:<br />

vê mas não é visto pelos soldados…<br />

SERTANEJOS:<br />

E os tiros continuam raros, mas insistentes e compassados,<br />

pela esquerda, pela direita, pela frente agora, irrompendo de toda a banda.<br />

TROPA:<br />

A Metralha, manda um turbilhão de balas estrugidoramente dentro das galhadas.<br />

SILÊNCIO<br />

SERTANEJOS:<br />

Mas constantes, ruminantes, longamente intervalados os projéteis zunem traçados…<br />

Atiradores invisíveis da caatinga no seio<br />

batendo fileiras em cheio.<br />

SILÊNCIO.<br />

TROPA:<br />

A força cala as baionetas,<br />

ouve-se perfeitamente no silêncio os ruídos sincronizados dos soldados e forma-se uma linha que lampeja com a luz,<br />

com elas. Prepara-se para atravessar rapidamente as caatingas.<br />

Se atiram no Coro da Caatinga.<br />

CAATINGA: forma uma barreira de JUREMAS<br />

CORO CANTO DA CATINGA<br />

41


Jurema Preta<br />

Capeta<br />

Ritmo musical de embriagadoras - música de Ricardo CUTZ - as Juremas<br />

os agrilham, os deixa à toa, os embebeda, arrebata as armas da mão!<br />

OS 2 DA TROPA:<br />

Saem ofegantes, depois em surdina para as plantas não ouvirem.<br />

Contornam, volvem aos lados.<br />

2 outros formam outra linha<br />

pra tentar de novo atravessar,<br />

mas se dividem, batendo contra a caatinga.<br />

CAATINGA:<br />

forma espesso renque faiscante de XIQUEXIQUES:<br />

XIQUE XIQUE<br />

XIQUE CHIQUE<br />

SOLDADOS:<br />

tontos livram-se dos xiquexiques e correm, sem saber para onde, num labirinto formado pela caatinga xiquexiques.<br />

Alguns caem e outros imobilizam-se, estacam chumbados pelas pernas. 2 outros entram na <strong>luta</strong><br />

CAATINGA:<br />

MACAMBIRAS<br />

Macambirras, feitas de garras felinas cobertas de espinhos, entram na <strong>luta</strong> e cercam e se esfregam quase imóveis<br />

nos soldados que se debatem desesperadamente.<br />

As macambiras, assim, com o movimento dos próprios soldados, vão arrancando pedaços das fardas que vão<br />

ficando despedaçando, desvelcradas, num ritmo crescente. Deixam quase nus os soldados.<br />

SERTANEJOS:<br />

Atiram<br />

SOLDADOS:<br />

No tumulto atiram a esmo, sem pontaria, numa indisciplina de fogo. Acertam os próprios companheiros que estão nas<br />

Caatingas, eles gritam.<br />

Voltam para a coluna de marcha. A tropa esfarrapada reorganiza-se. Coça-se. Renova-se a marcha. A força vai<br />

prosseguindo mais cautelosa agora, em silêncio, procurando paranóica o inimigo entre o publico, em toda <strong>parte</strong>.<br />

SILÊNCIO<br />

SECA:<br />

A LUZ DESENHA O TREME-TREME EM CAMADAS FOLHEADAS DAS MIRAÇÕES DOS FALSOS OASYS.<br />

SOLDADOS:<br />

As brigadas escoam vagarosas.<br />

armas fulgurantes feridas pelo sol, rebrilhando de soslaio feito uma torrente escura transudando raios…<br />

SOLDADOS CAATINGAS SERTANEJOS:<br />

RESPIRAÇÃO COLETIVA PARANDO DE RESPIRAR NO PEITO, DEPOIS NO BAIXO VENTRE; SILÊNCIO;<br />

INSPIRAM FUNDO<br />

CAATINGA:<br />

Estala nos dedos o seco de deiscência!<br />

TROPA:<br />

Um estremecimento, choque convulsivo e irreprimível, fá-la estacar de súbito e se retirar<br />

MACHOTAURO - CORO GERAL DO EXÉRCITO<br />

Macho Tauro<br />

CATINGAS<br />

impotente<br />

MACHOTAURO<br />

possante,<br />

na envergadura de aço<br />

e grifos de baionetas,<br />

CAATINGAS<br />

desarmado!<br />

MACHOTAURO<br />

Minha garganta de sede exsica!<br />

Minha barriga de fome grita!<br />

CAATINGA<br />

pra retaguarda animal!<br />

42


MACHO TAURO E CAATINGA<br />

O deserto estéril ameaça, pior mal!<br />

O Flagelo é iminente!<br />

Foge MachoTauro demente!<br />

PRIMAVERA<br />

ANTEU - CORO SERTANEJO<br />

(Trovões. Chove; João Abade, Pajeú, João Grande, Estevão, deslizam rapidamente até o lugar da refrega e<br />

agrupam-se. Consideram por momentos a tropa, indistinta, ao longe. Entra na Trilha, a MELODIA da Primavera da<br />

TERRA: ”As Bategas de Chuva Tombam grossas sobre o chão… adunando-se em aguaceiro diluviano… no solo<br />

atapetado de Amarílis, ressurge triunfal a flora tropical!! AAAAAAAAAAAAAAAA; Caatinga, pela presença de seus<br />

amantes, paramenta-se e levanta-se flor em flor, entra o play back da Musica dos Anteus)<br />

SERTANEJOS<br />

Flora agressiva pro inimigo<br />

abre agora pro teu sertanejo,<br />

seio carinhoso e amigo.<br />

Te mamamos nas orgias,<br />

longas travessias,<br />

nos desvios verendas,<br />

firmes nas rotas de rendas<br />

conhecemos palmo a palmo por afeto<br />

todos os recantos<br />

desse imenso lar sem teto.<br />

Que importa a se a jornada não pára.<br />

se a habitação fica rara,<br />

se a cacimba quara?<br />

Cercam-nos amigações antigas.<br />

(os homens se descalçam juntos)<br />

CORO DA CAATINGA<br />

(em torno da ARVORE RENÉE RENASCIDA)<br />

Árvores, velhas companheiras,<br />

todas conhecidas gandaieiras,<br />

Nascemos juntos, bem antes<br />

crescemos amantes,<br />

<strong>luta</strong>ndo com os mesmos fados,<br />

sócias dos mesmos dias remansados.<br />

(AS Caatingas podem abrir-se para o publico)<br />

RITMO DO UMBU<br />

SERTANEJOS E CAATINGAS<br />

(com o público)<br />

Umbu, umbu, umbu<br />

(Umbu coroa, paramenta João Grande no meio do público)<br />

RITMO DOS AURICURIS<br />

SERTANEJOS E CAATINGAS<br />

Auricurí, Mari<br />

Quixabeira, quixaba aquí.<br />

(Auricuri, Mari e Quixabas, paramentam Estevão com seus cipós, flores e seu fruto no público)<br />

RITMO DAS PALMATÓRIAS POMBAS GIRAS EXUS<br />

SERTANEJOS E CAATINGAS<br />

IA! Palmatórias,<br />

Glórias!<br />

(Pamatória espinha e sangra João Abade, batem-se com o público)<br />

RITMO DOS JOAZEIROS E CAROÁS<br />

SERTANEJOS E CAATINGAS<br />

Joazeiro<br />

Joazeiro<br />

(Joás e Caroás paramentam o Sertanejo Sanfoneiro.)<br />

RITMO DAS CUNANÃS<br />

(Vem a noite, CAI A LUZ)<br />

SERTANEJOS E CAATINGAS<br />

Cunanãs<br />

43


(Luzes vindas dos Suterrâneos iluminam as grinaldas - Música de Cutz. Amanhece, comecíssimo de manhã)<br />

SERTANEJOS SOBEM NAS MÃES COMO PLANTAS HOMENS<br />

Natureza mãe, amante,<br />

protetora do teu filho bem amado<br />

Talha-nos titãs bronzeados Anteus,<br />

da terra indomáveis como o Deus<br />

detendo marcha dos exércitos ateus.<br />

CAATIGAS<br />

Anteus! Anteus!<br />

Não afastem filhos amantes meus<br />

Os pés de nossas seivas,<br />

pés nossos céus<br />

Não tirem pés do nosso chão<br />

É vossa força de pagão.<br />

44


(MÚSICA DA CENA TOMA CONTA ATÉ SECAR)O EXÉRCITO PERDIDO ENCONTRA O GUIA<br />

(Estão na Porta do Oficina, filmados com a gravação invadindo o espaço; ao mesmo tempo gravar a cena para se<br />

misturar o ao vivo ao filmado; ILUMINAR E MICROFONAR PARA ESTA CENA, A Sala de espera do Teatro. Tema<br />

DO GUIA Chegando como uma DIVINDADE como ANTÃO)<br />

GUIA DOMINGOS<br />

(Entra como um cachorro farejador)<br />

Anteu Pajeú Antão<br />

Pra vencê-lo basta levantá-lo do Chão<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

(reconhecendo o guia)<br />

Anteu Pajeú Antão<br />

Pra vencê-lo basta levantá-lo do Chão<br />

GUIA DOMINGOS<br />

Eu o Guia Domingos Jesuíno<br />

Capitão Jagunço por destino<br />

Servi A Guarda Nacional de Capitão<br />

Fui juiz de paz, republicano de coração<br />

Mas caí de amor por Conselheiro e pelas bacantes<br />

Deixei tudo por Canudos com outros comerciantes<br />

Pra quê, ó Deus dos Infernos!?<br />

Paguei minha tentação a esses subalternos<br />

Me apaixonei por mulher errada,<br />

de Pajeú amigada,<br />

fui estraçalhado<br />

Chicoteado<br />

Empalado<br />

Escarrado<br />

Pela Mandrágora<br />

a quem me tinha entregado.<br />

Me deixaram num banho de sal grosso,<br />

com ferida até no osso.<br />

Fui expulso do arraial,<br />

meu ódio cresceu como animal.<br />

Hoje sou cão farejador,<br />

vivo por vingança dessa dor.<br />

Só sossego acabando eu mesmo com Pajeú<br />

É minha razão de vida, meu deus e meu vodu.<br />

E Juro pro Brasil inteiro:<br />

acabo até com cadáver do Conselheiro.<br />

Por isso meu olhar de guia é forte,<br />

Aclara a rota, tem um norte.<br />

Galguemos trezentos metros acima<br />

até Lajem de Dentro,<br />

Vamos, minha vingança,<br />

minha guia te enfrento.<br />

ARTILHEIROS<br />

Em marcha reduzida<br />

Força nas Krupps, é subida!<br />

Os canhões emperram.<br />

FEBRÔNIO<br />

Soldados revesem.<br />

ARTILHARIA<br />

Soldados já, na mão,<br />

na tração,<br />

(Os soldados acorrem ao pedido, a artilharia cai no chão pedregoso.)<br />

caiu a Krupp nos grotões,<br />

Socorro!<br />

Patinações!<br />

FEBRÔNIO<br />

Mas são imprescindíveis máximas acelerações.<br />

OFICIAL DE CÁLCULO<br />

Vivendas incendiando-se. Perigo,<br />

sinais do inimigo.<br />

CABO WALDERLEY<br />

(Gritando como num ataque de terror noturno.)<br />

Espias Espias!<br />

Só eu sinto, assim próximos? Vigias!<br />

45


Na sombra, encobertos<br />

inimigos rondam perto.<br />

COZINHEIRO<br />

Não quero mais marcar toca.<br />

Vamos voltar. Acabaram-se as munições de boca.<br />

Dois últimos bois aqui no abate<br />

para quinhentos soldados em combate.<br />

(CAI a Luz, Pontos Luminosos no teatro)<br />

SOLDADO<br />

A Noite é de desencanto!<br />

Desapareceram os cargueiros contratados em Monte Santo.<br />

OFICIAL VENCESLAU<br />

São sinais que Deus nos esqueceu.<br />

O inimigo nos venceu.<br />

CABO WANDERLEY<br />

Insônia, deusa da vida alerta<br />

Luzes fracas fulgem, extinguem-se na noite aberta<br />

No alto estrelas rubras nos nevoeiros,<br />

posições inimigas demarcam: facheiros.<br />

(Alvorecer. Desdobraram-se imponentes as massas de contra-luzes do lado Leste do Sol Nascendo, furando<br />

as estruturas e rebatendo em todo espaço, brilhando as estruturas em meio à fumaça do fim da madrugada do<br />

Cambaio.)<br />

C A M B A I O<br />

C A N T O D A S A L M A S P E N A D A S D O C A M B A I O<br />

(TODOS OLHAM EXTASIADOS PARA O ESPAÇO, SUAS LUZES E PARA SÍ, PARA SEU LABIRINTO. Chegaram<br />

em GANESHA - o PORTAL DO LABYRINTO. Respiração kundalini, eterno retorno, dos baixos, cagando a expiração<br />

chamando a inspiração para a cabeça com contrição no cú para chamar o ar à cabeça, expirando devagar para<br />

seu corpo interno - que com o externo fazem um corpo sem orgãos, para as estruturas de seus ossos e orgãos em<br />

contacto com as estruturas do Corpo Pista)<br />

MANDRÁGORAS MULHERES DE BRANCO, TODAS AS ALMAS DO CAMBAIO, SERTANEJOS NA GALERIA,<br />

TODO O TEATRO, CABINE DE LUZ<br />

(TUDO RESPIRA CANTA E DANÇA nas ESTRUTURAS ILUMINADAS sombreadas com mistério de um castelo<br />

fantasma)<br />

Pedra encaminha<br />

Sobremarinha<br />

Amontoando<br />

convulsivos colossos<br />

recortando fossos<br />

fundas gargantas,<br />

degraus sucessivos, espantas.<br />

Trilhas só pra cabras de Pã,<br />

baluarte derruído,<br />

de Titã<br />

Cidade Encantada<br />

Por, Órion, Constelada.<br />

Matutos<br />

sábias sociedades,<br />

institutos,<br />

sobem<br />

a caverna de perdidas idades.<br />

Vale Vaza-Barris<br />

estranheza<br />

fortaleza<br />

redutos de, Marte,<br />

obras de arte.<br />

Necrópoles vastas,<br />

morros túmulos de castas,<br />

pontudos ossos furando terra acima,<br />

em blocos de rima<br />

partidos em portas<br />

grandes cidades mortas.<br />

Matuto passa com medo de alma penada,<br />

46


sem desfitar a espora dos ilhais do cavalo,<br />

em disparada,<br />

lá dentro população silenciosa<br />

(Silêncio)<br />

trágica<br />

jagunços, encrustrados,<br />

na montanha mágica.<br />

Velhíssimos castelos,<br />

outrora e hoje em elos.<br />

Assaltos<br />

sobressaltos<br />

desmantelam<br />

desordenam<br />

pedestais<br />

verticais<br />

torres finas<br />

montanham alma de ruínas.<br />

rachando no embate das tormentas<br />

insolações intensas,<br />

desmoronamentos seculares<br />

lento emocionamento eterno nos ares<br />

KUNDALINI<br />

(Os Corpos abaixam-se para sentir a coluna de Canudos no próprio corpo)<br />

A via sacra pra Canudos<br />

passa retilínea<br />

subindo em declive,<br />

comprimida convive,<br />

mergulhando por fim,<br />

(nos intestinos)<br />

no labirinto<br />

onde mora o inextinto<br />

(no sexo)<br />

Touro Preto,<br />

(desenrolando-se na coluna)<br />

Serpente<br />

(a coluna está erecta e se olha na pista iluminada como a crista da gilete)<br />

bem enfrente,<br />

na estrutura<br />

angustura.<br />

MANDRÁGORA DAS ALTURAS<br />

não tem a largura da rede de segurança<br />

tem é a largura do arame<br />

(Projeção no Chão bem precisa)<br />

D<br />

E<br />

S<br />

F<br />

I<br />

L<br />

A<br />

D<br />

E<br />

I<br />

R<br />

O<br />

Passagem para um teatro de passagem<br />

E a exata<br />

A precisa estreiteza<br />

De crista de Gilete.<br />

FEBRÔNIO<br />

(Ao guia)<br />

Por ali nos fiamos?<br />

GUIA JESUINO<br />

Enfiamos,<br />

trago comigo o fio<br />

não nos percamos…<br />

VOZES DAS ALMAS PENADAS<br />

“Ao combate!”<br />

47


(o exército forma-se numa linha de coro diagonal. Atulham a primeira ladeira em armas.)<br />

SOLDADOS<br />

(Os binóculos percorrem inutilmente encostas desertas)<br />

São só terras ameaçadoras,<br />

despertas.<br />

(vídeo revela sertanejo(a)s caminhando rentes ao chão; nos andares atrás dos espectadores, nas trincheiras,<br />

imóveis, expectantes, dedos presos nas pontarias fitos nas colunas em baixo)<br />

P R I M E I R O R E C O N T R O<br />

(JOÃO ABADE: ATIRA<br />

JAGUNÇOS: Tiros simultâneos<br />

TROPA: Todos caem deitados no chão em olas, como soldadinhos de chumbo ao mesmo tempo chumbados)<br />

CORO SERTANEJO<br />

“Avança! fraqueza do governo!”<br />

“Viva o Bom Jesus!”<br />

“Viva o Conselheiro!”<br />

(O MAJOR FEBRÔNIO Rompe pelas fileiras alarmadas e centraliza a resistência em réplica fulminante e admirável.)<br />

FEBRÔNIO<br />

Conteirar rápido os canhões, Trupe…<br />

bombardeio a queima-roupa, Krupp<br />

(Os Krupps Atiram. Vendo pela primeira vez armas poderosas que decuplam o efeito despedaçando pedras, O<br />

VIDEO REVELA os jagunços debandando, tontos em FUGA)<br />

TENTATIVA DE ESCALAR AS ESTRUTURAS<br />

FEBRÔNIO<br />

Linha de assalto estirar-se.<br />

As trincheiras do alto,atacar<br />

9º a direita, 16° à esquerda<br />

FRACASSO NO GALGAR AS ESTRUTURAS<br />

(Tropeçando, escorregando nas estruturas, atirando a esmo para frente, as praças arremetem nas galerias.Estirase<br />

tortuosa e ondulante.Fracionados, tentando galgar penhascos a pulso, carabinas presas aos dentes pelas<br />

bandoleiras, combatentes arremetem em tumulto — sem o mínimo simulacro de formatura.)<br />

FEBRÔNIO<br />

Linhas! Estão a se desalinhar!<br />

CORO DE MANDRAGORAS<br />

vagas humanas<br />

raivando contra os morros,<br />

num marulho de corpos,<br />

arrebentando em descargas!<br />

(Silêncio – Suspense)<br />

VOLTAM OS JAGUNÇOS ATIRANDO<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Os jagunços estão reaparecendo!<br />

No teso das ladeiras!<br />

estão aí velozes!<br />

O que?<br />

Já desaparecem às carreiras.<br />

O ATIRADOR FANTASTICO<br />

(Retorna o Techno-Xote de terror do Cozinheiro do Prelúdio, agora uma engenhoca, uma linha de montagem.)<br />

CORO DOS LUTADORES FANTÁSTICOS EM LINHA DE MONTAGEM<br />

(Sentados no fundo da trincheira, sertanejos invisíveis, revelados ao público pelos videos.)<br />

Evoluímos na linha de fabricação,<br />

da primeira pra segunda expedição.<br />

Solitário demorado que aflição na punheta<br />

Agora nós faz junto, na suruba sem boceta.<br />

PRIMEIRO LUTADOR<br />

A porva, a bucha as balas, enfio no xote<br />

Vai, passo Clavinote<br />

(passa para o segundo)<br />

48


SEGUNDO LUTADOR<br />

Te pego, na mesma ode<br />

Cevo, soco, como quem fode<br />

(passa para o terceiro)<br />

TERCEIRO LUTADOR<br />

Engatilho o cão<br />

Disparação!<br />

(Depois do disparo, baqueia metralhado. O atirador é substituído logo pelo segundo. O morto entra na primeira<br />

posição e vai se renovando o trio ao infinito.)<br />

GUIA JESUÍNO<br />

O mesmo busto dá o bote,<br />

com o véio clavinote<br />

Alvejado de novo.<br />

Caiu o corvo<br />

de bruços, baleado ficou<br />

outra vez se alevantou<br />

mal assombrado<br />

se abate, levanta aprumado<br />

Hectoplamástico!<br />

atirador fantástico.<br />

MERGULHÃO DA DANÇA DO GASTA BALA<br />

JOÃO GRANDE - RAPFUNK<br />

(Em OFF as vezes aparecendo e desaparecendo, dá um baile funk)<br />

Aço dessa serventia<br />

É pra acabar com a valentia<br />

resta funkar<br />

Sem parar<br />

Funkar sem parar<br />

Até essas balas gastar bala…bala…bala…<br />

E não chegar até o arraial, bala…bala…bala…<br />

Falsear a peleja franca pessoal!<br />

Corpo, clavinote cumprido,<br />

negro estirado, benzido,<br />

mira<br />

atira, bala…bala…bala…<br />

Vem Comigo Bexigão!<br />

Dançar o Sertão!<br />

(Entra a Criançada do Bexigão)<br />

Criançada bala! bala…bala…bala…<br />

Abala! bala…bala…bala…<br />

Canhão estrala!<br />

Bexigão quer bala! bala…bala…bala…<br />

Cambaio<br />

Entro e Saio,<br />

Canhão,<br />

manuliche mande<br />

Sou Bexigão<br />

Sou João Grande.<br />

(O CORO DO BIXIGÃO E DOS SERTANEJOS:<br />

imitam os movimentos na estrutura do Oficina; carreiras, saltos, figurações selvagens, vaivém de avançadas e<br />

recuos, dispersos, agrupados, desfilando em fileiras sucessivas, repartindo-se extremamente rarefeitos; a rojões,<br />

rolantes pelos pendores, subindo, descendo, atacando, fugindo, baqueando trespassados de balas, muitos, mal<br />

feridos, outros; em plena descida, caem das estruturas e rolam até ao meio das praças, que os acabam a coice de<br />

armas. Desaparecem inteiramente…<br />

SERTANEJOS:<br />

vem outra irrupção repentina sertaneja e toma a frente.<br />

TROPA:<br />

As seções param, recuam tolhidas de espanto, não as animam os oficiais acobardados.)<br />

REVOLTA DO BAIXO EXÉRCITO<br />

CABO WALDERLEY<br />

Oficiais parados?!<br />

Não merecem ser nomeados!<br />

Vamos nós sem hierarquia,<br />

dar o troco na valentia!<br />

VENCESLAU<br />

Às Trincheiras deles, atacar!<br />

49


Sou Leal,<br />

Venceslau<br />

Sou Oficial<br />

SOLDADO<br />

Vai Oficial Venceslau!<br />

Mostra que é o tal!<br />

Vai herói, te coroa!<br />

(João Grande aparece)<br />

VENCESLAU<br />

Vão indo que já estou a chegar!<br />

(Atiram mas os jagunços não recuam; sobem nas estruturas e <strong>luta</strong>m nas trincheiras do alto, no meio do público)<br />

SOLDADO<br />

Sai, Gorila<br />

Avança tropa, fora da fila!<br />

(Venceslau se perde e começa a cagar no mato de medo.)<br />

SOLDADOS E CABOS<br />

Sai da moita, Venceslau!<br />

CABO WANDERLEY<br />

Pra dentro das trincheiras!<br />

Conquistar a montanha inteira!<br />

ARTILHARIA<br />

Vamos subir mais artilharia, respirar outro clima<br />

puxar a pulso as irmãs Krupps ladeira acima.<br />

(Os soldados entram nas trincheiras das estruturas, sacos de terra, atrás do público.)<br />

CONQUISTA DAS TRINCHEIRAS<br />

(A Cena é travada sem falas; jagunços disparam as carabinas, e <strong>luta</strong>m num fanfarrear irritante e numa alacridade<br />

feroz; mudam as luzes, rola o tempo; os adversários <strong>luta</strong>m até que somem amedrontados com o poder das armas do<br />

exécito, que comemora, agora, com alacridade como a dos jagunços)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Três horas de conflito!<br />

A coragem cega venceu, admito!<br />

SOLDADOS E CABOS<br />

Vitória!<br />

CABO WANDERLEY<br />

(para os Oficiais, descendo das estruturas)<br />

Mas queremos sair nessa ordem do dia<br />

nós os cabos de esquadra nessa covardia,<br />

estamos sendo os Oficiais de guerra, bela porcaria!<br />

(muda o clima)<br />

MÉDICO<br />

Há somente fantasmas<br />

rigorosamente desencarnados<br />

na cidade encantada, encantados.<br />

ARTILHEIRO<br />

Nossas cargas dos trabucos<br />

estão acabando malucos<br />

nossa munição<br />

já é quase uma ilusão.<br />

O DÓLMEN<br />

(acorde rápido Druida e silêncio)<br />

FEBRÔNIO<br />

Olha lá,<br />

uma mesa de pedra nem sei se construída!<br />

Dólmen dos druídas!<br />

Um túmulo a mais!<br />

Pedra chata sobre duas outras verticais!<br />

Abrigo coberto, Ogiva!<br />

De rocha viva!<br />

50


(sussurrando)<br />

Jagunços escondidos na placenta!<br />

Uns quarenta!<br />

Chance de pênalti nesse fim de 1º tempo.<br />

Goleiros defendam nosso chute, tento.<br />

(Os Jagunços escondidos tomam posição de goleiros como se quizessem segurar a Bomba)<br />

OFICIAL DE CÁLCULO<br />

A terra protetora da aos vencidos seu último reduto.<br />

Vai artilheiro, sou engenheiro de cálculo, não erra no absoluto.<br />

Mira no centro do gol, arrebenta!<br />

Goleia e estilhaça esses quarenta!<br />

(o comandante apita, o artilheiro lança seu chute. Tiro seguido do ruir de um desmoronamento lento, mas implacável<br />

como um Terremoto)<br />

ARTILHEIRO<br />

Caralho, na trave!<br />

OFICIAL DE CÁLCULO<br />

(surpreendido)<br />

Errou na mosca!<br />

A granada acertou um alvo ainda mais grave!<br />

Arrebentou a pedra na juntura.<br />

Dilata de alto a baixo a estrutura.<br />

O bloco vai despregando,<br />

Está caindo, desmoronando,<br />

o peso todo das matrizes<br />

sobre os infelizes,<br />

sepultando!<br />

(Baque surdo. Fazem o sinal da cruz.)<br />

FIM DO CAMBAIO<br />

CABO WANDERLEY<br />

Enfim,<br />

estão no fim.<br />

OFICIAL VENCESLAU<br />

E nós no final!<br />

(Exausto)<br />

Não vamos prosseguir, estou mal.<br />

CABO WANDERLEY<br />

(sem parar, no comando)<br />

Estamos na orla do arraial.<br />

Vamos aproveitar o ímpeto na marcha caça,<br />

perseguição.<br />

CORO DE OFICIAIS<br />

Estamos combalidos da refrega,<br />

não agüentamos mais não<br />

Cambaio. Já cambaio!<br />

Estou torto, quase morto, cai não caio…<br />

Famintos ontem comemos nadas,<br />

Viramos almas penadas.<br />

LAGOA DO CIPÓ<br />

UM SOLDADO<br />

Um oásis!<br />

(Surge uma mulher com o parangolé da Lagoa do Cipó. Todos se atiram para beber a água e fazem um círculo em<br />

torno da Lagoa)<br />

GUIA JESUINO<br />

(Começa a fuçar como Caxangá, em círculos de ser canino.)<br />

A aproximada de Canudos me cachorra,<br />

cada lugar que sigo sinto cheiro de cu<br />

cheiro o cheiro do buraco antigo<br />

mais o de hoje, de Pajeú.<br />

Lagoa essa tua carinha é de vodu<br />

Aqui essa titica, esse buraquinho dʼágua<br />

Sempre me anunciou mágoa…<br />

Desta vez você Lagoa você passa<br />

Aqui ele me escarrou, me sangrou, estuprou Ariana pelo rabo<br />

Touro preto Minotauro, eu te acabo, está jurado.<br />

51


Aqui trago teu fio.<br />

Conheço teu labirinto, fazendo um c de cu no rio<br />

Cheguei no teu Ó<br />

Lagoa do Cipó.<br />

Vamos continuar<br />

Esse lugar não dá pra ficar.<br />

(Os Soldados caem exaustos)<br />

TRILHA DE C A N U D O S<br />

OS GUERREIROS VACILAM PERDEM O AXÉ<br />

(Chegam ao arraial os <strong>luta</strong>dores do Cambaio)<br />

JOÃO ABADE<br />

Eles vem com armas do cão,<br />

máquinas de matar o sertão.<br />

Vamo arrancar deles no braço<br />

Ou não vai sobrar nada com esse novo aço.<br />

(João Abade mal assobia e um bando entre os mais fortes,<br />

homens e mulheres vão para direção da Lagoa do Cipó. Metem-se, imperceptíveis, pelas caatingas; e aproximam-se<br />

do acampamento.<br />

À noite circulam os soldados que não pressentem em torno, a dança de Ronda dos jagunços.)<br />

S E G U N D O C O M B A T E<br />

(Amanhece. Os soldados estão preparando a partida.)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Saudemos essa manhã triunfal do tudo!<br />

Que Nossa Rainha cante seu lá mais agudo,<br />

abençoando nossa marcha para Canudos.<br />

(A Artilharia empertiga-se, o Corneteiro dá o Toque de Partida e cantam.)<br />

TROPA<br />

Eu sou a poderosa Artilharia,<br />

que na <strong>luta</strong> se faz pela metralha!<br />

(A Krupp emperra)<br />

ARTILHEIRO<br />

Uma schrapnel emperrou na alma do canhão.<br />

Resiste a todo esforço de extração.<br />

FEBRÔNIO<br />

A Rainha do Mundo está dando sua sugestão<br />

Aceitemos.<br />

Disparemos o Krupp pra Canudos, na sua direção.<br />

Uma aldravada batendo às portas do arraial,<br />

Chegou seu visitante esperado, abra o portal.<br />

O SINAL DO TIRO<br />

(O Tiro <strong>parte</strong> e os sertanejos enterreiram-se, tomam conta do terreiro da <strong>luta</strong>. Surgem de toda banda em grita, todos<br />

a um tempo, como se aquele disparo lhes fosse um sinal prefixo para o assalto.)<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Que peça mais repetitiva<br />

