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o manifesto literário - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM

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O MANIFESTO LITERÁRIO: ALGUMAS PECULIARIDADES DO<br />

MANIFESTO DADÁ E DO MANIFESTO ANTROPÓFAGO<br />

Adalberto <strong>de</strong> Oliveira SOUZA (<strong>UEM</strong>)<br />

Ogmar Luciano SILVA (G-<strong>UEM</strong>)<br />

REFERÊNCIA:<br />

SOUZA, Adalberto <strong>de</strong> Oliveira; SILVA, Ogmar<br />

Luciano. O <strong>manifesto</strong> <strong>literário</strong>: algumas<br />

peculiarida<strong>de</strong>s do <strong>manifesto</strong> dadá e do <strong>manifesto</strong><br />

antropófago. In: CELLI – COLÓQUIO DE<br />

ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3,<br />

2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1-10.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

ISBN: 978-85-99680-05-6<br />

O termo <strong>manifesto</strong> possui uma conotação muito ampla e na maioria das vezes<br />

não recebe um enfoque específico. Nos compêndios <strong>literário</strong>s esse tipo <strong>de</strong> produção<br />

crítica/literária é diluída <strong>em</strong> versões sintéticas e estanques não valorizando suas reais<br />

potencialida<strong>de</strong>s e eficiências. Po<strong>de</strong>ndo ser utilizado com conotações políticas, literárias<br />

e até mesmo filosóficas, <strong>em</strong> muitos casos, o <strong>manifesto</strong> <strong>literário</strong> serve como roteiro para<br />

fundamentação <strong>de</strong> uma nova estética literária como é o caso do <strong>manifesto</strong> <strong>literário</strong> Le<br />

Symbolisme <strong>de</strong> Jean Moréas ou mesmo o Manifesto Futurista <strong>de</strong> 1909.<br />

Sob esta perspectiva qualquer arte poética é, a rigor, um <strong>manifesto</strong> com<br />

potencialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentar uma nova estética. Des<strong>de</strong> a antiguida<strong>de</strong> clássica, po<strong>de</strong>-se<br />

supor que houve “<strong>manifesto</strong>s <strong>literário</strong>s” mas, com intenções b<strong>em</strong> distintas dos<br />

<strong>manifesto</strong>s da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, como é o caso da poética <strong>de</strong> Aristóteles e mesmo das<br />

poéticas latinas e renascentistas <strong>de</strong> Horácio e Boileau. No entanto, fora a partir das<br />

primeiras décadas do século XX que ocorreu o gran<strong>de</strong> surto na produção <strong>de</strong> <strong>manifesto</strong>s<br />

como os <strong>de</strong>: André <strong>de</strong> Breton <strong>de</strong> 1924 para inaugurar o Surrealismo; <strong>de</strong> Tristan Tzara <strong>de</strong><br />

1916 para inaugurar o Dadaísmo na França e mesmo o Manifesto Anti-Dantas <strong>de</strong><br />

Almada Negreiros, contra o comodismo dos poetas portugueses.<br />

Buscar<strong>em</strong>os expor neste estudo uma análise sobre o conceito <strong>de</strong> <strong>manifesto</strong><br />

<strong>literário</strong> e algumas peculiarida<strong>de</strong>s inseridas no Manifesto Dadá <strong>de</strong> 1918 e no Manifesto<br />

Antropófago <strong>de</strong> 1928.<br />

1


2. CONTEXTUALIZAÇÕES.<br />

O Dadaísmo como movimento <strong>de</strong> vanguarda foi fomentado nos cafés e<br />

bulevares do período que ficou conhecido como a Belle Époque, momento da arte e da<br />

literatura européia que se esten<strong>de</strong> entre 1886 a 1914, marcado pela afloração <strong>de</strong><br />

tendências científicas, filosóficas, sociais e literárias, advindas do Realismo –<br />

