Lugar e (des) identidade
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D I S C I P L I N A<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___<br />
Nome:_______________________________________<br />
Organização do Espaço<br />
VERSÃO DO PROFESSOR<br />
<strong>Lugar</strong> e (<strong>des</strong>) <strong>identidade</strong><br />
Autoras<br />
Eugênia Maria Dantas<br />
Ione Rodrigues Diniz Morais<br />
aula<br />
06
Universidade Federal do Rio Grande do Norte<br />
Reitor<br />
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Divisão de Serviços Técnicos<br />
Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central “Zila Mamede”<br />
Dantas, Eugênia Maria.<br />
Organização do espaço / Eugênia Maria Dantas, Ione Rodrigues Diniz Morais. – Natal, RN :<br />
EDUFRN, 2008.<br />
216 p.<br />
Universidade Estadual da Paraíba<br />
Reitora<br />
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Vice-Reitor<br />
Aldo Bezerra Maciel<br />
Coordenadora Institucional de Programas Especiais - CIPE<br />
Eliane de Moura Silva<br />
1. Organização do espaço. 2. Território e territorialidade. 3. Região. 4. Geografia. I. Morais, Ione<br />
Rodrigues Diniz. II. Título.<br />
ISBN: 978-85-7273-442-4<br />
RN/UF/BCZM 2008/71<br />
CDD 910<br />
CDU 911<br />
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Copyright © 2008 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte <strong>des</strong>te material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa da<br />
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da UEPB - Universidade Estadual da Paraíba.
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
Apresentação<br />
Nesta aula, você será levado a refl etir sobre o conceito de lugar na ciência geográfi ca.<br />
A abordagem está ancorada em refl exões que contextualizam essa noção a partir<br />
de referências como localização, experiência e globalização. Dessa forma, discute-<br />
se a relação entre a localização e o lugar; o lugar e a experiência tramando a <strong>identidade</strong><br />
e o pertencimento; a globalização e a defi nição do lugar e do não-lugar. Partindo <strong>des</strong>sas<br />
relações, analisamos as diferenças e conexões que perpassam esse conceito, sintetizando<br />
que na esfera do lugar se realiza o não-lugar, no processo de identifi cação se estabelece<br />
a não-identifi cação, no sentimento de estranhamento pode emergir a familiaridade. É do<br />
jogo da negação e da afi rmação que se revela o sentido do espaço e do lugar no mundo<br />
contemporâneo. De maneira sistemática, são sugeridos alguns exercícios para serem<br />
realizados por você, de forma a estimular a refl exão teórica articulada à prática.<br />
Objetivos<br />
Compreender o conceito de lugar a partir de diferentes<br />
abordagens.<br />
Analisar a relação entre localização, experiência e globalização na<br />
defi nição de lugar.<br />
Entender a relação entre lugar e não-lugar no contexto da globalização.<br />
Saber aplicar o conteúdo conceitual em situações-problema.<br />
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Aula 06 Organização do Espaço 1
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Aula 06 Organização do Espaço<br />
Localizar: um ponto, um lugar<br />
Esta aula aborda a noção de lugar. Imagine um ponto, uma pedra, um quadro,<br />
uma cadeira, uma casa, uma rua, uma cidade, um país, um continente, a<br />
Terra. Todo esse enunciado contém lugares, mas será que todos os lugares<br />
anunciados podem ser considerados geográfi cos?<br />
Dê sua opinião.<br />
Agora, vamos ampliar a nossa abordagem. Retomemos a noção de Geografi a como<br />
a <strong>des</strong>crição da Terra. A partir <strong>des</strong>sa defi nição, impõem-se ao sujeito que quer <strong>des</strong>crever a<br />
necessidade de inventariar, localizar e caracterizar a distribuição dos fenômenos na superfície<br />
terrestre, levando-o ao encontro da forma, do contorno e do limite. Nesse encontro, o sujeito<br />
percebe a diferenciação espacial existente entre as diversas áreas visitadas, mapeando os<br />
locais de ocorrência dos fenômenos. Considerando a preocupação em precisar ONDE os<br />
fenômenos se situam, a Geografi a foi tramando a sua trajetória como Ciência.<br />
Veja o mapa a seguir:<br />
Figura 1 - O planisfério e as coordenadas geográfi cas<br />
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Fonte: Magnoli e Araújo (2005, p. 37).
