Púrpura trombocitopênica imune: diagnóstico e tratamento
Púrpura trombocitopênica imune: diagnóstico e tratamento
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PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2007;29(3):222-231<br />
222<br />
■ REVISÕES E ENSAIOS<br />
<strong>Púrpura</strong> <strong>trombocitopênica</strong> <strong>imune</strong>:<br />
<strong>diagnóstico</strong> e <strong>tratamento</strong><br />
Immune thrombocytopenic purpura:<br />
diagnosis and treatment<br />
<strong>Púrpura</strong> trombocitopenica immune:<br />
diagnostico y tratamiento<br />
Paulo Taufi Maluf Junior<br />
Unidade de Oncologia, Instituto da Criança, FMUSP<br />
Professor Livre-docente da FMUSP. Médico-assistente do Grupo<br />
da Unidade de Oncologia, ITACI/ICr-HC-FMUSP<br />
Resumo<br />
Objetivo: revisar os critérios vigentes para o<br />
<strong>diagnóstico</strong> e o <strong>tratamento</strong> da púrpura <strong>trombocitopênica</strong><br />
<strong>imune</strong> da criança. Fonte dos dados: foram<br />
selecionados os artigos da literatura da base<br />
MedLine mais relevantes dos últimos 20 anos relativos<br />
ao termo púrpura <strong>trombocitopênica</strong>. Síntese<br />
dos dados: o <strong>diagnóstico</strong> depende da clínica<br />
e do hemograma. O mielograma assim como a<br />
identificação de anticorpos antiplaquetários é<br />
acessória. O <strong>tratamento</strong> é expectante nos casos<br />
com pequenas hemorragias cutaneomucosas e<br />
que apresentam resolução em seis meses (70%).<br />
Os casos com hemorragias repetidas, intensas ou<br />
no sistema nervoso central recebem corticosteróide<br />
VO ou EV e, eventualmente, imunoglobulina<br />
EV. A indicação de medicação é preferencial<br />
nos casos com contagem de plaquetas inferiores<br />
a 10.000/mm 3 e nas crianças com maior risco de<br />
acidentes. Os casos crônicos (30%) podem fazer<br />
uso de imunosupressores e podem ter resolução<br />
com a esplenectomia. Conclusões: embora de fácil<br />
<strong>diagnóstico</strong>, a PTI tem um <strong>tratamento</strong> que<br />
pode ser só expectante ou complexo – envolvendo<br />
diferentes drogas e substâncias e até cirurgia,<br />
e a avaliação deve ser individualizada.<br />
Descritores: <strong>Púrpura</strong>. <strong>Púrpura</strong> auto-<strong>imune</strong>. Plaquetas.<br />
Criança<br />
Abstract<br />
Objective: to assess the current criteria for immune<br />
thrombocytopenic purpura (PTI) diagnosis<br />
and treatment. Data source: MedLine database articles<br />
published in the last twenty years were selected<br />
upon the term thrombocytopenic purpura. Data<br />
synthesis: the PTI diagnosis is supported by clinical<br />
data and haemogram, mielogram and anti-platelet<br />
antibodies exams are in general unnecessary. The<br />
treatment is expectant when small skin or mucosa<br />
bleeding are present and a spontaneous resolution<br />
occurs in six months (70%). Whenever the hemorrhages<br />
are repeated, severe, or affect the central<br />
nervous system the treatment should include oral or<br />
IV corticosteroid and eventually IV immune globulin.<br />
Medications are preferentially begin when the<br />
blood platelets count is under 10,000/mm 3 and or<br />
when the child has a risky life behavior. PTI chronic<br />
cases (30%) may receive immunosuppressive<br />
drugs but resolution is better achieved through splenectomy.<br />
Conclusions: until the PTI diagnosis is<br />
easy to establish the treatment may range from the<br />
simple expectancy to a complex drug scheme with<br />
different therapeutic measures, eventually also a<br />
surgery, and so it should be individualized.<br />
Keywords: Purpura. Autoimmune purpura. Platelets.<br />
Child
Resumen<br />
Objetivo: revisar los criterios existentes para el<br />
diagnostico y tratamiento de la púrpura trombocitopenica<br />
inmune de la crianza. Fuente de los datos:<br />
fueran seleccionados los artículos de la literatura de<br />
MedLine mas importantes publicados en los últimos<br />
20 años con el término púrpura trombocitopenica.<br />
Síntesis de los datos: el diagnostico es dependiente<br />
de datos clínicos y del hemograma, así que la<br />
realización del mielograma y la pesquisa de anticuerpos<br />
anti-plaquetarios son accesorios. El tratamiento<br />
es expectante en casos con pequeñas hemorragias<br />
cutáneo-mucosas y que presentan resolución<br />
en seis meses (70%). Los casos con repetidos sangramientos,<br />
intensos, o que afectan el sistema nervioso,<br />
reciben corticosteroides vo o ev y por veces la<br />
inmunogolubulina ev. A medicación es preferencial<br />