Não muda, só aditiva!<br />

O que mais eu temia aí está<br />

Reedição do episódio de Uauá.<br />

(Os jagunços, no arremesso da investida, jogam-se dentro dos intervalos dos pelotões,armados de fueiros dos carros<br />

de bois, foices, forquilhas, aguilhadas longas, facões de folha larga agarram-se aos soldados, que são obrigados a<br />

abandonar as espingardas, tentando fugir, de repente tudo foca numa dupla. Ouve-se somente a respiração ofegante<br />

dos dois homens.)<br />

UM CABO Consegue escapar, com a baioneta.<br />

Topa um SERTANEJO que lhe exibe o ferrão de vaqueiro - MÚSICA DO CARA A CARA - ele resolve mostrar a cara<br />

só pra o soldado ver. O CABO vê pela primeira vez o Sertanejo, examina-a tranqüilo agora, cara a cara. O movimento<br />

é replicado pela tropa toda e todos se olham olhos nos olhos e se vêem pela primeira vez, invisíveis e visíveis, algum<br />

tempo, voltam para dupla, que matam-se ao mesmo tempo, ficando o Jagunço trespassado pela baioneta e o Cabo<br />

atravessado com o ferrão de vaqueiro. Os soldados conseguem agarrar-se às armas replicando logo em descargas<br />

rolantes e nutridas, os jagunços não recuam, a onda assaltante e os soldados passam sobre os dois cadáveres.)<br />

52<br />

JOÃO GRANDE


João Grande salta sobre o canhão, que abarca nos braços musculosos, como se estrangulasse um monstro, todos<br />

olham.)<br />

Viram, canalhas, o que é ter coragem?<br />

(A guarnição da peça recua espavorida, enquanto o Matuto Roda o canhão, arma apresada no braço. Silêncio, os<br />

jagunços seguem ao mesmo tempo em que estão de prontidão. Os soldados acovardam-se, recuam, como que<br />

oferecendo-se para serem fuzilados. SILÊNCIO)<br />

CORPO A CORPO<br />

FEBRÔNIO<br />

Vai no braço!<br />

(Levamtam as armas lentamente, os dois lados, e as colocam no chão. Olham-se de novo nos olhos… Os soldados<br />

encorajam-se e a <strong>luta</strong> trava-se braço a braço, primeiro lentamente - <strong>luta</strong> quase de energias, depois brutalmente, sem<br />

armas, a punhadas, surda: um torvelinho de corpos enleados, de onde se difundem estertores de estrangulados,<br />

ronquidos de peitos ofegantes, baques de quedas violentas… João Grande foge.)<br />

CANHÃO RETOMADO & FUTEBOL DO NEGACEAR<br />

(O canhão é retomado pelo exército e volve à posição primitiva.)<br />

COREOGRAFIA<br />

SOLDADOS<br />

Manlinchers fulminantes.<br />

(JOÃO GRANDE RETORNA JOGADOR DANÇARINO DE FUTEBOL, em dois intervalos de uma saraivada de Balas;<br />

no Terceiro Cai)<br />

MORTE DE JOÃO GRANDE<br />

(O Exército dispara sua fuzilaria, cai João Grande, entra acorde sinfônico forte. Luz em JOÃO GRANDE; o parangolé<br />

da Lagoa, feito de mangueiras cheias de sangue, é cortado e encharca a pista; a LUZ FICA EM JOÃO GRANDE,<br />

MAS VAI PARA CANUDOS E APAGA A ÁREA DO EXÉRCITO)<br />

CANUDOS<br />

A L É G I O F U L M I N A T A<br />

D E J O Ã O A B A D E<br />

MENINA<br />

João Grande Morreu<br />

HABITANTES DE CANUDOS<br />

Trágico tiroteio,<br />

cada tiro bombardeia a nossa fé pelo meio.<br />

JOÃO ABADE<br />

(Recruta homens e mulheres.)<br />

Vamos juntar seiscentos <strong>luta</strong>dores válidos,<br />

seguir já em reforço aos que enfrentam o aço pálidos.<br />

NUM EXTREMO DA PISTA LAGOA DO CIPÓ<br />

SOLDADOS EXAUSTOS DE GASTAR BALAS DE ATIRAR<br />

FEBRÔNIO<br />

Soldados, vocês estão vários!?<br />

Façam a pontaria,<br />

contra nossos adversários.<br />

Estão atirando ao léu,<br />

mirando o sol no céu.<br />

(Na extremidade oposta da pista as balas vão atingir os homens ainda a caminho, distantes do campo da <strong>luta</strong>.)<br />

A PARÁBOLA DAS BALAS FATIGADAS<br />

(Criar o movimento físico deste milagre PELA LUZ QUE CHOVE COADA POR UM CHUVEIRO DO CÉU, em curvas<br />

até A TERRA; Os jagunços recebem a chuva de balas cada um assoviando tenuemente uma vez e tombando<br />

fulminado, sem reação. Os companheiros procuram o inimigo. Musical Coral de MILAGRE RELIGIOSO CHUVA DE<br />

AÇO DE BALAS DOS CÉUS)<br />

JAGUNÇOS VEDORES<br />

(Na Lagoa do Cipó, entre os dois campos, sob os arcos da trajetória das balas.)<br />

Balas para nós<br />

De nós perdidas,<br />

voando alcançam<br />

chuva quente,<br />

João Abade<br />

e nossa gente!<br />

JOÃO ABADE<br />

53


Agora somos nós que não vemos,<br />

onde estão os inimigos entocaiados?<br />

E as balas descem incessantes,<br />

pelo centro e de soslaio<br />

chuva silenciosa de raio<br />

pontilhando legião fulminada.<br />

(A Legião de João volve as vistas para o firmamento ofuscante.)<br />

Céus, é teu esse castigo de chibata,<br />

sobre nós legio fulminata!?<br />

NO OUTRO EXTREMO. NA LAGOA DO CIPÓ. EXAUSTÃO NA TROPA<br />

SOLDADOS<br />

Americanos no Iraque,<br />

só queremos o bivaque,<br />

enfastiados de matar,<br />

punhos amolecidos e frouxos de tanto atirar.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Vamos avançar aforradamente,<br />

deslocar o campo do combate,<br />

e cair sobre o arraial.<br />

FEBRÔNIO<br />

É desespero de afobado,<br />

de assaltantes e assaltados.<br />

CABO WANDERLEY<br />

Vamos em armas brancas!<br />

FEBRÔNIO<br />

Não te mete cabo. Te manca!<br />

Reunamo-nos oficiais longe desta soldadaria pretensiosa,<br />

que pensa que foi ela, a vitoriosa.<br />

REUNIÃO DE OFICIAIS - DECISAÕ DE RETIRADA<br />

(Grupo de Oficiais reunidos no tiroteio rareado agora.)<br />

FEBRÔNIO<br />

Com os homens está difícil contar…<br />

Mas os canhões podem fazer<br />

um bombardeio preliminar?<br />

ARTILHEIRO<br />

Restam apenas vinte litros de artilharia.<br />

FEBRÔNIO<br />

Oficiais,<br />

É preciso optar por uma das pontas do dilema,<br />

ou prosseguimos a <strong>luta</strong> até o sacrifício completo<br />

ou abandonamos imediatamente.<br />

OFICIAIS<br />

A retirada impõe-se urgente.<br />

BAIXAS<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Mas sob condição expressa:<br />

Não deixar um único ferido,<br />

e não ficar um único cadáver insepulto.<br />

FEBRÔNIO<br />

E nem uma única arma.<br />

(os Soldados vêm apanhar os corpos, mas ouvem a Ave Maria; Carregam os corpos ouvindo o outro lado, a Terra<br />

vem vindo passando pelos cadáveres de Tabuleirinhos)<br />

TERRA<br />

Mais de trezentos cadáveres sertanejos<br />

sangram sobre mim, Terra<br />

dizimados<br />

estão fora de paralelo as perdas<br />

sofridas de um e de outro lado.<br />

No exército, setenta e tantos feridos,<br />

mas mortos só quatro soldados.<br />

54


Como é desigual essa <strong>luta</strong><br />

Pra quem corações ausculta<br />

SANGUE RESSECADO<br />

LAGOA DO CIPÓ<br />

Corre minha água-de-guerra impura,<br />

Sol, bate de chapa na minha figura<br />

Me destaca sinistra no pardo escuro da terra requeimada<br />

…uma nódoa amplíssima, de sangue,<br />

iluminada!<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Mas o investir de arranco com o arraial,<br />

arrostando tudo, talvez seja ainda a vitória!<br />

(Os soldados começam a juntar as armas, enterrar os mortos e carregar os feridos para a retirada. A Artilharia<br />

continua atirando, com a atenção na retirada sem saber para onde está atirando.)<br />

ENTRE A LAGOA DO CIPÓ E A LEGIO FULMINATA<br />

JAGUNÇOS VEDORES<br />

(No centro.)<br />

As tropas vão partir,<br />

mas a artilharia não pára de rugir.<br />

Atenta à partida<br />

sem pontaria, atirando somente para se ouvir.<br />

Nosso olhar lacrimejante,<br />

vê o firmamento ofuscante,<br />

varado pelos ramos descendentes das parábolas invisíveis.<br />

Maldito lugar onde estamos sitiados,<br />

testemunhamos o absurdo<br />

o inimigo fugindo de um lado<br />

de outro, o rosto de nosso povo supersticioso assombrado…<br />

Os mais enérgicos precipitando<br />

desapontados para o arraial<br />

chegarão levando o alarma irreal.<br />

LEGIO FULMINATA<br />

(entrando em Canudos)<br />

O ENCANTO DE CONSELHIRO PERDIDO<br />

MENINA JAGUNÇA<br />

Não há mais ilusão possível nem mais crer<br />

o inimigo, dispondo de engenhos de tal poder,<br />

aqui vai estar em breve, seguindo de perto o rastro,<br />

dos derradeiros defensores de Canudos!<br />

O encanto do Conselheiro está quebrado,<br />

perdido.<br />

O que nos havia empolgado, nos dado fé,<br />

foi destruído.<br />

(Um grupo começa a fuga para o lado Sul)<br />

JOÃO ABADE<br />

(tenta detê-los)<br />

São armas novas. Nova tecnologia.<br />

Vamos fabricar iguais qualquer dia!<br />

(desanimado)<br />

A multidão já demanda a caatinga.<br />

E em mim a força já não vinga,<br />

ociosa<br />

Pra deter a liderança mais preciosa.<br />

MANDRÁGORAS<br />

(Cruzando com as multidões em fuga estão em busca de Conselheiro, clamando, em desalinho, mas ainda<br />

fascinadas, agitando os relicários, agrupam-se entre a Igreja Velha, o Santuario e a Igreja Nova em contrução e<br />

começam a terremotar num corpo só)<br />

Conselheiro onde tens andado?<br />

Não podes estar fugindo.<br />

Atende o nosso recado.<br />

Nós, filhas dos espermas dos enforcados<br />

exigimos tua presença.<br />

Juntas somos força não há o que nos vença!<br />

(percebem Leão de Natuba subindo a escada para alcançar o Conselheiro que está em frente a Uma Janela)<br />

CONSELHEIRO<br />

Você não, Leão de Natuba, você foge, conta esta história.<br />

55


(Conselheiro abre uma secção no vidro, chega ao telhado de vidro onde se vê a igreja nova.)<br />

MANDRÁGORAS<br />

Agora prepara-se para o martírio?<br />

Nós aqui não, na força do poder do delírio.<br />

CONSELHEIRO<br />

Você Boca Torta<br />

enterra esta chave<br />

(Conselheiro depois de um gesto, fecha a porta secção de vidro.)<br />

JAGUNÇOS VEDORES<br />

(entram esbaforidos)<br />

A força recua!<br />

(Cai desmaiado, os que iam fugindo largam as trouxas. Se atiram no chão.)<br />

CORO<br />

MILAGRE!<br />

Não é Martírio.<br />

Conselheiro viu o poder do Delírio.<br />

(MUSICA TRIUNFAL DA AVE MARIA. A Coriféia da Voz sobe até o alto para levar a chave para Conselheiro. A<br />

Música toma o espaço e Conselheiro retorna depois que a Coriféia abre a porta do Vidro, na Passarela)<br />

FUGIDOS<br />

Meu Santo! Minha Terra!<br />

Perdão pra gente que erra!<br />

PERSEGUIÇÃO<br />

PAJEÚ<br />

Vamos encalçar os fugidos<br />

(Para os que tentaram fugir)<br />

E arrancar deles os Krupps,<br />

as Comblé, as munições!<br />

Fujões.<br />

Só assim vocês merecerão perdões!<br />

(Multidão Canudense:<br />

reorganiza-se comovida e vai toda para os corredores das estruturas do Cambaio<br />

Soldados:<br />

estão do lado Norte da Pista para Voltar pelo Cambaio)<br />

PAJEÚ - A PERSEGUIÇÃO<br />

(Jagunços:<br />

capitaneados por Pajeú surgem ladeando pelo alto a tropa.)<br />

PAJEÚ<br />

(Para o exército que retira.)<br />

Mestiço bravo, aqui estou: Pajeú.<br />

Cuidado Senhores<br />

temperamento impulsivo<br />

nos meus interiores<br />

Armazeno tendências de todas as raças inferiores:<br />

troglodita sanhudo<br />

aprumando aqui sem escudo<br />

o mesmo arrojo da velha idade eterna,<br />

vibrando o machado de pedra dentro da minha caverna…<br />

GUIA JESUINO<br />

(Atirando.)<br />

Sai Tinhoso<br />

(Silêncio de suspense, os oficiais e subalternos falam baixo, dão o comando como que em segredo, olhando para os<br />

jagunços temendo atravessar o corredor polonês que de um momento a outro pode desabar.)<br />

PAJEÚ<br />

Entreguem os armamentos seus Faraó!<br />

Senão lá vai bedengó!<br />

FEBRÔNIO<br />

Não há resposta a dar,<br />

há o silêncio, as armas guardar.<br />

Cabo, dirija a vanguarda,<br />

o campo é propício,<br />

o destino te traçou esse ofício.<br />

56


(O Cabo Wanderley toma a frente do exército, protagonista.)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Não falha mas tarda,<br />

a justiça divina do teatro militar.<br />

Minha vez de protagonizar<br />

olha eu dirigindo a vanguarda!<br />

É retirada,<br />

Nivelados oficiais<br />

e praças de pré pelo mesmo sacrifício,vamos andar<br />

A expedição perdeu toda a estrutura militar…<br />

(Os soldados escondem-se respirando exaustos, pela boca; o Sol culmina ardente e a luz crua do dia tropical cai na<br />

região pedregosa e despida e reflui aos espaços num flamejar de queimadas grandes alastrando-se pelas galerias<br />

aquecendo tudo. Silêncio. Ares secos irrespiráveis de pedra.)<br />

CORO DO EXÉRCITO TEATRÃO<br />

A brutalidade humana rola surdamente<br />

dentro da quietude universal das coisas…<br />

MANDRÁGORA<br />

É A Luta!<br />

Pra ator transhumanizado<br />

saiam de cena<br />

atores infelizes,<br />

nesse epílogo de drama<br />

mal representado,<br />

e saiam vaiados.<br />

Combates, provações, provações<br />

findos neste desfecho, neste fracasso<br />

vaiemos de camarote no estardalhaço!<br />

(Mandrágora puxa a vaia do público. O medo da travessia paralisa a tropa. Os jagunços incitam o exército.)<br />

CORO<br />

Bedengó!<br />

A montanha é um arsenal.<br />

Blocos esparsos soltos da ossamenta,<br />

pilhas se equilibrando mal<br />

desencadear o potencial<br />

de quedas violentas!<br />

PAJEÚ<br />

(em cima)<br />

Espingarda imprestável em alavanca transmuda;<br />

e desgruda…<br />

CABO WANDERLEY<br />

Antes que entulhem os caminho<br />

Morrer entupidos sozinhos?!<br />

Vai nem ter ensaio,<br />

É direto atravessar as gargantas do Cambaio.<br />

Fui!<br />

PAJEÚ<br />

Símios amotinados tripudiar,<br />

Matulha! barulhar!<br />

virar o apedrejamento,<br />

garotada, num passatempo!<br />

Olha o Bedengó de Baixo!<br />

(Imagem Projetada da Cena por T. Gaudencio)<br />

CHUVA DE BOLAS DE PINGUE PONGUE DE TODOS OS LADOS<br />

(Jagunços desfilam pelos altos em corrimaças turbulentas e ruidosas, brados irônicos e irritantes, cindidos de longos<br />

assovios e cachinadas estrídulas. Garotos incorrigíveis. A tropa vai saindo de cena, sob intensa chuva de Pedras. O<br />

Sol começa a se pôr. Sai a Luz. Imagens projetadas do Quadro de T.Gaudencio retornam.<br />

(O Exercito deixa-se cair em Bendegó de Baixo na Porta do Oficina acampamento dO sol põe-se rápido.Acende uma<br />

fogueira)<br />

A INVASÃO DA CABRA<br />

A CABRA<br />

Fiz promessa que não dormia<br />

enquanto não tomasse a artilharia…<br />

57


(Silêncio. A tropa escuta sininhos, prepara-se para revidar, mas a arisca invade o acampamento e tenta apanhar um<br />

canhão. É uma diversão feliz. Homens abso<strong>luta</strong>mente exaustos apostam carreiras doidas com a veloz cabra. Pegam.<br />

A Câmera mostra os vitoriosos com pedaços dela; comem acocorados em torno de uma fogueira, dilacerando carnes<br />

apenas sapecadas no fogo. Andrajosos, imundos, repugnantes, tintos pelos clarões dos braseiros, como um bando<br />

de canibais famulentos em repasto bárbaro… O Sol levanta-se como um leque enorme e volta cair)<br />

PLANTIO DOS MORTOS<br />

(O Sol volta a ser o da tarde do dia anterior, invade as estruturas do Cambaio. Os conselheiristas canudenses estão<br />

por todos os cantos espalhados, cantando muito baixo a Excelência procurando os mortos: jagunços, soldados, o<br />

público… Pelo espaço todo há <strong>luta</strong>dores baqueados. Os vivos sobem às grotas altas, e alam-se aos vértices dos<br />

fraguedos abruptos para, do mais alto, trazer o cadáver de João Grande…)<br />

CANTO DA PRIMEIRA PARTE DA EXCELÊNCIA<br />

CORO PUCHADO POR CORIFÉIA DIABA<br />

Nos abismos profundos<br />

nas grotas<br />

fins de mundos<br />

colhendo<br />

vossos corpos<br />

Ah! nossos mortos,<br />

vamos andando.<br />

Vossa esquerda mão<br />

em nossos ombros pousando,<br />

vamos andando.<br />

Al Aqsa, palestinos,<br />

judeus,<br />

Esses mortos<br />

também são seus<br />

(Queimam os ex-votos, plantam os mortos.)<br />

EXCELÊNCIA - ADRIANA – CHICO – JOÃO CABRAL - CORO<br />

CORIFÉIA DIVA<br />

Amado João<br />

Ao passares em Jordão<br />

E os demônios te atalharem<br />

perguntando o que e que levas,<br />

diz que levas cera<br />

capuz e cordão<br />

mais a Virgem da Conceição<br />

uma Excelência<br />

dizendo que a hora é hora.<br />

Ajunta agricultores<br />

que o corpo vira semente plantados mortes nascentes<br />

CORO<br />

Duas Excelências<br />

dizendo que a hora é hora.<br />

Ajunta agricultores<br />

que o corpo vira semente plantados mortes nascentes<br />

(Cantam nove Excelencias conduzindo o Povo para o Jardim e para os Subterrâneos)<br />

FANTASMA DA CABRA ATÉ A LUZ SER FEITA<br />

Muito baixo no horizonte,<br />

o sol desce vagarosamente,<br />

e roça a orla cintilante, adourada,<br />

do extremo mais remoto na chapada,<br />

e seu último clarão,<br />

a cavaleiro das sombras,<br />

que se adunam na baixada,<br />

cai no dorso da montanha:<br />

Aclara,<br />

Ilumina,<br />

fugaz,<br />

usina,<br />

o préstito,<br />

que à cadência das rezadas vai seguindo.<br />

Desliza insensivelmente, subindo,<br />

à medida que lentamente as sombras ascendem,<br />

até ao alto,<br />

onde os seus últimos raios<br />

58


cintilam píncaros altaneiros,<br />

enormes círios tesos,<br />

prestes acesos,<br />

prestes apagados,<br />

na meia luz do crepúsculo, bruxuleados.<br />

Brilham as estrelas primeiras.<br />

Rutilando na altura,<br />

a cruz resplandecente<br />

Órion constelação<br />

alevanta-se gigante,<br />

titã sobre o sertão…<br />

(João Grande recebe uma massagem com a cera derretida. O Canto da Excelência retoma mais 9 vezes e toma<br />

conta de tudo, o público desfila entre os mortos, que planta. Até um ponto final na 18 excelência.)<br />

FIM DO PRIMEIRO ATO<br />

59


Expedição Moreira Cezar<br />

60


FLORIANO PEIXOTO<br />

(Sonoplastia e o vídeo com o rumor das multidões de posses, cenas de espera: pode entrar o povo das “diretas já”, e<br />

seu rumor. Os atores vãos para seus lugares, Sociedade civil e Jacobinos. A República vai para seu Trono, ela deve<br />

lembrar a estátua da Liberdade, o Cristo Redentor, talvez uma Tocha na cadeira e uma coroa como a da própria em<br />

Manhatan. Luz especial nela. Afinações de instrumentos das bandas preparando Hino Nacional, faixas… vídeos de<br />

movimentos civis, IMAGENS DO POVO NAS POSSES DE BRASILIA, etc… Um grande acontecimento: o primeiro<br />

presidente civil do Brasil vai ser empossado. A luz vai para a antecâmara no alto da estrutura Sul, onde Prudente de<br />

Morais está sendo paramentado pela Minoria Pensante Civil, sob a direção de Tia Augusta, no Protocolo. A Tela de<br />

Vídeo pode estar tomando toda a sua frente e esta cena pode se passar atrás dela. O Público está terminando de<br />

entrar (para a posse), o Presidente já está pronto, desce ao Balcão.<br />

3º SINAL: A Sonoplastia entra com a Gravação do “Hino da Proclamação da República”. A Luz entra na Pista,<br />

vazando os Telões e trazendo os Jacobinos. No Balcão Sul, os civilistas tomam café; na pista, é servido o Vinho<br />

Tinto, iniciando o Ritual dos Jacobinos, um Ritual Republicano; luz mais fraca na platéia que se supõe estar na<br />

cerimônia jacobina. É como o último Comício de Bush, Schwarzneger. Os Jacobinos se alinham por toda a pista para<br />

a despedida de Floriano. Entra o próprio trazendo nas mãos a Constituição Brasileira que ergue sob aplausos dos<br />

jacobinos puxando aplausos do público, sob o Hino da República, que continua baixo no discurso de Floriano. Ele<br />

entrega a Constituição para a República)<br />

FLORIANISTA<br />

Viva Floriano Peixoto!<br />

Viva a República!<br />

Um brinde ao nosso Marechalíssimo de Ferro<br />

Verdadeiro amante da República<br />

E nosso Etherno Presidente!<br />

Saúde!<br />

PORTA VOZ DO GOVERNO<br />

Marechalíssimo, o novo Presidente Prudente,<br />

(os jacobinos debocham rindo)<br />

as autoridades, o povo e a imprensa<br />

aguardam sua chegada<br />

em Companhia de Madame República,<br />

para transmissão da faixa presidencial.<br />

(A República que está presente faz um gesto de “Espera”)<br />

FLORIANO PEIXOTO<br />

Aguarde este meu pronunciamento a este público fiel<br />

que tem me acompanhado<br />

e transmita-o depois<br />

Porta Voz.<br />

(digindo-se a todo o Teatro que se transforma no seu Templo Republicano de uma Convenção.)<br />

Meu público, meu povo.<br />

Meu Governo teve função combatente e demolidora:<br />

abater a indisciplina emergente,<br />

as sucessivas sedições.<br />

Eles dizem maldosamente<br />

que por isso agravei a instabilidade social<br />

e que violei um programa preestabelecido.<br />

Como isso seria possível?<br />

Se nasci do impeachment triunfante<br />

contra um golpe de Estado<br />

violador das garantias constitucionais<br />

do Marechal Deodoro da Fonseca<br />

Perna magra e bunda seca.<br />

(GARGALHADAS E APLAUSOS, apanha a Constituicão. Na sonoplastia, tema de Amor à República)<br />

Abracei tenazmente a Constituição,<br />

afoguei-a de tanto amor<br />

a ponto de ter de criar a suspensão de suas garantias,<br />

para defendê-la.<br />

A legalidade sempre foi e será o maior dos meus desejos,<br />

a essa palavra consagro, se preciso for,<br />

todos os crimes,<br />

viro até ao seu avesso<br />

se preciso for, nesta terra sem leis.<br />

(sai o tema de amor)<br />

Sou com muito orgulho, sim, o Marechal de Ferro<br />

Nas crises que assoberbaram e assoberbam a República,<br />

apelei a todos os recursos,<br />

todos os meios,<br />

para defendê-la incondicionalmente.<br />

61


(parece que terminou de falar, mas volta)<br />

Mesmo que nem vocês<br />

nem a amplitude da opinião nacional<br />

internacional<br />

me compreendam agora,<br />

quero dizer que<br />

entre paixões e interesses<br />

do meu partido<br />

que, salvante raras exceções,<br />

sei que congrega todos os medíocres ambiciosos desse país,<br />

acabei por debelar<br />

a Revolta do Setembro Negro,<br />

que enfeixou todas as rebeldias contrariadas<br />

todos os tumultos.<br />

(Aplausos crepitantes.)<br />

Sei que criei<br />

mas destruí revoltosos.<br />

Sei que bati a desordem<br />

com a desordem.<br />

e sei que agora forma-se em latência,<br />

(Conselheiro atravessa o espaço)<br />

prestes a explodir,<br />

os germens de mais perigosos levantes<br />

que hão de vir, nesse novo governo, prudente e moral.<br />

(emocionado, tira um lenço, enxuga o suor e as quase lágrimas)<br />

Deixo o poder sem ter cumprido minha missão.<br />

Os que odeiam os verdadeiros defensores da revolução Republicana, nós, os jacobinos,<br />

fazem agora o poder passar aos adeptos da prudência das morais,<br />

desse civil amaricado.<br />

Minha decisão final,<br />

comunique Porta Voz<br />

aos presentes à cerimônia lá fora,<br />

que não vou cometer desonra de comparecer<br />

à transmissão de poder a um fraco.<br />

Um fraco não merece o poder.<br />

(Aplausos intensos jacobinos)<br />

JACOBINOS<br />

Viva o Marechal de Ferro!<br />

(aplausos JACOBINOS, enquanto a República apronta-se para sair)<br />

REPÚBLICA<br />

Minha Imagem<br />

doce Floriano<br />

assim traída<br />

não vai deixar de crescer,<br />

por vocês meus defensores de mais tino,<br />

meus adorados jacobinos<br />

que nos acompanham nos transes dificílimos do nosso governo<br />

by all the world.<br />

Il faut qui je pars.<br />

La real politik waits for me.<br />

FLORIANO<br />

Divina República<br />

Jacobina<br />

Entre nós não há segredos<br />

Posso falar sem dedos<br />

Ficarão muitos agitadores,<br />

robustecidos duma intensa aprendizagem de tropelia,<br />

não vão se acomodar a papeis secundários nessa nova Dramaturgia.<br />

REPÚBLICA<br />

Não, mon heros.<br />

Eu não permitirei.<br />

Vocês serão sempre a minha garantia<br />

Minha segurança de fazer minha imagem crescer<br />

e permanecer.<br />

(Floriano tira a Faixa e passa para a República; Entra o Hino Nacional, o porta voz, apanha correndo a faixa da<br />

presidência das mãos da Republica, sai correndo para entregar a Faixa ao Presidente Prudente. Os Jacobinos,<br />

protestando, se retiram de costas. A LUZ do salão republicano sai; LUZ FOCA Floriano. No balcão Sul, Prudente<br />

recebe a Faixa. Todos cantam Hino Nacional. Em seus trajes levam ramos de café. Símbolo da aristocracia rural do<br />

Café.)<br />

62


CIVILISTAS<br />

Viva o primeiro presidente civil da República do Brasil! Viva!<br />

PRUDENTE DE MORAIS DISCURSA<br />

(Não tenho o texto)<br />

(sai a Luz do Balcão depois do discurso e fica o foco no Floriano na pista)<br />

FLORIANO PEIXOTO<br />

Os movimentos dos Jacobinos,<br />

estacar não vão.<br />

Pela nova situação<br />

adentro dilatar-se-ão.<br />

(LUZ NAS GALERIAS, na personagem que representa agora, de um lado: Coro da Multidão Criminosa, escrito em<br />

letras Garrafais numa faixa Sangue. No outro lado, na platéia menor: Coro da Multidão Consciente, com uma Camisa<br />

de Força como uma bandeira enfeitando seu Balcão)<br />

CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />

(no meio do Público, deve-se projetar o Texto no projetor central para que o público possa fazer junto.)<br />