A partir do mapa, você é capaz de determinar de maneira precisa a localização geográfi ca<br />
dos continentes. Tal LOCALIZAÇÃO é denominada de ABSOLUTA, pois é convencionada por<br />
um sistema de coordenadas geográfi cas que lhe permite identifi car os lugares a partir da<br />
latitude e da longitude.<br />
No entanto, o espaço não se revela apenas por sua abordagem geométrica, mas<br />
também pela dinâmica de sua organização social e articulação técnica. A noção de espaço,<br />
conforme você já estudou, está ligada à concepção de tempo, assim como a de movimento<br />
e, consequentemente, a de estrutura e processo. Dessa perspectiva, agrega-se à noção<br />
de localização absoluta a de LOCALIZAÇÃO RELATIVA, a qual diz respeito à posição que<br />
um lugar ocupa em relação a outras localida<strong>des</strong>, podendo ser expressa das mais variadas<br />
maneiras (em tempo de percurso, em custo dos transportes, em freqüência de comunicação<br />
etc.). (CRISTOFOLETTI, 1985, p. 84). De forma sintética, pode-se dizer que enquanto a<br />
localização absoluta é fi xa e constante, a relativa pode sofrer alterações com o tempo, de<br />
acordo com as inovações técnicas, dos meios de comunicação e informação, fazendo com<br />
que haja aproximação, encurtamento e intensifi cação dos contatos entre os lugares.<br />
O espaço vai sendo revelado a partir da malha de informações que a ele se agrega,<br />
confi gurando-se em lugares para morar, trabalhar, amar, casar, ter fi lhos... Enfi m, os lugares<br />
são pontos onde as múltiplas dimensões da vida (física, econômica, política, cultural) fi ncam<br />
suas raízes. Essa condição atravessa o tempo e se institui como necessária à reprodução da<br />
vida. Veja um exemplo que confi rma essa afi rmação.<br />
Figura 2 – Noções cartográfi cas<br />
Se você observar bem essa fi gura, deverá perceber que, independente da organização<br />
social e do tempo histórico, o espaço vai se <strong>des</strong>enhando a partir de uma malha de pontos e<br />
nós que permitem a sociedade fi ncar as matrizes materiais e simbólicas que as regem. Assim,<br />
a localização geográfi ca é, simultaneamente, absoluta e relativa. Absoluta, na medida em<br />
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Fonte: Didonê (2008).<br />
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sua resposta<br />
Aula 06 Organização do Espaço<br />
que permite que sejam visualizados e identifi cados os locais onde a ação humana interveio,<br />
colocando na paisagem as próteses necessárias a sua sobrevivência enquanto ordem social.<br />
Relativa, na medida em que é possível analisar as distintas maneiras de comunicação e<br />
articulação entre as formas e funções que tocam o espaço, constituindo os (<strong>des</strong>) níveis nas<br />
negociações e trocas simbólicas que enredam a tessitura do espaço.<br />
Vamos Praticar!<br />
Atividade 1<br />
a) Junto às pessoas mais velhas (na faixa de 60 anos), procure saber quais<br />
eram os meios de comunicação que serviam para articular a sua cidade à<br />
capital do Estado.<br />
b) Identifi que os meios de comunicação utilizados atualmente para realizar a<br />
mesma função.<br />
c) Compare as duas realida<strong>des</strong>, refl ita e elabore uma síntese sobre a noção de<br />
localização absoluta e relativa.<br />
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Da localização ao lugar:<br />
a perspectiva da experiência<br />
Você estudou a dimensão da localização para ciência geográfi ca. É muito comum,<br />
na linguagem cotidiana, as palavras localização e lugar assumirem o mesmo sentido. No<br />
entanto, como conceitos geográfi cos passam a fi gurar como suportes à compreensão da<br />
realidade. Assim, já abordamos o lugar na perspectiva da localização, agora vamos adentrar<br />
o campo da experiência vivida como referência para defi nir e explicar o lugar.<br />