para pacientes con concentración plaquetaria inferior<br />
a 10.000/mm 3 y en los casos con mayor riesgo<br />
de accidentes. Los casos crónicos (30%) pueden<br />
hacer uso de inmunosupresores, pero tienen mejor<br />
resultado con la esplenectomia. Conclusiones: la<br />
PTI es de fácil diagnostico pero el tratamiento puede<br />
abarcar desde la sensilla observación hasta el<br />
empleo de varias drogas, medidas terapéuticas, y la<br />
cirugía, y esta evaluación debe ser individualizada.<br />
Palabras clave: <strong>Púrpura</strong>. <strong>Púrpura</strong> autoinmune. Plaquetas.<br />
Niño<br />
Introdução<br />
O pediatra que se ocupa do atendimento primário<br />
de saúde, quer na urgência ou em atividade<br />
ambulatorial, depara-se ocasionalmente com<br />
um quadro purpúrico que deve ser avaliado<br />
quanto à etiologia, risco de hemorragia, necessidade<br />
de exames exploratórios e encaminhamento<br />
ao especialista 1-5 . Para esse profissional, o primeiro<br />
grande desafio é estabelecer a etiologia do quadro,<br />
pois a púrpura tem múltiplas causas – infecciosas,<br />
neoplásicas, <strong>imune</strong>s – que exigem<br />
condutas diversas e muitas, imediatas, como nas<br />
infecções sistêmicas. Outras dificuldades são oferecidas<br />
pela multiplicidade de exames comprovatórios<br />
e pelas eventuais necessidades de utilização<br />
de hemoderivados e medicamentos. Na presente<br />
revisão, focalizamos o <strong>diagnóstico</strong> e o <strong>tratamento</strong><br />
de um quadro purpúrico em especial, a púrpura<br />
<strong>trombocitopênica</strong> <strong>imune</strong>, doença que acomete 50<br />
crianças por milhão ao ano e constitui a segunda<br />
causa de atendimento hematológico em pediatria,<br />
superada pelas anemias carenciais. O objetivo<br />
da revisão é atualizar o pediatra geral quanto<br />
ao <strong>diagnóstico</strong> diferencial, aos exames prioritários<br />
e à conduta terapêutica atual.<br />
Histórico e definições<br />
Hipócrates e Galeno descreveram “eminências”<br />
avermelhadas na pele associadas às febres<br />
pestilentas ou à praga e, posteriormente, Avicena<br />
relatou a ocorrência da púrpura crônica secundária<br />
à praga 6-8 . Na corte de Luiz XIV, o médico<br />
palaciano Lazare Rivère observou manchas de cor<br />
púrpura semelhante a picadas de pulga em alguns<br />
pacientes. No século XVIII, o poeta e médico Paul<br />
Werlhof descreveu um quadro de púrpura crônica<br />
– “Menina jovem, robusta, sem causa manifesta,<br />
foi acometida em seu período menstrual por uma<br />
hemorragia nasal súbita e por vômitos de sangue<br />
espesso e escurecido. Em seguida, apareceram<br />
manchas no pescoço e braços, de cor violácea ou<br />
purpúrica, tais como na varíola”.<br />
No final do século XIX, Giulio Bizzozero, na<br />
Universidade de Turim, foi pioneiro em suas descrições<br />
morfológicas das plaquetas e na demonstração<br />
de sua importância funcional e clínica em<br />
trabalho publicado. Em 1951, William Harrington<br />
estabeleceu a base imunológica da púrpura <strong>trombocitopênica</strong><br />
crônica, após a experiência de injetar<br />
plasma de pacientes portadores da doença em<br />
voluntários, que passaram a apresentar plaquetopenia<br />
6-8 .<br />
A definição da púrpura <strong>trombocitopênica</strong><br />
<strong>imune</strong> (PTI) é de doença causada por mecanismos<br />
de auto-imunidade na qual ocorre a diminuição<br />
de contagem de plaquetas e sangramentos,<br />
na maioria das vezes, com manifestações<br />
hemorrágicas leves ou moderadas, limitadas à<br />
pele e mucosas 1-5 . A PTI pode ser primária, ou<br />
idiopática, ou secundária, associada a alguma<br />
doença de base, e aguda ou crônica – nesse caso<br />
com mais de seis meses de duração 9-19 .<br />
Fisiopatologia<br />
PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNE<br />
A base imunológica da púrpura <strong>trombocitopênica</strong><br />
crônica foi estabelecida na experiência<br />
histórica de William Harrington 6,7 . Isso tem respaldo<br />
clínico na observação de trombocitopenia<br />
dos recém-nascidos filhos de mães acometidas<br />
por PTI. Os auto-anticorpos maternos com pas-<br />
223
PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2007;29(3):222-231<br />
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sagem transplacentária – frações de imunoglobulina<br />
G (IgG) – determinam uma plaquetopenia<br />
transitória até a depuração espontânea dos anticorpos.<br />
O mesmo evento ocorre em adultos saudáveis<br />
transfundidos com plasma de portadores<br />
de PTI.<br />
A habitual depuração das plaquetas no fígado<br />