Naturalismo.<br />

É neste período, que concomitant<strong>em</strong>ente a Europa se esvai sobre os campos <strong>de</strong><br />

batalha <strong>de</strong> Marne, Ourcq e Somme, surge o movimento Dadá. Criado, alimentado e<br />

nutrido por jovens <strong>de</strong>scontentes com a cultura e os <strong>de</strong>smandos político/militares,<br />

originando assim um movimento altamente subversivo.<br />

Tristan Tzara encabeçou este movimento que teve início <strong>em</strong> 1916 e pô<strong>de</strong><br />

cont<strong>em</strong>plar todo o vasto campo científico e cultural europeu, o qual serviu <strong>de</strong> mote tanto<br />

para os poetas <strong>de</strong> seu grupo quanto aos brasileiros. Como foi o caso <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> que travou inúmeros contatos com a Paris futurista <strong>de</strong> 1909 e mesmo Graça<br />

Aranha a figura <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ática <strong>de</strong>ste movimento, <strong>de</strong>ntre outros.<br />

Muitos críticos afirmam que a S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> 1922 foi arquitetada<br />

sob influencias das correntes <strong>de</strong> vanguarda européia, fato que fora negligenciado por<br />

seus fundadores, mas algumas coincidências vieram enfatizar essa afirmativa:<br />

Por ex<strong>em</strong>plo: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1921, André Breton havia<br />

programado, para março <strong>de</strong> 1922, a realização <strong>de</strong> um Congresso do<br />

Espírito Mo<strong>de</strong>rno, o que não chegou a se dar por causa dos<br />

<strong>de</strong>sentendimentos com Tristan Tzara, na Véspera da data marcada. A<br />

nossa S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna só foi mesmo programada <strong>em</strong><br />

nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1921, um mês <strong>de</strong>pois da chegada <strong>de</strong> Graça Aranha.<br />

(FACCHINETTI, 2002, p.18)<br />

Mesmo tendo consciências <strong>de</strong>stas influências e vinculações, ir<strong>em</strong>os nos<br />

restringir a uma análise das peculiarida<strong>de</strong>s inerente a cada um dos <strong>manifesto</strong>s <strong>de</strong> forma<br />

estanque, fornecendo assim o escopo para um futuro estudo sobre as peculiarida<strong>de</strong>s<br />

entre ambos <strong>manifesto</strong>s.<br />

3. IMPLICAÇÕES SOBRE O TERMO MANIFESTO.<br />

A princípio po<strong>de</strong>mos caracterizar um <strong>manifesto</strong> como toda e qualquer<br />

representação capaz <strong>de</strong> transmitir, sugerir ou propor um conhecimento, um legado<br />

artístico, político ou cultural. Na maioria das vezes o <strong>manifesto</strong> opera através <strong>de</strong><br />

contornos b<strong>em</strong> <strong>de</strong>lineados <strong>de</strong>ntro da i<strong>de</strong>ologia e dos preceitos <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>alizador.<br />

Quando nos referimos ao termo “<strong>manifesto</strong>” a primeira alusão a que somos<br />

r<strong>em</strong>etidos é a do <strong>manifesto</strong> civil e reinvidicatório, ou seja, o <strong>manifesto</strong> <strong>de</strong> rua o piquete<br />

do grevista a indignação <strong>de</strong> um povo perante seus representantes. Somos compelidos a<br />

esse tipo <strong>de</strong> <strong>manifesto</strong> pois o mesmo integra uma modalida<strong>de</strong> muito corrente na mídia<br />

brasileira.<br />

O conceituado dicionário Aurélio nos apresenta duas variantes para esse termo,<br />

sendo a primeira acima cont<strong>em</strong>plada, ou seja:<br />

2


Declaração Pública ou solene das razões que justificam certos atos ou<br />

fundamentam certos direitos -e uma segunda que abrange- um<br />

<strong>Programa</strong> político, estético, etc. [...]. (FERREIRA, 2000, p.444).<br />

Não entanto, o dicionário francês Micro Robert também nos apresenta essa<br />

dupla afirmação, não obstante sua segunda acepção, pela qual tecer<strong>em</strong>os nosso estudo, é<br />

mais elucidativa, vejamos :<br />

Déclaration écrite, publique et solennelle, par laquelle un<br />

gouvern<strong>em</strong>ent, un groupe ou une personnalité politique expose son<br />

programme, justifie sa position → proclamation. – Exposé théorique<br />

lançant un mouv<strong>em</strong>ent littéraire. Le Manifeste du surréalisme [...].<br />