Nessa direção, apresentamos um pouco as idéias de Yi-FU-Tuan (1983) a respeito de<br />
espaço e lugar. Para ele, esses termos são familiares, indicam um campo de experiência<br />
do sujeito com o meio que pode ser expressa em afi rmações correntes como: “vivemos no<br />
espaço”, “não há lugar para outro edifício no lote”. Assim, no cotidiano esses vocábulos<br />
habitam a nossa linguagem e, mais, alimentam imagens e representações que são guardadas<br />
na memória, passando a compor o repertório de lembranças que se tem dos espaços vividos.<br />
Leia o fragmento a seguir. Sinta o sertão nas palavras, navegue pelas veredas abertas<br />
pelo texto. Pense qual é o sertão que está dentro de você.<br />
Cada vivente tem o seu sertão. Para uns são as terras além do horizonte e para<br />
outros o quintal perdido da infância. É o interior mais distante. As entranhas<br />
da terra. [...]. É quando a gente dá as costas para o mar e se interna de terra<br />
a dentro, vai deixando para trás o chão arenoso do litoral e passa a pisar o<br />
terreno mais barrento do agreste. [...] Ali (sertão) os invernos são escassos<br />
e irregulares [...]. Os matos como que tiveram de aprender a viver com pouca<br />
água. São mais baixos, ralos, de folhas grossas e galhos contorcidos como<br />
torturados e mais das vezes espinhentos. Desde as mais rasteiras touceiras<br />
de xique-xique e macambira até as plantas de maior porte como a jurema, a<br />
unha-de-gato, o juazeiro, a quixabeira e a favela. É que ali as plantas também se<br />
defendem. Daí os vaqueiros envergarem encouramento para traquejar o gado<br />
na caatinga. Quando aparta o inverno as folhas amarelam e caem, deixando os<br />
galhos como garranchos nus implorando chuva. É o belo-horrível da caatinga<br />
em dormência, paisagem de uma natureza morta. Mas logo nas primeiras<br />
chuvas acordam numa explosão verde e do <strong>des</strong>campado dos chãos brota o<br />
panasco como um arrepio vegetal. Ali a erosão fez afl orar pedras de todos os<br />
tamanhos. Quando graúdas, como monumentos, os sertanejos as chamam de<br />
serrotes. (LAMARTINE, 2004).<br />
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Traquejar<br />
Aqui está empregado no<br />
sentido de correr atrás,<br />
perseguir.<br />
Panasco<br />
Vegetação que serve de<br />
alimento para o gado.<br />
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Aula 06 Organização do Espaço<br />
Ao ler o fragmento, pode-se perceber que a narrativa está baseada na experiência que<br />
o sujeito tem com o lugar, defi nindo as suas vivências e pertencimentos. As experiências<br />
dizem respeito às diferentes maneiras que os indivíduos têm de conhecer e construir a<br />
realidade. Elas se alimentam e são alimentadas pelo espaço vivencial em que se faz presente<br />
o campo material e simbólico em as fronteiras são tênues e indefi nidas. Não saberíamos<br />
responder se são as características físicas do sertão que defi nem as experiências ou se<br />
são as imagens que o habitante faz do sertão que defi nem as suas experiências. Assim, o<br />
lugar na perspectiva da experiência defi ne-se como a base de reprodução da vida, a seiva<br />
do pertencimento. É a partir do estabelecimento dos vínculos com o espaço que o homem<br />
cria representações e vivências, que fi nca a <strong>identidade</strong> do sujeito e do lugar.<br />
Conforme Carlos (1996, p. 20) “o lugar é a porção do espaço apropriável para vida<br />
– apropriada através do corpo – dos sentidos – dos passos de seus moradores, é o bairro,<br />
a praça, é a rua [...]”. O lugar se estabelece a partir do plano do vivido, do conhecido e<br />
reconhecido como parte de pertencimento do habitante em um espaço delimitado, que<br />
aprofunda os laços entre habitante-lugar, habitante-habitante. Nesse sentido, nem todos<br />
