Limiar anaeróbio e desempenho em provas de endurance 205 - USP
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XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física<br />
dos países <strong>de</strong> língua portuguesa<br />
<strong>Limiar</strong> <strong>anaeróbio</strong> e <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> <strong>em</strong> <strong>provas</strong> <strong>de</strong> <strong>endurance</strong><br />
Introdução<br />
Des<strong>de</strong> dos estudos pioneiros realizados no Laboratório <strong>de</strong> Fadiga<br />
<strong>de</strong> Harvard, muitos pesquisadores vêm tentando explicar o<br />
<strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> físico. Sabe-se, até o momento, que a performance é<br />
sobretudo <strong>de</strong>terminada pela atitu<strong>de</strong> psicologia, coor<strong>de</strong>nação motora,<br />
mobilida<strong>de</strong> articular, força muscular e <strong>endurance</strong> (ASTRAND et al., 2003).<br />
Tais qualida<strong>de</strong>s são moduladas por influências do genoma, ambiente,<br />
saú<strong>de</strong>, nutrição e treinamento (QUADRO 1).<br />
QUADRO 1 - Determinantes do <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> físico (ASTRAND et al., 2003, p.480).<br />
<strong>Limiar</strong> <strong>anaeróbio</strong><br />
O limiar <strong>anaeróbio</strong> é o mais importante índice isolado <strong>de</strong><br />
aptidão física, pois, relaciona-se ao padrão do recrutamento<br />
Fernando A.M.S. POMPEU<br />
Departamento <strong>de</strong> Biociências e Ativida<strong>de</strong> Física, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />
Laboratório <strong>de</strong> Ergoespirometria, HSE, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Brasil<br />
O Laboratório <strong>de</strong> Ergoespirometria do HSE/UFRJ, t<strong>em</strong><br />
como linha <strong>de</strong> pesquisa o estudo da <strong>endurance</strong>. Na análise <strong>de</strong>ssa<br />
qualida<strong>de</strong> física, e do conseqüente <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> <strong>em</strong> <strong>provas</strong> <strong>de</strong><br />
longa duração com movimentação cíclica, isola-se a potência<br />
aeróbia máxima - ( VO2max ) , eficiência mecânica, limiar<br />
<strong>anaeróbio</strong> (AT), cinética do consumo <strong>de</strong> oxigênio e potência<br />
crítica.<br />
&<br />
Função Base Estrutural Processo envolvido<br />
1. Força<br />
muscular<br />
2. Mobilida<strong>de</strong><br />
articular<br />
Unida<strong>de</strong><br />
motora<br />
Esqueleto<br />
3. Coor<strong>de</strong>nação Aparato<br />
neuromuscular<br />
4. Endurance<br />
5.<br />
Desejo <strong>de</strong><br />
vencer<br />
Órgãos <strong>de</strong><br />
transp. do<br />
oxigênio<br />
Formação<br />
reticular, etc.<br />
a) El<strong>em</strong>entos contráteis<br />
b) Motoneurônio, sinapses, placa<br />
motora<br />
a) Fixação muscular<br />
b)Alavancas esqueléticas<br />
c) Articulações, ligamentos,<br />
cartilag<strong>em</strong> articular, sinóvia, bursa<br />
Contração-tensão (estática,<br />
dinâmica)<br />
Fatores<br />
modificadores<br />
Predisposições<br />
genéticos: sexo, ida<strong>de</strong><br />
Metabolismo energético:<br />
Energia química, trab.<br />
mecânico<br />
Treino: use-<strong>de</strong>suso<br />
Processos aeróbio-<strong>anaeróbio</strong>s,<br />
reações enzimáticas<br />
Treino<br />
Combustíveis: CH, gordura<br />
Consumo <strong>de</strong> nutrientes,<br />
estoque<br />