Tolerância Zéro<br />

Tolerância Zéro<br />

Somos<br />

a Multidão Criminosa Republicana Mundial<br />

inerte<br />

e abso<strong>luta</strong>mente neutral.<br />

Nós, maioria consciente,<br />

mas retraída,<br />

sofremos mimetismo<br />

e vestimos a feição moral<br />

medíocre<br />

comedida.<br />

CELEBRIDADE<br />

Eu não!<br />

Meu povo, sou uma vossa Celebridade!<br />

Atrevida vos tomo a frente, como exemplo na cidade.<br />

Na tribuna, na mídia, na passarela<br />

celebridade,<br />

(ela deixa cair um dos sapatos; a percussão marca.)<br />

cinderela,<br />

sem ideais, dizem,<br />

suspeita adoradora da República brasileira,<br />

sempre fazendo da<br />

Americana,<br />

cópia grosseira.<br />

Mas pra mim<br />

mesmo assim<br />

minha história é lisonjeira<br />

TIETES<br />

Autógrafos!!!<br />

CELEBRIDADE<br />

Não é o caso,<br />

Aplauso! Aplauso!<br />

(Entra Marcha Fúnebre Evolutiva como a de Chopin, são as Pompas Fúnebres do enterro de Floriano)<br />

FLORIANISTAS JACOBINOS<br />

(trazendo Arca da Aliança, um Baú com as cinzas de Floriano)<br />

Hoje não é comédia<br />

É dia da Brasileira Tragédia.<br />

Marechal Floriano Peixoto<br />

Lá se vai nosso garoto.<br />

Musa da Guarita<br />

Fênix! Ressuscita!<br />

REPÚBLICA<br />

(com Véus de Viúva Czarina)<br />

Vamos agora vivêr<br />

da exaltação gloriosa do seu cadavêr…<br />

CUNHA MATOS<br />

(discursa enquanto o corpo é enterrado)<br />

Marechal Floriano Peixoto<br />

63


seu túmulo, nesse país roto,<br />

é nessa hora triste sem esperança<br />

Nossa Arca de Aliança<br />

(Glórias)<br />

Pra nós rebeldia impenitente,<br />

MILITARES JACOBINOS<br />

URRA!!<br />

CUNHA MATOS<br />

seu nome,<br />

grande Homem<br />

no meio da Pátria em desordem,<br />

é agora, palavra de ordem.<br />

(Todos fazem um juramento sagrado ajoelhados com as mãos no túmulo…)<br />

CORO<br />

Ordem e Progresso.<br />

(…depois atiram para cima como nos enterros de policiais assassinados, 21 tiros. Entra Samba de Protesto Carioca<br />

dos anos 60)<br />

CORO DA MINORIA PENSANTE<br />

Nós somos a minoria,<br />

pensante do Brasil<br />

Nossa retração criminosa permite, excessos a mil<br />

Em meio à indiferença geral<br />

Aceita, aplaude,<br />

as mediocridades irritadiças afinal!<br />

Não nos assusta terror econômico desesperador:<br />

torne-se insolúvel, arrasador.<br />

(na Pista)<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

Somos o Exército da República nascente<br />

Elemento ponderador da agitação crescente.<br />

SOLO I<br />

Desde os escravos libertados:<br />

SOLO II<br />

Estamos nós predestinados<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

Cortejam-nos,<br />

atraem-nos<br />

afanosamenete<br />

imprudentemente,<br />

amorais,<br />

(dirigindo-se à multidão)<br />

E a multidão. Quer o que?<br />

CORO DA MULTIDÃO CRIMOSA<br />

Bush, Stalin ou Pinochet!<br />

CASTING<br />

(Estúdio de marketing, fabricação de imagens, um barril de pólvora.)<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

A Nova do desastre do Cambaio,<br />

aterradora<br />

Para chefe da expedição vingadora,<br />

um de nós será o escolhido<br />

Marechal Floriano Peixoto morreu de ofendido.<br />

CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />

A Multidão sedenta agora aguarda<br />

CORO DO EXÉRCITO<br />

O fetichismo político exige Manipansos de farda.<br />

CORO DA MULTIDÃO CRIMINOSA<br />

(com texto para o público ler junto)<br />

Nós opinião nacional,<br />

oscilamos…<br />

no aquilatar vencedores<br />

e vencidos…<br />

Nesse baralhamento<br />

64


perdidos…<br />

diante de nossa visão<br />

estreita…<br />

sentimental<br />

e suspeita…<br />

Em todos os tons, todas as cores,<br />

propagamos sem pudores<br />

O Mercenarismo!<br />

O Mercenarismo!<br />

O Mercenarismo!<br />

Caricaturamos nós, o herói<br />

e o heroísmo.<br />

(Cobrem uma pessoa do público solenemente na Pista com a Púrpura Sangue)<br />

Imortais de quarto de hora!<br />

que nossa carência adora<br />

destinados à suprema sina<br />

de uma placa na esquina,<br />

sem sabermos se bandido, santo,<br />

louvados, difamados, não sabemos por enquanto!<br />

(O TEATRO Transforma-se num estudio de Publicidade. MAS A TODO TEMPO DA ESCOlHA DO MANIPANSO,<br />

HAVERÁ LUZES EM PRUDENTE, QUE, ENQUANTO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, É O JUIZ DA CENA; NA<br />

REPÚBLICA; NA MAIORIRA CRIMINOSA E NA MINORIA PENSANTE, ISSO ATÉ A COROAÇÃO FINAL DE<br />

MOREIRA: HABEMOS SÃO JORGE. Na Banda, um Cantor(Danilo), para criar clima para um teste de escolha do<br />

Manipanso de Farda, canta uma versão mix do Hino Nazista. O diretor chega com óculos e uma prancheta pequena<br />

com papéis, fotos de Moreira… Olha para os candidatos, a personagem não se convence. Ninguém o impressiona.<br />

Debaixo da Púrpura sangue, com o piano tocando um ATIREI UM PAU NO GATO DE MILAGRE, surge uma criança.<br />

O diretor a cumprimenta, e ela possa a examinar os candidatos até que pára diante de um)<br />

MENINO DOURADO ADORADO ADORADOR<br />

Entre todos brilha uma obra de arte<br />

Coronel Moreira Cezar, figura à <strong>parte</strong>.<br />

Igualmente ao vê-lo ficam vários,<br />

admiradores e<br />

(olhando para a Sociedade Civil Bem Pensante)<br />

adversários!<br />

(destaca-se do coro como se descolasse, nascesse, protagonista: Moreira Cezar, fazendo Ricardo III, sobe no trono,<br />

no Centro: um Barril de Pólvora. Do lado Leste a Maioria Criminosa segura um Manto Púrpura. Do outro – Oeste, a<br />

Minoria Consciente com uma Camisa de Força Gigante. O menino senta-se ao seu lado. O ator começa a fazer um<br />

esquentamento vocal. Todos os que vieram para o teste começam imitá-lo. O menino manda todos calarem a boca<br />

com um violento Psiu!)<br />

ATOR QUE VAI FAZER MOREIRA CEZAR<br />

Eu Antonio Moreira Cezar<br />

Grosseiramente feito,<br />

majestade no amor,<br />

(entra o tema do amor pedófilo puro)<br />

não tenho direito,<br />

nem de pavonear-me extasiado<br />

diante dos meninos adorados,<br />

ninfo de lascívio meneio,<br />

eu, feio<br />

privado de proporção, de beleza,<br />

desprovido de encantos pela pérfida mãe natureza,<br />

disforme, inacabado,<br />

abortado,<br />

antes do tempo pro mundo dos vivos enviado<br />

terminado pela metade,<br />

com os cães latindo ando na cidade<br />

dissertando sobre minha deformidade.<br />

Assim, já que não posso mostrar-me como amante<br />

entretendo a galanteria da oligarquia farsante<br />

atrasada burguesia do sertão,<br />

(refere-se a Sociedade Civil)<br />

resolvo portar-me como vilão,<br />

odiar os frívolos prazeres deste lixo de nobreza,<br />

sem grandeza,<br />

contaminando a República do meu coração<br />

com sua escrotidão.<br />

(O Menino Adorado aplaude-o e olha para o público obrigando a todos, atores inclusive, a uma ovação a Moreira. O<br />

diretor aplaude e cumprimenta o Ator.)<br />

PERSONAL ACTOR TRAINING<br />

65


Meus Parabéns.<br />

O senhor é um grande ator.<br />

O papel já é quase do senhor.<br />

E os senhores tão Aplicados,<br />

para Coros e Oficiais, estão contratados.<br />

(para o candidato a Moreira)<br />

Começo com as perguntas clássicas:<br />

Parou de fumar?<br />

Parou de cheirar?<br />

Parou de beber?<br />

Parou com os meninos?<br />

(O ator reage um pouco contrariado. O diretor contempla e esculpe o Ator)<br />

O ator não tem o “fisique du rôle”,<br />

vamos fabricá-lo sob nosso contrôle.<br />

O aspecto tende a reduzir-lhe a fama.<br />

(O ator reage, quer ficar esguio)<br />

A personagem é figura diminuta, não reclama.<br />

(então se abaixa um pouco)<br />

tórax desfibrado…<br />

(apertam o colo largo do ator e o desfibra)<br />

…sobre os pernis em parêntesis arcados.<br />

(dobra-lhe as pernas)<br />

Daqui pra frente somente atuas<br />

Com os Pés…<br />

(a Banda acompanha a transformação dos pés)<br />

em dez para as duas.<br />

Pronto, agora interioriza, o de fora acabou<br />

está organicamente inapto,<br />

como a personagem,<br />

para a carreira que abraçou.<br />

(Começa a sua paramentação, despe a antiga roupa, começam a vesti-lo de branco enquanto fala. A música vai<br />

criando o tema até derramar-se e explodir na Coroação do Cezar)<br />

ATOR MOREIRA CEZAR<br />

(para seu espelho, o público.)<br />

Falta-me esse aprumo,<br />

compleição inteiriça da imagem,<br />

que no soldado são a base física da coragem.<br />

(sentindo farda)<br />

Apertado na farda - que raro a personagem dependura -<br />

os membros de adolescente frágil, me agravam a postura.<br />

DIRETOR<br />

Maquilladora.<br />

(entrando no clima da fala, ela/ele procura desenhar uma máscara neutra)<br />

ATOR MOREIRA CEZAR<br />

Fisionomia inexpressiva e mórbida<br />

completa-me o porte desgracioso<br />

e exíguo de quem não pratica esporte.<br />

Nada, abso<strong>luta</strong>mente,<br />

trai minha energia surpreendedora<br />

a temibilidade rara, avassaladora<br />

no meu rosto de convalescente<br />

sem uma linha original grandiloqüente,<br />

(comovido consigo mesmo, enquanto o Camera, a Maquilladora vão lhe detalhando a falta de expressão facial - uma<br />

música de órgão pode acompanhar)<br />

pálido, mal alumiado,<br />

velo uma tristeza permanente,<br />

na minha face imóvel como um molde de cera,<br />

impenetrável, pela própria atonia muscular.<br />

(com força Iang)<br />

Os grandes paroxismos da cólera,<br />

e o entusiasmo mais forte,<br />

(toca as faces, fica In)<br />

aqui se amortecem inapercebidos,<br />

na lassidão dos tecidos,<br />

na face contida<br />

impassível, rígida.<br />

(Música de final de Preparação; para o público)<br />

Estão me vendo pela primeira vez?<br />

(desce do Barril agora que está pronto e, falando, caminha para a República, beija-lhe respeitosamente as mãos sem<br />

parar de falar)<br />

Imaginam nesse homem de gesto lento e frio,<br />

maneiras corteses, tímidas e… vazio?<br />

Campeador brilhante?<br />

Ou demônio crudelíssimo, intolerante?<br />

66


Não tenho os traços nem de um, nem de outro.<br />

Talvez, porque seja os dois ao mesmo tempo<br />

e contra tempo.<br />

Tendências monstruosas e qualidades superiores,<br />

no máximo grau de intensidade.<br />

(vendendo-se sutilmente a Prudente e ao Público)<br />

Sou tenaz, paciente, dedicado,<br />

cruel, vingativo, ambicioso, impávido.<br />

(pequena Pausa, um órgão docemente fúnebre da banda o acompanha)<br />

Velo as personagens todas,<br />

no armário guardadas,<br />

cauteloso, sistemático, reservado.<br />

(está realmente comovido)<br />

Um único homem, alma gêmea, ah! meu Deus!<br />

(vai saindo o órgão; entra Floriano)<br />

Marechal Floriano Peixoto, percebeu,<br />

alguma coisa de grande e incompleto em mim,<br />

que a evolução prodigiosa de predestinado,<br />

faz saltar enfim<br />

nesta fase crítica<br />

que devo definir-me em verso<br />

heróico ou perverso?<br />

Assim, desequilibrado,<br />

minhʼalma oscila no balançado<br />

da extrema dedicação<br />

ao esvair-se no extremo ódio,<br />

da calma soberana à explosão nervosa subindo vitoriosa ao pódio<br />

e da bravura cavalheiresca de Quixote<br />

à barbaridade revoltante de Pixote…<br />

(Entra o Jovem Moreira Cezar; canto, trilha, a luz, o vídeo, vão trazendo o flash back, Moreira e o Jovem Cezar ficam<br />

de quatro como Bebês, Erês.)<br />

MOREIRA CEZAR E CORO<br />

Atirei o pau no gato-to<br />

Mas o gato-to<br />

Não morreu-reu-reu<br />

Dona Chica-ca<br />

Admirou-se-se<br />

Com o berro<br />

Com o berro<br />

Que o gato deu!<br />

Miau!<br />

CONTRA ARGUMENTAÇÃO<br />

OFICIAL ARGENTINO<br />

Es um hombre<br />

Muy esquizito…<br />

MOREIRA CEZAR E JOVEM CEZAR<br />

Esquizito?<br />

Que dizes?<br />

És um Hombre?<br />

És Mujer?<br />

Esquisito és tu<br />

Argentino de merda!<br />

(Moreira Jovem ataca com uma faca)<br />

OFICIAL ARGENTINO<br />

Yo soy el oficial argentino<br />

Fu victima de su desatino<br />

Herido por este cutillo,<br />

por suerte, a tiempo detenido,<br />

no mas que por cierta palavra de mi lengua,<br />

mal compreendida.<br />

Esquisito.<br />

Pero no tuve la mala suerte de un periodista,<br />

que causando un escandalo izquerdista,<br />

hizo intolerables acusaciones a la Corte del antiguo Império,<br />

y habiendo acusado el ejército de delicto serio,<br />

fue resuelto por algunos oficiales,<br />

como supremo recurso, absurdo justiciamiento.<br />

La solución fulminante, desesperante<br />

del linchamiento!!!<br />

67


(O Sino Bate Meio Dia. O Coro do Exército, Mulheres disfarçadas com seus cabelos como bigodes, armados de<br />

Comblains ameaça a aproximar-se do jornalista, enquando de um carro sai o motorista e fica um Velho Militar dentro.<br />

Moreira Cezar jovem tira a faca do oficial argentino)<br />

FANTASMA DO JORNALISTA<br />

É meio dia, muita luz!<br />

Oficiais do Exército armados de comblains,<br />

saem de carros que os conduz.<br />

Vejo num deles, autoridade superior do próprio Exército,<br />

refugio-me dentro, sento-me ao seu lado<br />

ao patrocínio imediato das leis querendo ser acoitado.<br />

(O Coro Ataca o Jornalista)<br />

Sou de dentro arrancado<br />

pelas costas esfaqueado<br />

a primeira facada<br />

veio com o prazer de um coito<br />

pelo mais afoito,<br />

(olha para o Jovem que o apunhá-la)<br />

olho no seu rosto Moreira Cezar,<br />

imploro, rezo<br />

Você goza!<br />

E apunhala<br />

E apunhala<br />

E apunhala<br />

(O Coro de Oficiais Linchadores tenta apunhalar, Moreira impede)<br />

Aos outros não deixa apunhalar…<br />

(olha nos olhos de Cezar que o encara também; o jornalista olha para o público, Moreira não tira os olhos dele.<br />

Silêncio absoluto.)<br />

Minha última reportagem agora no ar<br />

o povo da Rua do Ouvidor, parado…<br />

(olha bem pra Moreira que faz com que a cena vire uma cena de penetrar, fazer amor)<br />

e você<br />

a apunhalar<br />

a apunhalar<br />

a apunhalar.<br />

(Moreira Jovem desenterra a faca das costas do jornalista e entrega-a para a Autoridade Superior, enquanto os<br />

outros fogem com as facas respectivas)<br />

MINORIA PENSANTE<br />

Linchamento! Punição!<br />

Sibéria Canicular Brasileira! Mato Grosso!<br />

Sem Perdão!<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(Tema do calor úmido de Mato Grosso)<br />

Este “justiciamento”<br />

custou-me a transferência para Mato Grosso,<br />

onde sofri nessa Sibéria tórrida do nosso Exército o calor até o osso.<br />

Mas a proclamação da República<br />

(entra o Hino da República se possível em versão coral de “Caderneta de Campo”. Entra Euclides)<br />

devolveu-me o direito<br />

ainda que tardio<br />

e traz-me de volta em glória para o Rio.<br />

(Floriano passa a Espada ritualmente para Moreira.)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(com fascínio erótico com o som do Hino da República Baixo e um piano como o de um Capricho de Villa-Lobos)<br />

Eu vi essa personagem na ocasião.<br />

Era ainda capitão<br />

Nos dias vacilantes do novo regime,<br />

o governo desejava ter perto de si este esteio firme.<br />

Não raro a faca era relampagueada<br />

mas era inteiramente virgem ainda a espada.<br />

(Moreira reage como uma virgem enrubecida)<br />

Saiu da abstinência,<br />

(Euclides lambe os beiços com a língua)<br />

com muita apetência,<br />

nos últimos anos da existência.<br />

68


Já Coronel no debelar da Revolta da Armada<br />

Floriano passou-lhe os phoderes todos à virgem espada<br />

(Floriano unge, com vaselina sua espada e passa-a a Moreira, num rito sensual. A banda toca um Militar Chet Baker)<br />

Em Santa Catarina,<br />

(entra o tema Música do Massacre de Inhatu Mirim)<br />

pra phoder a conflagração,<br />

que contagiava os Estados do Sul em rebelião<br />

é a espada descabaçada que entra em ação.<br />

185 Fuzilamentos no cenário de uma ilha deserta,<br />

da cidade<br />

que leva o nome de Floriano,<br />

em homenagem a essa sexual crueldade.<br />

(Um grupo de rebeldes, ligados a um colar de lâmpadas elétricas acesas que iluminam os rostos que os vídeos<br />

ampliam, em formação ordenada de pelotão de fuzilamento. Mulheres que serão Mandrágoras nascidas do esperma<br />

dos decaptados, entram e se deitam no lado oposto aos condenados na pista. Estes vão sendo decapitados pela<br />

espada de Moreira, ao desligarem-se as lâmpadas. Nos rostos a última expressão é de gozo. Cada um que é<br />

decapitado goza e faz nascer uma Mandragora. Cada uma delas replica com o gozo do nascimento.)<br />

BLUE DO FANTASMA DO MARJOR ALFREDO PAULO DE FREITAS<br />

Fui ultrajado a rebencadas sem contemplação<br />

Cezar começou a encarcerar suspeitos da revolução<br />

Fui embarcado de Niterói<br />

com a farda que cobriu meu corpo até o fim<br />

a barca fez meia volta ao aproximar-se de Inhatu Mirim.<br />

CORO<br />

Inhatu Miriam<br />

BLUE DO FANTASMA DO MARJOR ALFREDO PAULO DE FREITAS<br />

Com mais 184 cabeças a minha foi decepada<br />

o mar bebia nosso sangue, a terra nosso esperma guardava.<br />

MANDRÁGORAS E DECAPTADOS<br />

o mar bebia nosso sangue, a terra nosso esperma guardava.<br />

(Mulheres tocam no esperma sangue, ungem a boceta e a cabeça, vão virando Mandrágoras)<br />

UMA MANDRÁGORA<br />

(a capela)<br />

Aurora nasceu envergonhada,<br />

na Ilha de Inhatu Mirim<br />

ficou vermelha sim<br />

com a sangria que a maré trouxe acanhada<br />

(entra arranjo orquestral na trilha, o som do mar, deste movimento forte de nascimento, origem das Mandrágoras de<br />

Canudos)<br />

MANDRÁGORAS<br />

Só nós Floriano, alegres demos Florada<br />

mandrágoras nascidas do gozo de cada cabeça cortada.<br />

Gritando da nossa separação da Terra fomos arrancadas<br />

(Uma India paraguaya Velha lhes arranca da Terra, elas gritam)<br />

Por Mandrágora Índia Paraguaja, da Guerra mal lembrada<br />

As Gaivotas apiedadas nos levaram pra Canudos<br />

(Acordeom Trágico, anunciador da cena de sangue do Angico)<br />

Onde esperamos você Cezar<br />

pra servir em miúdos.<br />

(Vinheta Samba–Bossa de Prostesto da Minoria Pensante)<br />

UM MEMBRO ILUSTRE DA MINORIA PENSANTE<br />

Terminou a revolta da Armada,<br />

mas a opinião nacional está abalada.<br />

Governança civil, recém-inaugurada,<br />

Exija do responsável,<br />

que contas sejam prestadas.<br />

(Telégrafos acompanhando o pedido de esclarcimentos de Prudente, muito baixinhos, até que cessam, e deixam um<br />

silêncio absoluto para a resposta de Moreira)<br />

PRUDENTE DE MORAES<br />

Houve fuzilamento de militares de mar e terra determinados por autoridades da República?<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Não.<br />

EUCLIDES<br />

69


Um “não”?!<br />

(olhando pra Moreira, depois para o público, perplexo)<br />

simples, seco, atrevido, cortante,<br />

desconcertante<br />

sem atavio, rodeio, ressalva, explicação<br />

(entra o baixo-dardo, Prudente quase cai desmiado)<br />

um dardo<br />

batendo logo caído<br />

no peito da nação<br />

no coração do poder constituído.<br />

PRUDENTE DE MORAES<br />

(tentando se recompor aos poucos)<br />

Cel. Moreira Cezar, compareça imediatamente ao Rio de Janeiro,<br />

E apresente-se ao Presidente da República.<br />

(Luz, a Banda produzem a Viagem, o teatro todo é o Barco; Moreira Cezar encantado olha a Ilha de Floriano e a<br />

Inhatu Mirim)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(aos seus homens)<br />

Prudente das Morais<br />

chama-me ao Rio de Janeiro<br />

nesse navio mercante,<br />

embarco com o meu batalhão inteiro<br />

(Olha para as Estruturas superiores e vê suas crianças cantando na partida do navio)<br />

MOREIRA E SEU BATALHÃO<br />

stamos em pleno mar…<br />

MINORIA PENSANTE<br />

Louco!<br />

Camisa de força pra você!<br />

(A Camisa de Força é hasteada como vela no meio de uma tempestade.)<br />

MOREIRA<br />

Desta camisa de força,<br />

Faço uma vela!<br />

UM MEMBRO DA MINORIA PENSANTE<br />

Não, é Camisa de Força mesmo.<br />

(Tempestade, faz-se um escuro momentâneo, as luzes se acendem novamente, Moreira sente coisa estranha… olha<br />

pra Cabine técnica/comando do Barco:)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

O que? Um desvio na rota?<br />

Está preso o senhor comandante.<br />

(imediatamente os soldados invadem a Cabine e ameaçam o iluminador de degola, não esperam novas ordens de<br />

Moreira)<br />

COMANDANTE DA LUZ<br />

Eu?! Eu sou só o Operador de Luz!<br />

(alguns soldados sobem até a cabine)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Suspeito de traição,<br />

quer prender a mim e aos soldados?<br />

A serviço de uma sedição.<br />

COMANDANTE DA LUZ<br />

Vosso ato é inexplicável,<br />

a desorganização psíquica<br />

de que é vítima, é responsável.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Não se atreva a julgar meus atos<br />

está preso agora por desacato!<br />

Soldado, permaneça com a espada desembainhada<br />

voltada para o pescoço desta cabeça desmiolada!<br />

SOLDADO<br />

E quem vai operar a luz?<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Faça-o seguir viagem<br />

na rota certa, sem espionagem.<br />

(Moreira dá sinal para a viagem continuar. A Viagem continua)<br />

Sou até capitão de navio, mando<br />

70


dono do batalhão que comando;<br />

Minha competência, conquista<br />

até o pessoal que ameaça<br />

ultrapassa, o número regulamentar de praças,<br />

(no som, música de encantamento pedófilo)<br />

dezenas de crianças a quem ensinarei,<br />

com meu amor, armas carregar<br />

em manifesta reinterpretação da lei.<br />

Venham meus amores,<br />

(olha para o público)<br />

estão a me julgar<br />

(Olha para Prudente; vai conquistá-lo com as crianças)<br />

pois cantem o hino que compuseram por me amar.<br />

CRIANÇA ADORADA<br />

LIDERANDO UM CORO DELAS UNIFORMIZADAS<br />

(Cantam para todos, para o público, mas principalmente para recomendar Moreira ao presidente da República como<br />

chefe da Terceira Expedição)<br />

Nosso Cezar, nosso amor<br />

Adorado imperador<br />

Criou o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />

Com lucidez e amor ao mundo infantil<br />

qualidades eminentes, francas, raras<br />

de chefe disciplinador, inteligente, caras<br />

contestando com bravura<br />

aos que chamam o seu gênio de loucura<br />

interpretando como maldita pedofilia<br />

a inclusão da infância na infantaria.<br />

Dai a Cezar o que é de Cezar<br />

Criança reza, reza,<br />

Só ele pode ser escolhido<br />

Pra nós vermos Canudos destruído.<br />

Nosso Cezar, nosso amor<br />

Adorado imperador<br />

Cria o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />

Com lucidez e amor ao mundo infantil!…<br />

(Moreira aplaude e faz o púbico aplaudir as crianças, entram Euclides e Antonio Conselheiro que tem no meio dos<br />

aplausos, um ataque epilético simultâneo. Entra Dra. Ana Nina Rodrigues com avental de Médica sobre o Traje do<br />

seculo 19 de Ana)<br />

DR. NINA RODRIGUES ANA DA CUNHA MÉDICA EPILÉTICA<br />

Três Temperamentos desiguais e bizarros<br />

de epilépticos provados.<br />

Doentes graves<br />

em placidez disfarçados,<br />

desvendando-se inteiramente em violentas comoções,<br />

em ataques, em físicas manifestações.<br />

A epilepsia alimenta-se de paixões.<br />

Há num crime, um achaque<br />

(Euclides levanta-se)<br />

num lance de heroísmo,<br />

o equivalente mecânico,<br />

de um ataque.<br />

(Moreira levanta-se)<br />

Contido o braço homicida,<br />

ou imobilizado o salva vida<br />

no arremesso bruto.<br />

doente pode surgir, ex-abrupto.<br />

(Conselheiro levanta-se)<br />

O crime surge como um derivativo à loucura.<br />

O doente sente a vida cada vez mais dura,<br />

e <strong>luta</strong> tenazmente pra se segurar.<br />

O doente vai caindo no estado crepuscular,<br />

condensa no cérebro a soma de todos os delírios<br />

prontos a desencadear-se em ações violentas e martírios<br />

que podem atirar no crime,<br />

ou,<br />

na glória, no sublime.<br />

A sociedade, nessa ocasião, que torça:<br />

pra dar-lhe<br />

a púrpura<br />

ou a camisa de força.<br />

EUCLIDES<br />

71


(recuperando-se, mencionando Conselheiro)<br />

Se um grande homem<br />

pode impor-se a um grande povo<br />

pela influência deslumbradora do gênio,<br />

os degenerados perigosos<br />

(mencionando Moreira)<br />

fascinam com igual vigor as multidões tacanhas,<br />

que os levam ao proscênio.<br />

CRIANÇA ADORADA<br />

A República agora está com São Jorge em união<br />

Pra derrotar o inimigo comum,<br />

(Olha para Conselheiro)<br />

o Dragão.<br />

Ele agora é nosso etherno ídolo!<br />

Vamos idolatrá-lo!<br />

Adorá-lo!<br />

CORO DA MINORIA PENSANTE<br />

(recuperando a Camisa de força)<br />

Oferecemos a Camisa de Força.<br />

MULTIDÃO CRIMINOSA<br />

Oferecemos a Púrpura.<br />

Que Canudos Arda!<br />

PRUDENTE DE MORAIS<br />

(Entra um tema de Eric Satie ou uma das sonatas de Villa-Lobos) Eu, Prudente de Morais<br />

Ano passado vi a estréia em Londres de Oscar Wilde<br />

The Importance to be Ernest,<br />

ao lado da Minha Senhora, Tia Augusta<br />

que peça justa!<br />

Pertcebí: chamar-me Prudente me responsabiliza,<br />

ainda mais como defensor de todas as Morais.<br />

Por isso tenho a honra de confiar<br />

a Coronel Antonio Moreira Cezar<br />

a primeira expedição nacional, regular<br />

contra Canudos.<br />

Só vos Coronelíssimo, poderá chefiar.<br />

(Os Jacobinos vestem, à força, a Camisa de Força em Conselheiro que encara Prudente. As crianças de Moreira<br />

Cezar recebem das mãos de Prudente enfeites para enfeitar e abençoar a espada; e elas mesmas ataviam, com as<br />

próprias mãos em delícia. Luzes e Música de Coroação e Glória como uma Hosanah Militar Celeste! O Manto de<br />

Púrpura desce sobre Moreira Cezar. Entra o Cavalo Branco que está também de Branco como Moreira que o monta<br />

levantando sua espada)<br />

CUNHA MATOS<br />

Habemos São Jorge!<br />

Ave Cezar!<br />

MAIORIA CRIMINOSA<br />

Ave!<br />

(A MÚSICA MONUMENTAL DA COROAÇÃO CONTINUA NAS TREVAS, durante a transformação do espaço a Tropa<br />

retira a escadaria de Prudente/Monte santo, até o TOQUE DE NAVIO. A luz vai entrando e<br />

trazendo o Porto do Rio. Tambores de Guerra. Estão diante do Barco ITAIPÚ escrito grande no lombo das estruturas.<br />