os espaços são lugares. Os lugares<br />
São aqueles que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito ao seu cotidiano<br />
e ao seu modo de vida, onde se locomove, trabalha, passeia, fl ana, isto é, pelas formas<br />
através das quais o homem se apropria e vão ganhando o signifi cado dado pelo uso.<br />
Trata-se de um espaço palpável – extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio<br />
do qual nos <strong>des</strong>locamos. Nada também de espaços infi nitos. [...] São as relações que<br />
criam o sentido dos lugares... Isto porque o lugar só pode ser compreendido em suas<br />
referências, que não são específi cas de uma função ou de uma forma, mas produzidas<br />
por um conjunto de sentidos, impressos pelo uso (CARLOS, 1996, p. 22).<br />
O lugar se revela na prática imediata e cotidiana do indivíduo com o ambiente que lhe<br />
está mais próximo. É a familiaridade que transforma o espaço em lugar habitado. O tempo<br />
e a memória são responsáveis por assegurar uma feição identitária, a partir das camadas de<br />
signifi cações que se compactam, minimizando a força da razão e ampliando os canais de<br />
comunicação subjetiva que enraíza o homem ao lugar. De forma sugestiva, pode-se pensar o<br />
lugar como uma duplicação do mundo real, tramado nas teias da imaginação.<br />
Nessa sentido, leia o que pensa Yi-fu-Tuan sobre a relação tempo e lugar.<br />
Saber como tempo e lugar estão relacionados é um problema intrincado que requer<br />
diferentes abordagens. Vamos explorar três delas: tempo como movimento ou fl uxo,<br />
e lugar como pausa na corrente temporal; afeição pelo lugar como uma função de<br />
tempo, captada na frase: ‘leva tempo para se conhecer um lugar’; e lugar como tempo<br />
tornado visível, ou lugar como lembrança de tempos passados. O lugar é um mundo<br />
de signifi cados organizados. É essencialmente um conceito estático. Se víssemos o<br />
mundo como processo, em constante mudança, não seríamos capazes de <strong>des</strong>envolver<br />
um sentido de lugar. (TUAN, 1983, p. 198).<br />
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O que será que Tuan quer dizer? Vamos tentar decifrar.<br />
1. O tempo como movimento e fl uxo; o lugar como parada – imagine que você tem uma<br />
meta a ser cumprida e que para isso precisa percorrer um caminho. O movimento que será<br />
feito para atingir o objetivo se constitui um ponto no tempo e no espaço. O lugar, nesta<br />
perspectiva, aparece como acampamento ou uma parada no caminho para atingir o que se<br />
vislumbra para o futuro. A construção do sentido de lugar pautada na experiência apresenta<br />
a conotação de um ponto de parada, repouso, <strong>des</strong>canso em uma escalada de pretensões a<br />
serem alcançadas. O lugar é passagem.<br />
2. Afeição pelo lugar como uma função de tempo – uma das características do homem<br />
moderno é o <strong>des</strong>locamento, sem tempo para criar raízes. Sua experiência e apreciação do<br />
lugar são sempre superfi ciais. Leva tempo para se afeiçoar a um lugar. Isso ocorre a partir<br />
de uma mistura particular de vistas, cheiros, sons, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e<br />
artifi ciais. “Sentir um lugar é registrado pelos nossos músculos e ossos”. A experiência com<br />
o lugar pode ser intensa ou discreta, fugaz ou demorada, sofrida ou prazerosa; elas ocorrem<br />
ao longo de toda uma vida, sendo percebida e sentida na dinâmica <strong>des</strong>sa trajetória. Destas,<br />
resultam as distintas formas de afeição que o sujeito tem com o espaço. Assim, “A sensação de<br />
tempo afeta a sensação de lugar”. À medida que se vive aumenta o peso do tempo, marcando<br />
a experiência com o espaço. Pode-se perguntar: O que isso signifi ca? Como se dá a relação<br />
passado, presente e futuro tecendo o sentido do lugar? Muitas podem ser as respostas. Porém,<br />