(ALAIN, 1998, p.802) (grifo nosso).<br />

Grupo ou uma personalida<strong>de</strong> política talvez <strong>de</strong>vido ao ensaio mais conhecido e<br />

que proporcionou o mais contun<strong>de</strong>nte impacto a vida mo<strong>de</strong>rna, O Manifesto Comunista.<br />

Publicado originalmente <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão <strong>em</strong> meados <strong>de</strong> 1848, por Karl Marx e<br />

Friedrich Engel o Manifesto do Partido Comunista como ficou conhecido, propôs as<br />

diretrizes para liga comunista e caracterizou a burguesia como selvag<strong>em</strong> e opressora das<br />

classes menos favorecidas.<br />

Já como programa estético, po<strong>de</strong>mos nos balizar <strong>de</strong>ntre os quarenta e tantos<br />

<strong>manifesto</strong>s europeus, no citado Manifesto do Surrealismo <strong>de</strong> 1924, que se suce<strong>de</strong>u<br />

cont<strong>em</strong>poraneamente ao movimento dadaísta e sinalizou para uma nova percepção <strong>de</strong><br />

mundo e <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />

Renato Poggioli no prólogo <strong>de</strong> sua obra Teoría <strong>de</strong>l arte <strong>de</strong> vanguardia, tendo <strong>em</strong><br />

vista a importância dos <strong>manifesto</strong>s <strong>de</strong>ste período, diferencia as noções <strong>de</strong> “<strong>manifesto</strong>” e<br />

“programa” sendo aquele “documentos consistentes en preceptos <strong>de</strong> índole artística y<br />

estética” e este como “las <strong>de</strong>claraciones i<strong>de</strong>ológicas más generales y más vastas,<br />

visiones <strong>de</strong> panoramas <strong>de</strong> conjunto” (POGGIOLI, 1964, p.18 apud GELADO, 2006, p.<br />

194).<br />

Tal distinção nos apresenta uma solução prática bastante probl<strong>em</strong>ática, na<br />

medida <strong>em</strong> que enten<strong>de</strong>mos que os <strong>manifesto</strong>s vanguardistas se articularam, na maioria<br />

das vezes, <strong>de</strong> forma indissolúvel. Para sanar esta contradição teórica entre “<strong>manifesto</strong>” e<br />

“programa” Gelado nos apresenta uma <strong>de</strong>finição que esten<strong>de</strong> uma ponte <strong>em</strong> direção à<br />

pragmática discursiva <strong>de</strong>stes textos, concebendo que o <strong>manifesto</strong> “atualise un projet<br />

[...]; [il] est à la fois un programme e sa mise en ouvre”. (ABASTADO, 1982, p.5 apud<br />

GELADO, 2006, p.194).<br />

Este posicionamento é pertinente pois ir<strong>em</strong>os constatar mais a diante que tanto<br />

no Manifesto Dadá quanto no Manifesto Antropófago são observáveis certos diálogos<br />

entre os movimentos e preceito anteriores que são ora suplantados ora atualizados.<br />

Um postulado muito intrigante t<strong>em</strong> sido levantado no tocante ao <strong>manifesto</strong><br />

<strong>literário</strong> no qual é vinculada certa similarida<strong>de</strong> entre <strong>manifesto</strong>, prefácio e relato.<br />

Segundo Abastado <strong>manifesto</strong> e prefácio po<strong>de</strong>m gozar <strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong> programática e<br />

polêmica, mesmo possuindo meios <strong>de</strong> divulgação diferentes, como é o caso do prefácio<br />

da peça teatral Cromwell <strong>de</strong> Victor Hugo.<br />

Quanto às similarida<strong>de</strong>s entre relato e <strong>manifesto</strong>, Abastado esclarece que essa<br />

equivalência se configura pela razão <strong>de</strong> ambas as produções ocupar<strong>em</strong> “lugares<br />

privilegiados <strong>de</strong> leitura”. Segundo o mesmo, o relato ocuparia o lugar privilegiado da<br />

3


leitura do imaginário enquanto o <strong>manifesto</strong> o lugar da leitura pragmática da socieda<strong>de</strong>,<br />

na medida <strong>em</strong> que tec<strong>em</strong> suas tensões i<strong>de</strong>ológicas e representações polêmicas.<br />

