DIALOGISMO E PARÓDIA EM FÁBULAS DE ESÔFAGO
DIALOGISMO E PARÓDIA EM FÁBULAS DE ESÔFAGO
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<strong>DIALOGISMO</strong> E <strong>PARÓDIA</strong> <strong>EM</strong> <strong>FÁBULAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESÔFAGO</strong><br />
Márcia Adriana Dias KRA<strong>EM</strong>ER (CESUMAR)<br />
REFERÊNCIA:<br />
KRA<strong>EM</strong>ER, Márcia Adriana Dias. Dialogismo e<br />
paródia em Fábulas de Esôfago. In: CELLI –<br />
COLÓQUIO <strong>DE</strong> ESTUDOS LINGUÍSTICOS E<br />
LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá,<br />
2009, p. 1694-1706.<br />
1. CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES INICIAIS<br />
ISBN: 978-85-99680-05-6<br />
O presente artigo tem como foco a análise da crônica jornalística de caráter<br />
humorístico Fábulas de Esôfago, de Agamenon Mendes Pedreira, publicada no<br />
Segundo Caderno do jornal O Globo, sessão Humor, em 2002. O texto chama a atenção<br />
pelo tom satírico da narrativa alegórica, em que os fatos narrados apresentam marcas do<br />
estranho (TODOROV, 1975), a fim de aludir ironicamente um contexto real. Assim, a<br />
seleção da crônica para a análise justifica-se pela necessidade de os profissionais de<br />
ensino usarem, em sua práxis, textos do cotidiano com o intuito de estimular o processo<br />
de aprendizagem (FIORIN,2000).<br />
A narrativa em questão é construída a partir de fragmentos parodiados de histórias<br />
da memória popular, em que se destaca a estrutura da fábula, provavelmente<br />
objetivando, ao final, revelar um preceito moral. Nesse sentido, o leitor tem papel<br />
fundamental, pois é ele que atribuirá sentido à relação entre, por exemplo, texto e<br />
contexto, uma vez que deverá buscar nos pedaços de memória que vão ficando ou se<br />
perdendo, palavras e sentidos (BRAGA, 2000). Esse processo da memória humana só é<br />
possível na e pela linguagem. A linguagem permite o contato com os objetos do mundo,<br />
mesmo quando eles estão ausentes, e duplica o que é perceptível, criando um manancial<br />
de imagens interiores. Se a memória do animal é dependente da orientação no meio<br />
ambiente e dos motivos biológicos, o homem, em e por processos discursivos, é capaz<br />
de organizar o material a ser lembrado, de ampliar o volume de informações<br />
conservadas, de voltar-se arbitrariamente para o passado. Segundo Luria (1991), A<br />
linguagem é condição de uma atividade mnemônica consciente, dessa forma, os<br />
fragmentos e os próprios sujeitos vão se constituindo nas práticas sociais, na teia do<br />
discurso.<br />
O texto em análise possui características literárias, as quais, para Fiorin (2000),<br />
são muito importantes ao ensino de língua materna, uma vez que possuem um caráter<br />
1694
subversivo em relação à ordem estabelecida, provocando a reflexão crítica. Ressalta-se<br />
que o enfoque que se dará a este estudo privilegia a construção textual propriamente dita<br />
e a participação ativa do leitor no processo de formação dos sentidos do texto. O viés de<br />
análise contempla teorias lingüísticas que sustentam a presença de dialogismo na<br />
composição textual.<br />
2. <strong>DIALOGISMO</strong> E INTERAÇÃO VERBAL <strong>EM</strong> TORNO <strong>DE</strong> BAKHTIN<br />
Em nossa cultura, a palavra possui peso fundamental e, a partir da intensificação<br />
das relações sociais, essa forma de comunicação passa a ser exercitada não só em sua<br />
dimensão oral, como também na escrita. Os enunciados construídos a partir da interação<br />
verbal exprimem e realimentam a ‘ideologia do cotidiano’ - termo usado por Bakhtin<br />
(2006), para explicitar o domínio da palavra interior e exterior desordenado e ainda não<br />
fixado em um sistema. A ideologia do cotidiano expressa-se por meio de cada um de<br />
nossos atos, gestos ou palavras, permitindo que os sistemas ideológicos contituídos<br />
(moral, arte, religião, ciência) cristalizem-se a partir dela, em uma interação dialética<br />
constante.<br />
Sob a ótica bakhtiniana, é no fluxo da interação verbal que a palavra se concretiza<br />
como signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes significados, de acordo<br />
com o contexto em que ela surge. Dessa forma, constituído pelo fenômeno da interação<br />
social, o diálogo revela-se como a tessitura da vida pela linguagem.<br />
Assim, à medida que o conhecimento é sistematizado, na interação dialética<br />
constante, as idéias e as experiências dos homens são difundidas textualmente. Cada<br />
época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso que funciona como<br />
um espelho que reflete e refrata o cotidiano e a palavra é a imagem desse espaço no qual<br />
os valores fundamentais de uma dada sociedade explicitam-se e confrontam-se.<br />
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama<br />
a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será<br />
sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas<br />
que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho<br />
para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no<br />
qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não<br />
tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram<br />
tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de<br />
registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais.<br />
(BAKHTIN, 2006, p.42).<br />
A interação, então, a partir desses pressupostos, implica na relação dialógica de<br />
dois interlocutores, mediada pela palavra, em uma perspectiva infinita de elos de<br />
linguagem, que se consolidam pelas posições sociais dos interactantes, em função do<br />
meio social em que vivem. Entretanto, o dialogismo em Bakhtin precisa ser considerado<br />
não como um conteúdo, mas como um pressuposto geral, por meio do qual se constrói a<br />
sua concepção de signo, de enunciado, de polifonia e de carnavalização (CASTRO,<br />
1993).<br />
A fim de expor sua proposta por meio de diretrizes metodológicas, Bakhtin<br />
(2006) deixa claro ser fundamental isolar a linguagem – objeto real de sua pesquisa - de<br />
seu contexto, delimitando suas fronteiras. Dessa forma, apresenta, em um primeiro<br />
momento, as duas orientações do pensamento filosófico-lingüístico: o subjetivismo<br />
1695
idealista, representado em especial pelo pensamento de Humboldt e Vossler; e o<br />
objetivismo abstrato, notoriamente conhecido pela obra de Saussure.<br />
O primeiro modelo de análise centra-se no ato de fala como pilar da língua,<br />
marcado pelas leis do psiquismo individual. Essa tendência caracteriza-se por<br />
considerar a criação lingüística análoga à artística e a língua um produto acabado, um<br />
sistema estável, instrumento pronto a ser usado pelo falante.<br />
O segundo modelo, ao contrário, preconiza que o centro organizador de todos os<br />
fatos da língua situa-se no sistema lingüístico (formas fonéticas, gramaticais e lexicais<br />
da língua). Nessa concepção, as enunciações são estruturadas a partir de traços<br />
idênticos, normativos, que possibilitam a unicidade de uma determinada língua e sua<br />
inteligibilidade por todos os locutores de uma mesma comunidade lingüística.<br />
Bakhtin (2006) submete essas correntes a uma rigorosa crítica epistemológica,<br />
demonstrando que o objeto de cada uma delas, ao reduzir a linguagem ou à enunciação<br />
monológica isolada (subjetivismo idealista) ou a um sistema abstrato de formas<br />
(objetivismo abstrato), constitui, por si só, um obstáculo à apreensão da natureza real da<br />
linguagem como código ideológico.<br />
Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou<br />
mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc.<br />
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou<br />
vivencial. (BAKHTIN, 2006, p.98).<br />
Para Bakhtin (op. cit), separar a linguagem do seu conteúdo ideológico ou<br />
vivencial é um grande equívoco da lingüística formalista, mostrando que esta é<br />
influenciada pela filologia que se fundamenta em enunciações isoladas, fechadas e<br />
monológicas, por ignorar o contexto em que a enunciação ocorre. Para esse pensador, as<br />
regras da língua naturalmente existem, porém seu domínio é limitado e elas não podem<br />
ser compreendidas como explicação potencial de tudo, pois se assim o fosse, não<br />
haveria possibilidade de as pessoas criarem a si próprias e o mundo. Dessa forma,<br />
existem sempre modos diferentes de falar, muitas linguagens, constituídas pelo<br />
extralingüístico, refletindo a diversidade da experiência social. Logo, pode-se considerar<br />
a língua inseparável do fluxo da comunicação verbal, sendo transmitida, não como um<br />
produto acabado, mas como algo que se constitui continuamente na corrente da<br />
comunicação verbal.<br />
3. POLIFONIA, INTERTEXTUALIDA<strong>DE</strong> E <strong>PARÓDIA</strong> <strong>EM</strong> TORNO <strong>DE</strong><br />
BAKHTIN<br />
Partindo-se do viés de que a linguagem é constitutivamente dialógica e que a<br />
enunciação é de natureza social, pode-se estabelecer também a sua natureza polifônica.<br />
Segundo Bakhtin (1981), um exemplo de ato polifônico no interior da narrativa dá-se na<br />
obra de Dostoiévsky, na qual as personagens não são apenas objeto do discurso do<br />
autor, mas os próprios sujeitos desses discursos. Nessa perspectiva, embora sejam<br />
criações de um autor, as personagens podem alcançar vida e voz própria na trama<br />
narrativa, tornando-se senhores de suas ações e de suas palavras. Dessa forma,<br />
Dostoiévsky mostra-se original ao empregar estratégias que possibilitam uma<br />
multiplicidade de vozes e de consciências que mantêm entre si uma relação de eqüidade<br />
no discurso, opondo-se aos textos monofônicos, os quais revelam-se em uma única voz,<br />
sob a perspectiva, a consciência ou a ideologia do autor.<br />
1696
Entretanto, esse fenômeno não se restringe ao texto literário, alcançando vez<br />
em diversas situações comunicativas nas quais os discursos constroem-se e<br />
reconstroem-se constantemente. Conforme Barros (2003), o dialogismo discursivo<br />
preconizado por Bakhtin desdobra-se em dois aspectos: o da interação verbal entre o<br />
enunciador e o enunciatário do texto (a persuasão e a interpretação participam da<br />
construção dialógica do sentido); o da intertextualidade no interior do discurso<br />
(reproduz o diálogo com outros textos). Para esta análise, convém estudarmos com mais<br />
atenção o segundo aspecto apontado.<br />