pode-se <strong>des</strong>tacar que é necessário considerar a passagem do tempo relacionado ao ciclo da<br />
vida humana. Dessa relação, emergem as distintas percepções e vivências com o lugar. Não<br />
existe lugar, mas lugares que se revelam pelas múltiplas experiências que os indivíduos têm<br />
com o meio, instituindo o processo de identifi cação do indivíduo com o espaço.<br />
3. <strong>Lugar</strong> como tempo tornado visível, ou lugar como lembrança de tempos passados<br />
– o lugar materializa a experiência por meio de um campo simbólico em que os “objetos<br />
seguram o tempo”. O bairro, a rua, o bar, a escola, os amigos, a fotografi a, o <strong>des</strong>enho, o<br />
baralho, a baixela, a escrivaninha são partes que possibilitam reencontrar o lugar como<br />
cenário que abarca a teia da <strong>identidade</strong>.<br />
A literatura é uma boa companheira para nos ensinar mais sobre isso. Leia esse<br />
fragmento de Marcel Proust, extraído do livro Em busca do tempo perdido.<br />
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Aula 06 Organização do Espaço<br />
Fazia já muitos anos que, de Combray, tudo que não fosse o teatro e o drama do<br />
meu deitar não existia mais para mim, quando num dia de inverno, chegando eu em casa,<br />
minha mãe, vendo-me com frio, propôs que tomasse, contra meus hábitos, um pouco de<br />
chá. A princípio recusei e, nem sei bem por que, acabei aceitando. Ela então mandou buscar<br />
um <strong>des</strong>ses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleines, que parecem ter sido<br />
moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago. E logo, maquinalmente, acabrunhado<br />
pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte igualmente sombrio, levei à boca uma<br />
colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço da madeleine. Mas no mesmo instante<br />
em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento<br />
ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem<br />
a noção de sua causa. Rapidamente se me tornaram indiferentes as vicissitu<strong>des</strong> da minha<br />
vida, inofensivos os seus <strong>des</strong>astres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o<br />
amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou antes, essa essência não estava em mim,<br />
ela era eu. Já não me sentia medíocre, contingente, mortal. De onde poderia ter vindo essa<br />
alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-<br />
o infi nitivamente, não deveria ser da mesma espécie. De onde vinha? Que signifi caria?<br />
Onde apreendê-la? Bebi um segundo gole no qual não achei nada além do que no primeiro,<br />
um terceiro que me trouxe um tanto menos que o segundo. É tempo de parar, o dom da<br />
bebida parece diminuir. É claro que a verdade que busco não está nela, mas em mim. Ela a<br />
<strong>des</strong>pertou, mas não a conhece, podendo só repetir indefi nidamente, cada vez com menos<br />
força, o mesmo testemunho que não sei interpretar e que <strong>des</strong>ejo ao menos poder lhe pedir<br />
novamente e reencontrar intacto, à minha disposição, daqui a pouco, para um esclarecimento<br />
decisivo. Deponho a xícara e me dirijo ao meu espírito. Cabe a ele encontrara verdade. Mas<br />
de que modo? Incerteza grave, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si<br />
mesmo; quan do ele, o pesquisador, é ao mesmo tempo a região obscura que deve pesquisar e<br />
onde toda a sua bagagem não lhe servirá para nada. Procurar? Não apenas: criar. Está diante<br />
de algo que ainda não existe e que só ele pode tornar real, e depois fazer entrar na sua luz.<br />
E recomeço a me perguntar o que poderia ser esse estado <strong>des</strong>conhecido, que não<br />
apresentava nenhuma prova lógica, e sim a evidência de sua felicidade, de sua realidade, ante a<br />
