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“a menina de lá” de guimarães rosa - Departamento de Letras e ...

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150<br />

Gláuks<br />

A ironia <strong>de</strong> Nhinhinha presente na resposta e a sedução<br />

que ela causara no narrador até esta altura do enunciado, nos<br />

esclarecem que é esse o cume do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> escrever para tentar<br />

sentir aquela fala tão <strong>de</strong>sconcertante. Ele retira-se, então, da vida<br />

da <strong>menina</strong>. Refugia-se, mais tar<strong>de</strong>, na ficção: escreve. Um modo<br />

<strong>de</strong> permanecer na aragem do sagrado e participar, na<br />

transmissão daquele saber, com o oferecimento da letra, mas um<br />

registro que remeta à composição coletiva do universo mítico<br />

narrado.<br />

A consciência que ele tem <strong>de</strong> que jamais se saberia o<br />

que queriam dizer os enunciados lunáticos <strong>de</strong> sua interlocutora<br />

não o <strong>de</strong>ixa mais distanciado, ao abrigo <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> possível<br />

etnógrafo. Sua epistemologia mostra-se estéril em face dos olhos<br />

muito perspectivos do saber mitopoético <strong>de</strong> que a <strong>menina</strong> é a<br />

personificação. O narrador, como diria Irene Simões (1988:<br />

p.84), é o “interpretante <strong>de</strong> um discurso intraduzível”. Porém,<br />

em tal polarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perspectivas <strong>de</strong>tectada pela crítica, atua, em<br />

nossa leitura, o <strong>de</strong>sejo que os imbrica enunciativamente. A<br />

noção <strong>de</strong> diglossia se inverte, pela imbricação dos registros e, no<br />

mesmo enunciado, duas enunciações dizem suas alterida<strong>de</strong>s.<br />

Fato é que o narrador <strong>de</strong>tém uma hermenêutica monotópica, a da<br />

cientificida<strong>de</strong>, sua narrativa registra a fala <strong>de</strong> Nhinhinha,<br />

correndo o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-la às margens da enunciação, o que<br />

não acontece, já que abrir mão <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>ixar-se enredar, é<br />

estratégia criada por ele para tentar perscrutar o sistema cultural<br />

heterogêneo do universo sertanejo, composto por um saber<br />

mítico e arcaico, expresso em inúmeras variantes do código<br />

lingüístico padrão dominado por ele.<br />

O estranhamento resultante do contato entre esses distintos<br />

códigos, o embaraço em que se vê o narrador diante <strong>de</strong> uma<br />

experiência que foge ao seu horizonte <strong>de</strong> expectativa - que é<br />

homem <strong>de</strong> leitura, mas não consegue ler a fala <strong>de</strong> Nhinhinha -<br />

criam uma atmosfera a que Covizzi chamou “estética do insólito”:

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