Texto unidade 06 - rochaarnaldo
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Wilhelm Wundl: alguns dados biográÍicos<br />
Saulo de IreiÍas Âraújo<br />
\{ilhclm NÍaxinriliarn \\'u'clt, filh'tle um pastor pÌotcsraÌìte, nasccu crn I 6 clc agosto cÌc I g32<br />
de Neckarau'<br />
no 'iÌarcj,<br />
tras cercanias de lvíannheim (s'l da Áemanha).Já aos quatro arÌos rnudou-se<br />
para<br />
con.r<br />
Heidelsheim'<br />
a Íâmíüa<br />
onde passou a maior parte de sua inÍància solitária e deu início aos seus<br />
oito anos.<br />
estuclos.<br />
sua<br />
Aos<br />
cduc:ição ficou por conta dc rÌm tutor assistetrtc dc scu pai. li'r 1g45, qun|6;<br />
to"] 1.3 mudou-sc para rt (asa il;;;;<br />
dc sua<br />
"-tl:t,<br />
tia crrr Heiclclbcr3 para trcqricrìtar o ginírsio. Ao<br />
período,<br />
tór.rino<br />
\vundt<br />
clcssc<br />
tere que escolher unra carrcira profissional. Òtmo tinha i'tercssï ,e -.da., aincl:r quc<br />
Ìlor PoÌlco tcmPÔ, dc Hcidclbcrg. eÌe acaÌrou escoÌhendo o curso clc rncdicina na<br />
"*<br />
Universiclacle<br />
ondc<br />
dc<br />
scu<br />
TiiÌ:inge<br />
tio era prolèssor<br />
n,<br />
de auat.ntia e fisiologia. No erìtaÌÌtÒ, ele só permancccu lá por ur'<br />
quaì retornou.a<br />
a'o, após<br />
HcidcÌbere.<br />
.<br />
acontpanhancÌ' a úanslèrôncia cìe scu ti. pnra ,,nir.rsida,ìc.<br />
lbi em Heidclberg que wundt terminou se u curso de mcdici'a<br />
"qu.,la<br />
à sua brilhantc<br />
profissional.<br />
carrcira<br />
Aìém de fisiorogi.a, estudou matenìática, fisìca e tambérn<br />
"o-"çou<br />
qúmica, área<br />
sua<br />
en que<br />
prinleira<br />
conseeuiu<br />
publicação, em.1853,_relativa a um experimc'to sobre, .ár.",.t.áçãu de<br />
I<br />
sal<br />
855,<br />
na<br />
eÌe<br />
urina.<br />
fi'aÌ'rcÌìtc<br />
Em<br />
collseguiu sua habilitação para à prática méclica. No cntanto) após um<br />
em<br />
curto<br />
que<br />
períoclo<br />
trabalhou como assistente clínico em um hospital municipal ,ob o .[.eçáo de- um<br />
professores,ìvundt<br />
cÌe seus ex-<br />
começou,a tcr dúúdas sobre sua capacidade parà a prátìca da rr.diaino, o qu.<br />
de voÌta à üda<br />
o I"uou<br />
acadêmica. Em 1g57, após ter anteriormente esiudado fisiologi".".J";ï;:ffi<br />
Bcrlim, habilitoú-se como.docenr<br />
r"}|$l\lgg*{.<br />
e (pútakloz,ent). p-iË;*r.r"p.imeínr curs. de<br />
\hslolost -En. a experimental)<br />
lB5B' \\Ga-,"rnou-se assisrenre d"6;Ffi;Ìg Heidcrberg, posiçàu que ocupou<br />
1865- "-<br />
aré<br />
Foi<br />
o início<br />
duante<br />
dc<br />
esse período que reaüzou seuì prin--ãros estuclos enr iri..rü", â"" ir.í'-'<br />
reunidos<br />
posterìo're<br />
no<br />
nrc<br />
seu primeiro ìivro prop^riamente psicológico - Bàaige rrrïnrorr, der<br />
(contribuições<br />
sinnestoahrnehmunq<br />
à Ièoria da PercepçãoSensorial)<br />
j,<br />
prbticâdo cn I862. Esses cstuclos vicram precedicìos<br />
um ensaio introdutório - dc<br />
o primciro tcxto puramente tcórico dewurdt , .m quc eìc p.opo"<br />
cg,nStTale<br />
u,r.ro .atira-o<br />
Terodglód<br />
. No ano segui'te, publicou ar' vortuung^iííí-dze<br />
Tlinseeb<br />
Mertrchm- unl<br />
lconftrèncias sobrc a Inelrte humana c ani-ál), ob.a que represeÌìta uma extensão<br />
fundanrentais<br />
dos princípi's<br />
expostos nas .BeüroBe.<br />
fJm aspecto da vida de lvuút que também merece ate'ção é o seu envoÌvimento conr<br />
Tendo<br />
a<br />
sido conüdado para ministrar<br />
'olítica.<br />
conferências popuÌares na Associaçiro Erìucativa dos<br />
ele<br />
operários,.<br />
se engajou não só no moümcnto para a educação dos operários, mas foi se envolvencìo cada<br />
nas.discussõesPoÌítir:as,oclucole'ou,ase<br />
vez nrais<br />
