Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo
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7. A Noite <strong>do</strong> Sabá<br />
“POR BAIXO DE TODA A FOLHA” – MAPEANDO O AGRUPAMENTO DE BRUXAS NA TRADIÇÃO ORAL PORTUGUESA<br />
Livia Guimarães Torquetti <strong>do</strong>s Santos<br />
Pensan<strong>do</strong> no mito <strong>do</strong> sabá em si, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a tradição popular, a<br />
reunião noturna começa com um rito <strong>de</strong> iniciação bem específico. Em<br />
alguns outros contos da tradição popular encontra-se a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um<br />
rito <strong>de</strong> entrada no sabá, no qual se <strong>de</strong>ve beijar o ânus <strong>do</strong> Diabo como<br />
forma <strong>de</strong> reverência. São inúmeros os contos a citarem esse tipo <strong>de</strong><br />
saudação e a proposta <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r Muchemblend em sua obra já<br />
citada é a <strong>de</strong> apontar que, nas pinturas que representam as reuniões<br />
noturnas, normalmente os a<strong>de</strong>ptos estavam vesti<strong>do</strong>s e o sexo era<br />
menciona<strong>do</strong> somente <strong>de</strong> maneira metafórica, on<strong>de</strong> o Diabo tinha em seu<br />
rosto a representação, por vezes, <strong>do</strong> ânus ou <strong>do</strong> ventre. Em alguns<br />
casos, as mulheres é que tinham esse tipo <strong>de</strong> representação facial. Para<br />
o autor, “[…] Essa máscara sobre o sexo <strong>de</strong>signava o peca<strong>do</strong>, em<br />
particular o sexual. Assim po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r a homenagem ao<br />
<strong>de</strong>mônio que consistia em beijar seu ânus como uma alusão à<br />
sexualida<strong>de</strong> diabólica, ela mesmo simbólica <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> original <strong>de</strong> Adão<br />
e Eva.” 25<br />
Já o historia<strong>do</strong>r Bechtel <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a explicação <strong>do</strong> beijo anal é<br />
25 MUNCHEMBLED, 2000, p. 69.<br />
AÇAFA On Line, nº 4 (2011) <strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong> www.altotejo.org<br />
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simples, pois se trataria <strong>de</strong> uma inversão <strong>de</strong> valores. Elogiava-se ou se<br />
beijava com frequência, os senhores, os bispos, o papa (as mãos,<br />
<strong>de</strong><strong>do</strong>s, anéis). O Diabo também <strong>de</strong>sejava recebê-lo. Os <strong>de</strong>monólogos,<br />
sem dúvida mais que o povo, procuraram <strong>de</strong>terminar teologicamente o<br />
local on<strong>de</strong> ele po<strong>de</strong>ria recebê-lo, que <strong>de</strong>veria ser o mais escatológico<br />
possível. 26<br />
Além <strong>de</strong>sse ritual <strong>de</strong> iniciação ao sabá, o caráter sexual <strong>do</strong>s ritos ocupa<br />
muito espaço das <strong>de</strong>scrições <strong>do</strong>s religiosos, nas quais os inquisi<strong>do</strong>res<br />
acreditavam que se organizavam orgias e sacrifícios <strong>de</strong> crianças. Estes,<br />
além <strong>de</strong> funcionarem como oferendas ao Diabo, têm também relação<br />
com a maneira pela qual os a<strong>de</strong>ptos chegavam à floresta para o sabá. A<br />
maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong>s participantes até o local se daria <strong>de</strong><br />
diversas formas. Nos inúmeros relatos apresenta<strong>do</strong>s por Guinzburg em<br />
seu livro, as bruxas e bruxos po<strong>de</strong>riam se <strong>de</strong>slocar cavalgan<strong>do</strong> em<br />
animais como cães, cavalos, bois e, não raro, eles mesmos po<strong>de</strong>riam se<br />
transformar em animais. No caso <strong>do</strong> conto “<strong>Por</strong> <strong>de</strong><strong>baixo</strong> <strong>de</strong> <strong>toda</strong> a <strong>folha</strong>”,<br />
a bruxa “estava nua no quarto e besuntada da cabeça aos pés.” 27 O<br />
unguento utiliza<strong>do</strong> pela dita bruxa seria feito, segun<strong>do</strong> a crença popular,<br />
26 BECHTEL, 1997, p. 461.<br />
27 HENRIQUES, GOUVEIA & CANINAS, 2001, p. 89.