19.06.2013 Views

Apresentação 1

Apresentação 1

Apresentação 1

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

18|ESPECIAL CABINDA JORNAL DE ANGOLA • Segunda-feira 13 de Agosto de 2012<br />

PROFISSÕES EM EXTINÇÃO<br />

Artesãos resistem ao tempo e à concorrência<br />

Esculturas em madeira são procuradas pelos turistas mas rendem pouco para os artistas<br />

ADALBERTO CEITA | Cabinda<br />

Cabinda sempre foi terra de alfaiates.<br />

Ontem “pedalavam” nas<br />

suas máquinas Singer, Oliva ou<br />

Necchi e das suas mãos saíam<br />

os trajes tradicionais que tornavam<br />

ainda mais belas as mulheres<br />

da província. Hoje poucos<br />

restam e todos se queixam da<br />

falta de clientes.<br />

Os sapateiros vivem os mesmos<br />

problemas e já poucos clientes lhes<br />

encomendam alpercatas de borracha,<br />

sandálias de cabedal ou sapatos<br />

à medida. Estão em vias de extinção.<br />

A falta de matéria-prima (solas,<br />

cabedais e saltos) e de clientes estão<br />

entre as principais queixas.<br />

Os mestres artesãos que transformam<br />

um pedaço de pau-preto ou<br />

pau-rosa numa bela escultura queixam-se<br />

que os jovens não querem<br />

aprender a sua arte. Quando a actual<br />

geração desaparecer, Angola perde<br />

um património invejável porque<br />

não há nada igual ao artesanato em<br />

madeira da província de Cabinda.<br />

Os artesãos em vias de extinção<br />

têm um ponto em comum: uma<br />

grande vontade de trabalhar e estão<br />

prontos a dar tudo para manter viva<br />

a arte que um dia aprenderam. Mais<br />

difícil é manter viva a esperança<br />

em dias melhores.<br />

Quando há 27 anos decidiu abraçar<br />

a profissão de sapateiro, Alexandre<br />

Poabo estava longe de imaginar<br />

o mar de dificuldades que o<br />

futuro lhe reservava e só mesmo a<br />

força de vontade ainda o mantém<br />

na profissão. Para ele, não tem sido<br />

fácil contornar as dificuldades porque<br />

falta quase tudo para trabalhar.<br />

Faça chuva ou sol, o mestre continua<br />

a ser presença assídua na Rua<br />

do Duque de Chiaze, no Largo do<br />

Ambiente, local onde tem montada<br />

a bancada e aguarda pacientemente<br />

pelos clientes.<br />

Alexandre Poabo tem feito tudo<br />

para continuar a “remendar” os sapatos<br />

e resistir à modernidade que<br />

lentamente lhe tem vindo a roubar<br />

o gosto pela arte. “É duro continuar<br />

nesta profissão porque me falta a<br />

matéria-prima desde a sola aos pregos<br />

ou à cola.<br />

Quando estes materiais aparecem,<br />

os preços são elevados”, disse.<br />

O material de trabalho também<br />

escasseia. E aos poucos desaparecem<br />

os ajudantes: “vejo com tristeza<br />

os aprendizes partir, mas nada<br />

posso fazer porque os clientes já<br />

não recorrem aos préstimos dos sapateiros.<br />

Alexandre Poabo viveu muitas<br />

crises ao longo da vida mas sempre<br />

sobreviveu. Agora teme que a profissão<br />

esteja no fim: “há muitos<br />

clientes que trazem os sapatos para<br />

arranjar e nunca mais voltam, porque<br />

arranjaram no mercado calça-<br />

O alfaiata Damas Mavungo aos comandos da sua velha máquina de costura Singer<br />

do novo mais barato do que aquilo<br />

que eu levo para arranjar os seus sapatos<br />

velhos”. Para ele só há uma<br />

solução: “o governo tem de proteger<br />

os artesãos, caso contrário a<br />

profissão de sapateiro pode afundar<br />

definitivamente”.<br />

Clientela exigente<br />

Com os alfaiates a história é diferente.<br />

Os clientes estão a voltar aos<br />

poucos, mas são cada vez mais exigentes.<br />

Damas Mavungo, alfaiate<br />

há 15anos, revela que entrou na<br />

profissão através de um programa<br />

EDUARDO PEDRO<br />

Alexandre Poabo garante que vai continuar a trabalhar na sua oficina até ficar sem forças<br />

