14.06.2013 Views

Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo

Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo

Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“POR BAIXO DE TODA A FOLHA” – MAPEANDO O AGRUPAMENTO DE BRUXAS NA TRADIÇÃO ORAL PORTUGUESA<br />

Livia Guimarães Torquetti <strong>do</strong>s Santos<br />

A tradição popular portuguesa é repleta <strong>de</strong> contos, nos quais nos<br />

<strong>de</strong>paramos constantemente com a figura <strong>do</strong> Diabo e também das<br />

bruxas. <strong>Por</strong> vezes são os protagonistas que se encontram com bruxas,<br />

ou as combatem; quanto ao diabo, ou aparece propon<strong>do</strong> acor<strong>do</strong>s, ou<br />

tarefas <strong>de</strong> difícil execução, <strong>de</strong>ntre muitas outras situações. O conto “<strong>Por</strong><br />

<strong>baixo</strong> <strong>de</strong> <strong>toda</strong> a <strong>folha</strong>” contém as duas figuras supracitadas, bem como<br />

outro elemento há muito difundi<strong>do</strong> no imaginário popular: o sabá. Assim,<br />

a proposta <strong>de</strong>ste artigo é refletir sobre esses elementos no seu processo<br />

<strong>de</strong> criação, ou seja, perceben<strong>do</strong> a bruxa, o Diabo e o sabá como<br />

construções históricas; <strong>de</strong>ssa maneira, po<strong>de</strong> ser possível observar e<br />

mapear as possíveis origens <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias enquanto resultantes <strong>de</strong> um<br />

processo cultural e, por fim, discutir a sua permanência no imaginário<br />

popular por meio <strong>do</strong>s contos populares.<br />

O conto “<strong>Por</strong> <strong>baixo</strong> <strong>de</strong> <strong>toda</strong> a <strong>folha</strong>” é recorrente em <strong>Por</strong>tugal,<br />

principalmente na região <strong>do</strong> distrito <strong>de</strong> Castelo Branco, assim como a<br />

fórmula utilizada pela bruxa para voar até o local <strong>do</strong> sabá: comum<br />

porque tal fórmula se encontra em contos tradicionais da região <strong>de</strong><br />

Navarra (Espanha) e no País Basco (França), e recorrente, pois além <strong>de</strong><br />

ser encontrada nos contos tradicionais, ela aparece também em<br />

pesquisas etnográficas, nas quais os pesquisa<strong>do</strong>res <strong>de</strong>param-se com<br />

AÇAFA On Line, nº 4 (2011) <strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong> www.altotejo.org<br />

3<br />

testemunhos <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res que dizem conhecer a dita fórmula pela qual<br />

as mulheres conseguem, supostamente, voar até o sabá. Antes <strong>de</strong><br />

começar a análise, apresenta-se o conto.<br />

1. “<strong>Por</strong> <strong>baixo</strong> <strong>de</strong> <strong>toda</strong> a <strong>folha</strong>”<br />

“No tempo em que ainda havia bruxas. Sim, porque agora já as não há:<br />

é que os fios elétricos acabaram com elas. Bruxa que tocasse em fio<br />

elétrico <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser bruxa. Nesse tempo também os sapateiros iam<br />

<strong>de</strong> casa em casa consertar o calça<strong>do</strong> das famílias. <strong>Por</strong>que agora, como<br />

sabem, já não vão. Assim, estan<strong>do</strong> o sapateiro a trabalhar por conta <strong>de</strong><br />

uma viúva e não se livran<strong>do</strong> ela da fama <strong>de</strong> bruxa, ele era só<br />

curiosida<strong>de</strong>. Seguia-a com os olhos por to<strong>do</strong>s os cantos da pequena<br />

casa. Em cada gesto ou expressão interrogava-se se não seriam<br />

aquelas palavras ou atitu<strong>de</strong>s a chave <strong>do</strong> segre<strong>do</strong>. Já em pleno serão,<br />

esgueirou-se a mulher para outro cômo<strong>do</strong>. ‘É agora’, pensou logo o<br />

sapateiro. Nervoso, esperou um pouco e como não voltava, parou o<br />

trabalho e foi espreitar a patroa. Estava nua no quarto e besuntada da<br />

cabeça aos pés. Medroso, o sapateiro pensou em fugir, mas estava<br />

prega<strong>do</strong> àquela imagem, àquele corpo reluzente, e nisto disse a mulher:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!