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“a menina de lá” de guimarães rosa - Departamento de Letras e ...

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138<br />

A<br />

Gláuks<br />

mém. Esta palavra bastaria, uma vez conhecidas as<br />

façanhas <strong>de</strong> Nhinhinha. Ou Evoé. O mito se<br />

explicaria por si mesmo, e qualquer hybris <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser<br />

cometida. O <strong>de</strong>us espera seu <strong>de</strong>vido reconhecimento. A ira<br />

dionisíaca não se aplacaria sobre aquele narrador distanciado e<br />

nem sobre o pai da santinha, que levaram algum tempo sem<br />

compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vidamente a aura mítica que a envolvia,<br />

Nhinhinha,“vestidinha <strong>de</strong> amarelo”, em sua quase-veste báquica,<br />

por <strong>de</strong>ntro da qual Penteu, orgulhoso, que não reconhecera<br />

Dioniso, também não a reconheceria. 1<br />

Com efeito, toda a obra <strong>de</strong> Guimarães Rosa está<br />

sedimentada em elementos das narrativas orais sertanejas,<br />

particularmente, na apropriação <strong>de</strong> suas variantes mitopoéticas.<br />

Esses elementos perpassam pelos contos <strong>de</strong> Primeiras Estórias<br />

em seu todo, embora seja no conto “A Menina <strong>de</strong> Lá” que o<br />

autor tenha criado, entre as personagens <strong>de</strong>lirantes <strong>de</strong> todo o<br />

livro (crianças e loucos), um ícone correspon<strong>de</strong>nte a um ente<br />

que, no sistema mitológico sertanejo, se consi<strong>de</strong>raria um santo.<br />

É inegável a intertextualida<strong>de</strong> estabelecida por esta narrativa não<br />

apenas com os relatos orais que se ouvem nas conversações com<br />

sertanejos, nos seus casos que reportam eventos maravilhosos<br />

envolvendo a vida <strong>de</strong> indivíduos bizarros, em torno dos quais<br />

paira a aragem do sagrado, 2 mas também com as narrativas<br />

medievais das vidas dos santos, que davam conta <strong>de</strong><br />

miraculosida<strong>de</strong>s e estigmas, análogos às marcas físicas que<br />

encontramos no corpo quasimo<strong>de</strong>sco da personagem.<br />

1 Embora pertencentes a sistemas mitológicos distintos, a tradição judaico-cristã - em<br />

sua variante <strong>de</strong> catolicismo popular - e a mitologia grega, os mitos <strong>de</strong> Nhinhinha e<br />

<strong>de</strong> Dioniso são equiparáveis em um aspecto: a hybris cometida por mortais, sua<br />

<strong>de</strong>smedida em não venerar, <strong>de</strong> pronto, a divinda<strong>de</strong>, e entregar-se à experiência<br />

ritualística, o que lhes ren<strong>de</strong> o escárnio dos <strong>de</strong>uses.<br />

2 Com esta expressão, Riobaldo, em Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, expressa a sensação do<br />

contato com o divino, por ocasião do tão polêmico pacto que fizera com o Diabo.

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