Dieta<br />
Excitação, propagação do<br />
impulso, <strong>de</strong>spol da m<strong>em</strong>brana<br />
Vias aferentes, eferentes, sentidos Propagação do impulso<br />
nervoso, facilitação, inibição,<br />
regulação<br />
a) Ventilação pulmonar<br />
b) Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligação do O 2<br />
(Hb, vol<strong>em</strong>ia, etc)<br />
c) Débido cardíaco (volume<br />
sistólico, FC)<br />
d) Dif. a-VO 2 : meio local no<br />
miócito (<strong>de</strong>slocamento da curva <strong>de</strong><br />
dissociação do O 2 , etc)<br />
Retorno venoso (bomba muscular)<br />
Pressão negativa no tórax (bomba<br />
respiratória)<br />
Redistribuição do vol. <strong>de</strong> sangue<br />
para o músculo<br />
e) Equillíbrio hídrico<br />
Fatores psíquicos<br />
Treino<br />
Treino da mobilida<strong>de</strong><br />
articular<br />
Treino<br />
Fatores psíquicos,<br />
drogas<br />
Treino, altitu<strong>de</strong>, ar<br />
poluído, fumo,<br />
ingestão <strong>de</strong> ferro, etc.<br />
Predisposição<br />
genética,<br />
Estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />
treino, ambiente<br />
Ingesta e perda <strong>de</strong><br />
fluídos, calor, etc.<br />
Fatores psíquicos<br />
Atitu<strong>de</strong><br />
motor e ao <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> cardiovascular, respiratório e<br />
metabólico. No entanto, existe na literatura um gran<strong>de</strong> número<br />
Mesa Redonda<br />
Treinamento, Técnica e Tática Esportiva<br />
Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.<strong>205</strong>-09, set. 2006. Supl<strong>em</strong>ento n.5. • <strong>205</strong>
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física<br />
dos países <strong>de</strong> língua portuguesa<br />
<strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> limiares metabólicos, com diferentes <strong>de</strong>signações,<br />
parâmetros <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecção e protocolos <strong>de</strong> teste. Todos estes<br />
conceitos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua intensida<strong>de</strong> e métodos, são<br />
correlacionados com o <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> <strong>em</strong> <strong>provas</strong> <strong>de</strong> <strong>endurance</strong>. Estes<br />
“limiares” também apresentam a vantag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que são<br />
modificados prioritariamente por alterações no tecido muscular,<br />
logo, com poucas s<strong>em</strong>anas <strong>de</strong> treino ou repouso.<br />
Alguns aspectos metodológicos pod<strong>em</strong> influenciar<br />
consi<strong>de</strong>ravelmente a intensida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que ocorre o limiar <strong>anaeróbio</strong>.<br />
O sítio para coleta <strong>de</strong> sangue mais a<strong>de</strong>quado para a estimativa da<br />
concentração do lactato muscular é o sangue arterial (r = 087 a 0,98)<br />
(FREUD & ZOULOUMIAN, 1981a, 1981b; KARLSSON, 1971; KARLSSON<br />
& SALTIN, 1970). Portanto, a medida da lactacid<strong>em</strong>ia arterial é um<br />
método s<strong>em</strong>iquantitativo <strong>de</strong> inferência da taxa <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ssa<br />
triose (JUEL et al., 1990). O sítio arterial, no entanto, é geralmente<br />
evitado <strong>em</strong> razão do risco e <strong>de</strong>sconforto inerente à punção <strong>de</strong>ste<br />
vaso. Os pesquisadores geralmente optam por coletas venosas<br />