Segundo Barros (op. cit), o texto é considerado hoje tanto como objeto de<br />
significação, ou seja, como um tecido organizado e estruturado, quanto como objeto de<br />
comunicação, de uma cultura, em um contexto discursivo, social e histórico. Nessa<br />
ótica, tem-se o texto como um<br />
...objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior;<br />
e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o<br />
predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe. (...)<br />
a intertextualidade (...) diz respeito aos modos como a produção e recepção de um<br />
texto dependem do conhecimento que se tenha de outros textos com os quais ele, de<br />
alguma forma, se relaciona. (KOCH, 1997:46)<br />
Barros (2003:04) observa que a intertextualidade não é uma dimensão<br />
derivada, mas a dimensão primeira de que o texto deriva e, para Bakhtin é, antes de<br />
tudo, a intertextualidade “interna” das vozes que falam e polemizam no texto, nele<br />
reproduzindo o diálogo com outros textos.<br />
Koch (op. cit) faz uma distinção entre intertextualidade em sentido amplo e<br />
intertextualidade em sentido restrito. A primeira é condição de existência do próprio<br />
discurso, podendo ser denominada interdiscursividade ou heterogeneidade constitutiva,<br />
sob a ótica da Análise do Discurso (Authier, 1990; Maingueneau, 1993). A segunda,<br />
foco de nosso estudo, compreende a relação de um texto com outros já existentes.<br />
Maingueneau (1993:75), afirma que esta incide sobre as manifestações explícitas,<br />
recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, enquanto a outra<br />
aborda uma heterogeneidade que não é marcada na superfície, mas que pode ser<br />
definida pela formulação de hipóteses, por meio do interdiscurso, na constituição de<br />
uma formação discursiva.<br />
Entre os tipos de intertextualidade em sentido restrito, Koch (1997) considera<br />
os seguintes: de conteúdo ou de forma/conteúdo; explícita ou implícita; das<br />
semelhanças ou das diferenças; com intertexto alheio, com intertexto próprio ou com<br />
intertexto atribuído a um enunciador genérico. É bom ressaltar que essas manifestações<br />
de intertextualidade não se excluem entre si, podendo em um texto ocorrer<br />
simultaneamente e, para a autora, elas permitem apontar a intertextualidade como um<br />
dos fatores preponderantes na construção da coerência textual.<br />
Neste artigo, tratar-se-á da intertextualidade das diferenças, em específico a<br />
paródia, por ser um dos aspectos evidentes no texto analisado. Nesse sentido, pode-se<br />
resgatar Maingueneau (1993), que inclui nos fenômenos de heterogeneidade mostrada a<br />
imitação de um gênero discursivo, a qual pode assumir dois valores opostos: a captação<br />
e a subversão. No primeiro, a imitação reflete a estrutura explorada; no segundo,<br />
desqualifica-a no próprio processo de imitação. Koch (1997:49) aproxima-se dessa idéia<br />
quando propõe, então, a intertextualidade das semelhanças (o texto incorpora o<br />
intertexto para seguir-lhe a orientação argumentativa e, freqüentemente, para apoiar<br />
1697
nele a argumentação) e a das diferenças (o texto incorpora o intertexto para<br />
ridicularizá-lo, mostrar sua improcedência ou, pelo menos, colocá-lo em questão).<br />
Neste último tipo, têm-se a paródia, a ironia, a estratégia argumentativa da concessão ou<br />
concordância parcial.<br />
Segundo Fávero (2003), falar em paródia é falar em Bakhtin, uma vez que está<br />
inserida em sua concepção de carnavalização, da qual provêm os gêneros cômico-sériocríticos,<br />
embora tenha sido por meio de Tynianov que essa noção ganhou corpo algum<br />
tempo antes. Em seu sentido etimológico, paródia significa canto paralelo ( para = ao<br />
lado de; ode = canto), incorporando a idéia de uma canção proferida ao lado de outra,<br />
como uma espécie de contracanto. Entretanto, pode ser tomada também no sentido de<br />
imitação caricata, burlesca.<br />
Para Bakhtin, a paródia é um elemento inseparável da sátira menipéia e de todos<br />
os gêneros carnavalizados. Ele a coloca ao lado da estilização e do skaz, por<br />
apresentarem traços em comum:<br />
...permitem reconhecer explicitamente uma semelhança com aquilo que negam, a<br />
palavra tem duplo sentido, voltando-se para o discurso de um outro e para o objeto do<br />
discurso como palavra. Todos esses fenômenos são bivocais e bilíngües. (FAVERO,<br />
2003:53)<br />
Entretanto, na paródia há a luta entre duas vozes, não sendo possível a sua fusão<br />
presentes na estilização e no skaz. Ela torna-se uma escrita transgressora, pois desloca o<br />
texto primeiro, articulando-se sobre ele, reestruturando-o ao mesmo tempo que o nega.<br />
Para Josef (1980), o diálogo e a ambivalência é que permitem essa transgressão. Eles<br />
correspondem ao eixo horizontal (sujeito da escritura – destinatário) e ao eixo vertical<br />
(texto-contexto) que se cruzam, originando a intertextualidade e proporcionando a dupla<br />
leitura.<br />
Sant’Anna (1985) apresenta a paródia a partir, dentre outras, da noção de desvio.<br />
Ele propõe - partindo da comparação entre paráfrase, estilização e paródia - considerarse<br />
que os jogos estabelecidos nas relações intra e extratextuais são desvios maiores ou<br />