Viviane Gelado nos sugere que:<br />

Estas características estão presentes <strong>em</strong> muitos <strong>manifesto</strong>s <strong>de</strong><br />

vanguarda latino- americana, mas serão especialmente evi<strong>de</strong>ntes nos<br />

estri<strong>de</strong>ntistas mexicanos após 1922, no da revista argentina Martín<br />

Fierro e no Antropófago <strong>de</strong> Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. (GELADO, 2006,<br />

p.197).<br />

Com o exposto fica evi<strong>de</strong>nte um pequeno esboço da vasta complexida<strong>de</strong> inserida<br />

por <strong>de</strong> trás do termo “<strong>manifesto</strong>”. Complexida<strong>de</strong> esta que geralmente é tratada <strong>de</strong><br />

maneira superficial e comprimida na maioria dos compêndios <strong>literário</strong>s, nos levando a<br />

ajustar o foco <strong>de</strong> nossas investigações.<br />

4. O MANIFESTO DADÁ.<br />

Caracterizado como o ponto <strong>de</strong> convergência histórica e literariamente <strong>de</strong>, pelo<br />

menos, três das principais correntes <strong>de</strong> vanguardas européias, sendo essas o futurismo,<br />

expressionismo e o cubismo. O Dadaísmo, ou movimento dadá, teve seu auge no<br />

período compreendido entre os anos <strong>de</strong> 1916 a 1921, tal movimento se caracterizou pela<br />

ruptura, negação e <strong>de</strong>sprezo dos valores então vigentes na época, como po<strong>de</strong>mos ver:<br />

O dadaísmo foi o mais radical movimento intelectual dos últimos<br />

t<strong>em</strong>pos, superando pela intensida<strong>de</strong> e dimensões estéticas os gran<strong>de</strong>s<br />

movimentos <strong>de</strong> pessimismo e ruptura, como o Sturm und Drang, o<br />

mal du siècle e o <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntismo do final do século XIX. (TELES,<br />

1978, p.125).<br />

A obra aqui utilizada como corpus é o ensaio do romeno Tristan Tzara Le<br />

Manifeste Dada <strong>de</strong> 1918, obra extr<strong>em</strong>amente importante, por tratar-se do segundo<br />

<strong>manifesto</strong> da safra intitulada Sept manifestes dadá / lampisteries, cuja primeira edição é<br />

<strong>de</strong> 1924, mas que contém material que fora apresentado ao público no período que<br />

quase coincidiu com a própria cronologia do movimento, ou seja, <strong>de</strong> 1916 a 1920.<br />

Como po<strong>de</strong>mos notar:<br />

A história do dadaísmo po<strong>de</strong> ser resumida através <strong>de</strong> seus <strong>manifesto</strong>s,<br />

principalmente os <strong>de</strong> Tristan Tzara (1896-1963) que li<strong>de</strong>rou o<br />

movimento a ponto <strong>de</strong> levá-lo consigo para Paris, on<strong>de</strong> dadaístas e<br />

cubistas coexistiram mais ou menos pacificamente. (TELES, 1978, p.<br />

125).<br />

A obra foi escolhida, pois como já aqui evi<strong>de</strong>nciado, trata-se <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong><br />

altíssima importância e complexida<strong>de</strong> funcional, digo complexida<strong>de</strong> funcional, pois é<br />

um <strong>manifesto</strong> <strong>literário</strong> que <strong>de</strong>vido sua relevância tomou status <strong>de</strong> um ensaio polivalente,<br />

<strong>literário</strong>, técnico, panfletário e político. A literarieda<strong>de</strong> neste texto encontra-se<br />

sobretudo no conteúdo transmitido, e é neste plano que, estudantes, professores e<br />

pesquisadores da área encontram interesse no domínio <strong>de</strong> seu conteúdo.<br />

4


Tzara inicia seu <strong>manifesto</strong> <strong>de</strong>sacreditando todo o misticismo agregado a palavra<br />

“Dadá” e inicia a afirmativa que irá sustentar no segundo tópico <strong>de</strong>sta obra, ou seja, que<br />

a palavra “Dadá 1 (...) não t<strong>em</strong> para nós nenhuma importância”.<br />

