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Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo

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“POR BAIXO DE TODA A FOLHA” – MAPEANDO O AGRUPAMENTO DE BRUXAS NA TRADIÇÃO ORAL PORTUGUESA<br />

Livia Guimarães Torquetti <strong>do</strong>s Santos<br />

relacionada ao assunto, visto que a caça às bruxas legou à posterida<strong>de</strong><br />

testemunhos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s algozes — inquisi<strong>do</strong>res e juristas — e<br />

não das vítimas, as supostas feiticeiras e feiticeiros. As vozes <strong>do</strong>s<br />

acusa<strong>do</strong>s, normalmente sob o efeito das mais diversas torturas, vêm<br />

sempre alteradas e <strong>de</strong>turpadas. Em última instância, po<strong>de</strong>-se afirmar<br />

que o acesso às <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> heresia, as confissões <strong>de</strong> pacto e<br />

a<strong>do</strong>ração ao <strong>de</strong>mônio chegaram ao conhecimento público sempre pela<br />

voz intermediária <strong>do</strong> algoz. Levan<strong>do</strong> tal fato em consi<strong>de</strong>ração, é<br />

importante refletir sobre a contribuição da cultura letrada para a<br />

formação da imagem <strong>do</strong> sabá.<br />

Foi dito anteriormente que o mito <strong>do</strong> sabá ultrapassou os horizontes <strong>do</strong>s<br />

estudiosos e <strong>de</strong> seus leitores, mas ao mesmo tempo, para entendê-lo<br />

pelo viés da tradição popular, <strong>de</strong>ve-se pensar <strong>de</strong> que forma essas i<strong>de</strong>ias<br />

atingiram o universo popular rural, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> aqui o sabá enquanto<br />

cenário mítico cria<strong>do</strong> pelos teólogos. “As superstições das massas não<br />

<strong>de</strong>veriam evi<strong>de</strong>ntemente morrer bruscamente sobre esse impacto, mas<br />

elas per<strong>de</strong>ram pouco a pouco seu caráter <strong>de</strong> sistema mágico explicativo<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para sobreviver <strong>de</strong> maneira dispersa.” 21 Pela ação e força <strong>do</strong><br />

catolicismo, sabe-se que as crenças populares tornaram-se proibidas e<br />

21 MUNCHEMBLED, 2000, p. 53.<br />

AÇAFA On Line, nº 4 (2011) <strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong> www.altotejo.org<br />

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foram sen<strong>do</strong> apropriadas e por vezes suprimidas, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se e se<br />

transforman<strong>do</strong> no contato com as noções cristãs e eruditas. Assim,<br />

salienta-se aqui não somente a percepção <strong>do</strong> conflito a to<strong>do</strong> o momento,<br />

mas também a dinâmica entre cultura popular e erudita. Deve-se<br />

enten<strong>de</strong>r, entretanto, o termo “popular” como propôs o historia<strong>do</strong>r Roger<br />

Chartier, ao dizer que “o popular não está conti<strong>do</strong> num conjunto <strong>de</strong><br />

elementos, que bastaria i<strong>de</strong>ntificar, repertoriar e <strong>de</strong>screver. Ele qualifica,<br />

antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um tipo <strong>de</strong> relação, um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> utilizar objetos ou<br />

normas que circulam na socieda<strong>de</strong>, mas que são recebi<strong>do</strong>s,<br />

compreendi<strong>do</strong>s e manipula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diversas maneiras.” 22<br />

Dessa forma, <strong>de</strong>ve-se perceber que nessa dinâmica há a opressão e a<br />

repressão, a apropriação e a criação, e acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, se faz necessário<br />

enxergar as diferentes maneiras <strong>de</strong> apropriação <strong>do</strong>s espaços culturais,<br />

pois ambas — a cultura letrada e a cultura popular — estabeleciam um<br />

diálogo constante. <strong>Por</strong> isso se insiste na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber a<br />

trajetória <strong>de</strong>sses personagens históricos enquanto passíveis <strong>de</strong> diversas<br />

leituras, e não como elementos culturais extáticos.<br />

22 CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitan<strong>do</strong> um conceito historiografico. (consulta<strong>do</strong> dia<br />

17/02/2011) Disponivel em<br />

http://scholar.google.fr/scholar?hl=fr&q=cultura+popular%3A+revisitan<strong>do</strong>+um+conceito<br />

+historiografico&btnG=Rechercher&lr=&as_ylo=&as_vis=0 .

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