menores em relação ao original. Assim, a paráfrase surge como um desvio mínimo, a<br />
estilização como um desvio tolerável, e a paródia como um desvio total. Segundo ele, a<br />
paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura e sentido; a paráfrase<br />
conforma, reafirmando os ingredientes do texto primeiro e conformando seu sentido; e<br />
a estilização reforma desbotando a forma, sem profundas modificações, porém, na<br />
estrutura.<br />
Esse autor ressalta que a separação espacial desses elementos não impossibilita<br />
que eles coexistam no interior de um mesmo texto. Existem aqueles que possuem esses<br />
(e outros) atributos, ocorrendo um deslizamento de efeitos de uma parte para outra do<br />
discurso. Assim, dependendo da relação intertextual (ou intratextual), podemos<br />
conceber a estilização como um caminho entre a paráfrase e a paródia<br />
(SANT’ANNA,1985:42). Essa concepção, para ele, rompe com um raciocínio dualista,<br />
correlacionando o conceito de estilização, como o de paráfrase e o de paródia.<br />
4. LEITURA POLIFÔNICA <strong>EM</strong> <strong>FÁBULAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESÔFAGO</strong><br />
1698
Para a análise de Fábulas de Esôfago 1 , uma crônica jornalística de caráter<br />
humorístico, a estratégica metodológica adotada levará em consideração o arcabouço<br />
teórico apresentado, mais especificamente:<br />
a) o gênero fábula, fundamentando-se principalmente em Portella (1983) e<br />
Agulhó(1995), uma vez que há o predomínio dessa composição no texto.<br />
b) a noção de desvio proposta por Sant’Anna (1985), por se evidenciar a<br />
paródia em sua estruturação global;<br />
Segundo Fávero (2003), qualquer texto possui uma multiplicidade de<br />
significações e o leitor fará a leitura que estiver de acordo com a “intencionalidade”<br />
textual, marcada lingüisticamente por recursos argumentativos que permitirão perceber<br />
o seu sentido global. Na paródia em questão, primeiramente, ressalta-se a categoria dos<br />
contextualizadores como autor, título e início, os quais se tornam pistas constitutivas do<br />
sentido, ancorando o texto na situação comunicativa e fazendo avançar expectativas.<br />
No corpus analisado, a fonte já remete a uma série de probabilidades - texto<br />
cômico, irônico, satírico, espirituoso, entre outros - por ser da sessão Humor, 2º<br />
Caderno, Jornal O Globo. O autor, Agamenon Mendes Pedreira (pseudônimo de<br />
Herbert e Marcelo Madureira, conhecidos integrantes do programa humorístico Casseta<br />
& Planeta), ratifica essas hipóteses, pois é o colunista dominical dessa sessão há mais de<br />
dez anos, com um singular estilo sarcástico e debochado para comentar fatos do<br />
cotidiano.<br />
O título também é um elemento contextualizador altamente polifônico. Por meio<br />
da análise das palavras, têm-se diferentes possibilidades de pré-leitura para o termo<br />
fábula que pode ser entendido no sentido literal (curta narrativa, em prosa ou verso, que<br />
tem entre as personagens seres humanos ou animais e objetos que agem como seres<br />
humanos, ilustrando um preceito moral) e no figurado (invencionice; pessoa/fato que<br />
dá margem à crítica ou à zombaria); Esse termo associado a esôfago pode resultar<br />
respectivamente em, pelo menos, duas acepções: uma paródia das fábulas de Esopo -<br />
clássico fabulista – pois esôfago e Esopo tem aproximação sonora, mas distanciamento<br />
de sentido, o que leva também a uma subversão do intertexto; ou uma “história difícil<br />
de engolir”.<br />
Da mesma forma o subtítulo exerce função contextualizadora ao ligar uma<br />
personagem da literatura com outra da vida real: Pollyanna, criação da americana<br />
Eleanor Porter, em 1912, que se tornou expressão inglesa para definir uma pessoa alegre<br />
e otimista, aquela que espera resultado favorável em tudo; e Roseana Sarney, notória<br />
figura política do cenário nacional brasileiro, a qual, no contexto da publicação da<br />
crônica, vive um escândalo de grandes proporções, envolvendo seu nome, como<br />
governadora do Maranhão e pré-candidata à presidência do país, em denúncias de<br />
corrupção contra o Estado. Essa combinação que resulta no nome da protagonista da<br />
história, Pollyana Sarney, produz hipóteses as quais conduzem o leitor provavelmente<br />
ao efeito de sentido esperado pelo autor: a construção prévia do perfil da personagem<br />
feminina, por meio de características contrastantes (passividade x autodeterminação),<br />
gerando a instauração de um novo paradigma, na transformação do intertexto que se<br />
recobre do novo e do diferente (SANT’ANNA, 1985), qualidade distintiva da paródia.<br />
O início da história, outra pista na busca do sentido global do texto, possui<br />
marcas que reportam a narrativas da tradição popular, construindo um referencial que<br />
aparentemente resgata a indefinição temporal (Há muitos anos atrás), a espacial (num<br />
1 Em anexo.<br />
1699
eino distante) e a da personagem (uma menina pobre), características desses gêneros.<br />
No entanto, essa perspectiva é quebrada no texto por meio de outras marcas que<br />
desvirtuam essa leitura: a ligação com o clã Sarney determina o tempo, o espaço<br />