Após a pré-<strong>de</strong>finição do valor <strong>de</strong>sta nomenclatura são elencados procedimentos<br />

para o lançamento <strong>de</strong> um <strong>manifesto</strong>, que se consubstanciam <strong>em</strong> três etapas:<br />

(...) é preciso querer: A.B.C., fulminar 1,2,3, enervar e aguçar as<br />

asas para conquistar e espalhar pequenos e gran<strong>de</strong>s a, b, c, (TZARA,<br />

1918 apud TELLES, 2002, p.137) (grifo nosso).<br />

Dentre os procedimentos cito uma suposta “troca <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>” tendo <strong>em</strong> vista<br />

que os objetivos <strong>de</strong>ste <strong>manifesto</strong> são representados por letras maiúsculas e a situação<br />

atual por números.<br />

O fato <strong>de</strong> querer “A.B.C.,” para obter “conquistar e espalhar pequenos e gran<strong>de</strong>s<br />

a, b, c” nos dá viés para interpretação <strong>de</strong> que os resultados pretendidos são diferentes<br />

daqueles alçados, como se fosse necessária uma representação maior para o acesso <strong>de</strong><br />

objetivos relativamente menores.<br />

Toda esta sugestão e violência requer<strong>em</strong> um preço que logo é representado pelos<br />

números, dos quais po<strong>de</strong>mos tecer referencias equiparando-os as estéticas e os conceitos<br />

vigentes, naquele dado momento.<br />

O que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar é que após a disposição daquilo que<br />

<strong>de</strong>verá ser exterminado, graficamente há um espaço “fulminar 1,2,3,_____” (TZARA,<br />

1918 apud TELLES, 2002, p.137) (Grifo Nosso) o que nos induz a interpretar que<br />

talvez po<strong>de</strong>rão ser fulminados muito mais que um, dois ou três, pois os numerais não<br />

possu<strong>em</strong> uma <strong>de</strong>marcação final após sua apresentação. Sutilezas gráficas que<br />

permearam gran<strong>de</strong> parte da literatura vanguardista européia e mo<strong>de</strong>rnista brasileira.<br />

Este pequeno excerto contorna uma contradição que é confirmada no segundo<br />

parágrafo que diz: “Eu redijo um <strong>manifesto</strong> e não quero nada, eu digo portanto certas<br />

coisas e sou por princípio contra os <strong>manifesto</strong>s, como sou também contra os princípios”.<br />

A primeira vista, a contradição resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> não se creditar valor ao<br />

<strong>manifesto</strong> e apresentar-se, com todas as suas conotações e anseios, através <strong>de</strong> um.<br />

Embora <strong>em</strong> uma leitura mais aprofundada sobre este excerto, po<strong>de</strong>-se abstrair que o<br />

objetivo <strong>de</strong>ste é mostrar seu caráter <strong>de</strong>sagregador, através da metonímia da busca <strong>de</strong> um<br />

b<strong>em</strong> (letras maiúsculas) que é totalmente díspar ao existente (números) mesmo que o<br />

resultado não seja o satisfatório (letras minúsculas).<br />

Esta afirmativa nos faz repensar o seguinte aforismo:<br />

O futurismo lançou-se contra o passado e sonhou uma superliteratura<br />

no século da “velocida<strong>de</strong>”; o expressionismo via a <strong>de</strong>struição do<br />

mundo, mas sabendo que do caos se organizaria uma estrutura<br />

superior, que era a verda<strong>de</strong>ira beleza. Para os dadaístas, entretanto,<br />

não havia passado, n<strong>em</strong> futuro: o que havia era a guerra, o nada; e a<br />

única coisa que restava era produzir uma antiarte (...)” (TZARA, 1918<br />

apud TELLES, 2002, p.132) (grifo nosso).<br />

Digo repensar a parte selecionada, pois quando se diz <strong>de</strong>struir “1,2,3.,” almejar<br />

“A,B.C” e conseguir “a.b.c” po<strong>de</strong>mos supor uma sucessivida<strong>de</strong> t<strong>em</strong>poral para os fatos,<br />

1 Segundo Lúcia Helena “O nome dadá po<strong>de</strong> significar tantas coisas, que acaba por não significar coisa<br />

alguma, pelo acúmulo exagerado <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s” (HELENA, 1993, p.49)<br />

5


ou seja, a conotação do futuro está aí inserida o que nos leva a aceitar a elucidação <strong>de</strong><br />