qual as outras se <strong>des</strong>vaneciam. Quero tentar fazê-lo reaparecer. Pelo pensamento, retrocedo ao<br />
instante em que tomei a primeira colherada de chá, e encontro a mesma situação, sem qualquer<br />
luz nova. Peço a meu espírito mais um esforço, que me traga ainda uma vez a sensação que<br />
escapa. E, para que nada quebre o impulso com que ele vai procurar recuperá-la, afasto todos<br />
os obstáculos, toda idéia estranha, protejo meus ouvidos e minha atenção contra os rumores<br />
da sala ao lado. Porém, sentindo que o espírito se cansa sem proveito, forço-o, ao contrário, a<br />
aceitar a distração que lhe recusava, a pensar em outra coisa, a se refazer antes de uma tentativa<br />
suprema. Depois, pela segunda vez, faço o vácuo diante dele, e coloco-o de novo em face do<br />
sabor ainda recente daquele primeiro gole, e sinto palpitar em mim algo que se <strong>des</strong>loca, <strong>des</strong>ejaria<br />
elevar-se, algo que teria se soltado a uma grande profundidade; não sei o que é, mas aquilo sobe<br />
devagar; experimento a resistência e ouço o rumor das distâncias atravessadas.<br />
Certamente, o que palpita <strong>des</strong>se modo bem dentro de mim, deve ser a imagem, a<br />
lembrança visual, que, ligada a esse sabor, tenta segui-lo até mim. Mas debate-se muito longe,<br />
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muito confusamente; mal percebo o refl exo neutro em que se confunde o inatingível turbilhão<br />
de cores remudadas; e não consigo distinguir a forma, pedir-lhe como ao único intérprete<br />
possível, que me traduza o testemunho de sua contemporânea, de sua companheira inseparável,<br />
pedir-lhe que me diga de que circunstância particular, de que época do passado se trata.<br />
Será que vai chegar até a superfície de minha clara consciência, essa lem brança, o<br />
instante antigo que a atração de um instante idêntico veio de tão longe solicitar, comover,<br />
erguer do fundo de mim? Não sei. Agora não sinto mais nada, parou, <strong>des</strong>ceu de novo talvez;<br />
quem sabe se nunca mais voltará de sua noite? Dez vezes é preciso que eu recomece, que me<br />
debruce para ele. E, a cada vez, a canseira que nos <strong>des</strong>via de toda tarefa difícil, de toda obra<br />
importante, me aconselhou largar aquilo, beber meu chá pensando apenas nos aborrecimentos<br />
de hoje, nos <strong>des</strong>ejos de amanhã, que se deixam remoer sem fadiga.<br />
E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine<br />
que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray (porque nesse dia<br />
eu não saía antes da hora da missa), quando ia lhe dar bom-dia no seu quarto, depois<br />
de mergulhá-lo em sua infusão de chá ou de tília. A vista do pequeno biscoito não me<br />
recordara coisa alguma antes que o tivesse provado; talvez porque, tendo-o visto <strong>des</strong>de<br />
então, sem comer, nas prateleiras das confeita rias, sua imagem havia deixado aqueles<br />
dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque, <strong>des</strong>sas lembranças<br />
abandonadas há tanto fora da memória, nada sobrevivesse, tudo se houvesse <strong>des</strong>agregado;<br />
as formas – e também a da pequena conchinha de confeitaria, tão gordamente sensual<br />
sob as suas estrias severas e devotas – tinham sido abolidas, ou, adormentadas, haviam<br />
perdido a força de expansão que lhes teria permitido alcançar a consciência. Mas,<br />
quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da<br />
<strong>des</strong>trui ção das coisas, sozinhos, mais frágeis, porém mais vivazes, mais imateriais, mais<br />
persistentes, mais fi éis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como<br />
almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se<br />
submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações.<br />