elegerpeÌoParticloPlogrcssista,cm lg66,"or.ro-"nrb.u.l,<br />
Parlamento de Baden' Dois anôs depois, ele abãndànou a carreira porítica t- para se dedicar exclusivamenre<br />
à r,ida acadênrica.<br />
-----<br />
r-* 'e qv..v* j<br />
Antes de deixar Heidelberg, wund+qblicou o ìivro<br />
-<br />
que lhe dcu fama e reco'ìrecirnento acadê'rico'<br />
c:nd.t4ce tur!ry.slotng*chen r;)crv1oíu1dr".,,"nto, d" prliÇu nriorogica). Este liwo, que teve<br />
revistas<br />
seis edições<br />
e ampüadas durante sua üda, influerciou por niuito tempe a il.-"çao<br />
" a óeção do trabaÌho dc<br />
toda uma geração de noyos psicóloqos.<br />
recebeu u- cot.4t. para assumir a<br />
. lT lttn'y:ndt<br />
cátedra de filosofia induriva na.Universidacle de<br />
Ím:':,"j:131""ï:::'::';'r,:':,:ulï*-*eu<br />
rá por<br />
ïT^T:,pois c'r rB75 .,. i"i;;;;;ì'^ï<br />
lecionar na Uniiersidade cÌe teip.zig órld" p".-ur,"."u até lgl7, aposenton. Sua primeira<br />
grande realização foi a fundação, em lg79, ào fa que atraiu estudantcs<br />
de várias partes do muudo e<br />
lábciratório, Juntamente com o<br />
Wundt fundou ern lB83; um periódico de psicologia,que úãJÀ"ntore ,!:,::ily*,o^oqa,t"a".nú.0ìi""il,;;ffi;'ffi;"ï:::::,ï:.iï;:ï;:;;:;ff;"r::;kïiïiã:ï<br />
chamava<br />
psicológicos).<br />
r!; em,[rinlig.que \\tundr escre\€u a maior parte dc sua obra. Aìóm dc suas já tradicionais prrbÌicaçõcs<br />
naárea da psicoloeia fisiorógica,.ere esc.ereu Iongos trarados de filosofia I zrgtfis3g-re1y.;), Etlúk<br />
Ç88,6Ì",e.gldnPhilonphic(l88g) -.umusírteseìeóricadoseuprojetoa"pr.ãi"g;"-"<br />
(]rundríssda<br />
PErlnhgtr(compôndio de psicologia) (r996) -, cnre ourÌos. A parrir de 1900, credicou_se ;p;;ffi;;<br />
ìL v\kapEclnhgie (Psicologìa dos povos) - paia muitos, sua maiàr realizael *uae-i.u i<br />
u,ã;..6;.j;;<br />
em 9Ì9, No ano seguintà,<br />
.T:::^:"J:la f<br />
teminou sua autobiografia '_8112<br />
bt", uìn,I Eìkannt"s(O<br />
uvr<br />
que eu<br />
e conhçci) - e veio a falccer no dia 3 I de agosto, pouco depois de completar Bg anos de idade.<br />
92
CapíÍulo 5<br />
llilhelm WundÍ e o esludo da experiência imediala<br />
Saulo de treilas Âraujo<br />
Wilhelm Wundt (1832-1920)é normalmente considerado, na historiografia<br />
da psicologia, como o fundador da psicologia científica, título este que<br />
está diretamente relacionado ao fato de ter criado, em 1879, o Laboratório de<br />
Psicologia na Universidade de"Leipzig,naAlemanha. Além disso, é um dos<br />
autores mais citados e mencionados nos manuais de história da psicologia.<br />
Entretanto, apesar de toda essa fama, Wundt ainda é um autor não só bastante<br />
desconhecido) como também aquele, dentre os chamados "fundadores" da<br />
psicologia, cujas idéias mais sofreram distorções na literatura psicológica.<br />
Não só a extensão e as dificuldades de acesso à sua obra original, mas<br />
principalmente a atitude de vários historiadores da psicologia, que têm se<br />
detido apenas em partes dela, sem se preocupar com o sentido geral do seu<br />
sistema de pensamento, têrir contribuído para essa situação desconfortável.<br />
Sendo assim, a primeira coisa que o leitor interessado em se aproximar da<br />
psicologia de Wundt deve ter em mente é que estamos ainda longe de ter uma<br />
clara e adequada compreensão de toda a sua obra e, o que aqui nos interessa<br />
mais de perto, do lugar que seu projeto psicológico nela ocupa.<br />
É bern verdade que, sobretudo a parú da década de I 980, come ç aÍarr_ a<br />
surgir novos e importantes estudos sebre a obra de Wundt que têm procurado<br />
reavaliar o seu pensamento e mostrar as origens de algumas interpretações<br />
eqúvocadas tradicionalmente presentes nos manuais de história da psicologia.<br />