Alain Lewi que diz :<br />

Les dadaïstes croient cependant dans la possibilité d’un mon<strong>de</strong><br />

meilleur, bien qu’ils n’aient pas été capables d’en fixer les contour.<br />

Mais, en dépit <strong>de</strong> cela, leur mouv<strong>em</strong>ent s’inscrit d’abord dans une<br />

logique <strong>de</strong>structrice. (LEWI, 1989, p.20).<br />

Ao prosseguir <strong>em</strong> nossa analise perceb<strong>em</strong>os a gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> no uso da<br />

técnica do Ready-Ma<strong>de</strong>, que consiste <strong>em</strong> uma construção efetuada a partir da junção <strong>de</strong><br />

duas, três ou até quatro palavras, criando assim a palavra s<strong>em</strong> significação. Isto é, com a<br />

significação contida apenas no significante, como é o caso <strong>de</strong>: “não-me-importismo”;<br />

“ventrevermelhos”, “jesuschamandoascriançinhas” e “cristalblef<strong>em</strong>adona”; <strong>de</strong>ntre<br />

outras.<br />

No caso <strong>de</strong>sta última que possivelmente advém da junção das palavras cristal +<br />

blef<strong>em</strong>a (oriunda <strong>de</strong> blasfêmia) + dona, se reparamos pelo contexto, po<strong>de</strong>mos atribuí-la<br />

uma conotação anti-capitalista, vejamos : “Todo o mundo o faz sob uma forma<br />

cristalblef<strong>em</strong>adona, sist<strong>em</strong>a monetário, produto farmacêutico, perna nua convidando à<br />

primavera ar<strong>de</strong>nte e estéril”.<br />

Tal posicionamento crítico ao capital monetário também é evi<strong>de</strong>nte <strong>em</strong>:<br />

T<strong>em</strong>os bastantes aca<strong>de</strong>mias cubistas e futuristas: laboratórios <strong>de</strong> idéias<br />

formais. Faz-se a arte para ganhar dinheiro e acariciar os gentis<br />

burgueses ? As rimas soam a assonâncias das moedas e a inflexão<br />

<strong>de</strong>sliza ao longo da linha do ventre <strong>de</strong> perfil. (TZARA, 1918 apud<br />

TELLES, 2002, p.139).<br />

Muito além <strong>de</strong>sta crítica direta ao capital, dado fragmento, inicia um diálogo<br />

entre as correntes vanguardistas antece<strong>de</strong>ntes, que é aprofundado no parágrafo seguinte.<br />

Tzara ex<strong>em</strong>plifica como era concebida a pintura sob a ótica cubista e futurista e o faz ao<br />

ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> uma xícara pintada por Cézanne.<br />

Após toda uma construção sintética e <strong>de</strong> certa forma jocosa sobre o cubismo e o<br />

futurismo Tzara exalta o artista dadaísta, que <strong>em</strong> sua concepção:<br />

O artista novo protesta: ele não pinta mais (reproduções simbólicas e<br />

ilusionista), mas cria diretamente na pedra, na ma<strong>de</strong>ira, no ferro, no<br />

estanho, nas rochas, os organismos locomotivos que po<strong>de</strong>m ser<br />

movimentados <strong>de</strong> todos os lados pelo vento límpido da sensação<br />

momentânea. (TZARA, 1918 apud TELLES, 2002, p.140).<br />

E ainda sobre a pintura, Tzara propõe, <strong>de</strong> forma muito violenta, um novo viés<br />

para esta representação vejamos:<br />

Toda a obra <strong>de</strong> pintura ou plástica é inútil; que ela seja um monstro<br />

que faça medo aos espíritos servis, e não adocicada para ornar os<br />

refeitórios dos animais com roupas humanas, ilustrações <strong>de</strong>sta triste<br />

fábula da humanida<strong>de</strong>. (TZARA, 1918 apud TELLES, 2002, p.140).<br />

6


5. O MANIFESTO ANTROPÓFAGO.<br />

Publicado no dia 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1928 o <strong>manifesto</strong> antropofágico, como ficou<br />

conhecido, representa antes <strong>de</strong> mais nada um auto <strong>de</strong> afirmação dos valores nacionais,<br />

uma possível negação a <strong>de</strong>pendência estética / literária à “cida<strong>de</strong> luz” e uma forma <strong>de</strong><br />

valorização da cultura <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> nacional.<br />