EDUARDO PEDRO<br />

de ensino profissional quando esteve<br />

refugiado na região do Futi, República<br />

Democrática do Congo.<br />

“Na época não dava importância à<br />

arte, mas hoje vejo com outros<br />

olhos o curso me deu bases para ser<br />

o profissional que sou”, reconhece.<br />

Clientes e trabalho não faltam a<br />

Damas Mavungo. Quem entra no<br />

quintal da Rua do Duque do Chiaze,<br />

onde habitualmente trabalha, fica<br />

surpreendido com a quantidade<br />

de encomendas que tem para<br />

aprontar. Ele chega a receber dez<br />

pedidos por dia. As mulheres são as<br />

melhores clientes do alfaiate. Ves-<br />

tidos tradicionais e fatos sociais estão<br />

entre as preferências das clientes.<br />

A velha máquina de costura que<br />

o acompanha há anos começou a<br />

falhar. Trabalhar sempre também<br />

cansa, até uma máquina.<br />

De tão velha, agora funciona aos<br />

soluços. Depois de épocas de glória,<br />

a Singer de Damas Mavungo<br />

pede insistentemente a sua substituição<br />

por uma máquina nova. Mas<br />

o mestre alfaiate não tem dinheiro<br />

para isso. E recusa pôr fim à intimidade<br />

que mantém ao longo dos anos<br />

com ela. Mesmo aos soluços, a Singer<br />

tem que continuar a trabalhar.<br />

EDUARDO PEDRO<br />

Filipe Muemba diz que a situação é tão má que muitos clientes nem levantam a obra<br />

José Mainza Raposo faz da escultura em madeira a sua vida mas tem poucos clientes<br />

Damas Mavungo tem jovens aprendizes<br />

a trabalhar com ele. Todos estão<br />

interessados em conhecer os segredos<br />

da profissão.<br />

A vontade de manter viva a arte<br />

do corte e costura acaba por lhe dar<br />

paciência para ensinar. “Enquanto<br />

houver clientes, vamos fazer tudo o<br />

que estiver ao nosso alcance para<br />

não deixar a profissão”, disse.<br />

Pouco valorizados<br />

EDUARDO PEDRO<br />

Riqueza cultural<br />

A cultura popular em Cabinda está<br />

à vista de todos. O Largo da Paróquia<br />

Pedro Benge é uma grande<br />

montra do artesanato da região.<br />

Peças como a mulher ou o soba<br />

de Cabinda, o rei Bakuba, e a máscara<br />

de Bakama podem ser compradas<br />

a preços que estão ao alcance<br />

do bolso de qualquer pessoa.<br />

As peças ficam semanas expostas<br />

porque não há clientes para<br />

comprá-las. Os artesãos ficam<br />

felizes quando chegam turistas estrangeiros<br />

porque esses nunca<br />

vão embora sem levarem uma peça<br />

em madeira de Cabinda.<br />

Cabinda é terra de artesãos em madeira mas o artista Augusto Zau diz que o negócio rende pouco porque os clientes desapareceram ou se aparecem reclamam dos preços elevados<br />

EDUARDO PEDRO<br />

Augusto Zau é artesão de madeiras<br />

preciosas. O que mais mágoa<br />

lhe causa é o pouco interesse da população<br />

em relação aos produtos<br />

que põe à venda.<br />

A profissão, diz, passa por tempos<br />

difíceis e se não houvesse uma<br />

associação a defender os interesses<br />

dos artesãos, muitos já tinham desistido.<br />

A associação tem feito tudo<br />

em benefício da classe e com a<br />

união de todos, Augusto Zau acredita<br />

que as coisas podem melhorar.<br />

José Raposo, um mestre a trabalhar<br />

a madeira, disse que se até hoje<br />

não desistiu foi por não ter encontrado<br />

outra ocupação.<br />

A profissão que aprendeu ainda<br />

criança hoje de pouco lhe serve.<br />

Gasta muito dinheiro na compra<br />

das melhores madeiras para esculpir<br />

as suas peças, mas depois os<br />

clientes não valorizam o trabalho.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!