download do material - FICI - Festival Internacional de Cinema Infantil
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12<br />
No espírito <strong>do</strong> século XVIII<br />
Cain<strong>do</strong> no ridículo se passa às vésperas<br />
da Revolução francesa e fornece<br />
um amplo painel <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que<br />
reflete, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da linguagem,<br />
a mentalida<strong>de</strong> e o comportamento<br />
<strong>do</strong> Século das Luzes, mesmo<br />
que já no final.<br />
A linguagem e os jogos <strong>de</strong> palavra<br />
“Classifico to<strong>do</strong>s os jogos <strong>de</strong> palavras<br />
neste ca<strong>de</strong>rno”, diz Bellegar<strong>de</strong>.<br />
E quan<strong>do</strong> o rei <strong>de</strong>sce uma escadaria<br />
externa <strong>do</strong> castelo, um cortesão lhe<br />
acalma confirman<strong>do</strong>: “Não, majesta<strong>de</strong>,<br />
isto é um jogo <strong>de</strong> palavras” . Pois,<br />
como Bellegar<strong>de</strong> preveniu: “Nunca<br />
faça trocadilhos, eles são <strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>s<br />
em Versalhes, ‘trocadilho é estreitar<br />
a mente”. Então, Poncelu<strong>do</strong>n<br />
respon<strong>de</strong>: “Votaire, meu livro <strong>de</strong> cabeceira”.<br />
Certamente não surgiu no<br />
século XVIII a arte <strong>de</strong> cultivar a linguagem.<br />
Des<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong> se usa<br />
o jogo <strong>de</strong> palavras para efeito cômico<br />
e também com o intuito <strong>de</strong> alfinetar<br />
alguém.<br />
Este artifício será encontra<strong>do</strong> <strong>de</strong>zoito<br />
séculos mais tar<strong>de</strong> em Voltaire, rei da<br />
epigrama e símbolo <strong>do</strong> espírito sofistica<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s Iluministas. O erro seria<br />
dissociar esta prática – mesmo se ao<br />
longo <strong>do</strong>s séculos a linguagem seria<br />
uma das facetas da Corte, <strong>de</strong>sconectada<br />
da realida<strong>de</strong>, como mostra o filme<br />
– <strong>do</strong> Iluminismo que, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
um fun<strong>do</strong> comum <strong>de</strong> questionamentos<br />
filosóficos, afeta concretamente a<br />
literatura, a ciência, as artes, o contexto<br />
político (que acabou levan<strong>do</strong> à<br />
Revolução).<br />
Na arte da linguagem, o que marca<br />
a conversa <strong>do</strong> século XVIII, em inúmeros<br />
salões e clubes que brotam<br />
na corte à exaustão, é a instauração<br />
<strong>do</strong> uso intenso <strong>do</strong> jogo <strong>de</strong> palavras<br />
inerente a um comportamento específico:<br />
o escárnio.<br />
O turbilhão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias<br />
“Vocês invejam a essência questiona<strong>do</strong>ra<br />
<strong>de</strong> Voltaire. O gran<strong>de</strong> homem<br />
teria chora<strong>do</strong>, pois ele era <strong>de</strong> um ridiculamente<br />
sensível à malda<strong>de</strong> humana”,<br />
diz Poncelu<strong>do</strong>n em Cain<strong>do</strong><br />
no ridículo após ser ridiculariza<strong>do</strong>.<br />
Sabe-se <strong>de</strong> fato que Voltaire (1694-<br />
1778) sempre tomou parti<strong>do</strong> contra<br />
a intolerância e a injustiça. Seus<br />
contos filosóficos como Cândi<strong>do</strong>,<br />
seu engajamento nos erros judiciais<br />
no caso Calas, sua colaboração na<br />
Enciclopédia, fazem <strong>de</strong>le um personagem<br />
central <strong>do</strong> século. Persona<br />
non grata na Corte, on<strong>de</strong> chegou a<br />
dizer a sua amiga Madame du Châtelet<br />
que per<strong>de</strong>u to<strong>do</strong> seu dinheiro nos<br />
jogos: “Você joga com trapaceiros”,<br />
ele freqüentava o Café Procope, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> surgiram Fontenelle e Di<strong>de</strong>rot.<br />
Aí, como antes nos salões frequenta<strong>do</strong>s<br />
pelos enciclopedistas, as i<strong>de</strong>ias<br />
avançam.<br />
O século das luzes – cujas premissas<br />
têm como raízes tanto o espírito<br />
florentino da corte <strong>do</strong>s Médicis bem<br />
como Rabelais, Montaigne e Spinoza<br />
– se revela como um to<strong>do</strong> em movimento,<br />
que <strong>de</strong>nuncia o mun<strong>do</strong> antigo.<br />
A eclosão <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro espírito<br />
crítico filosófico vai romper os i<strong>de</strong>ais<br />
sobre o po<strong>de</strong>r político e sobre a soberania<br />
religiosa e abre as perspectivas<br />
para outra socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direito.<br />
O espírito científico<br />
A fé no progresso científico se situa<br />
na fé na razão, que é o cre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Iluministas.<br />
“É preciso examinar tu<strong>do</strong>,<br />
fuçar tu<strong>do</strong>, sem exceções”, escreveu<br />
Alembert no Discurso Preliminar à<br />
Enciclopédia, cuja aparição ocorreu<br />
<strong>de</strong> 1751 a 1772. O reino da revelação<br />
acabou, <strong>de</strong>u lugar à observação e aos<br />
experimentos críticos, ao empirismo,<br />
à reflexão. Em Cain<strong>do</strong> no ridículo, o<br />
discurso <strong>de</strong> Poncelu<strong>do</strong>n correspon<strong>de</strong><br />
ao espírito novo. O Marquês <strong>de</strong><br />
Bellegar<strong>de</strong> não é um médico comum,<br />
mas mo<strong>de</strong>rno que instalou em casa<br />
um laboratório on<strong>de</strong> faz experimentos.<br />
Sua filha Mathil<strong>de</strong> também é<br />
fruto <strong>de</strong> seu tempo. Ela nasceu no<br />
ano em que “Rousseau lançou Émile”,<br />
(como diz Bellegar<strong>de</strong>), logo em<br />
1762, e o marquês a criou para que<br />
fosse livre para fazer suas escolhas,<br />
sem dúvida influencia<strong>do</strong> pela leitura<br />
da filosofia. A jovem chega a usar um<br />
“traje hidrostratégico”, com o qual faz<br />
testes com Poncelu<strong>do</strong>n. Esta palavra<br />
é um <strong>do</strong>s vários neologismos <strong>do</strong> século<br />
XVIII que não vingou. Em outro<br />
momento <strong>de</strong> Cain<strong>do</strong> no ridículo, assistimos<br />
o resulta<strong>do</strong> das pesquisas<br />
<strong>do</strong> Aba<strong>de</strong> l’Epée (1712-1789) sobre<br />
a linguagem <strong>de</strong> sinais, através <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> jovens sur<strong>do</strong>s-mu<strong>do</strong>s<br />
que, por ironia <strong>do</strong> filme,<br />
literalmente cala a platéia rui<strong>do</strong>sa (e<br />
consequentemente ridícula) composta<br />
<strong>de</strong> cortesãos <strong>de</strong>bocha<strong>do</strong>s.<br />
P A S S A R E l A S