Alguns desses estudos, contudo, apesarde terem contribuído significativamente<br />
para mostrar a complexidade do projeto wundtiano de psicologia, são ainda<br />
superficiais e podem acabar introduzindo novos problemas na interpretação<br />
do pensamento de Wundt, na medida em que deixam de considerar textos<br />
fundamentais de sua obra, como seus escritos psicológicos iniciais, que<br />
abrangem o período de 1858 a 1863, quando ele ainda não tinha ido para<br />
Lripzig.<br />
93
Irzluitas questões permanecem mal resolvidas na obra de Wundt.<br />
Em primeiro lugaq coloca-se a questão da continuidade ou ruptura de seu<br />
projeto de psicologia.Tenaele apresentado vários sistemas teóricos distintos,<br />
introduzindo modificações essenciais em cada um deles? Ou haveria um<br />
único sistema psicológico, cujas alterações posteriormente introduziclas não<br />
afetariam sua <strong>unidade</strong> fundamentaì? Isso nos remete a uma outra questão,<br />
que diz respeito aos interesses e pressupostos filosóficos fundamentais de<br />
Wundt, que subjazem ao seu projeto de psicologia' Wundt é, antes de tudo,<br />
um filósofo que formulou um sistema de filosofia, incluindo uma lógica, uma<br />
teoria do conhec,imento, uma ética e uma metafisica' Sem uma adequada<br />
compreensão de seus escritos filosóficos, os problemas relativos à interpretação<br />
de sua psicologia não poderão ser satisfatoriamente resolüdos'<br />
como as questões acima referidas aguardam uma solução definitiva,<br />
cujas exigências demandam um aprofundamento que extrapola os objetivos<br />
do presente capítulo, vamos priúlegiar aqui, em vez de uma apresentação<br />
sistemática de todo o percurso wundtiano, alguns dos principais tópicos de seu<br />
pensamento psicológico, tomando como base sua fase madura, que se expressa<br />
na última grande síntese teórica de seu projeto de psicologia - o livro Compêndio<br />
de psìcotogia (Grundif dn Psltchotogiz), cuja primeira edição é de 1896'<br />
 naÍureza da psicologia<br />
'ïalvez<br />
a melhor maneira de iniciar uma apresentação introdutória<br />
da psicologia wundtiana seja explicitando a própria definição de psicologia<br />
propostaporwundt. Neste sentido, apergunta "o que é psicologia?" receberia<br />
'A<br />
a seguinte resposra: psicologia é uma ciência empírica cujo objeto de estudo<br />
é a experiência imediata". No entanto, torna-se ainda necessário esclarecer o<br />
conceito de "experiência imediata".<br />
wundt entende por experiência em geral um todo unitário e coerente,<br />
que pode ser concebido e elaborado cientificamente a partir de dois pontos<br />
de üsta distintos, porém complementares: toda experiência pode ser analisada<br />
pelo seu conteúdo objetivo (experiência mediata) ou subjetivo (experiência<br />
.imediata). No primeiro caso; a ênfase recai sobre os objetos da experiência<br />
(mundo externo), pensados independentemente do sujeito da experiência,<br />
enquanto, no segundo caso, investiga-se o pçóprio sujeito da experiência<br />
(mundo interno) em sua relação com os conteúdos da experiência. com<br />
base nesses dois pontos de üsta,, surge uma dupla possibilidade de se fazer<br />
94
Na<br />
,'rl:r<br />
lÍx<br />
,rlrrr:r<br />
\Vrl<br />
ciência empírica: a ciência natulal (fisica, química, fisiologia etc.), que cuida<br />
dos conteúdos específicos da experiência mediata) uma vez que os objetos<br />
fornecidos na experiência são sempre mediados pelos fatores subjetivos; e a<br />
psicologia, que tem por objeto a experiência imediata, já que não abstrai o<br />
próprio sujcito, como a ciência natural.<br />
Com essa definição de psicologia, Wundt pretende, em primeiro lugar,<br />