e, principalmente, no baço é acelerada quando as<br />
plaquetas estão revestidas por auto-anticorpos da<br />
classe IgG que ligam-se aos receptores Fc expressos<br />
em macrófagos teciduais. Como conseqüência,<br />
em alguns indivíduos produz-se um aumento<br />
compensatório na produção de plaquetas na medula<br />
óssea, ao passo que, em outros, a produção<br />
diminui por destruição intramedular das plaquetas<br />
por macrófagos, ou por inibição da hematopoese<br />
megacariocitária 7,18,19 . Os níveis de trombopoietina<br />
não se elevam, o que traduz a quantidade<br />
normal de megacariócitos presentes na medula.<br />
Os anticorpos são dirigidos a antígenos plaquetários,<br />
e os primeiros a serem identificados foram<br />
as glicoproteínas do complexo IIb/IIIa, e, posteriormente,<br />
várias outras glicoproteínas – Ib/IX,<br />
Glicoproteína IIb/IIIa<br />
Anticorpo<br />
6<br />
Glicoproteína<br />
Ib/IX<br />
Figura 1. PTI: fisiopatologia.<br />
Antiglicoproteína<br />
IIb/IIIa<br />
Antiglicoproteína<br />
Ib/IX<br />
Plaquetas ligadas<br />
a anticorpo<br />
Clone de<br />
célula B<br />
Glicoproteína<br />
IIb/IIIa<br />
Glicoproteína<br />
Ib/IX<br />
Receptor<br />
Fcγ<br />
Clone de<br />
célula T<br />
Clone de célula B2 Clone de célula B2<br />
Ia/IIa, IV e V – além de outros componentes plaquetários<br />
foram determinados 7-10,20,21 . Pode haver<br />
produção de anticorpos contra múltiplos antígenos,<br />
simultaneamente. Após o início do processo<br />
de destruição plaquetária, desencadeado por algum<br />
auto-anticorpo próximo às células apresentadoras<br />
de antígenos, pode haver a exposição de<br />
outros antígenos plaquetários (neoantígenos),<br />
que suscitam um aumento na produção dos anticorpos<br />
e que podem acentuar ou estabelecer a<br />
plaquetopenia (Figura 1). Os anticorpos anômalos<br />
originam-se de clones de células B selecionados<br />
por mutação somática, o que foi verificado<br />
por seqüenciamento genético dos anticorpos ligados<br />
às glicoproteínas plaquetárias. Outras alterações<br />
<strong>imune</strong>s verificadas na PTI são o aumento<br />
do número de linfócitos T positivos para HLA-<br />
DR, bem como do número de receptores solúveis<br />
para interleucina 2. Há também casos em que há<br />
uma elevação das citocinas da linhagem T helper<br />
de tipo 1 e, nesses pacientes, os fragmentos de<br />
glicoproteínas IIb/IIIa estimulam a síntese de anticorpos,<br />
em lugar das proteínas naturais.<br />
1 2<br />
5<br />
CD40<br />
CD4<br />
CD154 CD154<br />
Macrófago ativado<br />
3<br />
Glicoproteína<br />
IIb/IIIa<br />
4<br />
Glicoproteína Ib/IX<br />
CD4<br />
CD40
Parece existir uma base genética para a ocorrência<br />
da PTI, que tem sido identificada com<br />
maior freqüência em gêmeos monozigóticos e<br />
em certos grupos familiares nos quais existe uma<br />
maior tendência para a produção de auto-anticorpos.<br />
Alguns grupos étnicos afetados apresentam<br />
maior prevalência de alelos HLA-DRw2 e<br />
DRB1*0410. A resposta terapêutica diferenciada<br />
dos pacientes também mostra a importância genética<br />
na PTI: o perfil de alelos HLA-DR4 tem<br />
evolução desfavorável sob corticoterapia, enquanto<br />
o perfil DRB1*0410 tem prognóstico favorável;<br />
o perfil de alelos HLA-DRB1*1501 tem<br />
pior resposta à esplenectomia. Contudo, apesar<br />
dessas observações, poucos estudos mostram de<br />
forma consistente a ligação causal entre PTI e o<br />
complexo MHC 7,22 .<br />
Diagnóstico<br />
A suspeita do <strong>diagnóstico</strong> de PTI é clínica 5,6,14 . O<br />
quadro teve súbito aparecimento de purpúra cutaneomucosa<br />
difusa em criança por volta de 5 anos<br />
de idade que estava previamente saudável e que, de<br />
modo geral, não apresentava outras alterações. A<br />
doença acomete igualmente os dois sexos. É freqüente<br />
o antecedente de infecção prévia viral nos<br />
dois meses precedentes, geralmente de vias aéreas<br />
superiores. Alguns casos pouco intensos podem<br />
ser reconhecidos fortuitamente ao hemograma<br />
requerido de rotina ou em exame pré-operatório.<br />
Em alguns casos, as famílias referem eventos hemorrágicos<br />
recorrentes, a exemplo das epistaxes,<br />
hematúrias, enterorragias etc. Na história do paciente<br />
quase sempre existe um antecedente de infecções<br />
virais nos dois meses prévios, e um sangramento<br />
pequeno de mucosa oral ou nasal pode ser<br />
observado. Hematúria e enterorragia ocorrem com<br />
baixa freqüência e sangramentos volumosos são raramente<br />
relatados. Não há perda de apetite, febre,<br />
dores, cansaço, perda de peso, hipoatividade ou<br />