A tropa está pronta pra partida, como para a apresentação de um show de rock, luzes, desfile festivíssimo; A banda<br />

toca o funk do Cabo)<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

E cá estou eu de volta, ainda cabo, ainda cru<br />

Desfilando e penetrando no Navio Itaipu<br />

Diante daqueles que todo mundo preza<br />

Nosso Novo Cezar<br />

TROPA<br />

(ovacionando Moreira com o gesto Romano)<br />

Ave Cezar!<br />

(Moreira agradece a ovação cercado de suas crianças)<br />

CABO WANDERLEY<br />

3 de fevereiro de 1897<br />

partimos pra Bahia com nosso nacional escrete.<br />

TROPA?<br />

UH UH UH UH UH!<br />

72


CABO WANDERLEY<br />

(apresentando as Crianças armadas)<br />

O vosso vis a tergo Coronel,<br />

a Brigada Infantil!<br />

Herdeiros do nosso Brasil!<br />

CRIANÇAS<br />

Nosso Cezar, nosso amor<br />

Adorado imperador<br />

Cria o melhor corpo do Exército do Brasil,<br />

Com lucidez e amor ao mundo infantil!<br />

(todos aplaudem as Crianças)<br />

CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />

Embarquem primeiras crianças!<br />

Inundando o mar de fé e Esperanças<br />

(vão subindo no navio)<br />

Apresentação:<br />

7º Batalhão de Infantaria e Comissão de Engenharia<br />

em todos seus atos<br />

sob direção do major Rafael Augusto da Cunha Matos;<br />

(entram no navio)<br />

Capitão Pedreira Franco, do 9º Esquadrão de Cavalaria<br />

no abalo,<br />

inaugura O Homem e o Cavalo!<br />

(O Capitão Cavalo, com sons de trote, relinchos, entra no Navio)<br />

E o 9°, de Infantaria,<br />

do coronel Pedro Nunes Tamarindo<br />

nossa reserva ecológica moral mais antiga, persistindo<br />

pra guerra indo,<br />

lindo, lindo!<br />

(sobe o Coronel com seu cachimbo e seu ar cético de ainda não<br />

aposentado, mal humorado, tipo José Lewgoy. Uma fã no cais do Porto avança para beijar-lhe)<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Não enche o saco!<br />

CABO WANDRLEY<br />

E também do 9º, pela 3ª vez indo à Guerra,<br />

com ele não tem zoeira,<br />

Ten. Pires Ferreira!<br />

(entra com um perna só no navio)<br />

Nosso corpo médico, chefiado pelo Dr. Ferreira Nina<br />

com a mala cheia de morfina!<br />

(entra Freak, Junkie, no navio)<br />

do 2.° Regimento de Artilharia,<br />

Vai presentear Canudos com suas bolas negras de Bocha<br />

comandada pelo Capitão José Salomão Agostinho da Rocha<br />

(Sobe Salomão. No cais, o navio apita e a corneta toca anunciando a partida; zarpam; o exército embarcado, as<br />

pessoas muito bem vestidas da corte republicana carioca, dão adeus cantando o Hino das Crianças para Moreira; na<br />

sonoplastia o mar completa a viagem para a Bahia. O navio apita anunciando a chegada em Salvador; a banda toca<br />

a introdução da Baixa do Sapateiro; Uma taboleta da galeria se abre, escrito BAHIA. No cais as mesmas pessoas,<br />

vestidas quase da mesma maneira do Rio, agora com turbantes esperam. Estão todos preparados pra discursar. O<br />

Prefeito, um tocador de Acordeons Famoso, começa a cantar o Hino da Bahia, acompanhado de seu coro)<br />

PREFEITO E POPULAçÃO DE SALVADOR<br />

Coronel Moreira Cezar,<br />

a Bahia vos quer muito bem.<br />

Que o brilho da luz…<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

(surgindo no Convés, lado Norte no Alto, interrompendo as homenagens)<br />

Não temos tempo pra enrolação<br />

nem recepção.<br />

Ordeno:<br />

autoridades civis<br />

militares<br />

eclesiásticas<br />

entusiásticas damas<br />

da sociedade de acarajé, baianas,<br />

estamos em guerra com o Sertão, ponham-se em ação!<br />

73


Depois desta viagem demorada,<br />

descarreguem o barco com a tropa que chega atrasada.<br />

Queremos chegar ainda hoje em Queimadas.<br />

Ajuda patriótica obrigatória<br />

Não há escapatória.<br />

(A Multidão se entreolha sem saber o que fazer)<br />

Sociedade oligárquica baiana<br />

não entende português,<br />

ou quer entrar toda em cana de vez?<br />

(O Exército avança e obriga as senhoras, os senhores vestidos com rigor do século 19, a receber carga pesada que<br />

vem do alto, do andar superior do navio. Os bahianos são colocados à força, de prontidão, no terminal de cargas<br />

e então começam a descer as coisas. A banda toca o Hino da Bahia em axé até que o percussionista fica tomado<br />

e toca um violentíssimo chamado pra presença da Viúva Negra. A banda pára, todos param com a fúria que traz a<br />

personagem.)<br />

VIUVA NEGRA<br />

(com sotaque bahiano carregado, seu corpo treme todo e irradia<br />

terremotos, na terra como no céu.)<br />

Xangô<br />

Por Justiça e Adoração<br />

desacorrenta Exu Senhor da minha ação<br />

que ninguém esqueça<br />

esse é um cortador de cabeças,<br />

(Moreira Cezar finge que não a vê, ela vai até ele e o obriga, à distância, a encará-la; os guardas nem se aproximam,<br />

tal é a energia da Fúria que obedecem)<br />

não desvia de mim teu olhar do meu mal olhado<br />

farrapo de honra, suíno, massacrador, detestado,<br />

aborto de nascença selado,<br />

produto maldito dos rins do teu pai,<br />

difamador do ventre da tua mãe,<br />

sapo peçonhento de perna torta,<br />

pelas cabeças que tua espada corta,<br />

teu pescoço de frango Cezar do Sangue,<br />

com teus miúdos vão virar bumerangue.<br />

(mudando a ação, falando como uma mãe da Plaza Rosada)<br />

Tu me deves todos maridos<br />

Todos os filhos,<br />

todos os desaparecidos<br />

Infame assassino<br />

Naquela noite de Inhatumirim meus cabelos viraram cal<br />

(tira o véus da cabeça detalhadamente e exibe um cabeleira branca de Kabuki)<br />

Naquela noite cento e oitenta e cinco Mandrágoras<br />

da porra dos teus assassinados nasceram pra te fazer mal.<br />

(com força, velocidade, tremor)<br />

Maldições aqui da Bahia de Todos os Santos<br />

atravessem o fundo da Terra,<br />

dos mares, dos ares<br />

vão pra todos os cantos<br />

cheguem às nuvens,<br />

toquem os céus.<br />

Te ofereço coisa Podre,<br />

teus troféus!<br />

Nesta guerra imunda<br />

agora, sucumbas<br />

levando contigo tuas criancinhas malditas pras tumbas…<br />

Que o verme da consciência roa sempre tua cínica calma<br />

Que teus amigos te traiam até o ânus da tua alma<br />

Que jamais o sono feche teus olhos fatais<br />

a não ser pros pesadelos do inferno que criais<br />

Viveis cada um de vós escravos do ódio desse pigmeu<br />

ele do vosso e todos vós do ódio de Deus.<br />

(Os guardas levam a mulher, para fora do Teatro, com a porta semi<br />

aberta, enquanto Salomão da Rocha e Coronel Tamarindo, seguram<br />

Moreira Cezar; fuzilam a viúva)<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Começamos bem, meu último passeio militar na Bahia.<br />

(Trevas, Tambores fortes pra Exu fundindo ao apito e barulho das<br />

locomotivas e telégrafos de Queimadas)<br />

QUEIMADAS<br />

(o telégrafo vai anotando e transmitindo as novas para o país; os<br />

soldados saem mal do trem, exaustos do ritmo e do stress da Expedição)<br />

74


MOREIRA CEZAR<br />

Dia 3 saímos do Rio de Janeiro<br />

cinco dias depois,<br />

aqui está a expedição reunida inteira.<br />

Em vez das maldições,<br />

temos um milagre: rapidez nas mobilizações.<br />

GUIA JESUÍNO<br />

(chega latindo e assustando a criança adorada; Cezar não gosta)<br />

Jesuíno, guia-capitão.<br />

Sou o faro também desta expedição.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Prossigamos<br />

A Rapidez do Telégrafo, das balas, inspira<br />

Somos homens dum tempo que pra frente atira.<br />

CRIANÇAS<br />

(Da posição de sentido cochilando, começam a cair sob o peso das<br />

mochilas)<br />

Que vergonha coronel, nós crianças caídas pelas filas!<br />

Não suportamos mais o peso das mochilas!<br />

CRIANÇA ADORADA<br />

(tema musical da criança adorada)<br />

A mim a mochila é uma asa<br />

maior é o peso<br />

mais parece ela vaza…<br />

É a mesma coisa para vocês vanguarda<br />

E pra vocês também, anjos da guarda.<br />

TRIO DE ANJOS DA GUARDA<br />

Seguimos convosco a protegê-lo da maldição da bastarda.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Meus anjos adorados<br />

sou criança também, anjos caem, outros seguem alados<br />

Vós caídos, vós cansados aqui ficam com a missão<br />

de fazer de Queimadas nossa <strong>1ª</strong> Base de Operação.<br />

Vos passo este comando Tenente Platão.<br />

Descansem por nós crianças,<br />

Sigamos juntos voando na vanguarda<br />

Trio de Anjos da Guarda.<br />

Em marche marche pra Monte Santo!<br />

(tomam o caminho em marche-marche; mal se voltam, as luzes saem de Queimadas com os que ficam despedindose<br />

e Cezar pára de repente)<br />

TRIO DE ANJOS<br />

Quirinquinquá!<br />

O que é que há?<br />

Pelo Deus de Israel<br />

que vês Coronel?<br />

(entra a Aleluia de Villa-Lobos; entra imponente o Monte Santo no vídeo; Coronel olha fixamente e começa a ter<br />

convulsões até o ataque epilético, o médico e o Cabo Wanderley, entendido, acorrem para socorrê-lo)<br />

MÉDICO<br />

(para os Oficiais superiores, Tamarindo, Salomão da Rocha, Capitão Pedreira Franco, e, como sempre de<br />

intrometido, o Cabo Wanderley)<br />

Por favor Ordenança, “Cabo” Wanderley<br />

Nunca serás promovido, pensas que és rei?<br />

CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />

Nada que é humano<br />

me é estranho<br />

mas me afasto a vosso pedido<br />

não ajo assim pra ser promovido.<br />

(afasta-se)<br />

MÉDICO<br />

Meus senhores, nos obriga o dever da profissão<br />

Coronel Moreira Cezar está sem condição<br />

por mim, médica por ele próprio comandado,<br />

por meu diagnóstico está condenado.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(sai a música de Monte Santo: Moreira desperta)<br />

75


Que fazem vocês aqui parados?<br />

Em frente, em marche-marche para seus comandados.<br />

MÉDICA<br />

O senhor teve um desmaio grave,<br />

como as crianças caiu de cansado.<br />

Não pode continuar no comando<br />

deve descansar, recuperar-se voltando.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(tirando o revólver)<br />

O senhore está presos. Desacato à autoridade.<br />

(para dois soldados)<br />

Encaminhe-o pra Queimadas.<br />

(os soldados não obedecem; para os soldados e oficiais comandantes perplexos)<br />

E vocês o que estão esperando?<br />

Estou é falando a vocês, moscas mortas, fico alérgico.<br />

(os soldados saem para prender a médica)<br />

Será que preciso chamar um delegado policial enérgico?<br />

Engenheiros militares,<br />

Vocês têm uma semana para reconhecer a paragem<br />

E quero fazer saber que a vocês escolho<br />

É por que não quero bases medidas a olho,<br />

Nem aos habitantes inquirições<br />

Nem erros de cinco graus como primor de medição.<br />

Urgente surdos-mudos,<br />

mil e tantas baionetas dentro de Canudos.<br />

(a tropa sai em marche-marche; passa uma semana, a tropa está<br />

cansada; os engenheiros fazem uma meia volta e recebem da contraregragem<br />

seu levantamento numa caderneta de campo)<br />

ENGENHEIROS MILITARES<br />

Comandante o levantamento feito aqui está para ser examinado.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(dá uma olhada de ponta cabeça, a tropa tenta conter o riso)<br />

É sem maior exame, aprovado.<br />

Vejo aqui escolhida a nova estrada.<br />

Contornando o Cambaio, pelo levante,<br />

É mais longa, mas mais vantajosa<br />

Evita a zona montanhosa.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Não é prudente<br />

Estabelecer linha de operações?<br />

Dois ou três pontos defensáveis,<br />

garantidos de guarnições?<br />

Que possam apoiar a resistência,<br />

no caso de um recuo, uma desistência?<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Não se cogita a mais passageira hipótese de um revés.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Temos quarenta quilômetros de areal<br />

A seca atinge o ponto maximal<br />

Água, muita água<br />

os combatentes precisam ir carregando<br />

as legiões romanas, Cezar, venciam os deserto se hidratando.<br />

ENGENHEIROS<br />

Levamos uma bomba artesiana.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Mas conhecem as camadas profundas desta terra?<br />

(entra o tema da água das Zabaneiras)<br />

ENGENHEIROS<br />

Ignoramos até a superfície onde nosso batalhão erra.<br />

CABO WANDERLEY<br />

Mas há entre as Zabaneiras<br />

rabdomantes marcadeiras<br />

com varinhas danadas<br />

sentem o ponto exato das camadas aguadas.<br />

76


MOREIRA CEZAR<br />

Marchar!<br />

SOLDADOS<br />

(a tropa sai em marche-marche e chega no deserto; contra-regras jogam areia pelos caminhos e nela soldados<br />

marcham sem sair do lugar)<br />

Marchemos para o desconhecido,<br />

veredas desfreqüentadas, nosso chefe enfrenta decidido<br />

subamos sem cantil<br />

varando do Itapicuru ao Vaza?Barril,<br />

É o divorcio das águas divortium aquarum,<br />

desmedido areal…<br />

Regato? Nenhum.<br />

(Música Eletrônica do deserto)<br />

Jornada longa, é certo<br />

150 quilômetros ilhados no deserto.<br />

(TAMBORES MILITARES; OS SOLDADOS COLOCAM-SE DO LADO OESTE<br />

PELA PISTA TODA; ENTRAM OS SERTANEJOS DO OUTRO LADO,<br />

TRAZENDO ROUPAS. DE REPENTE UMA VIRADA DE BATERIA E A MÚSICA<br />

SALTA DA DO EXÉRCITO PARA A INTRODUÇÃO DA MÚSICA DO<br />

ROMANCEIRO CANTADOR…)<br />

TOQUE DE CHAMADA<br />

(…E COMEÇA A TROCA DAS FARDAS PELOS<br />

TRAJES DE SERTÃO, COMO SE ABANDONASSEM O EXÉRCITO PELO<br />

SERTÃO. OS SERTAJEJOS AJUDAM A SE LIVRAR DAS FARDAS E VESTIR A<br />

ROUPA SERTANEJA, GUARDAM AS FARDAS EM SUAS MOCHILAS<br />

ENQUANTO OS CAVALOS-CONTRA-REGRAS, QUE DEVEM TER<br />

FERRADURAS NAS ROUPAS, RECOLHEM TUDO E LEVAM PARA O CAMARIM<br />

DO SUL.)<br />

ROMANCEIRO CANTADOR<br />

Em três semanas,<br />

CORO<br />

IÁ!<br />

ROMANCEIRO CANTADOR<br />

esquenta<br />

E o arraial,<br />

CORO<br />

IÁ!<br />

ROMANCEIRO CANTADOR<br />

aumenta<br />

De modo extraordinário,<br />

triunfando de repente<br />

ajuntando tanta gente<br />

contra os expedicionário.<br />

Aqui o povo não mente,<br />

mais deixa tudo mais quente<br />

as quantidades aumenta<br />

romanceia, argumenta<br />

cada episódio novela<br />

remendando<br />

vira lenda<br />

na emenda destrambela<br />

virando uma refazenda<br />

destrói a vacilação<br />

dos crentes desse sertão<br />

dos que temiam o mistério<br />

do primeiro falanstério<br />

do mundo desse sertão.<br />

CORO<br />

destrói a vacilação<br />

dos crentes desse sertão<br />

dos que temiam o mistério<br />

do primeiro falanstério<br />

do mundo desse sertão.<br />

Do Mundo Sertão!<br />

77


TIMOTINHO SINEIRO<br />

(badala o sino respondendo ao mundo chamando)<br />

CORO DE SERTANEJOS<br />

Venham <strong>luta</strong>dores, aventureiros<br />

Correndo o sertão inteiro<br />

dos Estados nordeste, do seu quintal<br />

surge a capital de um novo estado internacional<br />

CORIFÉIA<br />

Coração do mundo,<br />

CORO DE SERTANEJOS<br />

barriga da fome do capital!<br />

Jagunços do S. Francisco!<br />

Lavradores do MST!<br />

Cangaceiros do Cariris!<br />

Canhemboras<br />

Quilombolas do PCC!<br />

Ruski, Chechenos<br />

Calangos!<br />

Balaios! Armênios<br />

Israelitas<br />

Palestinos<br />

Vietnamistas<br />

Latinos Artistas<br />

Cabanos! Muçulmanos<br />

Cubanos Americanos<br />

Africanos<br />

Haitianos<br />

das entranhas religiosas de renegados<br />

no instinto da nova desordem irmanados.<br />

(Surge amanhecendo, camadas de gente vindas de todos os lados: os<br />

doentes; toda sorte de gente e o <strong>luta</strong>dor solitário)<br />

CORO DOS QUE ESTÃO CHEGANDO<br />

CORO DOS PEREGRINOS<br />

(suave, quase Wagneriano)<br />

Pelo alto das colinas,<br />

multidões peregrinas<br />

paragem lendária<br />

pra revolução agrária.<br />

Em redes, carregados, maltrapilhos, estropiados,<br />

ansiando risonhos<br />

pelos últimos sonhos.<br />

Moribundos<br />

nesse encontro de mundos.<br />

Lazarentos, aos milagres atentos<br />

Terroristas<br />

capitalistas<br />

cura imediata,<br />

(chega um executivo deprimido, engravatado, um terrorista desabotoa seu colarinho)<br />

no desfazer do nó da gravata<br />

CAPITALISTA<br />

Não sofro mais, do capital a dor<br />

Como todos, sou um poder criador<br />

CORO MASCULINO<br />

Vaqueiro crédulo frevoroso<br />

Irmanado a mangalaça do tinhoso<br />

MULHERES<br />

ingênuas mães de família amasiadas<br />

CORO<br />

à zabaneiras putadas sagradas.<br />

(Toque de gaita)<br />

SHANE O LUTADOR<br />

No coice dessa procissão<br />

estranho, sigo minha solidão<br />

samurai solteiro<br />

capanga à disposição<br />

78


procuro um teatro maior<br />

à minha índole pior<br />

(João Abade Abóia)<br />

impulsiva<br />

vadia<br />

valentia<br />

de <strong>luta</strong>dor<br />

que <strong>luta</strong><br />

pela <strong>luta</strong>.<br />

(entra Xaxado)<br />

JOÃO ABADE<br />

Comandante da rua.<br />

Recebo lua a lua<br />

recém-vindos,<br />

bem vindos<br />

não indago a procedência,<br />

nem se são gente de decência.<br />

São antigos conhecidos<br />

novos desconhecidos.<br />

Debaixo do cangaço:<br />

não rechaço<br />

(para o público)<br />

capanga de balas lotada?<br />

Polvarinho cheio à testada?<br />

Garrucha de dois canos à cinta atravessada?<br />

A parnaíba de corte fino?<br />

E o clavinote de boca-de-sino?<br />

(convida o público a entrar na Pista)<br />

Entrem pelo largo,<br />

Sem encargo<br />

Sou parelha na turbulência,<br />

tenho a mesma vossa ascendência<br />

argúcia rara, laivos de superioridade mental,<br />

vindas do estudo num liceu da capital do capital<br />

(breque)<br />

vivi o Inferno de Wall Street<br />

até o limite<br />

(o coro diz o nome de todas as moedas do mundo)<br />

Fugi no primeiro crime que pratiquei;<br />

alucinado numa jogada em que me endividei,<br />

minha noiva amada assassinei.<br />

(corre pra noiva e enterra a peixeira entre as pernas dela, enquanto a abraça)<br />

Agora num raio de cinco léguas,<br />

disciplino e domino sem tréguas<br />

trabalho aqui não sobra<br />

de Madrugada distribuímos a mão de obra<br />

braços pra trabalho<br />

e muitos abraços<br />

(abraça a noiva que agora é MATA HARI; esta dirige-se ao centro, cercada por sertanejos e ordena para o público e<br />

para alguns sertanejos)<br />

MANDRAGORA ZABANEIRA MATA HARI DO SERTÃO<br />

Piquetes vigilantes nesse zum zum zum<br />

vinte homens cada um,<br />

você, cabecilha de confiança,<br />

de Cocorobó a Ramalah, avança;<br />

(para alguém do público)<br />

pra Baixada ao alto da Favela de Gaza vocês,<br />

já se organizando<br />

render os que atravessaram a noite,<br />

velando.<br />

(para um grupo que gosta de Jardinagem e agricultura)<br />

Vocês ontem pagaram um a um<br />

o tributo do serviço comum;<br />

podem ir pras plantações.<br />

(para os construtores de catedrais)<br />

vocês para as obras da igreja<br />

pra volúpia das curvas impossíveis pra que veja.<br />

CABRA POMBEIRA<br />

Pombeiros em missões<br />

de discretos espiões<br />

(aponta zonas do público mais desligadas)<br />

indaguem delicados sobre os novos invasores,<br />

lembrem, autoridades nos espiam horrores<br />

79


contrabandeiem armamentos,<br />

sem tormentos,<br />

tudo espiando,<br />

tudo perguntado<br />

cautelosamente.<br />

JOÃO ABADE<br />

Pra ação<br />

(GRUPOS RUIDOSOS INDO AO TRABALHO, uns com picaretas furam os muros da Igreja Nova, outros espionam<br />

no meio do público cantando; outro grupo de foice e enxada prepara a terra e o Jardim; outros vão construir<br />

trincheiras. Todos tem que ter um trabalho específico que fazem ao som do Reggae)<br />

CANTO DO DESEJO DA PAZ<br />

COROS DOS TRABALHADORES TESUDOS<br />

Vão nos deixar em paz<br />

só queremos criar<br />

trepar<br />

e muito mais…<br />

Vão nos deixar em paz<br />

só queremos criar<br />

trepar<br />

e muito mais…<br />

E partimos bem trepados, felizes…<br />

caminhos entrelaçados, raízes…<br />

pequenos grupos ruidosos, ruidosos, ruidosos<br />

carregamos armas,<br />

carnosos,<br />

ferramentas de trabalho<br />

batucamos, batucamos, batucamos<br />

phoderosos<br />

massacres passados,<br />

esquecidos<br />

nos corpos eróticos<br />

acordem novos vagidos<br />

Vão nos deixar em paz<br />

só queremos criar<br />

trepar<br />

e muito mais…<br />

Vão nos deixar em paz<br />

só queremos criar<br />

trepar<br />

e muito mais…<br />

vão… na cidade e no sertão<br />

vão… na cidade e no sertão<br />

na cidade e no sertão<br />

CONSELHO DOS DOZE<br />

CORIFÉIA DIABA<br />

Pra que se deixar iludir,<br />

Pra que?<br />

Nesse ir e vir<br />

de ofícios,<br />

bons vícios…<br />

CORIFÉIA E CORO DA GUARDA CATÓLICA<br />

(chamado de retorno; nós todos os desligados, nos reagrupamos)<br />

Raízes<br />

disciplinem-se<br />

congreguem-se<br />

arregimentem-se<br />

prum objetivo único presente:<br />

reagir à invasão iminente.<br />

PAJEÚ<br />

A terra de alto a baixo e no meio<br />

é um modelo em cheio<br />

serrote empinado é redutos,<br />

rio escavado até o osso<br />

vira fosso<br />

80


Caatinga trançada<br />

É natural barricada<br />

CONSELHO DOS DOZE<br />

Sobre as terras altas<br />

(olham as estruturas do Oficina, onde apanham as enxadas e picaretas)<br />

nas passarelas bem acima em ribaltas<br />

rolando,<br />

carregando,<br />

pedras amontoando<br />

bocas no chão,<br />

no desvão ,<br />

a enxada é opereta<br />

da terra vem o aço<br />

ocupando todo o espaço<br />

ópera de picareta<br />

HOMENS MEXENDO NA TERRA<br />

ORQUESTRA DO ARSENAL ATIIVO<br />

OS TRINCHEIRAS<br />

(Em plano subterrâneo, estão trincheirando.)<br />

Cavidade<br />

o atirador vai se ocultar e dançar à vontade…<br />

Bordar de pedritas<br />

estragos dos sauditas<br />

rica pedraria<br />

pro cano da pontaria<br />

Tocas progredindo,<br />

regularmente intervaladas indo,<br />

para todos os rumos… rumos… rumos…<br />

crivadas na terra de bocas de fumo… fumo… fumo…<br />

no alto no baixo e no meio<br />

Canudos em rodeio, rodeando rodeio<br />

Anfiteatro de canhoneiras incontáveis<br />

público oculto, atiradores notáveis.<br />

G R Ã C I R C O C A N U D O S<br />

MUTÃZEIROS<br />

(Espaço aéreo; valsa do trapézio ou das evoluções que Zé Paiva, Largatixa e Daniel fazem, trapézios e cordas de<br />

circo)<br />

Arbustos mais altos, frondosos,<br />

galhos interiores, trançamos caprichosos<br />

sem desfazer a fronde,<br />

lugar de esconde esconde<br />

dois metros do chão,<br />

pequeno jirau suspenso, ascenso<br />

atiradores invisíveis nas folhagens<br />

engenharia avoenga vem no nosso gens<br />

Mutã indígena tocaia o jaguar<br />

palanque pra disparar!<br />

OS PIROS<br />

(pólvora e enxofre no chão)<br />

Temos carvão, oh<br />

temos o salitre<br />

arrancado à flor da<br />

terra mais pro norte<br />

e temos também cá,<br />

junto ao São Francisco<br />

sem dificuldades<br />

o enxofre no cisco.<br />

É só misturar na<br />

dosagem exata,<br />

Pilar, e o explosivo<br />

Surge aqui na lata.<br />

(fazem a mistura explosiva: Buuum)<br />

Descobrimos a pólvora!<br />

HOMEM CLAVINOTE<br />

(com um macacão e uma boca de palhaço onde pode entrar tudo)<br />

A minha goela de boca larga<br />

de bacamartes aceita a carga:<br />

seixos rolados,<br />

pregos enferrujados<br />

pontas de chifres mal amados<br />

81


cacos de garrafas de cachaça<br />

esquírolas de Pedras, caca, na raça<br />

(O homem bala devolve tudo atirando. Percussão de preparação no couro, que antecede o heavy metal)<br />

RITO DA INVENÇÃO DA BIGORNA<br />

(Ritual de escolha de um homem a ser sacrificado como Touro; ele é no chão colocado à força; o Bode aceita sua<br />

remoldação no corpo sem orgãos; as mulheres o beijam uma a uma, e ele se coroa com os cornos; sua cabeça<br />

bicorneada é esmagada, o sangue molha a terra do rito para construir a enorme bigorna rude: a mina é aberta no<br />

ventre da terra; o Malheiro espalha o sangue nas bocetas das mulheres da Pista. O ferro é arrancado batendo o<br />

Malheiro na terra, com o malho de pedra que esmagou o touro; fole fogo e o espaço físico que é o ferro vodu do<br />

Oficina, do nosso corpo, vai sendo desenterrado e depois malhado pra virar a cabeça do Deus Touro, que em uma<br />

Bigorna imensa é virado; Coro das Bigornas de Wagner; O CORO URRA DE FELICIDADE DA DESCOBERTA, os<br />

atores sintonizados, sentindo, dançam esse palco bigorna forjado:<br />

o corpo do ator reinventando-se é levado à bigorna pelo coro masculino: o Malheiro Molda com uma Malhada<br />

todos os seus chacras; colocam primeiro no palco da bigorna, sua cabeça com seus chacras-moleira, terceiro olho,<br />

nuca, garganta - moldados com o Malho; o Coro então o coloca com o Peito-Coração; depois com os Intestinos, a<br />

Barriga; a seguir o Baixo Ventre; por fim o ânus. Com todos os Chacras é malhados, o Bode Ator Canta e Renasce,<br />

jogando-se na Boceta da Primeira Sacerdotiza que encontra; então o Corro URRA O NASCIMENTO DO PRIMEIRO<br />

BIGORNEADO que SALTA ERGUENDO OS BRAÇOS PARA O ALTO E DISPARA NUMA CORRIDA PARA O CORPO<br />

SEM ORGÃOS, ao som dos “Anéís dos Niebelungos” de Wagner. A percussão a partir das facas enormes de uma<br />

Cega, dá o ritmo renovado nas batidas do malho na bigorna, entrando na Ferraria de Canudos)<br />