atacar um tipo de psicologia bastante difundida em sua época, que ünha sendo<br />
definida como ciência da alma ou MDNrE (y' capítulo 2). Segundo Wundt,<br />
essa psicologia está assentada em hipóteses metaÍìsicas (nSetzurunLISMO ou<br />
Ì!.ÍATERIALISMO) que extrapolam o domínio da experiência possíveÌ. Como sua<br />
intenção é inaugurar uma nova psicologià, autônoma e independente de teorias<br />
metafisicas, o único caminho possível era recusar essa psicologia e construir<br />
uma outra, que se atém somente à experiência psicológica propriamente dita'<br />
Para apsicologia wundtiana, s6 hâ a experiência, üsta como um conjunto de<br />
processos interligados, e nada mais.<br />
É importante enfatizar que, de acordo com essa definição, não há uma<br />
diferença essencial de natureza entre o mundo interno e o externo - umavez<br />
que a experiência é um todo organizado que abrange ambos -, mas apenas uma<br />
diferença na maneira de se abordá-los. Por isso, a relação entre a psicologia e<br />
as ciências da natureza (NerunwssaNscnanü ê de complementaridade. Elas<br />
se complementam, na medida em que fornecem relatos diferentes da mesma<br />
expe riência, sem que haja a possibilidade de have r uma subordinação ou<br />
redução de uma a outra.<br />
Por outro lado, na medida em que a psicologia é a ciência das formas<br />
universais da experiência humana imediata, ela pode ser considerada a mais<br />
geral de todas as ciências do espírito (GetsreswtsstNscHAFr*N) e' portanto'
o fundamento de cada uma delas em particular (filologia, história, direito<br />
etc.).<br />
Há que se considerar ainda a relação entre psicologia e filosofia. De<br />
todas as disciplinas empíricas, Wundt considera que a psicologia é aquela<br />
cujos resultados mais contribuem para a investigação dos problemas gerais da<br />
teoria do conhecimento e da ética, os dois dornínios filosóficos fundamentais<br />
para ele. Se a psicoÌogia, portanto, é compÌementar às ciências naturais e o<br />
fundamento das ciências do espírito, podemos dizer que é preparatóriaparaà<br />
filosofia. Em outras palawas, os resultados da investigação psicológica podem<br />
guiar a construção de um sistema filosófico.<br />
 queÍãô do mélodo e a subdiYisão da plicologia<br />
Como a psicologia não estuda um objeto diferente do objeto das ciências<br />
naturais, mas apenas a mesma experiência de um outro ponto de vista' Seus<br />
métodos de investigação também não podem diferir. Apsicologiavai se servir,<br />
portanto, dos dois principais métodos utiüzados pelas ciências da natureza:<br />
o experimento e a observação. O experimento consiste na interferência<br />
proposital (manipulação) do pesquisador sobre o início, a duração e o modo<br />
de apresentação dos fenômenos investigados (como na ffsica, na química e<br />
na fisiologia). A obsewação propriamente dita refere-sè à mera apreensão<br />
de fenômenos ou objetos, sem que haja qualquer interferência por parte do<br />
observador (como na botânica, na anatomia e na astronomia)<br />
No que diz respeito ao experimento, apsicologiautiliza-o diretamente em<br />
suas investigações, como demonstram os estudos sobre a sensação, apercepção<br />
e a representação, ou seja, aquilo que Wundt chama de psicologia indiúdual,<br />
fiiiológica ou elçerimental. Nesse caso, pode-se investigar cuidadosaménte<br />
tanto o iníçio quanto o curso desses processos, üsando sempre à sua relação<br />
com seus elementos constituintes.<br />
Há, porém, uma diferença metodológica significativa entre a psicologia e<br />
as ciências d anatrÍezadecorrente da especificidade da perspectiva psicológica'<br />
Em primeiro lugar, já que a psicologia é o estudo da experiência imediata,<br />
