download do material - FICI - Festival Internacional de Cinema Infantil
download do material - FICI - Festival Internacional de Cinema Infantil
download do material - FICI - Festival Internacional de Cinema Infantil
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O primor antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><br />
A flui<strong>de</strong>z e a elegância caracterizam a narração <strong>de</strong> Cain<strong>do</strong><br />
no ridículo, ca<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> por um ritmo ágil: tu<strong>do</strong> se enca<strong>de</strong>ia<br />
e até o final, dança-se mesmo corren<strong>do</strong> o risco <strong>de</strong><br />
cair. As boas maneiras e os tropeços se misturam, quase<br />
se confun<strong>de</strong>m: como Milletail avisan<strong>do</strong> à serviçal que “em<br />
sua euforia, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Blayac se distraiu”, enquanto na<br />
verda<strong>de</strong> ele o matou com o que po<strong>de</strong> se chamar <strong>de</strong> um<br />
assassinato ao pu<strong>do</strong>r. A narração avança à medida que<br />
as falas se fun<strong>de</strong>m: gradativamente. Esta impressão <strong>de</strong><br />
rapi<strong>de</strong>z é acentuada pela mudança <strong>de</strong> cenários, que po<strong>de</strong>m<br />
duplicar sem fim uma situação que, na verda<strong>de</strong>, é<br />
completamente linear.<br />
Por exemplo, a apresentação da personagem Mathil<strong>de</strong>,<br />
construída em quatro tempos entrelaça<strong>do</strong>s. Trata-se <strong>de</strong><br />
um recurso conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong> narração cinematográfica que<br />
Patrice Leconte utiliza com frequencia: assim como a Con<strong>de</strong>ssa<br />
<strong>de</strong> Blayac e o aba<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vilecourt, cuja menor discussão<br />
mais séria causa um transtorno enorme, o especta<strong>do</strong>r<br />
<strong>de</strong> Cain<strong>do</strong> no ridículo tem o privilégio <strong>de</strong> apreciar<br />
apenas o primor. Por trás <strong>de</strong> uma aparência <strong>de</strong> facilida<strong>de</strong>,<br />
a narração requer uma construção <strong>de</strong>talhada.<br />
Um duelo constante<br />
Os <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s temas <strong>do</strong> filme são mostra<strong>do</strong>s logo <strong>de</strong><br />
início. Primeiramente, o po<strong>de</strong>r louco da linguagem, das palavras<br />
certas que dão o direito <strong>de</strong> existir e executar: tu<strong>do</strong><br />
é dito na primeira sequência, que é uma espécie <strong>de</strong> aviso<br />
ao especta<strong>do</strong>r. O filme inicia <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> com a apresentação<br />
<strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> Poncelu<strong>do</strong>n: o saneamento <strong>do</strong> pântano<br />
<strong>de</strong> La Dombes, que não requer apenas o profissionalismo<br />
<strong>de</strong>ste engenheiro hidrólogo, mas também sua lealda<strong>de</strong>.<br />
Sua viagem à Versalhes é também um comprometimento<br />
moral feito junto a uma criança para quem o rei da França<br />
Ardis e ardilosos<br />
D R A m A T U R G I A<br />
é o próprio <strong>de</strong>us: to<strong>do</strong> po<strong>de</strong>roso e misericordioso. Mas <strong>de</strong>pois<br />
disto, estamos (novamente) diante da blasfêmia: em<br />
seu velório, o moribun<strong>do</strong> que pereceu com um jato <strong>de</strong> urina<br />
morre novamente com as palavras venenosas. A oposição<br />
é clara entre as pessoas da Corte e Poncelu<strong>do</strong>n: os primeiros<br />
<strong>de</strong>senvolveram a arte da linguagem para fazerem<br />
<strong>de</strong>la uma arma imoral, o segun<strong>do</strong> possui um espírito nobre<br />
e também retidão, algo que dificilmente encontramos<br />
juntos, como nota o Marquês <strong>de</strong> Bellegar<strong>de</strong>. To<strong>do</strong> o filme,<br />
a partir <strong>de</strong> então, vira um duelo e a cena <strong>do</strong> <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />
rimas é apenas uma <strong>de</strong>monstração clara: presenciamos o<br />
confronto <strong>de</strong> eloquentes trapaceiros e um nobre cheio <strong>de</strong><br />
retórica, <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> elegância. Para que ocorra<br />
um verda<strong>de</strong>iro duelo ou um confronto orna<strong>do</strong> <strong>de</strong> máscaras,<br />
é preciso saber se a moral <strong>de</strong> Poncelu<strong>do</strong>n e sua honra<br />
serão solúveis ou não pela moral <strong>de</strong> Versalhes. Somente<br />
o texto explicativo no final será capaz <strong>de</strong> nos esclarecer:<br />
“A primeira tentativa <strong>de</strong> saneamento <strong>de</strong> la Dombes foi feita<br />
em 1793 pela Convenção, por iniciativa <strong>do</strong> cidadão Grégoire<br />
Poncelu<strong>do</strong>n, engenheiro hidrólogo <strong>de</strong> caráter civil”.<br />
Jogos <strong>de</strong> amor e po<strong>de</strong>r<br />
Intriga principal <strong>de</strong> Cain<strong>do</strong> no ridículo, a nobre missão <strong>de</strong><br />
Poncelu<strong>do</strong>n sofre os tropismos da Corte e <strong>de</strong>ve se adaptar,<br />
se reformular: “Sanear la Dombes” vira “Ver o rei” e ser<br />
visto. E assim passa-se para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s intriguistas, <strong>do</strong>s<br />
golpes que vão se multiplicar como a trapaça no <strong>de</strong>safio<br />
<strong>de</strong> rimas, as armadilhas no jantar ou no baile, a emboscada<br />
ao pé da cama (contra Poncelu<strong>do</strong>n) ou nos jardins <strong>de</strong><br />
Versalhes (a seu favor). Um teatro <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r que é ilustra<strong>do</strong><br />
pelos os olhos <strong>do</strong> rei escondi<strong>do</strong>s atrás <strong>de</strong> um quadro e que<br />
se alimenta <strong>do</strong>s beijos no salão, <strong>do</strong>s segre<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alcova.<br />
De to<strong>do</strong>s estes jogos, elucubra<strong>do</strong>s por ambiciosos, a Morte,<br />
bastante real, <strong>de</strong>strói a vaida<strong>de</strong> terrível e o discurso<br />
<strong>de</strong> Poncelu<strong>do</strong>n ressoa como um alerta. Ao mesmo tempo<br />
toda Versalhes <strong>de</strong>saparece, seu ouro e falsos valores são<br />
leva<strong>do</strong>s pela História, como um chapéu ao vento.<br />
9