projeto leitura e didatização - Editora Saraiva
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LEITURA 2<br />
LITERATURA E CIêNCIA: STULTIFERA NAVIS<br />
Se é preciso separar os insanos dos sanos, um meio se faz<br />
necessário. A literatura, em seus olhares oblíquos, nem sempre<br />
trata do tema central de modo direto. Para pôr o leitor<br />
em cena, muitas vezes, em vez de explorar a pena de morte,<br />
prefere contar a história do carrasco. Assim, para falar da<br />
loucura, prefere abordar, vez ou outra, os caminhos do devaneio<br />
e que levam ao hospício.<br />
Stultifera Navis é uma expressão em latim utilizada pela<br />
filosofia e pela literatura de todos os tempos e que pode ser<br />
traduzida por nave dos insanos ou por barco dos loucos.<br />
I. OS CAMINHOS E OS VEíCULOS<br />
Tema comum à literatura e demais artes, na Idade Média,<br />
a Stultifera Navis encontrou, talvez, já no Humanismo,<br />
seu principal escritor em língua portuguesa. Gil Vicente<br />
escreveu uma seqüência de autos em que faz embarcar<br />
tipos sociais condenados ou absolvidos pelas leis cristãs.<br />
Um personagem que se destaca pelo evidente transtorno<br />
é Joane, o Parvo. A cena que destacamos a seguir descreve<br />
o momento em que, tendo morrido, Joane, o Parvo, chega<br />
a um lugar em que toda alma é recolhida por um dos dois<br />
barqueiros ali postados. Um levará os “pecadores” para o<br />
inferno, o outro, para o paraíso.<br />
TEXTO 5<br />
AUTO DA BARCA DO INFERNO (EXCERTO)<br />
Vem Joane, o Parvo, e diz ao Arrais do Inferno:<br />
PARVO – Hou daquesta!<br />
DIABO – Quem é?<br />
PARVO – Eu soo.<br />
É esta a naviarra nossa?<br />
DIABO – De quem?<br />
PARVO – Dos tolos.<br />
DIABO – Vossa.<br />
Entra!<br />
PARVO – De pulo ou de voo?<br />
Hou! Pesar de meu avô!<br />
Soma, vim adoecer<br />
e fui má-hora morrer,<br />
e nela, pera mi só.<br />
DIABO – De que morreste?<br />
PARVO – De quê?<br />
Samicas de caganeira.<br />
DIABO – De quê?<br />
PARVO – De caga merdeira!<br />
Má rabugem que te dê!<br />
DIABO – Entra! Põe aqui o pé!<br />
PARVO – Houlá! Nom tombe o zambuco!<br />
DIABO – Entra, tolaço eunuco,<br />
que se nos vai a maré!<br />
PARVO – Aguardai, aguardai, houlá!<br />
E onde havemos nós d’ir ter?<br />
DIABO – Ao porto de Lucifer.<br />
PARVO – Ha-á-a...<br />
DIABO – Ó Inferno! Entra cá!<br />
PARVO – Ò Inferno?... Eramá...<br />
Hiu! Hiu! Barca do cornudo.<br />
Pêro Vinagre, beiçudo,<br />
rachador d’Alverca, huhá!<br />
Sapateiro da Candosa!<br />
Antrecosto de carrapato!<br />
Hiu! Hiu! Caga no sapato,<br />
filho da grande aleivosa!<br />
Tua mulher é tinhosa<br />
e há-de parir um sapo<br />
chantado no guardanapo!<br />
Neto de cagarrinhosa!<br />
Furta cebolas! Hiu! Hiu!<br />
Excomungado nas erguejas!<br />
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