aparecimento de nódulos. Raramente, em cerca de<br />
0,1% dos casos, pode ocorrer acidente cerebral hemorrágico,<br />
com a apresentação de cefaléia, vômitos,<br />
alteração de nível de consciência e outras manifestações<br />
neurológicas. O exame físico mostra<br />
uma criança em bom estado geral, afebril, sem dores,<br />
sem adenomegalias, sem aumento de fígado ou<br />
baço. Estão presentes sufusões hemorrágicas cutâneas<br />
em mucosas e na esclerótica – equimoses e petéquias,<br />
de aparecimento recente, em áreas não expostas<br />
a trauma (Figura 2).<br />
Na evolução, mais de 70% dos pacientes apresentam<br />
regressão dos sinais dentro de seis meses<br />
do início do quadro 14-16 . Após esse período a<br />
doença passa a ser caracterizada como crônica, e<br />
esse padrão evolutivo demanda outra abordagem<br />
terapêutica 1,6 .<br />
A condução do pediatra frente a um quadro<br />
purpúrico é verificar imediatamente a ocorrência<br />
de plaquetopenia, excluindo as púrpuras vasculares<br />
agudas, como as decorrentes da meningococcemia<br />
e outras infecções bacterianas, virais e<br />
por riquétsias. Esses quadros infecciosos geralmente<br />
são febris e muitas vezes são acompanhados<br />
de alterações no estado geral e mesmo de<br />
perfusão periférica. Uma vez constatada a plaquetopenia,<br />
o <strong>diagnóstico</strong> diferencial da PTI<br />
deve ser realizado com outras doenças menos<br />
freqüentes e mais graves, como as neoplasias hematológicas<br />
e a disfunção de medula óssea 19 . Essas<br />
devem ter pronto encaminhamento para os<br />
serviços de referência. Também devem ser distinguidos<br />
os casos em que a púrpura plaquetopênica<br />
é imunomediada, porém faz parte de uma<br />
doença auto-<strong>imune</strong>, como o lúpus sistêmico ou<br />
outras colagenoses 16-19 . Por esses motivos, diante<br />
de uma criança com púrpura plaquetopênica, o<br />
pediatra deve avaliar três questões:<br />
1. A plaquetopenia é o único evento da doença?<br />
2. A plaquetopenia tem origem imunológica?<br />
3. A plaquetopenia auto-<strong>imune</strong> é primária?<br />
Para atender ao primeiro quesito, deve-se ter<br />
em mente que o <strong>diagnóstico</strong> de PTI é feito, na<br />
maioria das vezes, por exclusão. As queixas da fa-<br />
Figura 2. PTI: petéquias e equimoses.<br />
PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNE<br />
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mília devem estar limitadas ao aparecimento das<br />
petéquias, e a possibilidade de PTI reduz-se<br />
quando há relato de outras queixas clínicas e/ou<br />
de alterações ao exame físico, exceto a púrpura.<br />
Da mesma forma, a plaquetopenia é um achado<br />
isolado na PTI, e a constatação de leucopenia<br />
e/ou anemia intensa no hemograma, sugere outra<br />
etiopatogenia. Os principais <strong>diagnóstico</strong>s diferenciais<br />
da PTI ocorrem com pacientes plaquetopênicos<br />
sem as características descritas e que constam<br />
da Tabela 1 18,19 .<br />
Há outras situações menos freqüentes de plaquetopenia<br />
que devem ser diferenciadas da PTI e<br />
que constam na Tabela 2, como a síndrome hemolítico-urêmica,<br />
a aplasia medular e as neoplasias<br />
que infiltram a medula óssea.<br />
As crianças pré-escolares são, quase certamente,<br />
portadoras de PTI quando apresentam sangramentos<br />
petequiais sem outras alterações ao exame<br />
físico ou sintomas, e somente plaquetopenia no<br />
hemograma. Esses pacientes geralmente não precisam<br />
ser investigados para outras doenças.<br />
Deve-se ampliar a investigação quando algum<br />
outro sinal ou sintoma surge no decorrer da evolução<br />
clínica ou, ainda, se não houver elevação<br />
Tabela 1. Principais causas de plaquetopenia e suas características clínicas<br />
da taxa plaquetária durante a evolução 16-19 . O<br />
mielograma e a pesquisa de anticorpos antiplaquetários<br />
podem ser necessários em alguns casos<br />
de dúvida etiológica, mas, de modo geral, não<br />
são determinantes do <strong>diagnóstico</strong>, inclusive pela<br />
sorologia ser negativa em cerca de 20% dos pacientes<br />
16,18 . O mielograma era um exame rotineiro<br />
na avaliação de PTI e sua dispensa ainda causa<br />
controvérsia 16,18 . O estudo da medula óssea<br />
pode ser indicado nos casos com esplenomegalia,<br />
muito embora possa ocorrer aumento discreto<br />
do baço em uma parcela mínima dos pacientes.<br />
A utilidade do mielograma seria afastar as<br />
leucemias, aplasias e mielodisplasias, porém, a<br />
normalidade das séries branca e vermelha praticamente<br />