(também especificado pela localização dada - entre o Piauí e o Pará) e a personagem.<br />
Lê-se nisso, a intenção de descontruir o intertexto, o qual provém do saber comum de<br />
uma coletividade (KOCH, 1997), a fim de satirizar, por meio do humor – um dos<br />
elementos-chave da paródia (FÁVERO, 2003) - uma dada situação, neste caso a política<br />
do país.<br />
Embora a história, como se expôs, apresente traços característicos que remetem<br />
a narrativas e a personagens clássicos do senso comum (do romance, Pollyanna; dos<br />
contos de fadas, Cinderela, Branca de Neve e a Bela Adormecida; dos contos árabes,<br />
Ali Babá e os quarenta ladrões), é a estrutura fabulística que se sobrepõe aos outros<br />
gêneros. É bom recordar que a fábula, segundo Smolka (1998), origina-se do conto, o<br />
qual, por sua vez, existe desde que o homem começou a expressar-se através da fala. A<br />
diferença está no fato de o seu contador tirar da história relatada uma lição de moral. No<br />
texto analisado, tem-se essa característica conteudística bem acentuada ao final, de Nota<br />
preta do autor a Pensamento do dia.<br />
Segundo Agulhó (1995), esse gênero representa um esquema geral que pode ser<br />
assim identificado: ação, espaço, tempo, personagens, discurso/contradiscurso, presença<br />
do maravilhoso/ fantástico, moral.<br />
4.1. Ação, espaço e tempo<br />
Na fábula clássica, há unidade de ação, por ser uma narrativa curta em que se<br />
pressupõe apenas um conflito, não interessando as ações paralelas. As cenas passam em<br />
um repente, proporcionando uma rápida visão, sem se verificar o que acontece antes ou<br />
depois. Fábulas de Esôfago tem um único conflito (a rebeldia da protagonista que se<br />
insurge contra o pai), no entanto, diferentemente da fábula tradicional, apresenta<br />
detalhes, descrições (Rios de champanhe francesa, cascatas de camarões, cordilheiras<br />
de caviar russo...), caracterizações (filiada ao PFL, arcaica prática política das<br />
reacionárias oligarquias nordestinas...) e localizações (entre o Piauí e o Pará; Ilha do<br />
Curupu; a miséria no Maranhão) mais pormenorizadas.<br />
Essa construção contribui para a provável intencionalidade do texto que é a de<br />
realmente determinar a especificidade da mensagem, sem se preocupar com sua<br />
validade universal. A noção de espaço é marcada e não se restringe a uma sala, a uma<br />
casa, a um pomar, a um rio, a uma floresta ou a uma árvore, como seria de se esperar na<br />
estrutura tradicional. O tempo não se dá em um “piscar de olhos”, nem suas indicações<br />
são vagas por não terem importância, ao contrário, há marcações que o especificam de<br />
maneira implícita, revelando um contexto atual (a denominação dos Sarney; as menções<br />
a partidos políticos e candidatura em véspera de eleições presidenciais; referências a<br />
projetos do governo brasileiro para o desenvolvimento industrial da Amazônia e dos<br />
estados do nordeste envolvidos em denúncia de corrupção; alusão à vultosa quantia em<br />
dinheiro, de origem desconhecida, encontrada pela Receita Federal em empresa de<br />
Roseana e de seu marido, Murad, gerando o Escândalo da Lunus). Neste caso, o texto<br />
derivado foge ao jogo de espelhos, denunciando o próprio jogo e colocando as coisas<br />
fora de seu lugar “certo” (SANT’ANNA, 1985:29)<br />
4.2. Personagens<br />
1700
Bem como os elementos contextualizadores, as expressões atitudinais das<br />
personagens são polifônicos, evidenciando o contra-estilo comum na paródia. Em<br />
Fábulas de Esôfago, as personagens são construídas de forma a tornarem-se ambígüas,<br />
pois as suas falas têm um direcionamento em oposição às suas atitudes . A protagonista<br />
reveste-se ao longo da narrativa de uma aura de pureza, de candura, de passividade<br />
(menina pobre e dócil; ingênua criatura; moça virgem), bem aos moldes das heroínas<br />
universalizadas pela literatura, como uma jovem que sofre uma longa provação antes de<br />
sua redenção e de seu triunfo.<br />
Entretanto, na crônica analisada, os traços comportamentais, sociais e culturais<br />
da protagonista, os quais resultam da mescla de características de várias dessas<br />
personagens literárias, convergem, ao final, para um desmascaramento: a heroína<br />
bondosa, doce, ingênua, cordata revela-se rebelde, oportunista, egoísta, mentirosa,<br />
corrupta (um comportamento anti-ético, imoral e criminoso). Assim também se dá com<br />
a personagem do pai que aparentemente venera a filha, mas tenta vendê-la como um<br />
objeto; do príncipe que se apaixona perdidamente, porém a negocia com o futuro sogro.<br />
Mais uma vez há o desvio do intertexto, pois são raros os casos em que a fábula<br />
apresenta mais de duas personagens, além disso, na tradição, estas não crescem ou<br />
evoluem, são sempre estáticas ou planas. Dessa forma, a construção da narrativa em<br />
análise estimula aquilo que Sant’Anna denomina como a denúncia da duplicidade, da<br />
ambigüidade e da contradição, característica da paródia em seu jogo da divisão, por<br />
meio da multiplicidade de vozes, em uma disputa aberta do sentido, uma luta, um<br />
choque de interpretação (1985:30).<br />
4.3. Discurso/contradiscurso e o maravilhoso/fantástico<br />
O discurso e o contradiscurso são elementos característicos da estrutura<br />