MALHEIRO<br />

(dá grito primal do heavymetal)<br />

UAUAUAUAAAAOOOOOO<br />

CORO DOS FERREIROS<br />

(responde malhando as estruturas de todo o espaço)<br />

O Arraial estruge<br />

nas forjas,<br />

a estridente orquestra<br />

das bigornas,<br />

à cadência dos malhos e marrões:<br />

maleando foices, enrijações,<br />

aguçando, aceirando ferrões sem corte;<br />

temperando lâminas de arrasto de morte,<br />

afiadas e compridas como espadas;<br />

retesando arcos nas malhadas,<br />

consertando a perra fecharia da espingarda<br />

vadia.<br />

(à capela)<br />

E nossos corpos no desembaço,<br />

tomados tomando todo espaço<br />

ares abrasantes<br />

Irrompendo ressoares metálicos histéricos<br />

irritantes<br />

(retomada com a banda)<br />

do arsenal ativo<br />

no heavy metal dos vivo<br />

Oficina Ozonando a Guerra Zona<br />

Uzynando a puta paz da Uzona<br />

(entra a Cabra, silêncio)<br />

CABRA POMBEIRA<br />

70 oficiais reluzentes<br />

1211 soldados fosco-pardecentes<br />

com 220 tiros nas patronas<br />

bolsonas<br />

mais 60 nos cargueiros<br />

300 000 tiros incerteiros<br />

4 canhões krupp<br />

2 metralhadoras cheias de truque<br />

e um comandante celebridade<br />

herói de quatorze batalhas efemeridade<br />

cortou mais de 180 cabeças nas terras grandes<br />

CORO<br />

é o cão<br />

CABRA POMBEIRA<br />

mostra até a glande<br />

Chamam de Cristo<br />

do Anti-Cristo<br />

SÍNCOPE<br />

(Imobilidade, atividade febril dos jagunços imobiliza-se na síncope de espanto)<br />

82


MANDRÀGORA CARMEM MARIA PADILHA<br />

É o Corta-cabeça…<br />

(A Cabra tem uma incorporação ataque epilético e recebe o santo demônio do Comandante)<br />

CABRA INCORPORADA<br />

Corto cabeça<br />

De quem mereça!<br />

Por onde passo<br />

O rei desfaço.<br />

(deita-se no chão como se desse o rabinho)<br />

O anticristo tem novo comandante<br />

O comandante é de menino amante<br />

Cavalgando pelo sertão<br />

Venho da terra grande<br />

E agora beijo a boca da escuridão<br />

HOMEM BALA DESERTOR<br />

(para o público)<br />

Eu vim por que diziam: aqui é o desbunde<br />

vale qualquer coisa, a cabeça funde<br />

só não rola grana<br />

conflitos, sexo bacana<br />

disciplina anárquica<br />

Báquica<br />

As fileiras devem ficar mais fortes agora, eu sei<br />

Mas eu vou desertar meu rei<br />

Foram tempos maravilhosos<br />

aprendi e passei momentos gloriosos<br />

Não levo nenhuma mágoa, coroa<br />

Mas é muito navio pra minha lagoa<br />

(em surto histérico)<br />

dias de tortura virão<br />

em todos os lugares devastação<br />

Canudos à bala a fogo, e a espada<br />

desmoronada<br />

Os piquetes dos arredores retornados<br />

chegarão de nós desfalcados,<br />

sinistros companheiros, é minha hora<br />

Desculpem, mas dessa estou for a.<br />

(mata Hari sai correndo atrás dele coma cabeça do Touro)<br />

BARNABÉ<br />

Cessa,<br />

de chofre,<br />

a vinda de peregrinos,<br />

cantando hinos.<br />

Os piquetes não passam contentes<br />

entoando rap e repentes.<br />

Pela moita,<br />

o pessoal do piquete pernoita<br />

vigilante…<br />

(os que farão soldados na próxima cena vão se retirando, como se fossem para seus trabalhos fora do arraial)<br />

NORBERTO CARIRI<br />

Há muito clima, tudo pesa<br />

Mas ao contrário que esse mito reza<br />

A expedição Corta Cabeça Moreira Cezar<br />

Um único objetivo empresa<br />

Dar de graça armamento moderno<br />

Municiar o nosso inferno!<br />

Sinto essa energia desse desvairado<br />

Vindo aqui pra fortalecer nosso lado.<br />

(O arraial está preparado para a <strong>luta</strong>; as Mandrágoras <strong>luta</strong>m com as forças da fetiçaria)<br />

MANDRÀGORAS<br />

Vem a noite<br />

Nós a legião da beataria corajosa,<br />

nesta situação perigosa<br />

vamos encantar os combatentes<br />

acendamos fogos ardentes<br />

prolongando além do tempo consagrado,<br />

Ritos, rezas, em todo espaço contagiado<br />

Ramas aromáticas de caçatinga<br />

Vindas de dentro do Santuário da caatinga<br />

(entra Conselheiro)<br />

83


ANTÔNIO CONSELHEIRO<br />

Irmãs, Irmãos-amantes amados<br />

Esse movimento de temor e deserção<br />

É movimento de seleção.<br />

Livra o arraial dos que tem que ser arrastados<br />

não sabem de si, quem são, são levados.<br />

A grande maioria dos verdadeiros desejantes<br />

permanecem como antes…<br />

O fluido que vem desse Corta Cabeça<br />

Está em nós, em quem mereça<br />

Pode ficar de pé ou de ponta cabeça<br />

Nada do humano ou transhumano<br />

Desconheçamos<br />

nem o sano nem o insano.<br />

Noite desce no mundo ao meios<br />

Enquanto o dia noutra metade se abre em cheio<br />

Repouse o arraial.<br />

Repousem as armas.<br />

Vamos esquecer alarmas<br />

Vamos sair em procisssão pelas terras<br />

Como nas secas, na seca das guerras,<br />

numa fuga bacante silente em longa meditação<br />

pelos descampados do nunca conhecido sertão.<br />

Voltemos, revemos como pela primeira vez outra ,nossa cidade,<br />

fé, defesa, armas, com a energia da tranqüilidade.<br />

(saem em uma caminhada em silêncio até em frente ao Teatro. Os Sertões descansam iluminados pela noite de<br />

pouca lua, entregues a si mesmos…)<br />

PARTIDA DE MONTE SANTO<br />

(Alvorada Militar. Os soldados, em Monte Santo, vão saindo das ruelas da cidade)<br />

CABO ORENANÇA WANDERLEY<br />

Corneteiro! Toque o meu toque bem ligeiro!<br />

(lendo a Ordem do dia, desenrolando um papiro.)<br />

Ordem do dia<br />

As tropas vão partir, amanhã, a 22 de fevereiro.<br />

TROPA<br />

Legal!<br />

CABO ORENANÇA WANDERLEY<br />

Hoje, véspera da partida, atenção<br />

um ensaio de formação<br />

na ordem de marcha,<br />

um esquentamento<br />

para avaliar-se homens, armas, equipamento.<br />

Coronel Moreira Cezar dará depois da revista o Comando<br />

”ensarilhar armas e debandar”<br />

(todos brincam de debanda, saem em desordem)<br />

Não me respeitam? Vou incorporar.<br />

(imitando Moreira Cezar, entortando as pernas etc…)<br />

Cavalgadura! Batráquio! Moscas mortas!<br />

A gente tem que ser Homem!<br />

Amanhã será dado “colunas marchar”<br />

(as crianças repreendem o Cabo; para as crianças)<br />

Meus Adorados!<br />

Sou criança também…<br />

(Moreira Cezar aparece, pega o Cabo imitando-o, este fica mais que sem graça, apavorado)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(aplaudindo)<br />

Muito bem, Cabo, sabe macaquear<br />

Mas chegou o diretor, vamos ensaiar.<br />

Sentido.<br />

(A Zabaneira catimbópzeira faz um trabalho de vodu com o boneco de pano de Moreira; ervas, pólvora, nos<br />

subterrâneos do Teatro, cheio de fumaça; ela ”comanda” Moreira Cezar, o faz mudar de idéia)<br />

COLUNA EM MARCHA!<br />

(Silêncio pesado. Todos aguardam a voz de ”ensarilhar armas” e debandar.)<br />

CABO WANDERLEY<br />

84


Não Coronel, essa ordem é de amanhã.<br />

A de hoje é ensarilhar armas e debandar!<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

(dando um berro nos ouvidos do Cabo Wanderley e do Corneteiro)<br />

COLUNA EM MARCHA!<br />

(O Corneteiro dá toque de “coluna em marcha, então o Coronel Moreira Cezar a galope toma a frente de todos e<br />

vai em frente. Silêncio constrangedor. Mas não há o mais leve murmúrio nas fileiras. Só a ação interior da surpresa<br />

mostrada em todos os olhares, se entreolhando sem entender nada. Ficam todos parados. Retumbam os tambores<br />

na vanguarda; vão se deslocando sucessivamente as seções, desfilando, adiante, a dois de fundo, ao penetrarem<br />

o caminho estreito; começa a abalar-se o trem da artilharia; e finalmente rodam comboios… desaparece ao longe,<br />

na última curva da estrada, a Terceira expedição contra Canudos. A catimbópzeira faz outra explosão silenciosa<br />

de pólvora seguida de sua gargalhada e o Coronel tem outro ataque epilético no meio da estrada de Cumbe, na<br />

escadaria nordeste.)<br />

DRª. MAUDSLEY<br />

(acode-o)<br />

É… vamos recolhê-lo na fazenda da Baronesa de Jeremoabo Andrômeda Magalhães da aristocracia Baiana.<br />

São gente muito fina<br />

e receptiva,<br />

ela é minha prima.<br />

(Wanderley e outro soldado , já levam o Cabo para Baixo)<br />

MARJOR CUNHA MATOS<br />

Mas ele odeia o que chama de oligarquias da Bahia<br />

Maior ódio que dos jagunços de Canudos, que defendem a monarquia!<br />

São os monarquistas que ele considera responsáveis<br />

por esta guerra demente.<br />

Drª. MAUDSLEY<br />

Ele nem sabe de si, está inconsciente<br />

TAMARINDO<br />

Fica aquartelada algumas horas,<br />

toda a força,<br />

até o Coronel restabelecer-se.<br />

Que todo mundo torça<br />

MARJOR CUNHA MATOS<br />

Não, segue uma vanguarda<br />

pro Cumbe, senão a expedição sucumbe.<br />

(Cunha Matos e Tamarindo enfrentam-se como galos de briga, se ameaçam e cada um vai pro seu lado; o Cel. Cezar<br />

chega à casa do Palácio da Baronesa)<br />

A BELA E A BESTA<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Onde estou?<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

(já fala algumas palavras de Tupy, veste o Cocar e Colares de Tupys)<br />

Barone nde rerekoaba pupé<br />

DIVINE<br />

Sob a proteção da Baronesa Coronel.<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

Voulez-vous un té de capim grosso?<br />

DIVINE<br />

O senhor aceita um chá de capim grosso?<br />

(o Coronel aceita, o Trio de Anjos o impedem de beber e ele joga a xícara no chão)<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Que estou fazendo aqui<br />

Na casa Grande de uma oligarca?<br />

TRIO DE ANJOS<br />

(cochichando)<br />

Está envenenado…<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Este chá pode estar envenenado…<br />

Parto imediatamente!<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

85


Ndʼerekatui emonã abá rerekóbo!<br />

DIVINE<br />

O senhor não pode classificar as pessoas dessa maneira!<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

Endé rasy,<br />

DIVINE<br />

Ele tá sofrendo,<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

vous avez besoin dʼun bon thé,<br />

pour vous reposer…<br />

DIVINE<br />

aceite um chá,<br />

pra repousar…<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Porque não fala a língua de nosso povo Madame?<br />

DIVINE<br />

A Baronesa,<br />

depois que os conselheiristas queimaram suas propriedades,<br />

não fala mais a língua portuguesa,<br />

só francês e a língua do nosso povo: O tupy.<br />

TRIO DE ANJOS<br />

Tupy?<br />

(cochichando)<br />

É uma espiã…<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

É por acaso uma espiã da Vendéia?<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

(traduzindo para Divine)<br />

Vendôme…<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Eu sou um Republicano e não aceito a monarquia,<br />

nem chá de véia!<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

(chorando, quase desmaiando)<br />

Conselheiro rekó rupinduara ossapy opá xe mbaʼe<br />

DIVINE<br />

De um lado, os conselheiristas queimam todas as suas propriedades,<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

De lʼautre, cette indélicatesse et ces gros<br />

mots de la part de mes égaux!<br />

DIVINE<br />

De outro, essa indelicadeza, estes palavrões grosseiros<br />

vindos da <strong>parte</strong> de um igual…<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

Xe posanongaba!<br />

DIVINE<br />

Seus medicamentos…<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

Mes nerfs brûlent avec mes reliques brúlées…<br />

et la brutalité de cette étrange figure de la Belle et la Bête…<br />

DIVINE<br />

Seus nervos queimam com suas relíquias queimadas…<br />

e a brutalidade deste estranho par…<br />

A Bela e a Besta!<br />

(Moreira Cezar tomado pela loucura da Baronesa, sai cortês, beija-lhe as mãos)<br />

TRIO DE ANJOS<br />

Besta é tu!<br />

86


Chá de véia!<br />

BARONESA DE JEREMOABO<br />

Brasil-poreausubara!<br />

DIVINE<br />

Pobre Brasil!<br />

SECA<br />

ORDENANÇA WANDERLEY<br />

Dia 26<br />

alcançamos o sítio de Cajazeiras,<br />

abalamos direto ao norte, Serra Branca<br />

Tudo o que eu quero é não morrer de secura<br />

A tropa esta exausta.<br />

sequiosa.<br />

Oito horas caminhando sem parar,<br />

em pleno arder do sol bravio do verão.<br />

Minhas veias em completa depleção esgotadas pelo suor,<br />

estou perdendo todo meu líquido.<br />

É o inferno! Não, é pior.<br />

(Vem a tabuleta “Serra Branca”; a Zabaneira rabdomante com sua varinha busca água, olha para Wanderley, se<br />

apaixonam, sentem água do amor; a Zabaneira inspirada localiza litros, muita água, debaixo da terra, a varinha<br />

fremente é magnetizada pelo subterrâneo; a luz faz ver o azul do subsolo dourado onde Oxum canta baixo.)<br />

ali, na profundura da cava,<br />

muitos litros dʼágua.<br />

CORO DA ENGENHARIA<br />

Vamos cavar com o tubo da bomba artesiana.<br />

(É um suspense e um aguardar angustiante)<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

Mas isso não é bate-estaca<br />

É um macaco de levantar pesos!<br />

TROPA<br />

Macaco?!<br />

(Todos quedam a ficar por ali perplexos semi desmaiados)<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

(Tirando o revólver)<br />

Não se intromete no que não lhe compete<br />

Como castigo por essa parada insana<br />

só há alvitrar-se partida imediata,<br />

malgrado a distância percorrida,<br />

para o sítio do Rosário,<br />

seis léguas mais longe<br />

Não acamparemos mais<br />

Não acamparemos mais<br />

(O corneteiro toca o toque de EM MARCHA; todos olham com ódio ao Cabo Wanderley e a Zabaneira que tenta<br />

acarinhá-lo. A tropa combalida abala, vem a noite, o brilho das estrelas; no chão entra um rendilhado de espinhos<br />

que côa a luz dos astros; obtem-se pela luz dos subterrrâneos o chão de martírios; a tropa caminha no mesmo lugar<br />

36 KM, sem folga, cambaleante, torturada de sede, homens acurvados sob as armas; os jagunços nas sombras<br />

começam a ladear a tropa. Tropear soturno das fileiras, tinidos das armas na calada do ermo, assonância ilhada no<br />

silêncio. A Respiração coletiva desenha a cena, minimalista. Os jagunços ladeiam a tropa, espionando. Zabaneiras<br />

exaustas, guardam um pouco do precioso líquido e passam nos lábios de Wanderley e de Tamarindo, escondidas do<br />

Coronel Moreira Cezar.<br />

Ninguém nem pensa nos sertanejos. Todos sonham em marche marche no pouso. Seguem entregues, mas afinal<br />

vão sendo parados pelo cansasço em plena estrada: alguns estropiados perdem-se distanciados à retaguarda, os<br />

mais robustos, como o Cabo, a custo caminham. Uma alta por si só, ou melhor, sob o comando do fim do fôlego<br />

humano. Houve-se somente a respiração ofegante final no silêncio até todos capotarem ritmicamente, caírem<br />

todos. O Cabo chora. Moreira vem feito uma múmia em seu cavalo que de repente pára. Todos caem e dormem. Os<br />

sertanejos entram, fazem uma fogueira acesa, muito próximos, deixando de propósito cabritos em pedaços grandes,<br />

deixam uma arma de fogo, outra de corte – um ferrão de vaqueiro, e fazem marcas de pés explícitas, esculpindo os<br />

pés na terra; <strong>parte</strong>m rindo quando o galo canta. O vídeo pega o cabo observando tudo, não dormiu. Mal saem os<br />

sertanejos, ele corre até os pedaços de cabrito e é seguido pela Rabdomante, enquanto os outros ainda dormem)<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

(para a Zabaneira)<br />

Estou proibido de falar<br />

mas os sertanejos passaram a noite aqui<br />

rodeando-nos<br />

invisíveis,<br />

87


velando por nosso sono.<br />

ZABANEIRA MATA HARI<br />

E não foi?<br />

(tira uma peixeira)<br />

Não vai soltar o bico<br />

(mostra a peixeira)<br />

Senão não vai levanta mais esse periquito<br />

Nós da zona sempre estamos do lado do freguês,<br />

pisa devagar<br />

é zona de inimigos de vocês.<br />

(ela come um pedaço do cabrito e passa a faca acariciando o pau dele; acorda a Zabaneira Cunanã)<br />

ZABANEIRA CUNANÃ<br />

Uma fogueira de chicanos<br />

pistola de dois canos<br />

ferrão de caboclo boiadeiro<br />

olha, impresso, um pé inteiro<br />

(os três voltam a se deitar; o Corneteiro toca a Alvorada)<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Estamos na barriga<br />

Inimiga.<br />

ZABANEIRA CARMEM<br />

Cuidado Coronel com a barriga<br />

Inimiga entra é nela, faz figa!<br />

GUIA JESUINO<br />

Zabaneira<br />

Rampeira<br />

Respeita o protocolo<br />

Te degolo.<br />

ZABANEIRA CARMEM<br />

Vai dar o cu na cruz<br />

Jesuíno Jesus<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Nesse último passeio<br />

Só não quero aperreio<br />

É bom parar de marchar<br />

Poupar forças pro recontro<br />

descansar<br />

GUIA JESUINO<br />

Parar com todo respeito, é pra otário<br />

Temos que agüentar até Rosário<br />

antes do meio-dia,<br />

meu terço lá me guia<br />

lá a água inunda,<br />

garganta profunda!<br />

(faz um aboio do mantra água)<br />

Senhora dos Afogados<br />

tira do mar com todo cuidado<br />

muita água pra esse lado<br />

cria tudo o incriado<br />

nʼágua venha, o abençoado!<br />

(A Tropa segue três passos e cai violento, um aguaceiro)<br />

Dilúvio Plúvio!<br />

Bebam! Bebam<br />

Recebam! Recebam!<br />

Água Santa de milagre!<br />

No sovaco do Teatro do inimigo<br />

Pari água meu umbigo!<br />

(trovoada fortíssima)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(A cavalo magistral, pronto ao combate)<br />

O inimigo ao furor dos elementos, entocaiado<br />

no fragor da trovoada<br />

Atacar!<br />

(outra trovoada fortíssima)<br />

LAMA<br />

(Corneteiro Toca o Atacar; a tropa e as zabaneiras correm e caem, resvalando no chão de lama; esbarram-se em<br />

88


carreiras cruzadas, a chuva cai, os oficiais e praças procuram a formatura impossível, surdos às discordes vozes de<br />

comando de Cunha Matos e Tamarindo, alinhando seções e companhias ao acaso, num tumulto. E Moreira Cezar<br />

rompe de arremesso as tentativas de fileiras e voa como um centauro isolado, sem ordenanças, precipitando-se a<br />

galope entre os soldados tontos, lançando-se pela estrada, na direção do inimigo).<br />

JOSE AMERICO CAMELO DE SOUSA VELHO CORONEL DA GUARDA NACIONAL<br />

Coronel Moreira Cezar,Ê!<br />

Calma, ê cavalinho, ê!<br />

Não corta minha cabeça, que cousa!<br />

Coronel da Guarda Nacional José Américo Camelo de Sousa!<br />

TROPA<br />

Camêlo!<br />

JOSE AMERICO CAMELO DE SOUSA VELHO CORONEL DA GUARDA NACIONAL<br />

Trago esse comboio, vem das minhas fazendas em Juetê,<br />

soldado precisa comer.<br />

(nem há tempo de festejar, quando vão comer famintos o comboio, o Coronel pressente outro ataque)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

O Inimigo!<br />

Tropa formar,<br />

Armas apontar…<br />

(O Exército imediatamente se prepara para o ataque, e entram os Meninos que haviam ficado em Queimadas. Susto<br />

seguido de alívio geral.)<br />

CORO DOS MENINOS<br />

Somos os meninos do rancho do Nunca<br />

Peter Pan ficamos em Queimadas<br />

Nós já não choramos mais,<br />

Ficamos corajosos<br />

Trouxemos o correio<br />

E os cavalos pro esquadrão<br />

Cavalos pro esquadrão…<br />

Vocês estão viajando com uns muares imprestáveis!<br />

Olhem nossos presentes.<br />

(viram de costas, mostram os rabos de cavalos)<br />

TROPA<br />

Huuummm!<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Que belos rabos!<br />

TROPA<br />

Uuuiiii!<br />

(os Meninos, ao som do TCHAN, trazem cavalos novos para Tamarindo, Cunha Matos, Pedreira Franco, Moreira<br />

Cezar, colocando os rabos.)<br />

TROPA<br />

Aaaiiii!<br />

MENINO SOLDADO DO CORREIO<br />

E o correio?<br />

Vocês esqueceram o correio?<br />

(Prelúdio de Villa-Lobos. Os nomes são ditos em voz alta, firme. Os meninos começam a distribuir cartas para todos;<br />

emoção e comoção na tropa recebendo notícias de amor, morte, tragédias, comédias…)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Tropa, vamos saudar o êxito das crianças<br />

da base de operações de Queimadas,<br />

e ao Coronel Camelo também!<br />

TROPA<br />

(recebendo o comboio)<br />

Viva!<br />

(Vão comer o comboio, mas são surpreendidos por um palavra nunca ouvida do Coronel)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Agora é festa!<br />

CORO GERAL<br />

Festa?!<br />

(Todos circundam o Coronel, agradecidos)<br />

O Coronel é bom<br />

O Coronel é um santo.<br />

O Coronel é nosso…<br />

89


Coronel é nosso Céu!<br />

O Coronel é nosso Cezar.<br />

Ave Cezar!<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Vamos comemorar, mas<br />

Vamos deitar cedo<br />

Principalmente vocês pimpolhos<br />

Devem estar exaustos<br />

(pega no colo um)<br />

Porque na madrugada do dia de hoje para amanhã: dia 2 de março<br />

os batalhões vão marchar em direção ao Angico<br />

(vinheta premonitória do Angico, do que está reservado a expedição)<br />

onde temos de chegar antes do meio dia<br />

(Vão se dispersar mas ouvem o canto de Jesuíno; a luz começa a cair, ficando forte no rosto de Jesuíno, até fim do<br />

canto dêle)<br />

GUIA JESUÍNO<br />

O Cansaço escreveu na minha trilha<br />

Meditarmos descansando nesta ilha<br />

acampamos no grande curral do Vigário<br />

Zona do inimigo Sanguinário<br />

Começo da fabricação do meu mau<br />

Vamos seguir o tempo e a rota<br />

que no meu coração tracei<br />

Meu fio no labirinto me leva onde eu passei,<br />

do ponto de onde cheguei<br />

E comecei outra vida torta<br />

vivida pra encontrar a vida morta.<br />

(A luz sai e fica somente na Cabana de Moreira no meio da Catinga; TELÕES: CORUJA CABANA DE MOREIRA<br />

CEZAR)<br />

REUNIÃO DE CONSELHO.<br />

(Sob a árvore iluminada, Estado Maior: Cel. Tamarindo, Major Cunha Matos, Capitão Salomão e Pedreira Franco.<br />

Cabo Wanderley é o escrivão)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Tomaram-se medidas assegurando esse nosso audacioso experimento!<br />

O território inimigo é nosso acampamento!<br />

CUNHA MATOS<br />

(fazendo uma dança)<br />

Estamos por piquetes rodeados<br />

Sentinelas circulando em girados<br />

O inimigo imitamos em aprendizados<br />

De segurar pro seis lados.<br />

céu, inferno, norte, sul, leste, oeste<br />

(TAMARINDO puxa aplausos, entra um Noturno Sagrado da Catinga, talvez com uns sons de bichos da noite, o lado<br />

Mosteiro)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Nessa caatinga quis me adentrar<br />

Um mosteiro brasileiro<br />

pra me reconsiderar<br />

(Silêncio)<br />

Meditemos Guerreiros<br />

meus meninos, meus anjos guardeiros.<br />

(Todos se põe na posição de meditação e fazem as paradas de respiração. Moreira canta como um Monge Tibetano<br />

do Sertão)<br />

Minha ânsia de chegar<br />

bicho alado sem paciência de pousar<br />

é mais forte que meu eu<br />

vem da entranha do corpo<br />

que era meu<br />

e a guerra fez seu.<br />

(muda-se o clima, para uma discussão objetiva; todos logo se sentam e vão ao que interessa, animados, rápidos,<br />

yang.)<br />

Mas outro ser<br />

concordo em obedecer<br />

vosso plano<br />

mais humano<br />

definitivo de rota,<br />

concebido com a intenção<br />

de cristão<br />

90


de poupar nossos homens da exaustão<br />

evita nossa derrota.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Recapitulando<br />

e fechando<br />

(Com os fios de uma bota, quepe e outras peças, que devem ser VISTAS PELA LUZ)<br />

1- A tropa pro Angico se abala dia 3<br />

anda oito quilômetros,<br />

se instala<br />

descansa, pernoitando como reis.<br />

Só decampam dia 4<br />

Légua e meia caminhando no Teatro,<br />

Aí cai direto com tudo<br />

Confluindo pra Canudos.<br />

CUNHA MATOS<br />

2- mas resguardos na investida,<br />

modificações nos são impostas<br />

na marcha que até então se aposta.<br />

Sugiro em duas a divisão<br />

da coluna unida até então,<br />

uma vanguarda forte pro reconhecimento<br />

pro combate primeiro<br />

entrando a outra na ação,<br />

como reforço na situação.<br />

Se poderosos os recursos do adversário,<br />

um recuo se faria necessário<br />

em ordem para Monte Santo,<br />

onde as forças entretanto,<br />

aumentadas, ensaiadas<br />

retomariam seu Encanto<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(dirigindo-se às crianças)<br />

Que pensam os anjos da guarda?<br />

CRIANÇAS<br />

A não pensar em nenhuma retirada.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Obrigado meus guias, meu menino Jesus<br />

No comando cada um de vós, de chefe pus<br />

(mudando de tom, para os Oficiais, com inédito respeito.)<br />

Não oculto a vós companheiros de história minha segurança abso<strong>luta</strong> na vitória.<br />

Escrivão, traga a ata desta sessão<br />

sobre ela, mãos<br />

vossos planos se cumprirão<br />

ESTADO MAIOR<br />

Está jurado, nesse grande momento.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Boa Noite fica assim nosso encerramento.<br />

(Luz vai saindo fica somente a vela que Moreira apaga com as crianças. Trevas. Toque de alvorecer traz de volta o<br />

dia; logo a seguir um “toque de Partida” para o Angico. Projeção enorme, dia 3 de março de 1897: ORDEM DO DIA<br />

IGUAL À PARTIDA DE MONTE SANTO)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Porra!<br />

CUNHA MATOS<br />

(para Tamarindo mostrando a Ordem do dia Projetada no Placar)<br />

A ordem do dia é a mesma da partida anterior,<br />

nada refere ao juramento ontem feito com tanto ardor.<br />

TROPA<br />

Cezar negou tudo o que juramentou.<br />

Nosso plano tão humano, definitivo de rora, micou.<br />

CRIANÇAS<br />

Cezar acertou!<br />

CRIANÇA ADORADA<br />

Ave Cezar!<br />

91


TROPA<br />

Ave!<br />

(a tropa se põe a Marchar, contrariada)<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