as exclui, daí a muito limitada utilidade<br />
do exame. A ocorrência da plaquetopenia isolada<br />
como única manifestação inicial de leucemia<br />
é muito rara e estimada em menos de 0,1% desses<br />
casos. Ainda assim, alguns autores recomendam<br />
que seja realizado o mielograma nas crianças<br />
prestes a iniciar corticoterapia. Certamente,<br />
nos casos de evolução desfavorável da plaquetopenia<br />
com falta de resposta aos medicamentos,<br />
deve-se realizar a punção de medula óssea 16,18 .<br />
Doença Quadro clínico Exames laboratoriais<br />
PTI História de sangramento(s) Trombocitopenia e demais<br />
cutâneo e/ou de mucosa séries normais<br />
Ausência de adenomegalias e Mielograma (opcional) sem<br />
hepatoesplenomegalia hipoplasia ou células anormais<br />
Sem sintomas gerais Anticorpos antiplaquetários<br />
(opcional) + em 80% dos casos<br />
<strong>Púrpura</strong> do recém-nascido História de mãe com PTI<br />
Quadro clínico semelhante a PTI<br />
Anticorpos alo<strong>imune</strong>s<br />
Lúpus eritematoso A plaquetopenia pode ser a ANA e anticardiolipina presentes<br />
sistêmico primeira alteração da doença Anemia hemolítica presente na<br />
Anemia maioria<br />
Febre<br />
Artropatia<br />
Coombs positivo<br />
Leucemia Queda do estado geral<br />
Febre<br />
Anemia<br />
Hepatoesplenomegalia<br />
Adenomegalia<br />
Mielograma com células neoplásicas<br />
Doenças infecciosas História e exame físico Sorologia positiva<br />
Toxoplasmose sugestivos Detecção do agente<br />
EBV<br />
CMV<br />
Rubéola<br />
HIV
Tabela 2. Causas de plaquetopenia pouco<br />
freqüentes<br />
Plaquetopenia por aumento de destruição<br />
Causa imunológica<br />
Por drogas<br />
Pós-transfusional<br />
Síndrome de Evans<br />
Hipertireoidismo<br />
Doenças linfoproliferativas<br />
Anafilaxia<br />
Causa não-imunológica<br />
Anemia hemolítica-microangiopática<br />
Síndrome hemolítico-urêmica<br />
Cardiopatia cianótica<br />
Hiperesplenismo (neoplasias, hipertensão<br />
portal, doença de depósito, hematológica)<br />
Plaquetopenias por defeito na produção<br />
Hipoplasia<br />
Síndrome TAR (agenesia de rádio)<br />
Amegacariocitose<br />
Síndrome de Wiscott-Aldrich<br />
Aplasia medular<br />
Processo infiltrativo<br />
Osteopetrose<br />
Mielofibrose<br />
Doenças de depósito<br />
Linfomas<br />
Neuroblastomas<br />
Sarcomas de partes moles<br />
Histiocitoses<br />
Tratamento<br />
A terapêutica atualmente proposta para PTI<br />
pode abranger a intervenção na síntese de anticorpos<br />
e nos mecanismos de produção sensibilização<br />
e eliminação das plaquetas do organismo<br />
7,22 . A conduta adequada para o <strong>tratamento</strong> de<br />
crianças com PTI envolve controvérsias há longo<br />
tempo e ainda não existe consenso a respeito da<br />
abordagem. Isso se deve ao fato de haver um risco<br />
ínfimo de hemorragias graves e da constatação<br />
de que as plaquetas recuperam-se espontaneamente<br />
em quatro semanas, em 30% dos casos, e<br />
dentro de 6 meses, em 70% dos pacientes 11,14,15 .<br />
O uso de corticosteróides, imunoglobulina<br />
endovenosa ou imunoglobulina anti-D 12 faz com<br />
que a taxa de plaquetas eleve-se rapidamente 2 .<br />
Isso está indicado nos casos de hemorragia grave<br />
com epistaxe incontrolável, hematúria macroscópica<br />
e, principalmente, hemorragia intracraniana.<br />
Também estão indicados em situações de prová-<br />
PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNE<br />
vel sangramento, como procedimentos cirúrgicos,<br />
odontológicas, trauma, risco de trauma em<br />
crianças menores e ativas e uso de drogas indutoras<br />
de disfunção plaquetária (aspirina ou outra).<br />
A transfusão de concentrado de plaquetas deve<br />
ser restrita a essas situações. Em casos de púrpura<br />
com ausência de sangramento vivo, não há justificativa<br />
para transfusão de plaquetas qualquer<br />
que seja a contagem verificada. Deve haver atenção<br />
para os pacientes com contagem plaquetária<br />
inferior a 10.000/mL, pois a possibilidade de ocorrerem<br />
hemorragias mais intensas é maior 3,21 .<br />
Na maioria dos casos, cabe ao médico observar<br />
o caso interferindo caso necessário frente aos<br />
aspectos acima descritos. Leva-se em conta a<br />
evolução, o fato da medicação não interferir na<br />
cura da doença, a relação entre o custo e o benefício<br />
da terapia e as características da criança e da<br />
família, como a supervisão pelos adultos e o<br />
comportamento do menor. Os esquemas para o<br />
emprego dos medicamentos citados são diversos<br />
2,5,16,18 , conforme a Tabela 3.<br />
Há três principais propostas de conduta terapêutica<br />