seu conteúdo revela apenas processos, jamais objetos estáveis, como acontece<br />
na observação científica da natureza. Em segundo lugar, a psicologia não<br />
pode desconsiderar ou colocar entre parênteses, como fazem as ciências<br />
naturais, o sujeito da experiência, uma vez que este é precisamente o assunto,<br />
de seu interesse. Além disso, seria muito dificil que, mesmo em situações<br />
. / ,<br />
9ó
ln:qüentemente repetidas, os mesmos elementos objetivos da experiência<br />
rrrrcdiata viessem acompanhados da mesma condição do sujeito. Em outras<br />
';rlavras, a intenção do observadorJ que deve estar presente nas observações<br />
t ir:ntíficas, altera significativamente o início e o curso dos processos psíquicos'<br />
l,r'vando em consideração essa particuÌaridade dos eventos psicológicos, o<br />
psicólogo estaria, portanto' impossibilitado, por princípio, de utilizar a<br />
, ,lrse rvação pura ou auto-observa çáo (Setbstbeobachtung) no domínio da psicologia<br />
rrrcliüdual.<br />
, Éimportante estar atento para este ponto, tendo em üsta ô fato de que<br />
\,Vundt é muitas vezes acusado de ser um dos principais deÍènsores da auto-<br />
,,lrservação ou introspecção tradicional, que. remonta à tradição filosófica. No<br />
(.rrtanto, o que permaRece em grande parte ignorado por seus intérpretes) e<br />
(l1c está implícito. nas considerações anteriores, é a diferença fundamental<br />
,1trc ele estabeleceu entre a auto-observaçáo (Selbsbeobachtung) e a percepção<br />
ilrterna (innere Wahrnehmung). Essa última, segundo Wundt, por estar baseada<br />
no controle experimental das condições externas da experiência, substituiria<br />
rr introspecção tradicional e livraria a psicologia das duras cúticas feitas por<br />
r liversos autore s ao introspeccionismo.<br />
Isso não significa, porém, que não haja lugar para a pura observação na<br />
Psicologia. Ao contrário, existem fatos psíquicos que' embora não sejam objetos<br />
r.cais do mundo externo, possuem o carâter de objetos psíquicos, na medida<br />
(.rn que sua natureza é relativamente estável e que independem do observador.<br />
Além disso, eles têm uma outra característica em comum' que os tornam<br />
:rclequados à observação: eles são inacessíveis pelo método experimentaÌ. Mas<br />
rlue objetos psíquicos são esses? São aquilo que Wundt chama de produtos<br />
rnentais surgidos ao longo da história, como a linguagem, a religião, os mitos<br />
(.os costum;s, que dependem de certas condições psíquic.as gerais,.as quais<br />
podemos inferir com base em suas características objetivas'<br />
IJma característica fundamental desses produtos mentais é que eles<br />
Pressupõem<br />
a existência de uma comuniclade de muitos indivíduos que<br />
t:ompartilham uma certa mentalidade, embora sua fonte última sejam<br />
::-lt'<br />
rrs caracteústicas psíquicas do indiúduo em particular. E por estarem ligados<br />
iÌ uma com<strong>unidade</strong> popular que Wundt chamou essa área de investigação<br />
lrsicológica de psicologia dos povos (Võlkerpslchologte), que.complementa a<br />
irsi.oÌogiu individuat ou expçrimental na busca de uma compreensão geral<br />
dos princípios fundamentais da úda psíquica' No entanto' há uma curiosa<br />
diferença na atitude de Wundt em relaçãda essas duas áreas de investigação<br />
psicológica. Enquanto na psicoJo€ra indiüdual ele procurou sempre investigar
direta e empiricamente os fenômenos, na psicologia dos povos wundt o fez<br />
apenas indiretamente, baseando-se acima de tudo nos relatos e estudos<br />
einológicos. Os ultimos 20 anos de sua vida (1900-1920) foram dedicados<br />
principalmente a essa psicologia dos povos, esforço esse que resultou em dez<br />
extensos volumes.<br />
