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“a menina de lá” de guimarães rosa - Departamento de Letras e ...

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154<br />

Gláuks<br />

Desse modo, concomitantemente à formação <strong>de</strong>ssa<br />

espécie <strong>de</strong> coro polifônico em que o mito promove uma partilha<br />

<strong>de</strong> experiências, os pais e o narrador <strong>de</strong>verão cada vez mais<br />

intensamente se <strong>de</strong>spir <strong>de</strong> seus substratos enunciativos e<br />

contingentes, ainda que o façam através <strong>de</strong> um silêncio, <strong>de</strong> uma<br />

mu<strong>de</strong>z pós-transe, ou, no campo da estética, <strong>de</strong> uma fruição<br />

estética diante <strong>de</strong> uma apreciação arrebatadora, em que os<br />

sentidos são todos oferecidos, <strong>de</strong>ixando ao contemplador uma<br />

sorte <strong>de</strong> esvaziamento momentâneo, <strong>de</strong> modo que a vista não<br />

suporte mais a visão do próprio <strong>de</strong>us e o sujeito <strong>de</strong>sapareça,<br />

arrebatado: “Nunca mais vi Nhinhinha”, expressa aí o narrador<br />

um tipo <strong>de</strong> extenuação - a visão que não suporta - que a<br />

divinda<strong>de</strong> inflige quando se dá a conhecer e venerar. Quando<br />

Nhinhinha quis que o sapo aparecesse para ela, após ter revelado<br />

que o mesmo estava “trabalhando um feitiço, os outros se<br />

pasmaram; silenciaram <strong>de</strong>mais”. Assim como silenciaram diante<br />

do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Nhinhinha, segredado à Tiantônia no dia do arcoíris,<br />

o <strong>de</strong> ser enterrada em um caixão “cor <strong>de</strong> <strong>rosa</strong> com ver<strong>de</strong>s<br />

funebrilhos”. Tal consentimento é uma exceção às regras das<br />

práticas e rituais mortuários estabelecidos para pequenas virgens<br />

sertanejas, cujo caixão é normalmente branco. Aí Guimarães<br />

Rosa <strong>de</strong>sempenha seu profundo conhecimento das tradições<br />

religiosas mineiras, da policromia <strong>de</strong> seus folguedos, reisados,<br />

congados e procissões. A morte <strong>de</strong> Nhinhinha encena, a um só<br />

tempo, um cortejo fúnebre e um ritual <strong>de</strong> transe: orgia e<br />

carnavalização.<br />

O silêncio do narrador é anterior à morte da <strong>menina</strong>, ou<br />

seja, ele lhe falou pela última vez quando a mesma lhe passara<br />

uma <strong>de</strong>scompostura zombaz pelo fato <strong>de</strong> ter querido dar<br />

conselhos a ela. O restante do tempo do enunciado, ele o recolhe<br />

já como uma peça da literatura oral, o que reitera o fato da<br />

propagação do mito <strong>de</strong> santa Nhinhinha. Vai, então, procurar<br />

amparo na escrita, para elaborar a impressão íntima do contato

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