baseadas em evidências que diferem entre<br />
si conforme observado na Tabela 4, especialmente<br />
na escolha do <strong>tratamento</strong> inicial.<br />
A American Society of Hematology propõe que<br />
seja iniciado <strong>tratamento</strong> para todas as crianças com<br />
contagens plaquetárias inferiores a 10.000/mL,<br />
e recomenda que cabe ao especialista a decisão<br />
de tratar pacientes com menos de 20.000/mL 9 . O<br />
British Committee for Standards in Haematology<br />
só indica uso de drogas para contagens inferiores<br />
a 10.000/mL em casos de sangramento mucoso<br />
(púrpura molhada) ou cutâneo de grande extensão<br />
4 . <strong>Púrpura</strong>s molhadas com contagens maiores<br />
são tratadas de acordo com o tirocínio médico. O<br />
Deutsche Leitlinien Kinderheilkunde und Jugendmedizin<br />
segue os mesmos preceitos dos ingleses,<br />
mas só tratam as púrpuras molhadas de<br />
grandes proporções 17 .<br />
A resposta ao <strong>tratamento</strong> pode ser classificada<br />
como completa, parcial, mínima ou ausente,<br />
dependendo do nível de plaquetas alcançado. A<br />
maioria dos autores define a resposta como completa<br />
quando o número de plaquetas se normaliza,<br />
ultrapassando 150.000/mL; a resposta é parcial<br />
quando a contagem situa-se entre 50.000 e<br />
100.000/mL e a resposta mínima é conferida<br />
quando a taxa é próxima a 50.000/mL 14,16,18 .<br />
Com o objetivo de obter dados estatísticos<br />
globais quanto às características da PTI (demo-<br />
227
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228<br />
grafia, história natural, incidência de casos graves),<br />
assim como possibilitar a melhora do <strong>tratamento</strong>,<br />
foi constituído o Estudo Intercontinental<br />
da PTI na Infância (ICIS), com cerca de 3.000<br />
pacientes registrados no momento 8 . Os guias de<br />
<strong>tratamento</strong> do estudo seguem, a princípio, um<br />
consenso entre as orientações propostas pelas<br />
três instituições citadas (Tabela 4). Em muitas<br />
situações é recomendada a individualização da<br />
abordagem, levando-se em conta o conhecimento<br />
que o médico tem da família e da criança e o<br />
risco de hemorragia nos casos em que a medicação<br />
não é introduzida ao princípio.<br />
Tabela 3. Produtos e drogas utilizadas na terapêutica da PTI<br />
Abordagem da doença crônica<br />
Na evolução, cerca de um terço dos casos de<br />
PTI mantém a contagem plaquetária abaixo de<br />
100.000/mL após seis meses desde o <strong>diagnóstico</strong>,<br />
e isso caracteriza o quadro como crônico, independentemente<br />
da duração dos períodos de observação<br />
e de <strong>tratamento</strong> com CS e IGV 7,16,18 . A<br />
decisão de ampliar a terapêutica habitual dos casos<br />
agudos – CS, IGV e anti-D – depende do estilo<br />
de vida da criança (atividades físicas, freqüência<br />
à escola, perfil de comportamento e risco de<br />
acidente), do nível de plaquetas e do antecedente<br />
Agente terapêutico Dose diária Duração do esquema (dias)<br />
Prednisona 0,25 mg/kg 21<br />
2 mg/kg 14 e suspensão lenta<br />
60 mg/m2 21<br />
4 mg/kg 4<br />
4 mg/kg 7 e suspensão lenta<br />
Metilprednisolona 30 ou 50 mg/kg 7 dias<br />
20 a 30 mg/kg 2 a 7 dias<br />
30 mg/kg 3 dias<br />
Gamaglobulina EV 0,8 a 1 g/kg 1 a 2 dias<br />
0,25 g/kg 1 dia<br />
Anti-D 25 mcg/kg 2 dias<br />
50 a 60 mcg/kg 1 dia<br />
75 mcg/kg 1 dia<br />
Tabela 4. Esquemas de <strong>tratamento</strong> da PTI aguda segundo a contagem plaquetária<br />
Contagem plaquetária no sangue<br />
Esquema < 20.000/mL 20.000 a 30.000/mL > 30.000/mL<br />
ASH < 10.000: CS ou IGV <strong>Púrpura</strong> seca: uso <strong>Púrpura</strong> seca:<br />
< 20.000 e púrpura seca: opcional de CS ou IGV só observar<br />
uso opcional de CS ou IGV <strong>Púrpura</strong> molhada: <strong>Púrpura</strong> molhada:<br />
<strong>Púrpura</strong> molhada: CS ou IGV CS ou IGV CS ou IGV<br />
British <strong>Púrpura</strong> molhada ou<br />
sangramento cutâneo extenso:<br />
CS alta dose (máximo 4 dias)<br />
ou em baixa dose<br />
(máximo 14 dias)<br />
Hemorragia grave: IGV<br />
German <strong>Púrpura</strong> seca: só observar Sangramentos<br />
< 10.000/mL e púrpuras<br />
molhadas: CS<br />
Hemorragia grave: IGV<br />
volumosos: CS<br />
CS = corticóide; IGV = imunoglobulina venosa; alta dose CS = 4 mg/kg; baixa dose CS =1 a 2 mg/kg; púrpura seca - cutânea púrpura<br />
molhada - mucosa; ASH = American Society of Hematology 9 ; British = British Committee for Standards in Haematology 4 ; German =<br />
Deutsche Leitlinien Kinderheilkunde und Jugendmedizin 17 .