Em suma, a psicologia dispõe, assim como a ciência natural, de dois<br />
métodos de investigação, que darão origem a duas formas complementares<br />
de esrudo psicológico: o experimento, que a psicologia individual/fisiológica<br />
utiliza na análise dos processos psíquicos mais simples; e a observação<br />
dos produtòs mentais, através da qual a psicologia dos povos investiga os<br />
processos psíquicos superiores. E importante termos sempre em mente que<br />
essa subdiüsão da psicologia é uma necessidade apenas metodológica' que em<br />
princípio não compromete a <strong>unidade</strong> do seu objeto de estudo (os processos<br />
psíquicos revelados na experiência).<br />
Principai$ conccilos e idéias psicológicas<br />
Uma das principais idéias psicológicas de Wundt ê' a de que a vida<br />
psíquica desenvolve-se gradual e continuamente do simples para o complexo,<br />
através de uma série de processos regulares, que constituem nossa experiência<br />
psicológica naúda cotidiana. Neste sentido, nossa experiência imediata só nos<br />
fornece conteúdos de natureza comi:lexa, que resultam da ligação de vários<br />
elementos simples.<br />
Esses elementos psíquicos, que são revelados através da análise<br />
psicológica e, portanto, de üma abstração<br />
- uma vez que em nossa experiência<br />
eles nunca aparecem isolados, mas somente ligados a outros conteúdos -,<br />
constituem a base de toda nossa üda mental. como o conteúdo de nossa<br />
experiência imediata varia entre dois pólos, um objetivo e outro subjetivo, os<br />
el.-.rrtos podem seç seguindo essa divisão, de dois tipos: as sensações ligadas<br />
ao conteúdo objetivo (som, luz etc.) e os sentimentos simples relacionados ao<br />
conteúdo subjetivo (prazer, desprazer etc')'<br />
O próximo passo é a formação, a partir das sensações ou dos sentimentos<br />
simples, daquilo que Wundt chamou de complexos psíquicos (psltchische<br />
Getitdel,que se diferenciam uns dos outrbs por certas caracteústicas próprias,<br />
formando uma <strong>unidade</strong> relativameirte autônoma. Eles podem assumir quatro<br />
formas diferentes: rePresentações, sentimentos compostos, afetos e Processos<br />
voütivos. Enquanto as representa$eí têm sua oligem nas sensações, todos os
()utros complexos psíquicos originam-se a partir dos sentimentos simples (ver<br />
lìsquema l).<br />
õ<br />
@ ! õ<br />
hquema 1. Conleúdol da consciência<br />
É importante ressaltar aqui que, para Wundt, os complexos psíquicos,<br />
cmbora sejam compostos de elementos psíquicos, possuem características que<br />
não pertencem a nenhum de seus elementos em particular. E a ligação dos<br />
clementos que produz essas novas caracteústicas' que pertencem somente<br />
aos complexos enquanto tais. Aqui entra em cena uma das principais<br />
idéias da teoria psicológica de Wundt, que permanece ignorada por muitos<br />
comentadores, a saber, o conceito de fusão (VerschrulZung) e o princípio da síntese<br />
criadora. É a fusão - qge tem como resultado a síntese criadora - que liga os<br />
elementos e constitui os complexos psíquicos, enquanto que a associação é um<br />
processo secundário, qüe se refere apenas à ligação de elementos já presentes<br />
em diversos compostos. O processo fundador da complexidade psíquica é, pois,<br />
a fusão, e não a associação. Sendo assim, Wundt está longe do aSSOCrncIoMSMo<br />
BRITÂNICo, como f^z questão de ressaltar inúmeras vezes.<br />
Os complexos psíquicos<br />
podem ainda se co-nectar, formando<br />
um todo unitário. Essa conexão ..<br />
dos complexos psíquicos Wundt ;<br />
denomina consciência. E o processo<br />
através do qual um conteúdo<br />
psíquico é trazído à clareza da cons-<br />
99
ciência é chamado de apercepção<br />