Natureza imóvel depois do orgasmo<br />

caída num grande espasmo,<br />

sem uma flor, uma ramagem,<br />

sem um bater de asas na paisagem.<br />

Coluna em marcha, um fio estirado<br />

não foi assim combinado,<br />

linha de três quilômetros desenhado?!<br />

Com um longo arriscado risco fino<br />

tortuoso negro desdobrado intestino?!<br />

Entra em mim um mau destino?<br />

Os chefes se olham nada falam, desatino!<br />

Dia 3 de março<br />

porque disfarço<br />

sinto de novo o breu<br />

Não, passou, sou de novo eu.<br />

(no ritmo do marchando, vai nascendo um evoé de quem vai ficando excitado, como quase glossolalias que vão virar<br />

a canção da psicologia do soldado, que o Cabo por enquanto fala-sola)<br />

TAITÁ DO EXERCITO<br />

PSICOLOGIA DO SOLDADO BRASILEIRO<br />

SE EU VOLTAR!<br />

SOLO<br />

Quanto mais aproxima o inimigo<br />

Mais alegria explode do meu exército amigo<br />

Me coça, me estroça, me faz cantar.<br />

CORO DE SOLDADOS<br />

(para o Público até das últimas galerias)<br />

Lances perigosos, emoção de morrer de matar<br />

o planeta agora vive a passar<br />

mundos, misturados, fim de todas as raças<br />

instintos guerreiros em alta nas praças,<br />

imprevidência selvagem,<br />

inconsciência, sabotagem<br />

desapego à vida, à sorte<br />

arremesso fatalista pra morte.<br />

(dá uns passos como seguisse para a Batalha)<br />

Sigo para batalha, turbulento folguedo.<br />

Insuportável é a paz, me relaxa, me da medo.<br />

(Coreografam-se como num parada Militar de Avenida)<br />

Inclassificável nas paradas de rua<br />

passo sem garbo, como quem já recua,<br />

mole de carne e de bunda<br />

sob a espingarda corcunda.<br />

(Para o Desfile, ainda em Forma)<br />

A guerra é melhor meio de instrução, decreto<br />

inimigo, meu instrutor predileto,<br />

transmuda-me,<br />

(Transmuda-se o desfile de Quasímodos em Hercules Titãs, excitados com a proximidade do inimigo)<br />

na virada de um dia,<br />

enrijam-me,<br />

exercícios de cansar,<br />

energia!<br />

Na marcha do combate,<br />

o que nunca tivemos nas capitais,<br />

o arrebate<br />

altivez do porte,<br />

segurança do passo<br />

sem medo da morte,<br />

precisão do tiro,<br />

celeridade das cargas<br />

sem sucumbir nas provações mais amargas.<br />

(Caminhada suingada)<br />

Ninguém me imita, desafio,<br />

no caminhar dias a fio…<br />

(como Chacrinha, e o dedo de Renée corografando a boca)<br />

não bosquejo reclamações,<br />

nem as mais leves<br />

nas aperturas<br />

que nunca são breves<br />

92


Quem me parelha no resistir à fome?<br />

Ainda rindo,<br />

rebolando o abdome?<br />

Meto(fôdo)<br />

no delírio do martírio<br />

Troçar<br />

joça mais séria<br />

gozo<br />

na riqueza da miséria.<br />

Do combate, rir…<br />

quem é capaz de entrar<br />

e sair?<br />

(marchando como os Feldmarechais Prussianos, não americanos)<br />

O prussiano na vitória ou na derrota<br />

cu-de-ferro, podômetro preso à bota.<br />

(transmuda-se em garotão arruaceiro)<br />

Sou desordenado,<br />

revoltado<br />

garoto heróico,<br />

terrível,<br />

necessário<br />

arrojando contra<br />

o adversário,<br />

(breque)<br />

com bala, pranchada, dou de lambuja<br />

piada é o que sai da minha boca suja.<br />

(coloca-se em massa de Machotauro)<br />

Sou impróprio aos desdobramentos<br />

das grandes massas nas campanhas clássicas<br />

e nos grandes eventos!<br />

SOLDADO<br />

Manieta-me formatura correta.<br />

SOLDADO<br />

Estonteia-me manobra complexa.<br />

SOLDADO<br />

Tortura-me obrigação de combater restrito<br />

à corneta de ritmo careta sem mito.<br />

CABO VIADO<br />

Obedeço por prazer estratégias rebolantes,<br />

sigo, impassível, para os pontos preocupantes.<br />

SOLDADOS<br />

Quando o inimigo me chega à ponta da espada<br />

quero combater na minha jogada.<br />

Sem rancor, fanfarrão,<br />

entre balas e cutiladas,<br />

arriscando-me a loucura<br />

barateando a bravura.<br />

(mudança brusca de ritmo, todos olham pra Moreira no Centro)<br />

Faço tudo porém,<br />

de olhos fixos em quem me quer bem<br />

quem me dirige<br />

a energia dele viva me exige.<br />

Mas à mínima vacilação do diretor<br />

Viro de pronto só dor<br />

minha ousadia extinta<br />

sou um ser perdido, sinta,<br />

caio num abatimento instantâneo<br />

salteado de invencível desânimo<br />

Mas hoje, agora: tudo vaticina vitória<br />

Com tal chefe?<br />

como cogitar reveses nessa história?<br />

Firmes para a frente,<br />

impacientes<br />

ter às mãos o adversário esquivo,<br />

vender a pele do urso sertanejo vivo,<br />

cenas jocotrágicas, antológicas<br />

dentro das taperas mitológicas<br />

varrendo a tiro o santuário<br />

salafrário.<br />

93


Quando eu voltar…<br />

ninguém vai acreditar<br />

vou virar<br />

de guerra herói<br />

minha vida como dói!<br />

Burburinhos, evoés<br />

sulcados por ondas risadas em ré ré<br />

mal contidos da ralé<br />

(Todos em torno do Piano)<br />

Quando eu voltar…<br />

ninguém vai acreditar<br />

vou virar<br />

de guerra herói<br />

minha vida como dói!<br />

Burburinhos, evoés<br />

sulcados por ondas risadas em ré ré<br />

mal contidos da ralé.<br />

(A Tropa se põe em formação entusiasmada)<br />

CABO ORDENANÇA WANDERLEY<br />

Manhã resplandecente<br />

Alente<br />

firmamento dos sertões arqueia<br />

sobre nós irisado vagueia<br />

do zênite azul rente<br />

à púrpura em diagonal do oriente.<br />

Porque nos deixam assim livre, natureza e adversário,<br />

o caminho de céu lindo do santuário?<br />

É cilada? Não pior, é ameaça, desafio,<br />

Topar o arraial dos sediciosos, vazio!<br />

(A TROPA TODA PÁRA)<br />

TAMARINDO<br />

Pra mim o desapontamento vem a calhar<br />

Esta Guerra é meu ultimo passeio militar<br />

(TROPA VAIA, Corneteiro avança até o Centro)<br />

CORNETEIRO<br />

Se eu não disparo um só cartucho…<br />

No meu bucho, agora, aqui,<br />

pratico haraquiri.<br />

TROPA<br />

Haraquiri!<br />

ORDENAÇA CABO WANDERLEY<br />

Dia três<br />

morro nesse numero de vez?<br />

ou sobro pro dia quatro<br />

pra atuar no amphiteatro…<br />

GUIA JESUÍNO<br />

(riscando o chão sem desperdiçar água; quer dizer, sem água, conforme o que fala, desenha um arco que cria a<br />

visão da vila de Pitombas sendo entrada pela flecha da expedição)<br />

Pitombas<br />

O rio, o caminho e a tropa são a corda<br />

A tropa é a flecha do ribeirão que borda<br />

a estrada<br />

ora a transborda<br />

serpenteia<br />

deixa a estrada<br />

arquea-se<br />

em longa volta,<br />

pra Pitombas a flecha se solta.<br />

(arremessam-se em flexa)<br />

PRIMEIRO ENCONTRO<br />

(Chegam em Pitombas, a vanguarda atingiu o meio, estoura uma descarga de meia dúzia de tiros)<br />

SOLDADOS<br />

(em festa, agradecidos)<br />

É o inimigo afinal!<br />

(um piquete de sertanejos rondando ou ali aguardando aproveita o terreno para um ataque instantâneo; cai um<br />

soldado ferido - o Cabo Ordenança Wanderley além de seis a sete soldados. Fogem a tempo de escapar à réplica,<br />

que foi pronta).<br />

94


CAPITÃO SALOMÃO<br />

Coiterar os canhões<br />

explodir no matagal.<br />

(Varre, como um vento. Cunha Matos e ala direita do 7° lançam-se na direção do inimigo, atufando-se nas macegas,<br />

a marche-marche, roçando-as a baioneta. O inimigo foge e a ala retorna à linha da coluna. Aclamações. O Corneteiro<br />

toca o antigo toque de “trindades”, agora o sinal da vitória, em vibrações altíssimas; Moreira Cezar abraça, num lance<br />

de alegria sincera, Cunha Matos que dera aquele repelão valente no antagonista)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Recontro pantagruélico<br />

É quase para lastimar<br />

tanto aparelho bélico,<br />

tanta gente, pra <strong>luta</strong>r<br />

tão luxuosa encenação<br />

pra meia dúzia de disparação…<br />

(para o Médico)<br />

E os feridos em estado grave?<br />

MÉDICO<br />

São somente feridos de feridas localizadas<br />

já foram desinfetadas.<br />

Já o Cabo Wanderley<br />

Escapou por um triz<br />

O tiro pasou-lhe rente ao nariz<br />

(todos riem)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

O Inimigo até adivinhou, foi castigado<br />

Nariz não se mete onde não é chamado.<br />

ORDENAÇA CABO WANDERLEY<br />

Ao Contrário. Ficou com o faro mais apurado.<br />

CAPITÃO SALOMÃO<br />

Nossos despojos da nau:<br />

uma pica-pau,<br />

cano finíssimo, leve espingarda<br />

Cuidado, está carregada.<br />

(passa para o Coronel Moreira que está a cavalo, e dispara-a para o ar. Um tiro insignificante)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(tranqüilo)<br />

Esta gente está desarmada<br />

A CRIANÇA ADORADA<br />

Não viu o cabo, coitadinho<br />

não mata nem passarinho.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Seja a marcha, rápida reatada<br />

agora, a passos acelerados<br />

(olhando os feridos)<br />

fiquem em Pitombas<br />

médicos, cuidem destas “bombas”<br />

sob a proteção<br />

dum resto de cavalaria<br />

contingente policial da base dessa freguesia.<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

Sigo com a tropa e protejo o Corpo Meretriz<br />

(O Corpo Meretriz forma-se atras dêle)<br />

Está de palhaço agora o meu nariz.<br />

(Todos debocham, os combatentes <strong>parte</strong>m céleres; batem o caminho e embrenham-se no meio do público-catingas<br />

rastreando os espias que acaso por ali houvesse)<br />

SOLDADOS<br />

Tropa marche-marche, abso<strong>luta</strong><br />

Na atração irreprimível da <strong>luta</strong>,<br />

ebriez mental deliciosa, estonteia balanceia<br />

entre a força heroificada<br />

e a brutalidade<br />

li-be-ra-da!!!!!!!!<br />

Num exército que persegue há<br />

o mesmo automatismo impulsivo<br />

do que foge espavorido<br />

95


O pânico, a bravura poema,<br />

o extremo pavor, e a audácia extrema,<br />

a mesma vertigem, a mesma nevrose<br />

estimulam, alucinam em idêntica dose<br />

o homem que foge à morte<br />

e o homem que quer matar.<br />

O exército antes de tudo é,<br />

uma multidão<br />

um evoé<br />

basta uma centelha de paixão<br />

súbita mutação<br />

espontânea geração<br />

milhares de indivíduos diversos<br />

se fazem animal único perverso<br />

fera anônima monstruosa<br />

caminhando para dado objetivo<br />

no tempo imperativo<br />

OFICIAIS CAUTELOSOS<br />

Somente um chefe de fortaleza moral<br />

pode impor no tumulto outro ritual<br />

estrategistas farejam no instinto:<br />

primeira vitória: o contágio emocional extinto<br />

(Música de Exércitos de Robots)<br />

Um plano de guerra riscado a compasso<br />

exige almas inertes, nervos de aço<br />

máquinas de matar encarrilhadas<br />

nas linhas projetadas<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Ideal sinistro de ação<br />

ao invés de reprimir a agitação<br />

quero mais é a emoção,<br />

a osmose<br />

Declaro-me expoente da paixão.<br />

Da nevrose!<br />

CUNHA MATOS<br />

Breque,<br />

o momento é chegado<br />

Angico,<br />

(Voz Premonitória)<br />

angelito tan esperado<br />

Estatuído está<br />

Vamos repousar<br />

Decampamos amanhã de manhã<br />

Caiamos sobre Canudos Titãs!<br />

TROPA<br />

Titãs!!<br />

CUNHA MATOS<br />

Descansar!<br />

(os soldados começam a desmobilização, Moreira interrompe)<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Meus camaradas!<br />

Como sabem, estou visivelmente enfermo.<br />

Há muitos dias não me alimento; mas Canudos está muito perto. Vamos tomá-lo!<br />

Já chegaram os idos de março!<br />

CABO ORDENAÇA WALDERLEY<br />

Terceiro dia ainda não ido de Março<br />

Amado Cezar, não vá para Canudos!<br />

(Medo excitado hesitante na tropa, Moreira fala bem alto)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Vamos almoçar em Canudos!<br />

(Responde-lhe uma ovação da soldadesca. A marcha prossegue. Na direção de Canudos, um rápido fogo de<br />

conselho de guerrilha)<br />

JOÃO ABADE<br />

Vamos atrair a tropa pra nossa arapuca<br />

Somos agora seus guias nessa sinuca<br />

raros,<br />

96


nos disparos<br />

tiros espaçados,<br />

de adversários<br />

apavorados<br />

em fuga.<br />

Estratégia animal,<br />

Arrebatar a tropa até ao arraial<br />

combalida, exáustica, língua de fora<br />

de uma marcha de seis horas…<br />

(somem nas trincheiras e mutãs, enquanto o exército continua a marcha)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Em acelerado!<br />

Praças!<br />

Fora:<br />

Mochilas,<br />

Bornais,<br />

Cantis<br />

(ligeira confusão, Moreira rege como um maestro)<br />

Sem perder o andamento!<br />

Fora! Todas as peças do equipamento,<br />

Mas não cartuchos, armamentos,<br />

à retaguarda a cavalaria,<br />

vai recolhendo essas porcarias.<br />

(João Abade põe em prática seu plano animal de atração da tropa.)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Alto!<br />

(Todos param ofegantes. Silêncio onde se ouve só a respiração dos homens e dos cavalos)<br />

GUIA JESUINO<br />

(aponta, tirando o gesto do olho do coração)<br />

A Luz dos meus olhos em projeção<br />

Ilumina o arraial nesta direção<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Capitão Da Rocha Salomão, no rumo indicado<br />

gradue a alça de mira e aponte o canhão<br />

pra três quilômetros de extensão.<br />

(quase jovial, com o humorismo superior de um forte)<br />

Lance tiro certeiro<br />

Lá se vão dois cartões de visita ao Conselheiro…<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Fogo!<br />

(A frase passa como um frêmito entre as fileiras. Máquina de Fumaça. Aclamações. ENTRA TRILHA BOMBÁSTICA<br />

DA INVESTIDA ATÉ O MORRO DA FAVELA. OS CAVALOS DA CONTRA-REGRAGEM TRAZENDO FERRADURAS<br />

GRANDES NOS MACACÕES, ABREM O FOSSO QUE VIRA VAZA-BARRÍS. Renova-se a investida febrilmente; o<br />

sol dardeja à prumo. Os Batalhões abalam dentro de uma nuvem pesada e quente de poeira;<br />

De súbito, estacam - A TRILHA TRANSMUDA-SE, VÊ O SERTÃO, OUVE O SERTÃO - surpreendendo-se com a<br />

vista de Canudos do alto da Favela; na pista a planta baixa é trazida por um tapete arquitetônico de cor contrastante<br />

com a terra, no corpo das Mulheres nuas, marcando casas, ruas, e becos; Luz no Sino Alteado e Potente, com os<br />

badalos bem iluminados; nas Torres Gêmeas da Igreja Nova, talvez Mutãs)<br />

OFICIAIS EM CORO<br />

Tróia de Taipa!<br />

Tapera Imensa!<br />

Existe! Viva!<br />

Mítica! Monolítica!<br />

Ah! Nossa Geopolítica!<br />

TEN PIRES FERREIRA<br />

As expedições anteriores não conseguiram te alcançar<br />

TROPA<br />

Está aqui, na nossa frente, a nos chamar.<br />

Rugas da Terra: milhares de casebres, desenterra<br />

As duas igrejas nítidas<br />

a do Sino<br />

(olham à direita)<br />

e a nova!<br />

(olham à esquerda)<br />

Montanhas arquibancadas rebolando em curvas de nível<br />

97


Incrível<br />

No fastígio da montanhosa platéia<br />

nós, protagonistas no dia da estréia!<br />

Triple Merde!<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Fogo!<br />

(DESCE A CORTINA DO CAMAROTE DE MOREIRA CESAR, os soldados da artilharia mandam ver em metralha<br />

violenta pela direita. Abrem o canhoneiro disparando todos a um tempo em tiros mergulhantes. Simultaneamente às<br />

cargas dos tiros, uma primeira fumaça de pólvora, de incenso e de gelo seco, compacta, nuvem de poeira e de fumo,<br />

cobrindo tudo. Mal se vê qualquer coisa)<br />

ELETRIC SOUND<br />

(O troar solene da artilharia estruge os ares; reboa longamente por todo o âmbito desses ermos, na assonância<br />

ensurdecedora dos ecos refluídos das montanhas… Timóteo bate o sino da igreja velha, toque de chamar os fiéis<br />

pra a batalha. O arraial começa a ser visto pelos claros do fumo como uma colméia alarmada: passam correndo,<br />

carregando ou arrastando pelo braço crianças, as últimas mulheres, na direção da latada, procurando o anteparo dos<br />

muros da igreja nova. Grupos inúmeros, dispersos, rompem do alto das estruturas, sopesam as armas, dos becos;<br />

saltam do alto.)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(para as 3 crianças adoradas como se estivesse num camarote de teatro, cochichando)<br />

Bravura dos soldados<br />

competência dos oficiais empenhados<br />

tudo isso é nada<br />

diante o tremor e o terror<br />

da caipirada<br />

apavorada<br />

em fuga de horrores<br />

colhida por nossas Krupps,<br />

meus armores.<br />

(as crianças morrem de rir e o Major também. Por fim emudece o sino que tocou todo tempo sem parar em várias<br />

linguagens e ritmos)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(quase sussurrando de prazer e intensidade)<br />

Vamos tomar o arraial sem disparar mais um tiro!… À baioneta!<br />

(Silêncio absoluto. OUVE-SE O MONTAR DAS BAIONETAS. A força começa a descer, estirada pelas laterais,<br />

diferenciadas; uma <strong>parte</strong>, a esquerda, pelas estruturas, a outra pela direita, plana. A LUZ RESSALTA AS BAIONETAS<br />

DESLUMBRANDO NUM IRRADIAR ESPELHADO, DIANTE DO ESPELHO COMO SE FOSSEM CENTENAS. No<br />

Placar da Projeção: uma hora da tarde. Biombo, feito de uma réplica da Capa de Os Sertões é incendiado, um<br />

Soldado ateia o primeiro incêndio…<br />

A infantaria vem descendo estremada à direita pelo 7°, que vai tendendo para o Vaza-Barris e à esquerda pelos 9º<br />

e 16° com muita dificuldade em terreno impróprio. A artilharia no centro, sobre o último esporão do Morro da Favela<br />

fronteiro e de nível com o teto da Igreja Nova, faz-se o eixo desta tenalha prestes a fechar-se, apertando os flancos<br />

do arraial.)<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

FOGO!<br />

SOLDADOS<br />

(gritam dos dois lados: esquerdo e direito e ainda olham para cima, para os canhões)<br />

Para! Estamos nos matando, porra!<br />

Fogo amigo?!<br />

Deixa de olhar pro umbigo.<br />

Olha, o inimigo está lá esculhambando!<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Por Alá!<br />

Nem a Igreja<br />

nem o povoado,<br />

a artilharia pode bombardear<br />

fora eu não há outro técnico que veja?<br />

ARTILHEIRO<br />

Tá na cara desde o primeiro minuto da peleja<br />

caralho de Plano Militar de Português!<br />

Estamos a atirar no próprio freguês!<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Não podemos fazer nada,<br />

vamos cruzar os braços assistir a palhaçada<br />

98


(Forma-se sob o Comando de Cunha Matos uma coluna estirada em Chorus line; os sertanejos a parodiam e formam<br />

outra coluna; parece que vai haver confronto.)<br />

CUNHA MATOS<br />

Tropa Preparar!<br />

Apontar!<br />

(Os sertanejos dispersam-se rindo, deixando os Miltares perplexos; estes então começam a penetrar na cidadela,<br />

com algumas sertanejas fazendo uma dança negaceante de atração)<br />

CIDADELA-MUNDÉU<br />

(IGREJA VELHA:<br />

Vibra de novo o sino da igreja velha… uma fuzilaria intensa irrompe das paredes e tetos das vivendas mais próximas<br />

ao rio<br />

IGREJA NOVA:<br />

estrondam, numa explosão única, os bacamartes dos guerrilheiros adensados dentro da igreja nova.<br />

TROPA:<br />

Ressoam os toques das CORNETAS de todos os corpos<br />

DIREITA<br />

O 7° Favorecido pelo terreno:<br />

um Soldado do 7° Batalhão marcha em acelerado, sob uma saraivada de chumbo e seixos rolados, até à borda do<br />

rio.<br />

Vinga a barranca oposta, e entra na praça, ali mesmo tomba, engolido pelo Vaza-Barrís, rola na água, arrastado pela<br />

corrente, que se listra de sangue, vomitada pela personagem Vaza-Barrís que se mancha de vermelho.<br />

A maioria avança, batida dos lados e de frente pelos sertanejos…<br />

ESQUERDA<br />

O 9°:<br />

Uma ala do 9º na extrema esquerda, com o Coronel Tamarindo escondendo-se entre os soldados, E vencendo as<br />

dificuldades da marcha toda tropeçada, toma posição à retaguarda da igreja nova<br />

CENTRO<br />

O 16° e a ala direita do 7°:<br />

Investem pelo centro, num avançar temerário.<br />

O Combate não tem evolução ou movimento combinado,<br />

nada que revele a presença de um chefe)<br />

O EXÉRCITO FRACIONA-SE<br />

(LUZ SAI e depois vai acompanhar com pimbins, os Sertanejos povoando Canudos com Edições grandes, como<br />

pequenas casas, como um livro aberto em Biombo de duas Capas. A Luz vai para Focos específicos, onde estão as<br />

quinas dos livros)<br />

PLANOS APROXIMADOS<br />

LABIRINTO DE TODA A PLANTA BAIXA DO ARRAIAL<br />

(TABULEIRO DE DUAS CORES DE XADRÊS – LIVROS VERMELHOS, CHÃO PRATEADO, CAPA LETRAS<br />

PRATA)<br />

COROGRAFIA DA CAÇA LEVANDO O CAÇADOR PARA ARMADILHA<br />

(PRÓLOGO: INCÊNDIO)<br />

PERSEGUIÇÃO<br />

(A luz foca um combatente isolado; do alto se tem o espetáculo estranho de um entocamento de batalhões,<br />

afundando, de súbito,<br />

no casario indistinto.<br />

LUZ:<br />

FOCO QUADRADO CASA, como se fosse de casa em casa<br />

FOCO 1<br />

UMA CASA<br />

UM SOLDADO:<br />

Escancara com um coice de arma uma porta do subterrâneo, a casa está vazia.<br />

FOCO 2<br />

UM SOLDADO:<br />

Invade outra casa<br />

SERTANEJO:<br />

Entocaiado na casa, enforca o soldado.<br />

SOLDADOS PRÓXIMOS:<br />

Acodem num pugilato corpo a corpo, bruto, até que os soldados, mais numerosos, transpõe o portal estreito do<br />

99


casebre.<br />

SERTANEJO:<br />

Lá dentro, num recanto escuro, o morador repelido descarrega em cima o último tiro e foge.<br />

FOCO 3<br />

SOLDADO:<br />

Invade outro casebre ao lado<br />

SERTANEJO:<br />

Defende tenazmente o lar paupérrimo. E revida, sozinho contra a matula vitoriosa, com a qual se afoita; repele-as à<br />

faca; a tiro; a foiçadas; com o aguilhão; com os trastes miseráveis; lança sua mulher como bomba; arroja-se afinal,<br />

ele próprio, resfolegando, procurando estrangular o primeiro que lhe cai entre os braços<br />

MULHERES:<br />

Em torno mulheres desatinadas atacam os grupos em <strong>luta</strong> suja, pelo saco, pelos cús em gritos de fúrias<br />

SERTANEJO:<br />

O sertanejo <strong>luta</strong>dor temerário rola pelos cantos, até baquear no chão, cosido à baioneta ou esmoído a coronhadas,<br />

pisado sob o rompão dos coturnos; sua mulher é morta com um tiro.<br />

MULHERES:<br />

Continuam <strong>luta</strong>ndo até quase desnudar os soldados<br />

SOLDADOS:<br />

Atormentados em fuga, com a gritaria das bacas<br />

FOCO 4: MÓVEL<br />

TENENTE PIRES FERREIRA:<br />

perneta, aparece correndo atrás de um sertanejo em fuga, quando chega ao Beco, um magote de sertanejos de<br />

súbito desembocando duma esquina o cerca; ele estaca atônito, mal dando tempo para uma pontaria mal feita e<br />

uma descarga; foge.<br />

(O CORO DAS MULHERES ENTRA COM O ENORME PARANGOLÉ DE CIDADELA:<br />

ARMADILHA EM FORMA DE UMA REDE TRAMADA DE BIOMBOS)<br />

MANDRÁGORAS CIDADELA<br />

(As Mandrágoras estão nuas, com a planta de cidade cobrindo sua nudez, de pernas abertas, centrando o Parangolé<br />

Cidade)<br />

CORO<br />

Entretecuzadas de mil de bécos<br />

Ruelas de menos de dois métros,<br />

muros de taipa, frágil donzela,<br />

sou Canudos fortíssima cidadela<br />

Agressores destruam-me aos coices!<br />

quebrem minhas foices!<br />

abatam-me as paredes!<br />

minhas redes!<br />

meus tetos de barro!<br />

varem-me com seus carros!<br />

Sou inconsistente, flexível, traiçoeira,<br />

fácil me penetrar,<br />

bater,<br />

varrer<br />

me dominar<br />

dificílimo me deixar.<br />

(o soldados amedrontados mas sedentos, não se atrevem, não se aproximam)<br />

SOLO<br />

Te atraio oh assalto,<br />

vêm oh ímpeto das cargas do asfalto<br />

invasores do alto,<br />

nas minhas vielas contorcidas<br />

nas minhas entranhas descontraídas.<br />

SERTANEJOS<br />

Na história sombria das cidades batidas,<br />

humílimo vilarejo surjo em Majestade<br />

num lampejo de trágica originalidade.<br />

Intacto sou fragílimo, domável<br />

feito escombros - formidável.<br />

Rendo-me para vencer, vencido<br />

ao conquistador surpreendido<br />

100


apareço na retina<br />

inexpugnável e em ruína.<br />

(os soldados do exército se encorajam e aproximam famintos; chegam até as bocetas e fartam-se, as mulheres<br />

devem estr sem terra nas bocetas)<br />

MANDRAGORAS<br />

Envergadura de ferro do exército<br />

Me desarticula, me abala inteira<br />

Me faz um montão de poeira, uma tralheira<br />

(as Mandrágoras dão uma chave de boceta nos soldados, percutindo ao mesmo tempo com tambor. Muda a cena, a<br />

luz, tudo)<br />

MANDRAGORAS<br />

Fera sem esperteza<br />

está presa<br />

entre meus vacilantes tabiques<br />

de pau a pique<br />

agite-se vigorosa,<br />

deita<br />

nas malhas da minha armadilha perfeita<br />

cidade mundéu<br />

cidade armadilha do Tabaréu<br />

Desabe-me!<br />

Sobre vós mesmos,<br />

(como se gozassem)<br />

ACABE!<br />

MULHERES:<br />

Os contra-regras dão para as mulheres as armas químicas; elas perseguem os soldados fugindo por toda a banda,<br />

clamando, amaldiçoando, rezando… A multidão da legião tremente, mancas armada de muletas apavoram. Doentes<br />

de doenças contagiosas, fazem uma espécie de guerra química, espantando os soldados com panos encharcados de<br />

sangue leproso, aidético.<br />

SOLDADOS SOBREVIVENTES:<br />

Perdem-se por fim, no arraial convulsionado e imenso.<br />

Às vezes aparecem cenas de <strong>luta</strong>s que desaparecem, como num resumo da cena anterior dos focos, com mais<br />

velocidade, mal vistos entre o fumo, embrulhados, numa <strong>luta</strong> braço a braço.<br />

NO CAMAROTE<br />

ESTADO MAIOR (Com binóculos):<br />

A luz e os vídeos mostram o que eles mal vêem; continua um ruído eletrônico DJ de todas as guerras e guerrilhas do<br />

mundo do momento, misturado com ruídos dos atores de defesa e ataque.<br />

CANUDOS<br />

ATIRADORES DA IGREJA NOVA:<br />

Permanecem firmes, visando tranqüilos, impunes, e atirando no que escolhem.<br />

MORRO DA FAVELA<br />

ARTILHARIA:<br />

Evita atirar, teme qualquer desvio de trajetória, que lance as balas entre os próprios companheiros encobertos;<br />

IGREJA VELHA<br />

ouvem-se mais altas as pancadas repetidas do sino<br />

NO CAMAROTE<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Cavalaria, pelo centro, atacar!<br />

CAVALARIA:<br />

Cavalos abombados, rengueando sobre as pernas bambas, largam em meio galope curto até à beira do rio; as águas<br />

respingam chofradas de tiros e pedrinhas. Os animais assustadiços refugam. Dilacerados à espora, chibateados à<br />

espada, mal vadem até o meio da corrente empinando, e curveteando, freios tomados nos dentes; cospem da sela os<br />

cavaleiros, volvem em desordem à posição primitiva.)<br />

FOGO EM CEZAR<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Eu vou dar brio àquela gente…<br />

(Desce a cavalo branco; a meio caminho, porém, refreia o cavalo. O TEMPO PÁRA. Vídeo focado no Cabo<br />

Ordenança Wanderley e na sua alça de mira focada em Moreira Cezar)<br />

CABO ORDENAÇA WANDERLEY<br />

(voz gravada, monólogo interior)<br />

Eu te avisei Cezar, fui insistente…<br />

101


(vídeo focado na alça de mira de João Abade)<br />

JOÃO ABADE<br />

(voz gravada, monólogo interior )<br />

Moreira<br />

Fui João filho do Diabo<br />

Cezar é da minha antiga irmandade<br />

Vai Diabo, atira João Abade<br />

(O Ordenança Cabo Wanderley e João Abade atiram de lados opostos ao mesmo tempo; uma câmera foca o Cezar<br />

se inclinado, abandonando as rédeas, caindo sobre o cavalo)<br />

MEDICO<br />

(acudindo)<br />

Foi atingido no ventre por uma bala.<br />

(O Estado-maior o rodeia e <strong>parte</strong> da artilharia os protege)<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Não foi nada<br />

um ferimento leve<br />

(MC Não descavalga. Volve amparado por Cunha Matos. Câmeras focam João Abade, a Zabaneira e Cabo<br />

