“a menina de lá” de guimarães rosa - Departamento de Letras e ...
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A<br />
Gláuks<br />
mém. Esta palavra bastaria, uma vez conhecidas as<br />
façanhas <strong>de</strong> Nhinhinha. Ou Evoé. O mito se<br />
explicaria por si mesmo, e qualquer hybris <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser<br />
cometida. O <strong>de</strong>us espera seu <strong>de</strong>vido reconhecimento. A ira<br />
dionisíaca não se aplacaria sobre aquele narrador distanciado e<br />
nem sobre o pai da santinha, que levaram algum tempo sem<br />
compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vidamente a aura mítica que a envolvia,<br />
Nhinhinha,“vestidinha <strong>de</strong> amarelo”, em sua quase-veste báquica,<br />
por <strong>de</strong>ntro da qual Penteu, orgulhoso, que não reconhecera<br />
Dioniso, também não a reconheceria. 1<br />
Com efeito, toda a obra <strong>de</strong> Guimarães Rosa está<br />
sedimentada em elementos das narrativas orais sertanejas,<br />
particularmente, na apropriação <strong>de</strong> suas variantes mitopoéticas.<br />
Esses elementos perpassam pelos contos <strong>de</strong> Primeiras Estórias<br />
em seu todo, embora seja no conto “A Menina <strong>de</strong> Lá” que o<br />
autor tenha criado, entre as personagens <strong>de</strong>lirantes <strong>de</strong> todo o<br />
livro (crianças e loucos), um ícone correspon<strong>de</strong>nte a um ente<br />
que, no sistema mitológico sertanejo, se consi<strong>de</strong>raria um santo.<br />
É inegável a intertextualida<strong>de</strong> estabelecida por esta narrativa não<br />
apenas com os relatos orais que se ouvem nas conversações com<br />
sertanejos, nos seus casos que reportam eventos maravilhosos<br />
envolvendo a vida <strong>de</strong> indivíduos bizarros, em torno dos quais<br />
paira a aragem do sagrado, 2 mas também com as narrativas<br />
medievais das vidas dos santos, que davam conta <strong>de</strong><br />
miraculosida<strong>de</strong>s e estigmas, análogos às marcas físicas que<br />
encontramos no corpo quasimo<strong>de</strong>sco da personagem.<br />
1 Embora pertencentes a sistemas mitológicos distintos, a tradição judaico-cristã - em<br />
sua variante <strong>de</strong> catolicismo popular - e a mitologia grega, os mitos <strong>de</strong> Nhinhinha e<br />
<strong>de</strong> Dioniso são equiparáveis em um aspecto: a hybris cometida por mortais, sua<br />
<strong>de</strong>smedida em não venerar, <strong>de</strong> pronto, a divinda<strong>de</strong>, e entregar-se à experiência<br />
ritualística, o que lhes ren<strong>de</strong> o escárnio dos <strong>de</strong>uses.<br />
2 Com esta expressão, Riobaldo, em Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, expressa a sensação do<br />
contato com o divino, por ocasião do tão polêmico pacto que fizera com o Diabo.