de sangramento grave. Para muitas crianças sem<br />
hemorragia significativa, com plaquetopenia estável<br />
por longo tempo, calmas e sem atividade desportiva,<br />
pode-se apenas observar e supervisionar a<br />
evolução, sem o uso de medicações. Para os casos<br />
com perfil diverso há várias opções de abordagem<br />
terapêutica quando a resposta a CS, IGV e anti-D<br />
não é completa 1,3,5,18 . Entre as opções, há vários<br />
imunossupressores que têm sido utilizados, porém<br />
com alguns efeitos adversos importantes 21,22<br />
(Tabela 5). A vincristina e a vimblastina mostram-se<br />
eficazes, mas a normalização da contagem<br />
plaquetária é pouco duradoura. A ciclofosfamida<br />
pode induzir respostas favoráveis em até 80% dos<br />
casos, mas as doses necessárias são altas e os efeitos<br />
colaterais freqüentes limitam o uso. Outros<br />
imunossupressores também têm sido utilizados. A<br />
ciclosporina origina resposta clínica em torno de<br />
40% desses casos e o micofenolato mofetil origina<br />
menor freqüência de reações adversas, mas ainda<br />
está em avaliação.<br />
O danazol é um andrógeno atenuado que pode<br />
ser eficaz em parte dos casos, especialmente em<br />
pacientes com mais idade. O dapsone produz respostas<br />
transitórias em cerca de 40% dos casos.<br />
Uma substância promissora é o rituximab, anticorpo<br />
monoclonal anti-CD20, presente nas células B,<br />
que é utilizado no <strong>tratamento</strong> de doenças linfoproliferativas<br />
de linhagem B, em especial as decorrentes<br />
de infecções pelo vírus EB após o transplante<br />
de órgãos. Na PTI, o rituximab atua na supressão<br />
de células B e diminui a produção de anticorpos<br />
Tabela 5. Efeitos colaterais das drogas anti-PTI<br />
Agente Efeitos colaterais<br />
antiplaquetários 20 . As experiências recentes indicam<br />
que ocorrem respostas completas em até 50%<br />
dos casos de PTI e que se mantém por um período<br />
maior que o verificado com outros agentes. Aparentemente,<br />
a toxicidade é pequena, mas deve ressalvar-se<br />
que o uso em crianças ainda é limitado e<br />
isso deve ser avaliado em estudos mais amplos 20 .<br />
Abordagem das emergências<br />
PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNE<br />
As hemorragias intensas das superfícies mucosas<br />
e as do sistema nervoso central, manifestas<br />
pela ocorrência de sintomas e sinais neurológicos,<br />
além dos atos cirúrgicos, são condições que determinam<br />
intervenção terapêutica imediata 5,14,15 . A<br />
transfusão de plaquetas deve ser feita com o dobro<br />
ou o triplo do volume habitual (uma bolsa para<br />
cada 5 a 10 kg). Também deve ser infundida a metilprednisolona<br />
endovenosa na dosagem de 30<br />
mg/kg infundida em conjunto com a IGV 1 g/kg.<br />
Esta associação deve ser repetida por três dias 7,18 .<br />
Quando a evolução clínica é desfavorável, o ácido<br />
aminocapróico ou o fator VIIa recombinante também<br />
têm sido cogitados, assim como a plasmaferese,<br />
que costuma ter efeito limitado 7,18 . Em alguns<br />
casos a esplenectomia de urgência é medida<br />
heróica nas hemorragias cerebrais graves.<br />
A esplenectomia oferece a possibilidade de<br />
melhora definitiva da plaquetopenia crônica 15,18 .<br />
Ao contrário do que ocorre entre adultos, para os<br />
quais a esplenectomia é oferecida como possibilidade<br />
precocemente e obtém bons resultados,<br />
Corticóide Edema, hiperglicemia, infecções oportunistas, sintomas gástricos, alterações de<br />
humor, osteoporose<br />
Imunoglobulina Cefaléia, náusea, vômitos, febre, meningite asséptica, hemólise, disfunção renal<br />
Anti-D Cefaléia, náusea, tontura, febre, sintomas flu-like, hemólise<br />
Vincristina<br />
Vimblastina<br />
Neuropatia periférica, leucopenia<br />
Danazol Hepatotoxicidade, virilização, amenorréia<br />
Ciclofosfamida Neutropenia, infecções, trombose, mucosite oral, cistite hemorrágica,<br />
probabilidade de neoplasia secundária<br />
Ciclosporina Hipertensão, dor muscular, disfunção renal, dor muscular, cefaléia<br />
Dapsone Metaemoglobinemia, hemólise, exantema, cianose, cefaléia, náusea, vômitos<br />
Micofenolato Mofetil, diarréia, vômitos, lombalgia<br />
Rituximab Dor e febre durante a infusão<br />
229
PEDIATRIA (SÃO PAULO) 2007;29(3):222-231<br />
230<br />
na PTI da criança a decisão cirúrgica é mais difícil,<br />
devido ao risco de infecções graves e só deve<br />
ser cogitada quando os <strong>tratamento</strong>s clínicos não<br />
propiciem uma qualidade de vida razoável. Esse<br />
panorama pode estar se alterando devido à utilização<br />
concomitante dos anticorpos monoclonais<br />
anti-CD20 ou do fator VIIa recombinante, especialmente<br />
diante da aparente segurança propiciada<br />
por esses novos recursos 18,19 .<br />
A opção cirúrgica deve ser oferecida aos casos<br />
crônicos que, além de não sustentar a contagem<br />
plaquetária com a terapia medicamentosa, sofrem<br />