Wanderley; os três atiram ao mesmo tempo.)<br />

MATA HARI<br />

(Voz Gravada, monólogo Interior)<br />

Isso é pra mim,<br />

Por Inhatumirim<br />

(ela atira)<br />

MEDICO<br />

Está mortalmente ferido.<br />

(João Abade, Wanderley e Mata Hari atiram novamente)<br />

MÉDICO<br />

Seis tiros<br />

três diferentes pontarias<br />

pecado dizer, vieram até da infantaria<br />

Me retiro<br />

antes do abate.<br />

O Coronel está fora de combate<br />

RETIRADA DA CIDADELA – TRAVESSIA DO VAZA_BARRIS<br />

(Levam o corpo de Cezar. Toques de Corneta dão o sinal de recuo da cidadela. A Luz vai para o Sino da Igreja Velha<br />

que recomeça a bater alarmando, chamando os jagunços à <strong>luta</strong>, e abrem o leito do Parangolé do Vaza Barris e<br />

esparramam a enchente de soldados; os soldados estão ensopados, música FUGAFREVO BACHIANO. Os soldados<br />

viram uma enchente fora do leito transbordado, saltando<br />

acachoando, estrugindo… Bandos estonteados caindo, primeiros rechaçados, outros e mais outros recuados,<br />

correndo desalinhados, oficiais e soldados misturados, poentos, chamuscados, fardas em tiras, correndo alarmados,<br />

disparando à toa espingardas, vociferando retaguardas, ondas tontas, em fuga bachiadas, torcidas, estouradas, a<br />

tiros rolando, sem comando, cada um a seu modo <strong>luta</strong>ndo, na correnteza das águas enxurrando, sem armas, feridos<br />

pelotões, na hipnose do pânico, aos empurrões, apisoando malferidos tombando, extenuados afastando, derrubando,<br />

afogando,<br />

no estrídulo discordante vozear, ansiando as margens do rio vingar, filando-se às pernas dos felizes, que conseguem<br />

nos deslizes, levantar, agarrando-se às matas, escassas, nas armas escorando, embaralhando, fervilhando,<br />

recuando, recuando,<br />

coando. Escutam todos apavorados; o sineiro da Igreja velha para de tocar interrompendo o alarma)<br />

HORA DA AVE MARIA<br />

(No norte os jagunços disparam a última descarga, fumaça densa; harmoniosamente a Luz faz cair a noite na<br />

claridade morta do crepúsculo; descobrindo-se atirando aos pés os chapéus de couro, as mulheres acendendo<br />

fogueiras, começam a murmurar as notas da Ave-Maria)<br />

AVE MARIA<br />

No Monte todo<br />

a noite desce…<br />

reza uma prece<br />

Ave Maria<br />

Ave Maria<br />

QUADRADO<br />

(carregam o corpo de CEZAR para um quadrado de luz verde onde estão os feridos sangrando; neste quadrado um<br />

losango amarelo, onde instalam o corpo agonizando e sangrando; no centro uma bola de luz onde há o trono de<br />

Cezar, o barril de pólvora. A bandeira Brasileira de luz pra onde vem oficiais de toda direção e vão fazendo um círculo<br />

que vai encontrar-se na ponta com o Coronel Tamarindo, vindo do lado norte, farda estirada, sangrada, queimada,<br />

visivelmente comovido e abalado; o círculo se faz em torno do Coronel e o acua até o Barril de Pólvora Trono. Fileiras<br />

desunidas e bambas, a oficialidade, os feridos, as ambulâncias, o trem da artilharia, os cargueiros. Todos imóveis<br />

como um museu de cera escutando a Ave Maria, ouve-se a respiração de Moreira Cezar que tem a seu lado o Cabo<br />

102


Wanderley, compungido; luz diferente focando a agonia; no centro, sentado no barril, Coronel Tamarindo)<br />

NOVO CEZAR<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

(chorando preparando seu cachimbo)<br />

Quem sou eu<br />

Oh meu Deus!?<br />

Pra assumir esse comando<br />

sem salvar meu próprio batalhão,<br />

em aflição<br />

no rio sangrando?<br />

Sou homem avesso a bizarrear façanha,<br />

contra meu querer fui incluído nessa campanha.<br />

Pobre comprimido corpo expedicionário,<br />

preocupado só em evitar o adversário<br />

tão ansiosamente procurado,<br />

é agora esse traste embolado.<br />

Animais, fardas, canhões sem artimanha<br />

entupindo uma dobra de montanha…<br />

(Cessa a Ave Maria. Silêncio escuridão do mundo; as estrelas de calor nos céus; braseiros dos incêndios na terra no<br />

lado de Canudos.)<br />

MÉDICO<br />

(exausto, com as roupas sujas de sangue, chamuscadas, para Tamarindo, falando baixo enquanto se ouvem gemidos<br />

baixos, e relinchos)<br />

Médicos reduzidos<br />

não bastam pro número de feridos<br />

corpos pisados… por cavalos espavoridos,<br />

se arrastam de sede, dores,<br />

centenas, gemendo horrores<br />

não se pode bem curá-los no escuro<br />

se luz de um fósforo, rápido fulguro,<br />

dizem: é risco,<br />

então desisto, não me arrisco.<br />

Por enquanto só um morto<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

E o nosso ainda Cezar<br />

MÉDICO<br />

(olham pro corpo de Cezar e do Cabo Wanderley que ao seu lado reza)<br />

Só com muita reza<br />

(cochichando mais, olhando Moreira Cezar)<br />

o inferno espera o outro consumido<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Médico vexante<br />

fosse eu um comandante,<br />

te mandava chicotear<br />

(o médico se retira)<br />

de uma catástrofe, sou herdeiro forçado, que roubada,<br />

delibero o nada.<br />

CUNHA MATOS<br />

(acompanhado do Comando Maior)<br />

Esse cerro está demais do inimigo aproximado,<br />

promíscuo, essa noite pode ser assaltado.<br />

É forçoso abandoná-lo comandante<br />

arrastando canhões, nesse instante.<br />

Iniciem-se as deslocações.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

(explodindo)<br />

Comandante? De um Comando que comandas<br />

Senta aqui neste barril, explode, tu mandas!<br />

(contendo-se depois de uma cachimbada)<br />

Eu aqui entronado à força neste tambor<br />

vivendo o estoicismo da dor<br />

do meu próprio desalento<br />

abdico desse meu tormento.<br />

Meu único Ministro,<br />

meu Canudo de Pito<br />

recomenda: levantar a turba esmorecida<br />

é pra gente valorosa, como há aqui, esclarecida<br />

CUNHA MATOS<br />

103


Ninguém na oficialidade está pronta ao sacrifício.<br />

Velho comandante, sinto,<br />

só vós pra este ofício.<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

(explodindo novamente)<br />

Cunha Matos, pára com isso, dói!<br />

Quer me passar tua pinta de herói?<br />

(acalmando-se com outra canudada)<br />

A coletividade presa de violenta emoção<br />

precisa de um Ham-let de decisão<br />

minhas qualidades pessoais, mesmo antes<br />

nunca foram brilhantes.<br />

Quedo-me impassível,<br />

é mesmo inadmissível<br />

alheio à ansiedade geral…<br />

Minha ordem da noite afinal<br />

pra quem a vida preza:<br />

passar meu reinado ao comando de outro Cezar.<br />

Quem tiver perna que corra<br />

Quem tiver cansado morra<br />

É preciso nascer duas vezes<br />

Pra <strong>luta</strong>r nessa gangorra.<br />

(cantarolando como uma folclórica nordestina)<br />

É tempo de murici<br />

cada um cuide de si.<br />

(silêncio escandalizado)<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

É possível revide, novo assalto<br />

a força pega o inimigo incauto.<br />

Antes do despontar da manhã<br />

despontar em arremetida sobre os fanáticos.<br />

(explodindo, mas mantendo como todos um falar soçobrado por causa da agonia de Cezar)<br />

A vitória deve ser alcançada<br />

a despeito de tudo que tenha que ser sacrificado.<br />

Nos quatro lados desse quadrado mal feito<br />

joga-se o destino da República, seu conceito.<br />

É preciso vencer.<br />

Repugna<br />

revolta<br />

humilha<br />

angustia<br />

é de matar<br />

é de morrer<br />

essa situação ridícula mas grave, infernos!<br />

Aqui no meio de canhões modernos,<br />

carregando armas primorosas,<br />

sentados um bando de medrosas<br />

sobre cunhetes repletos de cartuchos…<br />

dando-nos aos luxos<br />

de sermos encurralados sem ficar putos<br />

por uma turba de matutos!<br />

CUNHA MATOS<br />

Veja a tropa que chegou horas antes,<br />

entusiasta na vitória, confiante<br />

e a que aqui está agora,<br />

vencida, patética, por fora<br />

uma solução única pode ser patenteada:<br />

TAMARINDO E CUNHA MATOS<br />

a retirada.<br />

(Vão até o lugar onde está estirado Moreira Cezar tendo ao lado o Cabo Wanderley que a tudo segue reagindo; as<br />

crianças segurando nas mãos do chefe sentadas no chão. Médico)<br />

CUNHA MATOS<br />

Coronelíssimo Moreira Cezar,<br />

eu Major de Infantaria Cunha Matos<br />

incumbido estou por nosso Oficialato<br />

À cientificá-lo de nossa resolução pro agora<br />

à Vigésima Terceira Hora.<br />

Nós oficiais reunidos<br />

votamos decididos:<br />

por maioria está decretada<br />

104


para esse instante nossa retirada<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(olha a todos, aperta as mãos das crianças que choram, olha o Cabo, olha o Comando, começa a rir, depois a chorar,<br />

cai a máscara, agora sinceramente explode como um vulcão, tudo que segurou na vida)<br />

Está Impugnada<br />

(perde a força, o médico aproxima-se, ele o afasta emocionado)<br />

Estou dolorosamente surpreendido<br />

E ofendido, ofendido<br />

(abraça sua criança mais querida, chorando baixo)<br />

meu amor à arte militar<br />

me pede Cezar, acalmar…<br />

(tentando ser racional)<br />

Considerem oficiais, na cena das campanhas<br />

inflexível dever militar, dar suas entranhas<br />

à quem não se dá, posso friamente demonstrar.<br />

Há todos os elementos para um novo embate<br />

mais do terço da tropa está apta pro combate<br />

há dois terços de munição<br />

há talvez oitocentos soldados aptos pra ação<br />

Não é Rocha, Salomão<br />

SALOMÃO<br />

(Salomão tenta conter o choro mas não consegue)<br />

Capitão fui voto vencido.<br />

Sim temos sobre o inimigo, domínio renhido.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(num crescendo de cólera e de angústia, ajoelha-se)<br />

Será uma mácula pra eternidade<br />

a sombrear meu nome na crueldade<br />

Não me sacrifiquem!<br />

(levanta-se com dificuldade)<br />

minha ordem do dia<br />

a essa incomensurável, profana cobardia.<br />

CABO WANDERLEY<br />

(que está prostrado junto ao corpo de respiração agonizante de Moreira)<br />

Porque meus superiores intensificam a agonia<br />

do mais valente herói do nosso dia.<br />

CORONEL MOREIRA CEZAR<br />

Eu ainda sou o Cezar da Terceira Expedição<br />

Dou a minha última ordem atenção<br />

Ordenança faça uma ata, dito<br />

(O Ordenança vai escrevendo num livro militar)<br />

Declaro que hoje, dia três de março de l897<br />

deixo aqui registrado meu, tirem o casquete!<br />

A repugnante covardia de meus oficiais vírgula<br />

apesar de termos condições de avançar ideais vírgula<br />

vergonhosamente vírgula<br />

plenos de efetivos vírgula munições vírgula<br />

recuam para a vergonha nossa entre as nações.<br />

Não sejam somente palavras vazias a ditar.<br />

Declaro nesta,<br />

meu abandono da carreira militar.<br />

Ponto Final.<br />

CABO WANDERLEY<br />

(hesita)<br />

Ilustre Cezar… não se pode abandonar<br />

o que é nossa vida, nosso corpo, nosso amar!<br />

MOREIRA CEZAR<br />

Obedeça-me fiel Ordenança<br />

que meu ato vire eterna lembrança<br />

de amor contra o vilipêndio da carreira militar.<br />

(No Arraial mantras e cânticos noturnos são entoados, avesmarias, enquanto fumam a jurema, e cantam a sua Ave<br />

Maria: as juremas, revigorando-se para o combate)<br />

TEN PIRES FERREIRA<br />

Tive eu, na primeira,<br />

na segunda,<br />

e na terceira expedição<br />

um milagre, a ressurreição,<br />

vi com meus olhos, quatro cabecilhas<br />

105


que foram mortos em pilhas<br />

por pedras massacrados no ensaio do Cambaio;<br />

reincorporados<br />

Ressuscitadas<br />

CORO DE SOLDADOS<br />

São <strong>luta</strong>dores-fantasmas,<br />

Invisíveis ectoplasmas<br />

Antônio Conselheiro,<br />

um sem par feiticeiro<br />

tudo que profetizou está acontecendo<br />

em catástrofe tremenda!<br />

SENTINELAS<br />

(Cabeceavam nas fileiras frouxas do quadrado, despertaram de repente tremendo, segurando grito de alarma)<br />

Não é um surdo tropear de assalto. É pior Cezar<br />

O inimigo, no arraial invisível de novo reza ladainhas tristes não de auto piedosas<br />

Mas de mulheres, sambistas punks, indecorosas<br />

O burburinho deixa a soldadesca pasma,<br />

kyries resfolegantes entre gozos e asmas<br />

piores que intimações enérgicas,<br />

reagir a essa mantra lisérgica transfigurada,<br />

em fé religada.<br />

MOREIRA CEZAR<br />

(Olhar fixo nos seus meninos e herdeiros, vai deixando a vida, um último ataque, seguido de uma catarse, uma calma<br />

estranha, ouvindo os mantras suaves sorrindo para as crianças com olhar profundo de quem aceita)<br />

Minha espada pra minha criança adorada<br />

Seja passada<br />

(Cabo Wanderley faz esse rito final, a criança chora, mas segura com um sorriso olhando despedindo-se do chefe)<br />

CABO WANDERLEY<br />

(muito baixo, reza, mostrando seis balas nas suas mãos)<br />

Covardes balas, de teus buracos retiradas<br />

relíquias eternas a partir de agora sagradas!<br />

(perplexo olhando o brilho solar do olhar de Cesar, que a câmera de vídeo capta e amplia pelo espaço)<br />

Deuses! Olhar de Cezar emite luz final de farol<br />

Turbilhão de vida da morte nessa meia noite: um sol!<br />

(Moreira olha para o público, para todos, sorri com seu olhos faróis bem abertos, despedindo-se. )<br />

MÉDICO<br />

O Coronel Moreira Cezar acaba de falecer.<br />

(O cabo desata em pranto. Um minuto de silêncio; o sol começa a nascer e começa a operação de retirada da tropa.<br />

Os Cavalos da Contra-regragem vestem as Mochilas nos Oficiais e Soldados. Toque de retirada. Fingem um enterro,<br />

mas estão com as armas apontadas para os dois lados e estão realmente se mandando. Saem organizadamente<br />

com uma solenidade fúnebre e cautelosa, mas que de repente vai se acelerando, de repente VIOLENTA VAIA dos<br />

jagunços e do público.)<br />

SOLDADO VANGUARDA DA DESERÇÃO<br />

Cezar Morreu! É o que faltava, O Empurrão !!!!<br />

Eu sou a vanguarda da deserção<br />

(os soldados começam a vaiar a oficialidade)<br />

Faluja Faluja<br />

Não é retirada<br />

É Fuja!<br />

SOLDADOS<br />

Faluja Faluja<br />

Não é retirada<br />

É Fuja!<br />

(ri, chora, a tropa no tumulto atropelado vai atrás cantando o refrão; força constituída por praças de todos corpos<br />

abala, e vai num desfile desvairado em fuga de ambulâncias, cargueiros, padiolas; uma especial segurada pelo Cabo<br />

Wanderley - a do comandante malogrado subindo pelos vários andares das estruturas)<br />

SERTANEJA(O)S<br />

(antes contemplam pirados a fuga, num ritmo sertanejo de caça em perseguição)<br />

Quem queria botar medo<br />

Foge todo amedontrado<br />

Vai soltando os torpedo<br />

Dos peido todo cagado<br />

(A Igreja Nova explode descargas e todos fogem com mais pavor, enquanto os sertanejos como num circo, vaiam,<br />

sibilam, gargalham, pateiam. O sineiro bate desabaladamente o sino; o público sertanejo aplaude)<br />

106


CORONEL TAMARINDO<br />

(vem vindo da contramão da fuga a cavalo,começa a fazer uma feitiçaria chamando o duplo do seu corpo, o herói.)<br />

Esta cena enquadro<br />

como um raivoso cão ladro<br />

toda a mais maligna natureza<br />

me contagie, vem baixeza,<br />

(tambores dos baixos de seu corpo)<br />

me penitencie anti-herói da dor<br />

da minha fraqueza anterior<br />

faz me socorrer no ódio,os soldados<br />

sangrando em Canudos isolados.<br />

(persegue os Corneteiros em fuga)<br />

Corneteiro não vira desaparecido<br />

Toque em repetido,<br />

ordeno, pauto:<br />

“meia volta, alto!”<br />

(as notas das cornetas convulsivas emitidas pelo corneteiro sem fôlego, vibram inúteis)<br />

CUNHA MATOS<br />

(a cavalo passa gritando)<br />

D E B A N D A R!!!!!!!!<br />

(CORONEL TAMARINDO indignado engatilha revólveres ao peito do Oficial foragido)<br />

CUNHA MATOS<br />

Cezar! Cezar !<br />

É o que tu prezas!?<br />

É tarde Tamarindo<br />

Volta pro teu cachimbo<br />

(Tamarindo não consegue atirar. Cunha Matos foge)<br />

CORIFEU DESERTOR<br />

À toa pelas veredas…<br />

Abaixo a formatura, na aventura da loucura!<br />

DESERTORES EM DEBANDADA<br />

(percebendo Tamarindo armado)<br />

E agora?<br />

Nós desertores cercados<br />

Entre um Oficial armado<br />

e os jagunços alucinados?<br />

(se jogam no chão entre o fogo cruzado de Tamarindo e Pajeú)<br />

PAJEÚ<br />

(aparece de soslaio)<br />

Ataquem os oficiais graduado<br />

os de botão dourado<br />

na estrada dando bandeira.<br />

Os soldados, deixem na besteira.<br />

(jagunços miram nos ouros, nos botões e nas roupas mais suntuosas, abso<strong>luta</strong>mente distintas da dos soldados;<br />

oficiais caem alvejados)<br />

Ah Jesuíno tava no faro do minotouro preto<br />

(abrindo os braços, bem sensual)<br />

Cheira meu cheiro de bicho perfumado, galeto<br />

JESUINO<br />

(se rastejando como um bichinho, cheirando o chão)<br />

Minotouro Perdão<br />

Eu beijo teu chão!<br />

PAJEÚ<br />

Cagão! Não merece que te leve de novo ao espeto.<br />

O Minotouro é rei,<br />

ele pode, ele te solta.<br />

Some e não volta<br />

(Guia Jesuíno, desmaia quase, tenta ir, Pajeú se tocaia; Jesuíno, arrasta-se até o Cabo Wanderley, agarra-lhe o<br />

braço que está carregando o cadáver de Moreira Cezar com as 3 crianças adoradas)<br />

Ordenança teu braço que me sustenha<br />

Fui vosso guia, me mantenha!<br />

(o Cabo tira o braço)<br />

CABO WANDERLEY<br />

De Cezar levo o corpo<br />

Não profane este morto!<br />

(Jesuíno foge espavorido correndo como um bicho e se embrenha nas veredas)<br />

107


CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

(Corifeu e Coro na pista correndo no mesmo lugar, nas argilas de cocôs cagados)<br />

Sou vanguarda da debanda<br />

Tropa corre não mais anda<br />

Espingardas<br />

(levanta a espingarda)<br />

CORIFEU E CORO<br />

(jogando as armas)<br />

Abandonadas.<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

Peças dos equipamentos<br />

(comboios, com remédios, peças de canhões, barris de pólvora)<br />

CORIFEU E CORO<br />

Com as cagadas<br />

(soltam os equipamentos na merda)<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

Padiolas dos feridos<br />

CORIFEU E CORO<br />

(arreando os feridos que protestam)<br />

Arreadas<br />

FERIDO<br />

Socorro! Alguém me leva daqui!<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

Oficiais ou soldados<br />

CORIFEU E CORO<br />

(livram-se dos feridos que caem na merda - oficiais e soldados que clamam juntos de maneira diferente)<br />

Abandonados<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

E os mortos<br />

CORIFEU E CORO<br />

Fiquem aqui pra serem secados.<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

Dai a Cezar o que é de Cezar<br />

CORIFEU E CORO<br />

Urubus esfomeados.<br />

(as crianças que carregam o cadáver de Moreira Cezar, o boneco vodu da Feticeira, vão deixando: um, dois, e fica<br />

somente o Cabo Wanderley e a Criança Adorada, ao lado do Cadáver de Cezar que cai sobre a própria padiola<br />

virada tapete do chão; os demais desertores que correm, avançam todos cinco passos pra deixar visível o corpo do<br />

Coronel nos braços do Cabo Wanderley, música longínqua de corneta tocando um toque de heroísmo fúnebre que<br />

compõe a cena de heroísmo, criada por Wanderley; A PRÓPRIA LUZ, O DESENHA, ESCULPINDO-O COMO UMA<br />

ESTÁTUA: O ORDENANÇA SOLIDÁRIO COM SEU CHEFE; um desertor até fotografa, todos olham a cena mas sem<br />

parar de correr simulado)<br />

CORIFEU VANGUARDA DOS DESERTORES<br />

E o Cabo Wanderley?<br />

CORIFEU E CORO<br />

Fica aí imortalizado.<br />

(Todos olham pra frente e continuam a corrida simulada, mal se viram, o Cabo Wanderley chuta o cadáver na estrada<br />

e corre simulado no mesmo lugar; a Criança Adorada tira a espada e ameaça Wanderley, se encaram. Wanderley,<br />

a contra gosto, empunha a sua arma e mata a criança. Tema Musical, Leit Motivo do Desespero da Cena; somente<br />

depois entra Cunha Matos que não olha dos lados)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Cunha Matos Filho da Puta, Covarde, Caralho!<br />

(Cunha Matos desaparece… Cabo estafado)<br />

Meu Reino por um cavalo.<br />

(está meio vário, vai entrar numa vereda, no meio do publico, a Zabaneira o segura)<br />

ZABANEIRA<br />

(dá-lhe água)<br />

Não quero que você se desgarre pro deserto<br />

Na estrada anda, certo?<br />

108


Não quero você pra sempre perdido,<br />

agonizando, morrendo secando esquecido<br />

Eu fico aqui, certo?<br />

(ele titubeia, ela lhe cobre a cabeça, pra proteger do sol)<br />

Fica esperto, vai embora!<br />

Se quiser me encontrar é aqui perto,<br />

Certo? Certo?<br />

(VÍDEO FILMA A VANGUARDA NO SEGUNDO ANDAR GERAL DAS ESTRUTURAS)<br />

CORIFEU VANGUARDA E DESERTORES<br />

Os cinturões,<br />

CORO<br />

Desapertar<br />

(barulho dos cinturões dentro do ritmo)<br />

pra na carreira desafogar<br />

CORIFEU<br />

Dólmãs,<br />

CORO<br />

Arrancar<br />

CORIFEU<br />

Calças carmesim,<br />

CORO<br />

deixar cair assim<br />

CORIFEU<br />

diante do inimigo,<br />

não basta desarmados<br />

CORO<br />

pelados… pelados… pelados… pelados… pelados…<br />

(vão sumindo enquanto entra a Artilharia com as Krupps)<br />

ARTILHARIA<br />

(vagarosa, unida, solene quase; um desfile militar que para de vez em quando pra disparar nas margens das platéias,<br />

margens traiçoeiras; vê os pelados que desceram para a pista e atira)<br />

CORO DOS PELADOS<br />

Tiros de caçadores<br />

nos caçando!<br />

Caçados!<br />

Caçados…<br />

(caem mortos, alguns das estruturas. Salomão da Rocha fala para o inimigo no Vazio aparentemente despovoado)<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Jagunçada de Merda!<br />

A dissolução da tropa no aço dos meus canhões estaca<br />

nossa guarnição diminuta se destaca…<br />

Galvanizada pela força de valentões!<br />

(Os sertanejos em torno da Artilharia vão aumentando cada vez mais, perseguidores cercando a Artilharia por quatro<br />

Cantos)<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Krupps<br />

Agrupes<br />

Deixem escapar<br />

o resto da expedição<br />

Sejamos dela o escudo<br />

Mas pra Canudos<br />

Cospe fogo na ousadia<br />

Deusa Bateria<br />

na Marcação<br />

(SERTANEJOS vão ao encontro das Krupps; a trupe desrepresa, aduna-se, avoluma-se, atira, recua… desrepresa,<br />

aduna-se, avoluma-se…)<br />

SALOMÃO DA ROCHA<br />

Ao meio parto adutora<br />

tua onda rugidora<br />

descargas arrebentar<br />

fulminar!<br />

109


(vem a carga em cima dos sertanejos; muitos tombam, brados de cólera, de dor; tontos de fumo, saltam dos<br />

esconderijos em chamas, rompem na estrada sertanejos em chusma, saltando, gritando, correndo)<br />

SERTANEJOS<br />

Resistência assombrosa<br />

represas lambamos essa coragem sem prosa<br />

(desrepresam, adunam-se, avolumam-se, atiram)<br />

JOÃO ABADE<br />

Jagunçada<br />

em cima à foiçada!<br />

(Os movimentos de represa dos sertanejos, vão constringendo a pouco e pouco o círculo do ataque; a bateria pára,<br />

não pode mais, os canhões emperrados; Salomão cai retalhado junto aos canhões que não abandona, imobilizam-se<br />

no caminho… Tamarindo entra na pista apontando para o Corneteiro)<br />

CORNETEIROS<br />

(As notas das cornetas vibram inúteis… Cessam)<br />

Não tem a quem chamar chefia…<br />

Desapareceu a infantaria, artilharia, cavalaria…<br />

(na estrada, vê-se apenas peças esparsas de equipamentos, corpos, mochilas, espingardas, cinturões, sabres,<br />

jogados a esmo por ali fora, como coisas imprestáveis)<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

Inteiramente só,<br />

sem uma única ordenança,<br />

lanço-me só, tenho esperança<br />

vou conter pessoalmente<br />

essa vanguarda indecente.<br />

Meu cavalo, a galope!<br />

Pela estrada cospe…<br />

(Ruído de cavalos. Tamarindo cai precipitado do cavalo por uma bala. O Corneteiro o acode)<br />

CABO WANDERLEY<br />

Tamarindo, te alcancei,<br />

Nem sei por que voltei…<br />

CORONEL TAMARINDO<br />

(Caído sobre a ribanceira do Rio, murmura)<br />

Minha última ordem:<br />

Procure o Cunha Matos…<br />

(Tamarindo continua vivo, Cabo sai pra cumprir sua última ordem; O Corneteiro de desvaira diante o trágico cenário e<br />

vaga tentando re-descobrir seu instrumento. Thimóteo acerta-o dentro da corneta, e um SOM INTENSO E TRÁGICO<br />

MUSICAL-INSTRUMENTAL entra e estoura o Corneteiro.<br />

A pista fica isolada, silêncio; fica entregue a si mesma e ao público, estranhos frutos, no meio dessa <strong>luta</strong>. Depois<br />

desta pausa cheia, vão entrando num solene de vingança, equilíbrio ecológico, os jagunços e as Mandrágoras. Estão<br />

todos virados, rito silencioso, cantado depois pelo Estranho Fruto; vão com a precisão visual e manual de artistas<br />

plásticos realizando mudos uma instalação internacional de beleza e horror, tomados; Descobrem Tamarindo ainda<br />

vivo, despem-no e o colocam no trono-barril de pólvora como espectador especial de seu rito, no lado sul no centro,<br />

em frente a porta grande do teatro.<br />

Vão recolhendo o que jaz pela estrada, pelos lugares próximos esparsos; corpos, mãos, almas, recolhendo<br />

maníacamente; os jagunços as armas, munições… enquanto as Mandrágoras apanham as peças dos fardamento,<br />

com precisão e dançando sutilmente uma dança quase surda, de cumprimento de uma ação necessária, em quase<br />

câmara lenta; enquanto os jagunços em todo espaço do Angico até Canudos, todo o Teatro, vão esvaziando esse<br />

arsenal desarrumado, ao ar livre, puxando encantados as “rainhas do mundo” pro arraial: as Krupps; Uma está<br />

emperrada, o BIGORNEIRO maneja, vê que está travada e sai para uma Oficina de Ferragem, para virar bigorna;<br />

olha o que está escrito no aço, passa os dedos, murmura:)<br />

FERREIRO SERTANEJO<br />

Essen…<br />

(trocam espingardas velhas de carregamento moroso pelas Mannlichers e Comblains fulminantes enquanto as<br />

Mandrágoras<br />

vão recolhendo fardas, cinturões, bonés, sapatos como se pegassem em coisa contaminada, ou material atômico,<br />

trazendo até panos de muçulmanas que colocam no nariz como enojadas, pelo mau cheiro; as Mandrágoras vão<br />

separando as coisas; dependuram nos arbustos mais altos da estrutura, e talvez num varal de cipós, ou uma latada,<br />

os restos de fardas, calças, dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e<br />

mochilas, pendurados, lateralmente na pista…<br />

Junto, no centro, o dinheiro, o soldos todo dos oficiais e soldados, que quando <strong>parte</strong>m levam o que tem nos bolsos,<br />

na hora da debandada. O dinheiro do soldo, num lugar bem desenhado vai sendo amontoado para ser queimado.<br />

Juntam ao dinheiro coisas pequenas, carteiras, objetos, fotos, detalhes encontrados, fotos de esposas, celebridades,<br />

carteiras de banco, documentos de identidade, cartões de crédito.<br />

Sertanejos reúnem os cadáveres e fazem uma alleiona com os corpos nus. As cabeças regularmente espaçadas,<br />

fronteadas, olhando para o teto dos céus do Teatro.<br />

Silencio intenso. Todas Mandrágoras com peixeiras, uma Coriféia dá O SINAL. Levamtam torso dos cadáveres até<br />

