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Por baixo de toda a folha - Associação de Estudos do Alto Tejo

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“POR BAIXO DE TODA A FOLHA” – MAPEANDO O AGRUPAMENTO DE BRUXAS NA TRADIÇÃO ORAL PORTUGUESA<br />

Livia Guimarães Torquetti <strong>do</strong>s Santos<br />

pela ida<strong>de</strong> avançada, o analfabetismo e o isolamento, ten<strong>do</strong> em vista a<br />

gran<strong>de</strong> emigração <strong>do</strong>s jovens <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> perspectivas <strong>de</strong> vida que<br />

as al<strong>de</strong>ias lhes oferecem. Esse é um fator interessante, uma vez que, à<br />

época das coletas os nativos já contavam com mais <strong>de</strong> seis <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

anos <strong>de</strong> vida e, <strong>de</strong>ntre esses, poucos haviam ti<strong>do</strong> contato com culturas<br />

estranhas —emigra<strong>do</strong>s ou retorna<strong>do</strong>s das ex-colônias. 3<br />

O levantamento e a coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s esten<strong>de</strong>ram-se por um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

quinze anos, <strong>de</strong> 1980 à 1995, com maior incidência entre os anos <strong>de</strong><br />

1982 e 1988. A respeito da formação <strong>do</strong>s coletores, sabe-se apenas que<br />

não receberam treinamento prévio para fazer a coleta e que foram<br />

separa<strong>do</strong>s em quatro grupos que percorreram <strong>toda</strong>s as al<strong>de</strong>ias da<br />

região. A meto<strong>do</strong>logia consistiu principalmente em gravar os relatos <strong>do</strong>s<br />

nativos narra<strong>do</strong>res, relatos esses que <strong>de</strong>pois foram transcritos. Os<br />

contos recolhi<strong>do</strong>s foram transcritos pelo pesquisa<strong>do</strong>r Francisco<br />

Henriques, após tê-los ouvi<strong>do</strong> diretamente <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res.<br />

Nesse ínterim, o conto “<strong>Por</strong> <strong>baixo</strong> <strong>de</strong> <strong>toda</strong> <strong>folha</strong>” é a história <strong>de</strong> um<br />

sapateiro curioso que vê uma bruxa pronunciar <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s dizeres<br />

para participar <strong>de</strong> um sabá. Ao tentar fazer o mesmo, ele se engana ao<br />

3 I<strong>de</strong>m, 2001, p 20.<br />

AÇAFA On Line, nº 4 (2011) <strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong> www.altotejo.org<br />

5<br />

pronunciar a fórmula e chega bastante feri<strong>do</strong> à reunião noturna das<br />

bruxas. A mesma referência à fórmula mágica po<strong>de</strong> ser encontrada<br />

também como relato <strong>de</strong> uma crença popular no livro “<strong>Por</strong>tugal - a book<br />

of folk-ways”, <strong>do</strong> folclorista inglês Rodney Gallop. Publica<strong>do</strong> em 1936, a<br />

obra é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma pesquisa sobre as tradições portuguesas que<br />

explora principalmente a música tradicional, bem como outros<br />

elementos <strong>do</strong> folclore português, como as crenças nas bruxas,<br />

lobisomens e mau-olha<strong>do</strong>s. Na obra, o relato é uma <strong>de</strong>scrição bem<br />

próxima <strong>do</strong> conto, no qual se acreditava que as bruxas, quan<strong>do</strong> iam se<br />

encontrar com o <strong>de</strong>mônio no sabá, passavam um unguento no corpo nu,<br />

diziam “<strong>Por</strong> cima <strong>de</strong> silvais e por <strong>baixo</strong> <strong>de</strong> olivais” e, logo em seguida,<br />

<strong>de</strong>sapareciam. Uma terceira fonte, datan<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1643, que consiste num<br />

<strong>do</strong>cumento da Inquisição <strong>Por</strong>tuguesa <strong>de</strong> Coimbra, relata o caso <strong>de</strong> uma<br />

mulher <strong>de</strong> Sever, na diocese <strong>de</strong> Viseu, que teria assegura<strong>do</strong> ter se<br />

<strong>de</strong>spi<strong>do</strong> numa noite com outras quatro companheiras, se unta<strong>do</strong> e dito<br />

“voa por cima da <strong>folha</strong>”, e as cinco mulheres logo teriam saí<strong>do</strong> a voar<br />

pela janela. 4 Dessa forma, percebe-se que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

diversida<strong>de</strong> das fontes, a origem da suposta fórmula mágica e <strong>do</strong>s<br />

relatos a ela relaciona<strong>do</strong>s é oral e recorrente. Duas versões <strong>do</strong> mesmo<br />

4 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num pais sem 'caça' às bruxas. 1997, p 147.

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