interferência na vida escolar, social ou familiar, e<br />
com risco de sangramento grave. Esse risco ocorre,<br />
muitas vezes, pela dificuldade dos pais em controlar<br />
as atividades físicas da criança acometida.<br />
Segundo a ASH 9 , a esplenectomia está indicada em<br />
pacientes com doença persistente por mais de 12<br />
meses refratária a drogas e com manifestações hemorrágicas.<br />
Quanto à idade para indicar a esplenectomia,<br />
podem ser candidatos ao procedimento<br />
os pacientes sintomáticos com menos de 10.000<br />
plaquetas/mL a partir dos três anos; enquanto para<br />
as contagens entre 10.000 e 30.000/mL são candidatas<br />
as crianças acima de 8 anos.<br />
Para a British Society of Haematology 4 , a esplenectomia<br />
pode ser justificada ocasionalmente<br />
em situações de sangramentos potencialmente fatais<br />
e para crianças cuja doença seja crônica e<br />
sem resposta a medicações, com duração de<br />
mais de 12 meses e cuja condição cause restrições<br />
e prejuízo considerável no estilo de vida.<br />
O sucesso da esplenectomia é mais assegurado<br />
entre os casos que tiveram resposta favorável (e<br />
transitória) à IGV, mas o inverso não tem sido observado<br />
11,12 . De modo geral, a esplenectomia obtém<br />
um bom resultado na concentração plaquetária<br />
das crianças com PTI crônica: ocorre remissão<br />
completa e imediata do quadro hematológico em<br />
cerca de 70% dos casos, e nos 30% residuais a evolução<br />
também é favorável, embora mais tardia. A<br />
cirurgia de remoção do baço por via laparoscópica<br />
levou à diminuição da morbidade cirúrgica,<br />
pela menor incidência na formação de bridas e<br />
obstruções intestinais. A cirurgia laparoscópica é,<br />
hoje, preferencial para a esplenectomia.<br />
Existem controvérsias quanto à profilaxia antiinfecciosa<br />
após a remoção do baço, as revisões sistemáticas<br />
são inconclusivas 1,16 . O risco de infecção<br />
generalizada é de aproximadamente 2 a 4 casos por<br />
ano, para cada 1.000 crianças operadas, e as bactérias<br />
encapsuladas (S. pneumoniae, H. influenzae, N.<br />
meningitidis) respondem pela grande maioria dos<br />
eventos. O risco é maior em crianças com menos<br />
de cinco anos, especialmente no primeiro ano pósoperatório,<br />
mas pode ocorrer até 40 anos após a cirurgia.<br />
Inexplicavelmente, lactentes com menos de<br />
um ano têm menor risco de sepse.<br />
A vacinação contra os três agentes encapsulados<br />
duas semanas antes da esplenectomia é recomendada,<br />
embora ainda não esteja determinado<br />
o impacto na morbidade e mortalidade pós-cirúrgica<br />
11,14 . A indicação de antibioticoterapia<br />
profilática não é respaldada de forma unânime<br />
nos pacientes operados. Há quem adote a política<br />
de não introduzir <strong>tratamento</strong> preventivo com<br />
antimicrobianos, mas de empregá-los aos primeiros<br />
sinais de febre. Alguns autores recomendam<br />
antibiótico profilático por 2 a 5 anos após a<br />
esplenectomia, enquanto outros usam-nos por<br />
toda a vida. A propensão às infecções varia entre<br />
os pacientes operados, porém a avaliação individual,<br />
inclusive genética, não possibilita hoje a<br />
identificação dos casos com maior tendência 11 .<br />
Doença recidivante<br />
Aproximadamente 25% das crianças com PTI<br />
podem apresentar recidiva a qualquer tempo,<br />
após o <strong>tratamento</strong> inicial 10 . Não há evidências suficientes<br />
de que a terapêutica possa reduzir a possibilidade<br />
de recidiva. Após a recidiva, cerca de<br />
1/3 dos pacientes apresentam remissão espontânea<br />
ao longo do tempo; para os restantes, a medicação<br />
tem pouca utilidade. A corticoterapia leva a<br />
efeitos indesejáveis sem benefícios e o rituximab<br />
pode ser experimentado 20 . A esplenectomia é uma<br />
opção terapêutica, consideradas as mesmas circunstâncias<br />
da PTI crônica – vantagens e risco.<br />
Conclusões<br />
Embora de fácil <strong>diagnóstico</strong>, a PTI tem um <strong>tratamento</strong><br />
que pode ser só expectante ou complexo,<br />
envolvendo diferentes drogas e medidas terapêuticas<br />
e até cirurgia. A avaliação deve ser individualizada<br />
observando a ocorrência de hemorragias importantes<br />
e a condição habitual de vida da criança.<br />
A regressão espontânea e o reduzido risco de complicações<br />
da maior parte dos casos permitem que se<br />
recomende apenas observar esses pacientes, sem<br />
medicá-los. A terapia clássica dos casos complicados<br />
e crônicos com corticosteróide está sendo acrescida<br />
de novos recursos como o uso de anticorpos.
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Dr. Paulo Taufi Maluf Junior<br />
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647<br />
Cerqueira César<br />
São Paulo – SP<br />
Cep 05403-000<br />
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Recebido para publicação: 10/4/2007<br />
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231