Mesmo sabendo que esse período iniciado <strong>em</strong> 1922 com a S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> Arte<br />

Mo<strong>de</strong>rna fora cont<strong>em</strong>porâneo ao centenário da In<strong>de</strong>pendência, ainda se fazia gritante os<br />

<strong>em</strong>préstimos europeus. O clima reinante no Brasil era o efeito catártico, a busca pela<br />

assimilação das tendências e parâmetros europeus.<br />

Contra toda esta <strong>de</strong>pendência surge o Manifesto Antropófago atuando como uma<br />

forma <strong>de</strong> reciclag<strong>em</strong>, ampla e abrangente <strong>de</strong> todas as culturas e crenças possíveis para a<br />

estruturação <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> caráter nacional.<br />

Antes <strong>de</strong> nos aprofundarmos pelos <strong>em</strong>aranhados <strong>de</strong>ste <strong>manifesto</strong> que a meu ver<br />

um dos mais subversivos <strong>de</strong>ste período, far<strong>em</strong>os algumas conotações sobre sua<br />

nomenclatura o Manifesto Antropófago.<br />

Antropófago v<strong>em</strong> <strong>de</strong> Antropofagia que basicamente equivale a uma forma <strong>de</strong><br />

canibalismo. Há autores que questionam as diferenças notórias entre Canibalismo e<br />

Antropofagismo, sendo este baseado <strong>em</strong> uma consumação do corpo <strong>de</strong> um compatriota<br />

e aquele como uma consumação <strong>de</strong> uma personag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma outra ou diversa<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

Um apontamento muito interessante sobre essa questão diz respeito a<br />

constatação que o termo canibalismo surgiu basicamente a partir das gran<strong>de</strong>s<br />

navegações. Com a <strong>de</strong>scoberta da América o termo Canibalismo tomou posse <strong>de</strong>sta<br />

cena, o que não raro:<br />

Na maioria absoluta das vezes o canibal será o outro, distante<br />

geográfica e culturalmente; até para aqueles que praticam a<br />

androfagia, pois eles vê<strong>em</strong> o seu próprio canibalismo como<br />

socializado, ao contrário do canibalismo do outro, ou seja, dos <strong>de</strong>uses<br />

e dos inimigos, que praticariam um canibalismo “selvag<strong>em</strong>”.<br />

(ALMEIDA, 2002, p.6).<br />

Po<strong>de</strong>mos constatar então que já pelo nome <strong>de</strong>ste <strong>manifesto</strong> encontramos a<br />

subversão e a tentativa <strong>de</strong> ultrapassar essa visão estereotipada, <strong>de</strong> que na América<br />

ocorrera o canibalismo e <strong>em</strong> outras partes do globo o antropofagismo.<br />

Oswald inicia seu <strong>manifesto</strong> com a seguinte afirmativa: “Só a antropofagia nos<br />

une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”. Tal sentença po<strong>de</strong> ser<br />

interpretada como um elo entre as vítimas <strong>de</strong>sta que ficou conhecida como a primeira<br />

“<strong>de</strong>ntição”.<br />

Inserido no estereotipo do índio antropófago está a noção <strong>de</strong> que os índios só<br />

vitimarão aqueles que são consi<strong>de</strong>rados, por eles, personalida<strong>de</strong>s importantes ou <strong>de</strong> alta<br />

estirpe como: <strong>de</strong>uses; guerreiros; heróis entre outros, no entanto, o autor afirma:<br />

“Quer<strong>em</strong>os a revolução Caraíba 2 (...)” e mais adiante o “instinto Caraíba 3 ”.<br />

2<br />

Tribo indígena oriunda do Caribe, e que supostamente teria servido como inspiração para <strong>de</strong>nominação<br />

<strong>de</strong>ste país.<br />

3<br />

Possuía o costume <strong>de</strong> consumir carne humana e fazer uma flauta com um dos ossos <strong>de</strong> sua vítima,<br />

absorvendo assim <strong>de</strong> forma metonímica sua alterida<strong>de</strong>.<br />