(Apperuptinn),<br />
que vem acompanhado<br />
do estado de aten$o. Mas é possível<br />
também apreender conteúdos sem a<br />
presença da aten$o, e nisso consiste<br />
exatamente a percepção (Percepüon).<br />
Desta forma, fazendo uma analogia<br />
com o sistema üsual, Wundt chama<br />
o conteúdo ao qual a atenção está<br />
dirigrda de ponto focal (Blükpunk) da<br />
consciência, e o conteúdo restante de<br />
campo vrwal (B lü lgfe<br />
ld) da consciência<br />
[tqucna 2. Âpacepção e percepção<br />
(ver Esquema 2).<br />
Outra importante idéia psicológica de Wundt é o conceito de<br />
"causalidade psíquica", que está diretamente relacionado ao seu IARALETJsMo<br />
pstcorÍstco. Para Wundt, a experiência pode, como já foi dito, ser conhecida a<br />
partir de dois pontos de üsta distintos,<br />
porém complementares: objetivo<br />
(experiência mediata) e subjetivo<br />
(experiência imediata). Certas partes<br />
da e:iperiência mediata podem ter uma<br />
correspondência direta com partes da<br />
experiência imediata, sem que uma possa<br />
ser reduzida à ou derivada da outra. De<br />
acordo com o princípio do paralelismo<br />
psicoffsico, quando isso acontece há uma<br />
relação necessária entre cada processo<br />
psíquico elementar e seu processo Íisico<br />
correspondente. No entanto, existem<br />
vários conteúdos da nossa experiência<br />
que só podem ser conhecidos a partir de um único ponto de vista, seja ele<br />
ffsico ou psicológico. Nesse caso, somos obrigados a reconhecer a autonomia<br />
do conhecimento psicológróo e estamos justificados a supor uma causalidade<br />
propriaparao domínio dosprocessosmentais, do mesmo modo que supomos a<br />
causalidade fisica lnaÍratuÍeza. Os dois tipos de causalidade são complementares<br />
e nuncapodem entrarem.contradi$o entre si. fusim como a causalidade fisica<br />
está fundamentada nas leis da natureza, a causalidade psíqúca vai encontrar<br />
sua fundamentação última nas,leis fundamentais da vida psíqúca,<br />
t00
!rn<br />
Qc(<br />
GM<br />
A iníilucionaliração da psicologia<br />
O título de fundador da psicologia, normalmente consagrado a<br />
Wundt em quase todos os manuais de história da psicologia, encontra<br />
freqüentemente justificativa na fundação, em 1879, do Laboratório de<br />
Psicologia da Universidade de Leipzig onde ele permaneceu até se aposentar<br />
em 1917. Entretanto, esse fato seria por si só insuficiente para sustentar tal<br />
escolha. Tendo em üsta a râpida disseminação de laboratórios de fisiologia<br />
por praticamente toda a Alemanha do século XfX, é sempre possível apontar<br />
a existência de laboratórios anteriores ao de Leipzig onde também eram<br />
reali"adas investigações de cunho psicológico, o que colocaria em questão o<br />
pioneirismo de Wundt.<br />
Ao investigarmos mais detalhadamente a vida acadêmica de Wundt,<br />
sobretudo o período de Leipzig podemos perceber mais claramente onde<br />
reside a üerdadeira justificativa para. a eleição de Wundt como o fundador<br />
da psicologia científica. Não se trata da lundação do laboratório em si, mas<br />
sim daquilo que ele passou a representar a partir de então. Durante todo o<br />
ultimo quarto do século XD(, o Laboratório de Leipzig atraiu estudantes de<br />
várias partes do mundo (Estados Unidos, Canadá,.Inglaterra, entre outros)<br />
e tor.nou-se o primeiro e maior centro de formação de toda uma geração de<br />
que posteriormente regressaram a seus locais de origem e<br />
fundaram novos laboratórios nos moldes wundtianos.<br />
Foi também o sucesso do LnsoRArónro oo Lnrezlc que<br />
impulsionou'a institucion alzaçáo formal da psicologia, .quando,<br />
em I BB3, o Instituto de Psicologia teve sua existência oficialmente<br />