arterializadas do dorso da mão (TABELA 1). Como a mão possui<br />
pouco tecido muscular e muitas anastomoses artério-venosas, para<br />
as trocas térmicas com ambiente, quando aquecida apresenta sangue<br />
venoso com características ácido-básicas <strong>de</strong> sangue arterial (POMPEU<br />
et al., 2001; FOSTER et al., 1972). Outro importante sítio para coleta<br />
<strong>de</strong> sangue é o lóbulo da orelha. Essa região apresenta vantagens<br />
sobre a polpa digital. A primeira vantag<strong>em</strong> é a fácil arterialização por<br />
meio <strong>de</strong> esfregaço, outra vantag<strong>em</strong> é a menor concentração <strong>de</strong><br />
nocirrecpetores e finalmente, é menos suscetível a infecções. A<br />
<strong>de</strong>svantag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sse sítio é o fato do avaliador necessitar <strong>de</strong> um<br />
treinamento prévio. No entanto, se a coleta for realizada no período<br />
<strong>de</strong> até dois minutos após a interrupção do esforço, as medidas pod<strong>em</strong><br />
ser aproveitadas (POMPEU et al., 1994). Para <strong>de</strong>scrição dos<br />
procedimentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> sangue capilar arterializado recomendase<br />
o texto <strong>de</strong> SHEPHARD (1992).<br />
TABELA 1 -Comparação entre as variáveis medidas no<br />
sangue venoso e no sangue venoso arterializado<br />
<strong>em</strong> repouso (n=14).<br />
Variáveis Venoso Arterializado diferença α<br />
[ Lac]<br />
. 1 ( mmolL<br />
Pco2 ( mm<br />
Hg)<br />
- )<br />
[ HCO3<br />
]<br />
. 1 ( mmolL<br />
- )<br />
1 , 25+<br />
0, 49<br />
0 , 82+<br />
0, 22<br />
- 0,<br />
45+<br />
0, 49<br />
0,<br />
0001<br />
4 6,<br />
2+<br />
6, 8 4 0,<br />
7+<br />
3, 8 - 5,<br />
52+<br />
7, 44<br />
0,<br />
0020<br />
2 5,<br />
9+<br />
2, 6 2 4,<br />
0+<br />
2, 3 - 1,<br />
04+<br />
2, 76<br />
0,<br />
0120<br />
pH 7 , 35+<br />
0, 06<br />
7 , 39+<br />
0, 05<br />
0 , 040+<br />
0, 0440,<br />
0210<br />
Po2 ( mm<br />
% S 2<br />
Hg)<br />
% ) O<br />
5 4,<br />
0+<br />
17, 1 8 4,<br />
3+<br />
23, 1 3 0,<br />
3+<br />
26, 2 0,<br />
0001<br />
( 7 4,<br />
5+<br />
19, 1 9 3,<br />
5+<br />
7, 8 1 8,<br />
9+<br />
18, 1 0,<br />
0001<br />
Sendo: [Lac]= concentração do lactato, PCO 2 = pressão arterial do gás carbônico;<br />
[HCO 3 ]= concentração <strong>de</strong> bicarbonato padrão; pH= potencial hidrogênionico; PO 2 =<br />
pressão parcial do oxigênio; %S O2 = saturação da h<strong>em</strong>oglobina; α= nível <strong>de</strong><br />
significância observado.<br />
206 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.<strong>205</strong>-09, set. 2006. Supl<strong>em</strong>ento n.5.<br />
O melhor meio para análise da lactacid<strong>em</strong>ia é o sangue total.<br />
Para isso, geralmente usa-se o ácido perclórico para<br />
<strong>de</strong>sproteinização das amostras (método fotoenzimático ou<br />
fluorimétrico)(COSTILL et al., 1992). Quando for <strong>em</strong>pregado o<br />
método eletroenzimático, recomenda-se o uso do <strong>de</strong>tergente<br />
Triton X-100. As análises realizadas <strong>em</strong> até duas horas após a<br />
coleta do sangue são preferenciais ao uso <strong>de</strong> conservantes.<br />
As curvas <strong>de</strong> lactato sangüíneo têm sido amplamente<br />
utilizadas na prescrição do estímulo <strong>de</strong> treinamento para<br />
corredores <strong>de</strong> longa distância. Para compreensão dos efeitos da<br />