fabulística, sendo geralmente um breve diálogo em que uma personagem afirma uma<br />
coisa e a outro nega ou retruca. Esse traço também aparece na crônica em questão, nos<br />
diálogos pai/filha e pai/pretendente. Nessas falas, geralmente da filha, o operador<br />
argumentativo mas se destaca, por efetuar a contrajunção, permitindo sempre uma<br />
descrição polifônica e agindo não só sobre o enunciado anterior, mas sobre todos os<br />
elementos anteriores (- Mas papai, como assim?..; - Mas, papai... se nossa família é tão<br />
pobre...); Outro recurso que se evidencia na fala da menina/moça é o uso das<br />
interjeições e das frases exclamativas (Claro, claro, papai! Como eu não tinha pensado<br />
nisso antes!), as quais fortalecem o perfil de aparente ingenuidade e bondade da<br />
protagonista, o qual depois é desconstruído. Diferente da fábula tradicional, em que há<br />
geralmente uma clara oposição entre “o bem e o mal”, revelado também pelo<br />
discurso/contradiscurso, em Fábulas de Esôfago, esse maniqueísmo dá-se<br />
superficialmente, pois o desenrolar da história demonstra a hipocrisia das personagens,<br />
mostrada pelas suas ações (Pollyana resolveu fugir com o príncipe levando... um<br />
milhão e trezentos mil reais...).<br />
Em relação ao maravilhoso e ao fantástico, é comum na fábula clássica esse<br />
estilo aparecer na personificação de objetos e de animais, principalmente pela fácil<br />
identificação das suas características que são universalmente conhecidas, dispensando a<br />
prévia descrição (lobo – prepotente, voraz; cordeiro – ingênuo, manso; raposa – astuta,<br />
inteligente; pavão – vaidoso; formiga – trabalhadora ...). Todorov (1975) situa o<br />
fantástico entre o maravilhoso e o estranho. O fantástico se instaura quando há uma<br />
1701
indecisão acerca da natureza de um acontecimento. Se decidirmos que se trata de um<br />
acontecimento sobrenatural, regido por leis estranhas às do mundo que conhecemos,<br />
então entramos no âmbito do maravilhoso. Se, ao contrário, conseguirmos dar uma<br />
explicação possível no mundo real, o acontecimento passa ao campo do simplesmente<br />
estranho. Portanto, para que o fantástico se sustente, é preciso que haja hesitação do<br />
leitor. Além disso, o leitor deve ler o texto de uma determinada maneira, que não pode<br />
ser nem alegórica, nem poética. Percebe-se, pois, que as fronteiras que separam os três<br />
estilos são muito tênues, e o fantástico pode mesmo ser considerado um gênero sempre<br />
evanescente.<br />
Em Fábulas de Esôfago nem o fantástico, nem o maravilhoso acontecem, mas o<br />
estranho (Apesar de pobre, Pollyana nasceu em berço de ouro num magnífico palácio<br />
à beira-mar; Montado num elefante branco construído com verbas da Sudene...) que,<br />
no decorrer da trama, é desmitificado, porque essas aparentes contradições, em uma<br />
leitura pragmática e contextualizada da crônica, revelam-se como construções irônicas<br />
usadas para mostrar que a linguagem pode ser também um instrumento de manipulação<br />
do outro, revelando-se enganadora, dissimulada, irreal. Mais uma vez tem-se um desvio<br />
da estrutura tradicional da fábula, colaborando para a análise deste corpus como uma<br />
paródia, pois há constantemente a presença de uma forma de linguagem que se volta<br />
sobre si mesma.<br />
4.4. Moral<br />
Nas fábulas (SMOLKA, 1998), a moral da história busca provocar nos leitores a<br />
reflexão e a conscientização sobre a incoerência de condutas e de relacionamentos<br />
sociais, quando se expõem traços comportamentais, por meio de discussões entre<br />
animais irracionais, entre objetos ou seres humanos. Nesta crônica jornalística, esse<br />
elemento característico da fábula também se faz presente de modo explícito, embora<br />
não atenda pela mesma denominação, mas por um jogo de palavras que acentua à sátira<br />
a que se propõe o texto. Há três observações, ao invés de apenas uma, as quais exercem<br />
a função de moral, de uma conclusão sobre o evento narrado:<br />
a) Em Nota Preta do Autor, alude-se ironicamente as pessoas que tem atitudes<br />
abusivas e corruptas em busca de muito lucro. (faz-se uma relação entre a expressão<br />
nota preta e os termos fábula e superfaturamento ao “desvio” de quantias vultosas de<br />
maneira imoral e ilegal);<br />
b) Na comparação que Agamenon Mendes Pedreira estabelece entre sua pessoa,<br />
como autor da fábula, e Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, percebe-se a crítica a<br />
um comportamento mentiroso, uma vez que se faz referência às sete versões diferentes<br />
que este forneceu para a origem do dinheiro ilícito encontrado na Lunus e mencionado<br />
alegoricamente na narrativa:<br />
E dito isso, abriu uma gaveta de onde tirou um milhão e trezentos mil reais, tudo<br />
em notas de cinqüenta, montou um lindo cavalo branco e fugiu com o Murad para<br />
um Paraíso Fiscal onde ninguém, nem mesmo a Receita, poderia perturbar o seu<br />
amor idílico. (PEDREIRA, 2002)<br />
Nesse momento da leitura, pode-se fazer a ligação com o título e confirmar<br />
também a acepção hipoteticamente proposta na pré-leitura – trata-se de uma história<br />
“difícil de engolir”.<br />
1702