reconhecida pela Universidade de kipzig e pzissou a ser inclúdo<br />
no orçamento universitário. No entanto, essa institucisnalçaçãD<br />
não deve ser entendida como uma autonomia e separação<br />
institucional da psicotogia em relação à filosofia, uma vez que<br />
até a metade do século XX a psicologia continuou subordinada<br />
à Faculdade de Filosofia nas universidades alemãs. Trata-se, ao<br />
contrário, de uma dewinculação programática, na medida em<br />
que Wundt pretendia fundar um novo campo de investigação<br />
cienúfica, sem a influência deletéria das especulações metaÍisi-<br />
$lém de tudo isso, é digno dè nota o fato de Wundt ter<br />
fundado e publicado, em lBB3, um dos primeiros periódicos de<br />
psicologia, que inicialmente se charnava Philnsophisclu Shtliez (Estudos<br />
t01
filosóficos), e , a partir de 19<strong>06</strong>, passou a se chamar Pgu chnlogüclu Sndiaz (Estudos<br />
psicológicos). Esse periódico era o veículo oficial de publicação dos trabalhos<br />
realizados no Instituto de Psicologia.<br />
Não podemos nos esquecer também que o próprio Wundt, desde seus<br />
primeiros trabaÌhos psicológicos (1S58-1863), que antecedem por mais de<br />
dez anos spa chegatìa aLeipzig (1875), sempre reivindicou para si o ato de<br />
fundação de Ìrma nova psicologia, restrita ao campo da e>çeriência possível. Foi<br />
Wundt,'mai's do que qualquer outra pessoa, que lutou para fixar o significado<br />
do termo "psicologia" em conformidade com a tradição científica do século<br />
XIX na Alemanha.<br />
No que diz respeito ao desenvolümento e à institucionalizaçáo da<br />
psicologia no Brasil, é praticamente impossível estabelecer qualquer ligação<br />
direta entre esta e a obra de Wundt. Se levarmos em consideração que<br />
a penetração da psicologia no Brasil ocorreu principalmente pela via da<br />
psicologia aplicada - seja na psiquiatria ou na pedagogia, com ênfase na<br />
prico-.triu - e que Wundt jamais se preocupou seriament. cotá qualquer<br />
aplicação dapsicologia, torna-se evidente adistância. O máximo qrrepodemos<br />
afirmar é que, caso tenha haüdo alguma influência, esta ocorreu de maneira<br />
muito indireta, com a criação de laboratórios de pSicologia e a utilização de<br />
alguns instrumentos de medição de fenômenos psicológicos.<br />
llundÍ e Iilchener<br />
um dos eqúvocos cometidos com mais freqüência nos manuais de<br />
história da psicologiaê aafrrmação de que Wundt seria, ao lado de Titúener,<br />
um dos principais representantes do estruturalismo. Esse eqúvoco, que por<br />
si só já representa uma total Íalta de compreensão da psicologia wundtiana,<br />
eslá diretamente relacionado a outros ainda mais graves - p. ex., quandÒ ele é<br />
apontado como um defensordo elementarismo e do associacionismo britânicos<br />
-, na medida em que subvertem os principais fundamentos filosóficos de seu<br />
pensamento.<br />
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que existem diferenças importantes<br />
entre Wundt e Titcheneq pelo menos enquanto este ultimo se definiu como<br />
estruturalista e foi fiel aos seus princípios. Foi Titchener quem fundou o<br />
estruturalismo, e não Wundt. Embora tenha sido aluno e colaborador de<br />
Wundt no Laboratório de Lripzig ele construiu sua própria concepção de<br />
psicologia, que em muitos aspectos se distanciou do pensamento wundtiano.<br />
t02
i\ cliverçncia fundamental está na própria concepção de objeto e método<br />
,l:r psicologi a. ParaTitchener, a psicologia é fundamentalmente o estudo dos<br />
r.k:mentos da consciência através da introspecção. E tudo o que não puder<br />
s
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