7


Tal afirmativa é primordial se perceb<strong>em</strong>os que nos rituais <strong>de</strong>sta tribo não havia<br />

distinções entre seus participantes, o que nos leva a crer que tanto mulheres, velhos<br />

como crianças po<strong>de</strong>riam ser aclamados por esse ritual. Tal tradição possui ainda uma<br />

significação extra para a execução <strong>de</strong> seus inimigos, segundo Lynn Mario T. Menezes<br />

<strong>de</strong> Souza.<br />

A explicação antropológica clássica para esse costume é que os<br />

Caraíbas acreditariam que a <strong>de</strong>voração do inimigo lhes garantia acesso<br />

a seus segredos, uma vez que tanto o espírito do inimigo quanto seus<br />

segredos repousariam <strong>em</strong> seus ossos. (SOUZA, 1997, p.78).<br />

Estas contestações se evi<strong>de</strong>nciam para concluir que dado <strong>manifesto</strong> é contra<br />

“todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos” apenas <strong>em</strong> suas representações<br />

estanques pois a sua junção a <strong>de</strong>mais conceitos é muito b<strong>em</strong>-vinda. O que explica as<br />

estrutura profunda <strong>de</strong>ste <strong>manifesto</strong> que visa estabelecer a absorção <strong>de</strong> toda e qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> manifestação cultural para a edificação <strong>de</strong> uma literatura nacional.<br />

Este leque é reafirmado <strong>em</strong> “Só me interessa o que não é meu [...] ” Oswald nos<br />

leva a interpretação <strong>de</strong> que vale a mulher posto que ele é hom<strong>em</strong>, o baiano posto que ele<br />

é paulista, enviesando <strong>de</strong>sta maneira uma apologia as diferenças que inicialmente no<br />

território brasileiro já são inúmeras.<br />

Oswald <strong>de</strong>ixa fluir uma fúria <strong>de</strong>scomunal contra o processo <strong>de</strong> colonização<br />

brasileiro, segundo o mesmo “Antes dos portugueses <strong>de</strong>scobrir<strong>em</strong> o Brasil, o Brasil<br />

tinha <strong>de</strong>scoberto a felicida<strong>de</strong>”.<br />

A partir <strong>de</strong>sta afirmação são exaltadas todas as características que foram<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas pelo processo colonial, on<strong>de</strong> a arrogância do colonizador ignorou a<br />

alterida<strong>de</strong> indígena brasileira suplantando seus valores, crenças e costumes como se<br />

aqui nada existisse.<br />

Contra a religião européia o <strong>manifesto</strong> aponta que se a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “Deus é a<br />

consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos<br />

vegetais” nos evi<strong>de</strong>nciando que o índio brasileiro tinha sim cultura, religião e até já<br />

“tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista” e até mesmo nossa “ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ouro”.<br />

Tal afirmativa é retomada dialogicamente representando a alterida<strong>de</strong> negada<br />

pelo colonizador ao afirmar que não “tiv<strong>em</strong>os especulações. Mas tínhamos adivinhação.<br />

Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sist<strong>em</strong>a social –<br />

planetário”.(ANDRADE, 1918 apud TELLES, 2002, p.357).<br />

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REFERÊNCIAS<br />

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FACCHINETTI, Cristiana. Deglutindo Freud: Histórias da digestão do discurso<br />

psicanalítico no Brasil. Apresentação parcial da Tese <strong>de</strong> Doutoramento <strong>em</strong> Teoria<br />

Psicanalítica –IP/UFRJ. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 01 abr. 2007.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque <strong>de</strong> Holanda. Mini Aurélio Século XXI: O Mini dicionário<br />

da língua Portuguesa. 4ª Revista e Ampliada Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 2000.<br />

HELENA, Lucia. Movimentos <strong>de</strong> Vanguarda Européia: Margens do Texto. São Paulo:<br />

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française. 3. ed. Paris: Hachette, 1998.<br />

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2006. Anual. Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong>: 10 abr. 2007.<br />

SOUZA, L.M.M. O fragmento quântico: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e alterida<strong>de</strong> no sujeito póscolonial.<br />

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p.65.81.<br />

TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Mo<strong>de</strong>rnismo Brasileiro. 17º<br />

Petropolis: Vozes, 2002.<br />

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