c) Em o Pensamento do dia, resgata-se satiricamente o contexto brasileiro (Juiz<br />
Nicolalau), em que as autoridades abusam do poder e fazem disso uma rotina,<br />
provavelmente pela impunidade persistente no país.<br />
Nesse aspecto, Fábulas de Esôfago estabelece um desvio total da forma, mas faz<br />
uma estilização da função moral da história, pois se utiliza desse gênero para criticar os<br />
desmandos, por meio do duplo sentido, do jogo das palavras, e revelar o sarcasmo<br />
diante de um comportamento considerado anti-ético, imoral e ilegal daqueles que<br />
figuram no poder.<br />
5. CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Transpondo-se para a análise o texto Fábulas de Esôfago em cotejo com seus<br />
diversos intertextos, confirma-se que há nele intertextualidade de sentido restrito a qual<br />
se faz perceber por meio do conteúdo e da forma, ocorrendo de maneira implícita e<br />
cabendo ao interlocutor recuperá-la, por meio das marcas lingüísticas (BRAGA, 2000;<br />
KOCH, 1997; LURIA,1991), para construir o sentido do texto. Nele percebe-se a<br />
intertextualidade das diferenças, a paródia, em que o texto derivado incorporou o<br />
intertexto atribuído a um enunciador genérico, para ridicularizá-lo, mostrando seu valor<br />
de subversão (KOCH, 1997; MAINGUENEAU, 1993).<br />
Dessa forma, pode-se afirmar, usando a noção de desvio proposta por<br />
Sant’Anna, que a crônica apresenta-se, em sua generalidade, como um desvio total, uma<br />
deformação dos textos originais, ao subverter sua estrutura e seu sentido, na maior parte<br />
de sua construção. Comprova-se isso pela observância dos recursos argumentativos<br />
constitutivos do sentido, imbricados na micro e na macroestrutura do texto fabulístico,<br />
os quais foram apresentados na análise.<br />
Ao longo de todo o texto, mas, em especial, nas observações finais,<br />
correspondendo, de forma global, à moral da história, sustenta-se a idéia de que há<br />
vozes dissonantes que são usadas para mostrar a linguagem também como um<br />
mecanismo de controle do outro (FAVERO, 2003), tendo-se o ensinamento de que é<br />
possível revelar explicitamente como se pode mentir, enganar, mascarar a realidade.<br />
Nesse sentido, a paródia é uma forma de linguagem que coaduna com a intenção<br />
da moral presente na estrutura fabulística, uma vez que aquela tem uma função<br />
complementar que é a catártica (SANT’ANNA, 1985), pois funciona como contraponto<br />
aos momentos de tensão, quando, por meio do humor, por exemplo, propicia o riso.<br />
Dessa acepção surge a relação entre paródia e representação no sentido psicanalítico,<br />
sendo esta considerada como a emergência de algo que ficou no inconsciência e que, se<br />
resgatado, traz informações até então ocultas, possibilitando uma nova e diferente<br />
maneira de ler o convencional, um processo de liberação do discurso, uma tomada de<br />
consciência crítica.<br />
Assim, a análise realizada valida ser traço precípuo o caráter polifônico<br />
polifônico, ao subverter a ordem estabelecida, incorporando intertextos para depois<br />
rechaçá-los, (re)criando um modelo próprio, em que as palavras do outro são revestidas<br />
do novo, tornando-se bivocais. Em suma, Fábulas de Esôfago constrói-se do<br />
encadeamento de idéias e de vozes as quais se opõem entre si, caracterizando a<br />
linguagem como dialógica, dissonante e polissêmica, tal qual afirma Bakhtin.<br />
REFERÊNCIAS<br />
1703
AGULHÓ, O. M. A fábula no livro didático. Maringá, 1995. 76 f. Monografia<br />
(Especialização em Literatura Brasileira) – Departamento de Letras, Centro de Ciências<br />
Humanas, Universidade Estadual de Maringá.<br />
AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Caderno de Estudos<br />
Lingüísticos, v.19, p. 25-42, 1990.<br />
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense-<br />
Universitária, 1981.<br />
BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e Filosofia da linguagem. São Paulo:<br />
HUCITEC, 2005.<br />
BARROS, D. L. P. Dialogismo, Polifonia e Enunciação. In Barros, Diana Luz Pessoa<br />
de; FIORIN, J. L. (orgs.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. 2. ed. São Paulo:<br />
Edusp, 2003.<br />
BRAGA, E. S. O trabalho com a literatura: Memórias e histórias. Cad. CE<strong>DE</strong>S,<br />
Campinas, vol.20, n. 50 , abr. 2000.<br />
CASTRO, G. Em busca de uma lingüística sociológica: contribuições para uma leitura<br />
de Bakhtin. Curitiba, 1993. Dissertação (Mestrado em Lingüística de Língua<br />
Portuguesa) – Universidade Federal do Paraná.<br />
FÁVERO, L. L. Paródia e dialogismo. In Barros, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José<br />
Luiz (orgs.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2003.<br />
FIORIN, J. L. Ressignificando o ensino de LP. In: S<strong>EM</strong>ANA <strong>DE</strong> LETRAS DA<br />
FAFIJAN, 4., 2000, Jandaia do Sul. Anais da Semana de Letras da FAFIJAN. Jandaia<br />
do Sul, 2000, p. 17-29.<br />
JOSEF, B. O Espaço da Paródia. In: Sobre a Paródia. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,<br />
1980, (62):53-71.<br />
KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.<br />
LURIA, Alexander R. Curso de psicologia geral. Trad. de Paulo Bezerra. 2. ed. Rio de<br />