110


o Centro da Pista. O corpo clone do boneco de Moreira Cezar trazido por Helena. Decapitam todos os corpos ao<br />

mesmo tempo, sob o Comando da Coriféía do Gol Sul. A Coriféia Nossa Senhora Mata Hari, atravessa a pista com o<br />

fogo e outra Coriféía com o Sangue. Juntam-se e destripam o Coronel. Juntam-se, queimam o dinheiro e um pedaço<br />

de carne.<br />

A Mandrágora da Voz que não é vista mas ouvida, entra e sola o Estranho Fruto de todas as decapitações capitais do<br />

capitalismo deste nosso instante de Guerra Mundial)<br />

ESTRANHO FRUTO<br />

Nos arbustos marginais<br />

onde ninguém alcança<br />

calças e dólmãs<br />

multicores de festança,<br />

restos de fardas,<br />

selins, cinturões, capotes, mantas,<br />

quepes de listras rubras,<br />

cantis e mochilas tantas<br />

Caatinga nua, mirrada<br />

aparece de repente<br />

de estranhos frutos carregada<br />

desabrocha, florescente.<br />

Colorida extravagantemente<br />

no vermelho forte das divisas,<br />

no azul desmaiado dos dólmãs<br />

nos brilhos dos talins das chapas vivas<br />

Aroma fresco e doce<br />

da carnaúba copada<br />

invadido pelo cheiro repentino<br />

da carne queimada.<br />

(As Mandrágoras pegam o corpo do Tamarindo, do trono do barril de pólvora, levam seu corpo até Jardim, diante da<br />

Cezalpina, o Angicão do Teatro Oficina, no alto do Janelão. Os Jagunços sobem com o corpo; em baixo Mandrágoras<br />

erguem um longuíssimo tyrso e enterram entre as pernas no parangolé do cú de Tamarindo. Uma Barriga envolvendo<br />

o cú e a pança, deixando o pau de fora, que permita que entre o cano pelo cú e saia pelo peito, quer dizer, em sua<br />

boca. Tamarindo geme, grita. Empalam lentamente.)<br />

MANDRÁGORA ESTRANHO FRUTO<br />

A uma banda avulta,<br />

num galho seco empalado,<br />

protagonista do drama,<br />

estranho fruto dependurado,<br />

o velho comandante<br />

dançando, indo e vindo<br />

com a brisa do nordeste<br />

o coronel Tamarindo.<br />

Aqui está uma fruta<br />

para os urubus bicarem<br />

para a chuva lavar<br />

para os ventos secarem<br />

Aqui estão estranhos frutos<br />

neles o sol se deita<br />

para as árvores derrubarem<br />

azeda e estranha colheita<br />

APODREÇA<br />

(A Mandrágora do voz, vai dando as últimas notas, até a ultima como Bidu Saião na famosa boca chiuzza do final<br />

da bachiana numero 5 de Villa Lobos, no escuro silencioso… somem do espaço do Angico as Mandrágoras, artistas<br />

plásticas ocultas no espaço… e deixam, uma exposição, onde ficam as cabeças iluminadas dos soldados pelas<br />

ribaltas, suas roupas estiradas ocupando o espaço vertical lateral do teatro. Mantos, Fardas, azuis e carmim, luz<br />

especial nas pratas dos talins e das esporas. Silencio, venta… o fantasma balança…)<br />

FANTASMA DE TAMARINDO<br />

Lúgubre espantalho, manequim,<br />

meu cadáver desaprumado, no começo do fim…<br />

braços e pernas pendidos,<br />

ao vento oscilando gritos dos esquecidos<br />

no galho flexível da asa do anjo, angico vergado,<br />

apareço nos ermos um endemoniado…<br />

Eu o Espectro do velho comandante permaneço balançando longo tempo, não esqueço<br />

no Angico, no caminho de Canudos ao Rosário, vário,<br />

eterno luto<br />

estranho fruto<br />

111


RUA DO OUVIDOR<br />

112


(O Cenário do Angico termina por ser um happening num programa de Tv transformando o Oficina em Rua do<br />

Ouvidor, num programa especial, sobre o acontecimento da reação cruel sertaneja diante da derrota da terceira<br />

expedição. As Luzes caem, o público aplaude e os atores nús performers presentes em cena agradecem<br />

solenemente para os dois lados, apontam para a entrada dos atores para agradecerem como no final da peça mas<br />

entra LUCIANTA PATRÃO paranóica, com a Overture de seu programa com um tom inédito para a ocasião, devido as<br />

últimas notícias da Expedição Moreira Cesar. Vinheta de TV de seu programa com o Toque da Paranóia do Momento.<br />

Tabuleteiros com textos para reação do Público RUA OFICINA UZYNA UZONA DO OUVIDOR On Line. Entram<br />

pipoqueiros, cachorro quente.)<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

(iniciando sessão. As personagens das mídias vem do público como entidades de uma Umbanda Midiática. A Música<br />

deve juntar os sons de cada entrevista gravada, com a ambiência de Paranoia e desejo de Paz do Programa,<br />

cercado pela ameaça do tropel sonóro de Barbaros.)<br />

Boa Noite opinião pública nacional e internacional!<br />

(TABOLETEIROS: Taboletas escritas BOA NOITE, o público repete)<br />

Encerrando a programação nesta noite, muito especial,<br />

aqui na Rua Oficina do Ouvido Ouvidor,<br />

Muvuca per e reper cutindo alegria e dor.<br />

Depois da performance chocante desses meninos<br />

A Republica clama do fundo dos seus hinos!<br />

(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; Introdução ao Hino da República)<br />

Dia 4 de março de 1897 dígito. 2005<br />

EM VÍDEO E AO VIVO<br />

REPÚBLICA<br />

(Toda entubada numa cama de UTI, toda monitorizada, Estátua da Liberdade passando mal)<br />

Eu República estou a perigo<br />

é preciso salvar a República,<br />

(TABOLETEIROS com escritos de VAMOS SALVAR A REPÚBLICA!)<br />

que o Presidente chame às armas<br />

os republicanos de todas as tendências<br />

contra o Cartel de Canudos<br />

(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; vem entrando o Tapete Orelhão que é instalado no Centro da Pista trazido por<br />

um ator de Peter Brook, A banda de Brook se instalada com seus musicos Suffi)<br />

LUCIANTA<br />

No meio desta Guerra<br />

Saiamos do Teatro em Paz com a nossa Terra<br />

Ela Sua Santíssima Santidade não está mais entre nós, agora sem truques,<br />

Nossa Homenagem ao Papa do Teatro<br />

Bendito seja este Tapete da Paz e a Banda Peter Brook.<br />

(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS. Alguém se comunica com Lucianta pelo ponto eletrônico avisando que o<br />

presidente vai entrar no circuito ao vivo)<br />

LUCIANTA<br />

Atenção, desculpe uma interrupção,<br />

mas o Presidente da República está aqui no fim desta apresentação<br />

e vai falar sobre as barbaridades que acabamos de assistir.<br />

BUSH VÍDEO/TRADUÇÃO AO VIVO<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

(Entra Bush ao Vivo e nos Telões e projetores, ao lado de Schwarzneger)<br />

We will destroy your town, Canudos.<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

Vamos batê-los na sua cidadela, Canudos.<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

(olhando e apontando para o Público)<br />

The country has their eyes fixed upon you<br />

and awaits your great deeds of bravery.<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

a Pátria tem olhos fitos sobre vós,<br />

tudo espera da vossa bravura.<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

The terrorist, the treacherous enemy who attacks us while hiding…<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

O terrorista, o inimigo traiçoeiro<br />

que não se apresenta<br />

que combate-nos sem ser visto,<br />

ARNOLD SCHWARZNEGER<br />

Sissies!<br />

Faggots!<br />

113


TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

OS Maricas.<br />

(TABOLETEIROS MOSTRAM TABOLETA VERTICAL:<br />

MARICAS<br />

MARICAS<br />

MARICAS<br />

e puxam o público para dizer isto tipo torcida.)<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

Continuing, the enemy…<br />

Cowards, sissies.<br />

These are not men, these bloodthirsty monsters!<br />

However, they have suffered at our hand considerable losses.<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

Continuando, o inimigo…<br />

Covarde, maricas,<br />

não são “Homens” esses sanguinários,<br />

tem contudo sofrido perdas consideráveis.<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

They have been demoralized by our bravery and especially that of our hero, Colonel Moreira Cesar.<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

Estão desmoralizados por nossa bravura e principalmente pela da do nosso herói Coronel Moreira Cezar<br />

(Imagens de Moreira, com crianças, fundo da música Maicojéca - comida, como as homenagens que o Oscar faz<br />

aos Mortos.)<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

And if you stay steadfast<br />

in knowing that the best of America are the Americans,<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

E pois, se tiverdes constância,<br />

de saberem que o melhor da América são os americanos,<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

and if you are still the bravest men of all time,<br />

Canudos will be ours before the year is out,<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

se ainda uma vez forem os bravos homens de todos os tempos,<br />

Canudos estará em nosso poder antes do fim do ano.<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

terrorism will be terminated and we may rest in our home safely<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

O terrorismo terminará,<br />

poderemos ir descansar, seguros em nossas casas<br />

(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS)<br />

BUSH PRESIDENTE DA REPÚBLICA<br />

The Republic will be deeply grateful for our sacrifices.<br />

Long live Colonel Moreira Cesar.<br />

Ave Cesar!<br />

TRADUTORA SIMULTÂNEA<br />

e a República saberá agradecer os nossos sacrifícios.<br />

Viva o Coronel Moreira Cesar<br />

Ave Cezar!<br />

(Lucianta faz o gesto de estender o braço e as mãos para puxar o público. TABOLETEIROS levantam: AVE CESAR.<br />

A Música paranóica, patriótica, continua.)<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

E agora no nosso programa,<br />

a tradição, a família e a propriedade do nosso Teatro Brasileiro,<br />

a esposa de Shakespeare praticamente, gente,<br />

comentando esse acontecimento criminoso, ela,<br />

Bárbara Heliodora!<br />

BÁRBARA HELIODORA<br />

(desce fechada, no palquinho dos músicos, a Cortina tipo Guilhotina; TAMBORES e BANDA fazem uma vinheta pra<br />

descida da cortina.)<br />

Do teatro Carioca da Rua do Ouvidor<br />

114<br />

Nossa Contrapartida mais que Social,


de Amor, sem Medo<br />

do grande Arthur Azevedo:<br />

O JAGUNÇO!<br />

Corto ESTA Fita de Inauguração<br />

Com GRANDE peça de Participação:<br />

(Introdução da Banda, bem ao estilo dos músicais atuais cariocas, cover dos americanos, misturados com o cover<br />

dos músicais de Luis Antonio. BÁRBARA corta a fita de inauguração e a cortina se abre; AS CORISTAS ENTRAM<br />

RASTEJANDO e logo que surgem, vão se levantando rápido: Introdução e Canto;)<br />

CORISTAS DO CÉUS<br />

Guerra, Guerra<br />

Que é dever de patriotismo<br />

Guerra, Guerra<br />

Pra defender nossa terra<br />

Guerra, Guerra<br />

Contra o negro fanatismo<br />

Marchar que a pátria espera<br />

Na primavera<br />

Um novo sol<br />

Guerra nesse céu de anil<br />

Viva a Tevê! Orelha do Brasil…<br />

(A música muda completamente, editando o programa que entra em outro bloco: sai o tema de Arthur Azevedo entra<br />

o tema paranóico que dá dinâmica ao programa do Lado Pânico)<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

Primeiro o mór<br />

espanto<br />

logo a seguir<br />

desencanto,<br />

geral,<br />

toma a opinião pública mundial<br />

um intenso agitar de conjecturações,<br />

sobre o inconceptível acontecimento sem explicações,<br />

o induzir quais as razões<br />

do esmagamento de tal força de combate,<br />

aparelhada e na chefia tendo chefe de quilate.<br />

Qual a sua impressão? Pé Frio?<br />

Professora da PUCUSP RIO, Doutora Inah Mestra Positiva?<br />

EM VÍDEO:<br />

INAH POSITIVA<br />

Nas capitais, federal e estaduais, insisto<br />

meia dúzia a nível de reacionários contemplativos, mansos, atuam em quisto, platônicos icônicos.<br />

Pareciam inofensivos elitistas<br />

mas a mídia personalista<br />

restaura a celebridade carismática monárquista,<br />

que hoje leva a essa situação anárquista.<br />

(TABOLETEIROS PEDEM APLAUSOS; Vinheta com algum tema de “A LUTA PARTE 1”, TRATADOS EM<br />

LINGUAGEM DEMAGÓGICA DE MÍDIA PARA APRESENTAR EUCLIDES DA CUNHA, CELEBRIDADE NO<br />

MOMENTO POR SEU CONHECIMENTO DO ASSUNTO)<br />

LUCIANTA PAULA PATRÃO<br />

E Com seu cãosinho Caxangá:<br />

o Doutor Euclides da Cunha?<br />

(TABOLETEIROS pedem APLAUSOS, Lucianta faz sua pergunta de improviso)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Canudos — uma diátese<br />

LUCIANTA PAULA PATRÃO<br />

Metátetese?<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Diátese<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

Pode explicar aos nosso patrocinadores<br />

o significado desta expressão de doutores?<br />

(TABOLETEIROS pedem EXPLICA! EXPLICA! EXPLICA!)<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(olho no olho do Público)<br />

Pode ser encontrado nos distúrbios dos sertões<br />

nascidos nas cidades,<br />

explosões de exclusões<br />

em São Paulo-Rio bumerangados<br />

115


capital de alienados,<br />

em vastíssimas conspirações dos falcões<br />

contra as republicanas instituições.<br />

Canudos é uma Vendéia,<br />

um Iraque de Odisséia:<br />

por trás de um Pajeú, abro um véu de seda…<br />

o perfil arcaico da Al Qaeda;<br />

a dinastia Bragança em disponibilidade<br />

tem um Osama: João Abade.<br />

E Antônio Conselheiro<br />

Seu Papai Noel, seu Messias de pardieiro,<br />

toma nas mãos frágeis trementes<br />

os destinos de um povo de dementes.<br />

LUIANTA PATRÃO<br />

Que forte?!<br />

O sertanejo é antes de tudo um forte.<br />

(Vinheta de finalização do programa, a Boceta de Pandora trazendo uma Buceturna, uma Urna com essa palavra<br />

inscrita, coloca-se na Buceta de Renée)<br />

Auditório, agora é com você,<br />

porque no final,<br />

aqui na BUCETURNA,<br />

VOCÊS VÃO DECIDIR TURMA!<br />

(Acordes de Pã, de Pânico, pedindo Socorro!)<br />

Qual a solução?<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

Eu sou o primeiro?<br />

A solução é a 4ª Expedição!<br />

(entram acordes de preparação da Orquestra da Opera de Milão que se prepara para dar…não me lembro que<br />

Opera Marta viu????, mas é importante saber)<br />

EM VÍDEO:<br />

REGINA MARTA<br />

(chic em Roma)<br />

Regina Marta aviso República<br />

com competência<br />

na loucura, sou a tua consciência<br />

Se os Republicanos não ganharem a eleição,<br />

Se tua Buceturna não parir uma renovação<br />

nesta hora, o adversário,<br />

o monarquismo reacionário retomará sua posição.<br />

Maria Antonieta de Higienópolis<br />

destruirá você República, e a Megalopólis<br />

e a unidade do Brasil, do Sertão<br />

e das nossas plásticas de recuperação.<br />

(TABOLETAS: ELEIÇÃO 2006!; Volta o tema do Pânico)<br />

EM VÍDEO<br />

REGINA DUARTE<br />

Tenho medo.<br />

(Corta Tema do Pânico. Música Evangélica Gospel forte)<br />

EM VÍDEO:<br />

PERUA DE DEUS<br />

(texto do Video gravado)<br />

Eu sou a perua de Deus<br />

Só sabemos Ele e eu,<br />

o que com um golpe abala<br />

a instituição proclamada:<br />

é o movimento armado<br />

é fanatismo religioso,<br />

é o camuflamento de drogas que vai contra as instituições,<br />

e agem acelerado! irmão!<br />

CRENTE<br />

Aleleuia Irmãos!<br />

(TABOLETA: ALELUIA!; Corta Música Gospel; Vinheta semelhante ao programa de Boris Casoy)<br />

SR. VERGONHA<br />

A tragédia do nosso 3 de março<br />

amarra o cadarço.<br />

Partido dos sem rei,<br />

monarquistas fora da lei<br />

à sombra da tolerância do poder do Estado<br />

apóiam os movimentos das terras tomadas.<br />

116


Terroristas defendendo a separação<br />

das nações civilizadas<br />

proclamando independência pro Sertão.<br />

Terra da Jurema e da Maconha!<br />

Isto é uma vergonha!<br />

EM VÍDEO:<br />

(o casal é meio marxista)<br />

CASAL<br />

HOMEM - É do fanatismo monárquico a restauração<br />

MULHER – conspira-se, sequestra-se,<br />

HOMEM - forma-se o exercito da destruição<br />

MULHER - com nossas próprias armas<br />

HOMEM - roubadas<br />

MULHER - patenteadas,<br />

HOMEM - importadas,<br />

MULHER - exportadas<br />

HOMEM - comercializadas<br />

MULHER - reguladas<br />

HOMEM E MULHER<br />

Proibidas!<br />

Cabeças Rolando<br />

parodiando<br />

Nossas Cabeças Roladas<br />

Público com o remédio corramos<br />

parelhas com o mal.<br />

O fanatismo monárquico está armado afinal<br />

Ás armas clamam os democratas republicanos.<br />

Presidente Convoque o Exercito Americano!<br />

EM VÍDEO:<br />

BOFFE VELHO EMBURRADO<br />

A mesma toada em tudo.<br />

Em tudo a obsessão do espantalho monárquico comuna Alalaô<br />

Transmudado em legiões tarahumarastupysnagôs<br />

Extudo.<br />

MANIFESTANTES EMPASTELADORES<br />

INCENDIÁRIOS PARAMILITARES<br />

(convocandoo público)<br />

Todos por um num desabafo!<br />

Em protesto soprar no mesmo bafo<br />

o fogo e tudo que arde<br />

antes que seja tarde.<br />

Neste pretencioso e interminável espetáculo,<br />

vamos lançar nossos tentáculos.<br />

Queimar tudo!<br />

Queimar Os Sertões e a Guerra de Canudos!<br />

(entram a Baronesa, a índia Divina e os monarquistas protestando)<br />

Cacetetes, fuzis canhão<br />

evitar qualquer assalto<br />

à liberdade de expressão.<br />

(a polícia exige que todos participem das manifestações)<br />

Quem não manifesta, não queima,<br />

vai preso, não teima!<br />

(ameaçando com as armas; TABOLETAS: QUEIMA! QUEIMA!<br />

Formam uma grande fogueira, com livro de OS SERTÕES; no vídeo o livro pegando fogo.)<br />

(UM ENORME CRISTAL DE PRISMA<br />

ORA SE TIRA A LUZ<br />

ORA SE REVELA<br />

SOMBRA)<br />

EUCLYDES<br />

(ao vivo filmado e projetado nos telões do incêndio, a Ponte de São José do Rio Pardo em construção ou já pronta.<br />

Euclides ao mesmo tempo do auto da fé de “ Os Sertões” fala em direto como público do Teatro. Luz do cristal<br />

iluminando no centro, ao lado do fogo ao vivo da Rua Oficina do Ouvidor onde “Os Sertões” estão sendo queimados;<br />

Todo teatro está tomado de Pânico, da Peste. Som Eletrificado da Corte em pânico)<br />

A rua do Ouvidor vale por um desvio das caatingas.<br />

A correria do sertão entra<br />

117<br />

arrebatadamente pela civilização adentro.


E a guerra de Canudos é sintomática apenas.<br />

O mal é maior.<br />

Não se confina num recanto da Bahia. Alastra-se.<br />

Rompe nas capitais do litoral.<br />

O homem do sertão, encourado e bruto, tem parceiros mais perigosos.<br />

Os meios mais adiantados<br />

encobertos de tênue verniz de cultura<br />

são trogloditas completos.<br />

EM VÍDEO JABOR, ou EUCLYDES AO VIVO:<br />

Revela que pouco nos avantajamos<br />

aos rudes patrícios retardatários.<br />

Estes, ao menos, são lógicos.<br />

Insulado no espaço e no tempo,<br />

o jagunço,<br />

um anacronismo étnico,<br />

só pode fazer o que faz<br />

bater, bater terrivelmente a nacionalidade que,<br />

depois de o enjeitar cerca de cinco séculos,<br />

procura levá-lo para os deslumbramentos da nossa idade<br />

dentro de um quadrado de baionetas,<br />

mostrando-lhe o brilho da civilização<br />

através do clarão de descargas.<br />

ANA DA CUNHA<br />

(pelas ruas como uma louca de Ópera de Carlos Gomes, culminando com o Vento Levou qaundo aparece Scarlet)<br />

Há muito boato, paranóia, fantasia<br />

Notícias dominando por um dia<br />

por uma hora ganham todas atenções,<br />

extinguem-se em minutos diante de efêmeras versões<br />

DIVA ENLOUQUECIDA<br />

Um alarma crescente covarde nos ares<br />

boatos medrosos boquejados no recesso dos lares<br />

à mentira escandalosa rola com estardalhaço pelas ruas<br />

uma tortura permanente de dúvidas crúas<br />

A cidade agoniza em colvulsão<br />

da Peste vinda do Sertão.<br />

EUCLIDES DA CUNHA<br />

(AO VIVO EM TORNO DO AUTO DA FÉ)<br />

Eu estou aqui, queimando tudo<br />

Eu ainda não fui à Canudos.<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

(Vinhetas do Fantástico Canástrico)<br />

Vinhetas do Canástrico?!<br />

Entramos em Conexão, Fantástico!<br />

A Noiva aqui está do depois de morto rei<br />

O já famoso Cabo, Wanderley!<br />

(TABOLETEIROS pedem APLAUSOS)<br />

VIUVA<br />

(NO CANÁSTRICO)<br />

Era meu noivinho<br />

O Cabo Wanderley? Pobrezinho!<br />

Um soldado humildezinho,<br />

Despertou o IBOP e no povo, póstumo carinho<br />

Gravei sózinha todas as personagens do seu martirio.<br />

(No ECRAN. Apanha o microfone, de Lucianta. Música como as que acompanham os programas deste tipo no<br />

Canástrico)<br />

De Moreira Cezar era Ordenança,<br />

quando a tropa desparatou sem esperança,<br />

e o cadáver de Cezar ficou abandonadinho<br />

à margem do caminho,<br />

Wanderleyzinho<br />

permaneceu <strong>luta</strong>dor leal ao lado do coronel,<br />

guardando-o como reliquia, como um anel<br />

por todo exército abandonado<br />

cuidando o Cabo,<br />

daquele ser sagrado.<br />

De joelhos junto ao corpo do comandante,<br />

não se rendeu<br />

até ao último cartucho se bateu<br />

tombando, afinal, sacrificando-se<br />

Jesus no Horto<br />

por um morto…<br />

118


(TABOLETEIROS Pedem APLAUSOS; música patriótica fúnebre, elegia de Villa-Lobos)<br />

LUCIANTA PATRÃO<br />

Público já somos um milhão neste momento<br />

Todo mundo pede: alistamento<br />

Homenagens cívicas solenes;<br />

Pra formação quarta Expedição, infurna<br />

Seus votos na BucetUrna<br />

O CABO WANDERLEY<br />

(entra no estúdio em trapos)<br />

Eu não morri, eu estou vivo.<br />

Descobri! Vivi, por teu amor.<br />

VIÚVA<br />

Não meu amor você é um fantasma.<br />

Eu sou viúva<br />

Esse programa está com um sucesso absoluto<br />

Você morreu<br />

(Joga seu luto sobre ele)<br />

E sai do estúdio…<br />

CABO WANDERLEY<br />

Você não me ama mais?<br />

ATRIZ VIÚVA<br />

Amo, morto.<br />

CAPITÃO CAVALO PEDREIRA FRANCO<br />

O Senhor morreu Cabo Wanderley<br />

Mas ressuscita em outro papel<br />

É promovido na hierarquia<br />

À Alferes da cavalaria<br />

(Hino como o da cavalaria Rusticana ou da Brasileira que deve ter seu Hino; recebe o título e o cavalo)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Monte Santo atendeu a dadiva do meu retrato<br />

virei celebridade de fato,<br />

que barato!<br />

LEVANTAMENTO EM MASSA<br />

(CORAL DA MARSELHESA)<br />

PRESIDENTE DO CONGRESSO<br />

Eu, Presidente do Congreso Nacional, Severino,<br />

declaro que o Congresso decidiu<br />

pelo esmagamento do Crime organizado<br />

dos inimigos da República,<br />

armados pela caudilhagem monárquica<br />

revolucionária anárquica.<br />

Meu primo da oposição e minha sobrinha da situação<br />

estão unidos<br />

(Uma civil e Um Militar se dão as mãos.)<br />

apoiando todos os atos de energia cívica<br />

que o governo praticar pela desafronta ao Exército E à pátria.<br />

Esta conjunção, E , vale por cem páginas eloqüentes!<br />

O exército E a pátria!<br />

(HINOS RECENTES CANTADOS NO VATICANO NA AGONIA E FUNERAL DE JOÃO PAULO)<br />

VÍDEO:<br />

FANTASMA DO PAPA<br />

Aqui diante de Deus!<br />

Que me recebeu<br />

Rezem pro “Pace” em todas as heresias<br />

Línguas, povos, tiranias e democracias<br />

(MÚSICA DA PAZ DO INÍCIO DA LUTA RETORNA; pode ser o prelúdio de Piano de Villa-Lobos; a palavra PAZ é dita<br />

em várias línguas)<br />

PORTA VOZ DE PRUDENTE DE MORAIS<br />

(traz numa eletrola “His master voice, a voz gravada do presidente)<br />

O Governo começa a agir, atenções<br />

Agir é isto — agremiar batalhões.<br />

TENENTE PIRES FERREIRA<br />

Estão abertas inscrições<br />

para o preenchimento de vagas<br />

sem compulsões.<br />

119


LUCIANTA<br />

Aliste-se!<br />

HOMEM BOMBA<br />

Jihad! Alalaô!<br />

Sono io, ingenheiri italiano, padeiro de panetone,<br />

adestrado nos polígono bravio do Afeganistone.<br />

(Pratica o Suicídio por Alá! Explodindo-se com uma bomba. Vai tudo aos ares. Luciana cai, grita. Pânico no Programa<br />

e no Teatro)<br />

CESAR SAIA<br />

Os jagunços já tomaram Monte Santo, Salvador, Maçacará e o Iraque.<br />

Marcham convergentes para o sul,<br />

acrescidas de novos contingentes,<br />

demandam o litoral,<br />

avançam agora sobre o Rio de Janeiro<br />

onde querem derrubar o Corcovado<br />

e a TV Globo, o Projac Inteiro!<br />

(Imagens do Corcovado caindo e da TV Globo, do Astrolábio, do Projac explodindo)<br />

CESAR SAIA<br />

(Ouve; encosta a orelha no TAPETE OUVIDO como se ouvisse o subterrâneo)<br />

Ouve!?<br />

LUCIANTA<br />

Um surdo tropear de bárbaros…<br />

Descendo de Kabul<br />

Pra Zona Sul<br />

(ouve-se os coros subterrâneos formando tropeis vindos do Ceará de Padre Cicero, apoiando Conselheiro; do profeta<br />

José Guedes de Pernambuco; de João Brandão destroçando escoltas no alto do São Francisco em Minas; do Sul do<br />

Monje Louco do Paraná; das Favelas funkeando o Rio; dos guetos de HIP HOP São Paulo; de TECNOS DE TOKIO;<br />

de VENTRES DE ISTAMBUL; de MIAMI, RUMBEIROS RAP; TANGUISTAS DE BUENOS AIRES; PERCUSSÕES<br />

DE ÓPERAS DE PEQUIM; COSSACOS CIGANOS DE MOSCOU; SHIVAISTAS DE BOMBAIM; EMIGRANTES<br />

DE PARIS; PAQUISTANESES DE LONDRES; TAMBORES DE JAZZ DO CONGO, DO ZAIRE; MAROMBAS DE<br />

MOÇAMBIQUE; COROS DE ANGOLA; TARANTELAS ITALIANAS; CÂNTICOS DA GEORGIA E DO CAUCASO;<br />

SINOS DE BALI; MACUMBAS DE ISRAEL; BOLEROS RAPS DO MEXICO; RAPS CUBANOS; COMANCHES;<br />

TARAUMARAS, NAMBIQUARAS; TUPYS nos novos subterrâneos do Oficina)<br />

ALFERES WANDERLEY<br />

Que fizestes, Oh Cezar,<br />

com as minhas legiões!?<br />

CORO<br />

(emergindo dos subterrâneos)<br />

Nós soterrados, agora, lancetamos o pus.<br />

Na ação, na ação, nação<br />

retornamos à Luz.<br />

Chegamos à barricada<br />

Coragem incendiária<br />

destruir a própria alma desvairada! Desvairada…<br />

Destruir a própria alma desvairada! Desvairada…<br />

Nascida nos céus subterrâneos<br />

em que nos acoitamos.<br />

As catacumbas líricas se esgotam, míticas<br />

Ou desembocam,<br />

nas catacumbas políticas<br />

Corpo Sertão<br />

Sem orgãos<br />

saúda o cosmos,<br />

multidão.<br />

(TROPEL DE BÁRBAROS DO SUBTERRÂNEO SUBINDO PELAS ESTRUTURAS EM TRÁFEGO LIVRE TERRA,<br />

CÉU E INFERNO)<br />

M E R D A<br />

120

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