Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo
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“POR BAIXO DE TODA A FOLHA” – MAPEANDO O AGRUPAMENTO DE BRUXAS NA TRADIÇÃO ORAL PORTUGUESA<br />
Livia Guimarães Torquetti <strong>do</strong>s Santos<br />
conto encontram-se na região <strong>de</strong> Navarra, na Espanha: “La mujer bruja<br />
<strong>de</strong>l zapatero” e “El zapatero y las brujas”. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> algumas<br />
variantes, como o fato <strong>de</strong>, na primeira versão espanhola, a bruxa ser<br />
esposa <strong>do</strong> sapateiro, o enre<strong>do</strong> <strong>do</strong> conto, em termos gerais, é o mesmo,<br />
assim como a fórmula: “por encima <strong>de</strong> zarzas y matas al Pra<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
Varona”. É recorrente nos contos tradicionais e faz parte <strong>de</strong> sua<br />
natureza estrutural o fato <strong>de</strong> possuírem um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> enre<strong>do</strong> comum<br />
que, não obstante, contém variantes culturais. Sen<strong>do</strong> assim,<br />
analisaremos a natureza <strong>do</strong> conto e a razão <strong>de</strong> suas diferenças.<br />
2. Contos tradicionais<br />
Os contos tradicionais são geralmente histórias ouvidas ou lidas na<br />
infância e que são amplamente utilizadas, mesmo que <strong>de</strong> forma indireta,<br />
em outras mídias como o cinema, os quadrinhos, os jogos, o teatro. São<br />
narrativas recheadas <strong>de</strong> personagens <strong>do</strong> imaginário coletivo e também<br />
<strong>do</strong>s mitos e das lendas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada cultura. Para o presente artigo,<br />
como já foi dito, lidaremos com a versão escrita <strong>do</strong> conto e, <strong>de</strong>ssa<br />
maneira, mesmo reconhecen<strong>do</strong>-o como narrativa literária, <strong>de</strong>ve-se<br />
consi<strong>de</strong>rar a sua origem na tradição oral, aspecto fundamental nessa<br />
AÇAFA On Line, nº 4 (2011) <strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong> www.altotejo.org<br />
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análise, já que seu nascimento se faz pela oralida<strong>de</strong>. De acor<strong>do</strong> com o<br />
historia<strong>do</strong>r Robert Darton em sua obra “O gran<strong>de</strong> massacre <strong>do</strong>s gatos, e<br />
outros episódios da história cultural francesa”, os contos populares<br />
existiam antes mesmo <strong>de</strong> serem concebi<strong>do</strong>s como folclore, neologismo<br />
<strong>do</strong> século XIX.<br />
“Os prega<strong>do</strong>res medievais utilizavam elementos da tradição oral para<br />
ilustrar argumentos morais. Seus sermões, transcritos em coleções <strong>de</strong><br />
Exempla <strong>do</strong>s séculos XII ao XV, referem-se às mesmas histórias que<br />
foram recolhidas, nas cabanas <strong>do</strong>s camponeses, pelos folcloristas <strong>do</strong><br />
século XIX. Apesar da obscurida<strong>de</strong> que cerca as origens <strong>do</strong>s romances<br />
<strong>de</strong> cavalaria, as canções <strong>de</strong> gesta os fabliaux, parece que boa parte da<br />
literatura medieval bebeu da tradição oral popular, e não o contrário.” 5<br />
Ao <strong>de</strong>nominar um conto como tradicional, estão sen<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />
elementos fundamentais: o seu processo <strong>de</strong> criação e a sua forma <strong>de</strong><br />
circulação. Essas histórias não têm autores, dificilmente são datáveis e<br />
muito se tem discuti<strong>do</strong> sobre a sua origem, seja ela mítica ou onírica —<br />
no caso <strong>de</strong> sua interpretação pelo viés da psicanálise. Para se pensar o<br />
processo criativo <strong>do</strong>s contos limita-se aqui, principalmente, ao momento<br />
5 DARTON, 1988, p. 31.