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991 (v. 1: Introdução evolucionista à psicologia).<br />
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Trad. Freda<br />
Indursky. 2. ed. Campinas: Pontes, 1993.<br />
PEDREIRA, Agamenon Mendes. Fábulas de Esôfago. O Globo, Rio de Janeiro, 21 mar.<br />
2002. Segundo Caderno, Humor, p. 4.<br />
PORTELLA, O. O. A fábula. In: Revista de Letras. Curitiba, 1983, (32): 119-38.<br />
SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, Paráfrase & Cia. 2. ed. São Paulo: Ática,<br />
1995.<br />
1704
SMOLKA, Neide. Esopo: fábulas completas. São Paulo: Moderna, 1998.<br />
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975.<br />
ANEXO 1 - <strong>FÁBULAS</strong> <strong>DE</strong> <strong>ESÔFAGO</strong><br />
Fábulas de Esôfago<br />
A linda história de Pollyana Sarney<br />
1705
Há muitos anos atrás, num reino distante localizado entre o Piauí e o Pará, nascia uma menina pobre, mas que,<br />
apesar dos sofrimentos por que passava, sempre via o lado bom da vida. Seu nome: Pollyana Sarney. Apesar de<br />
pobre, Pollyana nasceu em berço de ouro num magnífico palácio à beira-mar. Ainda criança, Pollyana não<br />
conseguia entender por que, sendo de uma família tão pobre e miserável, ela vivia uma vida nababesca de princesa.<br />
Seu bom pai então lhe explicou:<br />
- Brasileiros e brasileiras e minha filha, toda a nossa grana é oriunda da venda dos meus livros...<br />
- Mas papai, como assim? Todo mundo sabe que 90% da população do nosso reino é analfabeta! -- obtemperou<br />
a ingênua criança filiada ao PFL (Partido das Fadas Liberais).<br />
- Mas os meus livros têm muitas figuras! - respondeu o seu paizinho imortal.<br />
- Claro, claro, papai! Como eu não tinha pensado nisso antes! - respondeu a crédula e bondosa Pollyana.<br />
Quando completou 15 anos, a jovem Pollyana Sarney debutou e foi organizado um lindo baile na Ilha do<br />
Curupu, uma espécie de Disneylândia particular que seu pai havia construído para ela.<br />
- Mas por que no Curupu, papai? - perguntou a ingênua criatura.<br />
- Porque você ainda é virgem, minha filha - respondeu o beletrista conservador do PMDB.<br />
Nunca aquele reino havia visto uma festa tão suntuosa e imponente. Rios de champanhe francesa, cascatas de<br />
camarões, cordilheiras de caviar russo e desfiladeiros de lagostas faziam a alegria dos convidados. Feliz com aquela<br />
festa tão linda, a ingênua Pollyana perguntou ao seu extremoso pai:<br />
- Mas, papai... se nossa família é tão pobre, como é que o senhor arrumou dinheiro para uma festa tão<br />
acintosamente milionária?<br />
- Minha filha - respondeu o senador, - você ainda é muito jovem e ingênua! Isso aqui não é uma festa, é um<br />
projeto de desenvolvimento regional que eu estou encaminhando na Sudam para acabar com a miséria no<br />
Maranhão...<br />
- Claro, claro, papai - respondeu a jovem debutante, - como é que eu não tinha pensado nisso antes. Foi aí, nesse<br />
momento, que Alcione, a Marrom, tocou as trombetas anunciando a chegada de um príncipe das Arábias e sua<br />
comitiva de 40 pessoas.<br />
A comitiva era de 20%. Montado num elefante branco construído com verbas da Sudene, o galante príncipe<br />
cafifa, quer dizer, califa, Murad, adentrou o recinto. Em seguida, Murad apeou do imenso paquiderme e beijou<br />
Pollyana Sarney. Naquele instante mágico, quando o olhar de Pollyana cruzou com o do príncipe Murad,<br />
imediatamente os dois compreenderam que haviam sido feitos um para o outro. E, ali mesmo, resolveram se casar e<br />
constituir uma quadrilha, quer dizer, uma família. Murad então dirigiu-se cheio de mesuras ao seu poderoso futuro<br />
sogro.<br />
- Quanto é que sai a mão da sua filha- Bote preço - indagou o galante príncipe.<br />
- A mão só eu não vendo, só negocio o lote completo - rebateu o extremoso poetastro.<br />
- Dinheiro há! Dinheiro há! - respondeu na lata, o cafifa, quer dizer, califa. Apesar de ser uma menina dócil e<br />
ingênua, Pollyana Sarney também era uma mulher do seu tempo. Feminista militante, ficou indignada com aquela<br />
transação comercial onde a mulher era tratada como um simples objeto de troca-troca político. Revoltada com o<br />
pai, Pollyana resolveu fugir com o príncipe levando apenas a roupa do corpo.<br />
- Meu pai, na condição de pré-candidata eu não posso aceitar essa arcaica prática política das reacionárias<br />
oligarquias nordestinas!!!<br />
E dito isso, abriu uma gaveta de onde tirou um milhão e trezentos mil reais, tudo em notas de cinqüenta,<br />
montou um lindo cavalo branco e fugiu com o Murad para um Paraíso Fiscal onde ninguém, nem mesmo a<br />
Receita, poderia perturbar o seu amor idílico.<br />
E foram felizes para sempre...<br />
Nota Preta do Autor: este conto, que custou uma fábula, só foi possível graças a uma generosa verba superfaturada<br />
da Sudam. Descontadas as comissões de praxe, é claro.<br />
AGAMENON MEN<strong>DE</strong>S PEDREIRA não é o Jorge Murad mas também sabe inventar<br />
muitas histórias da carochinha.<br />
PENSAMENTO DO DIA<br />
‘No Brasil a vida de corrupto não é fácil: você tem que fraudar um Leão por dia.’ [Juiz Nicolalau]<br />
PEDREIRA, Agamenon Mendes. Fábulas de Esôfago. O Globo, Rio de Janeiro, 21 mar. 2002. Segundo Caderno, Humor, p. 4.<br />
1706