transferência <strong>de</strong>ssas curvas para o campo, conduziu-se um estudo<br />
(POMPEU et al., 1997) cujo o objetivo foi propor um protocolo<br />
<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>s escalonadas no campo para predição do<br />
<strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong> na corrida <strong>de</strong> 5.000 metros. Para essa finalida<strong>de</strong>,<br />
28 corredores <strong>de</strong> média e longa distância (28 ±6 anos e 61,5<br />
±6,1 kg) foram submetidos a testes <strong>de</strong> laboratório e <strong>de</strong> campo.<br />
O teste <strong>de</strong> esteira (ESTEI) foi realizado s<strong>em</strong> inclinação, com<br />
quatro velocida<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> estágios <strong>de</strong> cinco minutos entr<strong>em</strong>eados<br />
por um minuto <strong>de</strong> repouso (15, 17, 18 e 19 km • h -1 ou 17, 19, 20<br />
e 21 km • h -1 ). As velocida<strong>de</strong>s foram escolhidas com base no t<strong>em</strong>po<br />
relatado para a maratona (abaixo ou acima <strong>de</strong> duas horas e 30<br />
minutos). No teste <strong>de</strong> campo (CAMPO) <strong>em</strong>pregou-se quatro<br />
repetições <strong>de</strong> 1.600 metros, com velocida<strong>de</strong>s progressivas (3,5%<br />
abaixo da velocida<strong>de</strong> na esteira), entr<strong>em</strong>eadas por um minuto<br />
<strong>de</strong> pausa. Um teste <strong>de</strong> corrida contínua <strong>de</strong> 5.000 metros (CORR)<br />
foi <strong>em</strong>pregado como critério para o confronto entre os dois<br />
protocolos anteriores. Amostras <strong>de</strong> sangue arterializado do lóbulo<br />
da orelha foram coletadas durante os primeiros 30 segundos<br />
dos períodos <strong>de</strong> interrupção nas condições ESTEI e CAMPO.<br />
Para a análise da concentração <strong>de</strong> lactato <strong>em</strong>pregou-se o método<br />
eletroenzimático (YSI ® 1500 Sport; Yellow Springs Inc., USA).<br />
As velocida<strong>de</strong>s e freqüências cardíacas nas duas situações <strong>de</strong><br />
testes foram comparadas nas concentrações fixas <strong>de</strong> lactato <strong>de</strong><br />
2, 4 e 8 mmol • L -1 (ESTEIR: V 2mM = 17,1 ±1,2, V 4mM = 19,1<br />
±1,4, V 8mM = 20,9 ±1,8 km • h -1 e FC 2mM = 164 ±7, FC 4mM = 178<br />
±6, FC 8mM = 193 ±8 bpm; CAMPO: V 2mM = 16,6 ±1,0, V 4mM =<br />
18,1 ±1,0, V 8mM = 19,5 ±1,2 km • h -1 e FC 2mM = 165 ±6, FC 4mM =<br />
178 ±8, FC 8mM = 190 ±9 bpm). Correlações significativas foram<br />
observadas entre as condições ESTEI e o CAMPO nas três<br />
concentrações fixas <strong>de</strong> lactato (α < 0,05). Apenas não foi<br />
observada correlação significativa para a freqüência cardíaca a 8<br />
mmol • L -1 . Os coeficientes <strong>de</strong> correlação para teste/reteste na<br />
condição CAMPO, foram na faixa <strong>de</strong> 0,72 a 0,96 (todos sig. α <<br />
0,05) para as freqüências cardíacas e para as velocida<strong>de</strong>s, nas<br />
três concentrações fixas. O melhor preditor da velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
corrida nos 5.000 m foi a velocida<strong>de</strong> nos 4 mmol • L -1 na condição<br />
CAMPO (r = 0,90, α < 0,001; TABELA 2). Baseado nos<br />
presentes resultados foi concluído que referências originadas<br />
no protocolo <strong>de</strong> campo são melhores preditoras do <strong><strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho</strong><br />
na corrida <strong>de</strong> 5.000 metros.