E logo que reconheci o gosto do pedaço da madeleine mergulhado no chá que<br />
me dava minha tia (embora não soubesse ainda e devesse deixar para bem mais tarde<br />
a <strong>des</strong>coberta de por que essa lembrança me fazia tão feliz), logo a velha casa cinzenta<br />
que dava para a rua, onde estava o quarto dela, veio como um cenário de teatro se<br />
colar ao pequeno pavilhão, que dava para o jardim, construído pela família nos fundos<br />
(o lanço truncado que era o único que recordara até então); e com a casa, a cidade,<br />
da manhã à noite e em todos os tempos, a praça para onde me mandavam antes do<br />
almoço, as ruas aonde eu ia correr, os caminhos por onde se passeava quando fazia bom<br />
tempo. E como nesse jogo em que os japoneses se divertem mergulhando numa bacia<br />
de porcelana cheia de água pequeninos peda ços de papel até então indistintos que, mal<br />
são mergulhados, se estiram, se contor cem, se colorem, se diferenciam, tornando-se<br />
fl ores, casas, pessoas consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as fl ores do<br />
nosso jardim e as do parque do Sr. Swann, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente<br />
da aldeia e suas pequenas residên cias, e a igreja, e toda Combray e suas redondezas,<br />
tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins, de minha xícara de chá.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
Fonte: Proust (2002, p. 51-53).<br />
Aula 06 Organização do Espaço 9
10<br />
Aula 06 Organização do Espaço<br />
A literatura e o lugar<br />
A <strong>des</strong>crição apresenta, de forma exemplar, a volta do lugar como um reencontro com<br />
o tempo das vivências singulares do indivíduo. O que retorna vem à tona através de cheiros,<br />
sabores, imagens, frustrações e decepções que estão no enredo da vida e tecem os fi os da<br />
memória, da lembrança e da imaginação. O lugar, adormecido nos recônditos da memória, é<br />
um fragmento das experiências vividas que se refugiou a “sete chaves”, fazendo amortecer<br />
a força dos detalhes na construção dos lugares.<br />
A narrativa pode ensinar sobre distintos elementos que estão presentes na leitura do<br />
lugar, quando escolhemos a percepção e a experiência como guias da interpretação do que ele<br />
é. Dela, você pode extrair e refl etir sobre diversos aspectos que estão implicados na noção de<br />
lugar. No entanto, <strong>des</strong>tacamos lugar e memória, lugar e experiência, lugar e afetividade como<br />
relações que estão presentes na chama imprecisa da lembrança e que se revela a partir de<br />
um gole de chá. O passado se recuperava, fazendo o indivíduo experimentar a busca de um<br />
tempo perdido. Nesta, o lugar se <strong>des</strong>vela pela composição que mistura emblemas, formas,<br />
imagens e sensações. A partir daí, o lugar, assim como Cambray, conquista a eternidade, e<br />
como tal é imóvel, indissolúvel, matéria que cimenta a <strong>identidade</strong> que mesmo, parecendo<br />
perdida, retorna numa memória involuntária <strong>des</strong>pertada por um sabor, um gesto, um gole de<br />
chá. A afeição ao lugar é tramada na teia complexa da <strong>identidade</strong>, de modo que muitas vezes<br />
não se distingue se é o lugar que tece o indivíduo ou indivíduo que cria os lugares.<br />
Vamos praticar!<br />
Atividade 2<br />
Você até agora viu duas perspectivas para se compreender o lugar: a primeira<br />
pelo viés da localização geográfi ca de um ponto; a segunda como resultado da<br />
experiência do indivíduo com o espaço.<br />
n Escolha um texto literário (conto, poesia, cordel, romance, etc);<br />
n Selecione do texto uma <strong>des</strong>crição do lugar em que se <strong>des</strong>envolve o enredo;<br />
n Analise o fragmento selecionado de acordo o conceito de lugar na<br />
perspectiva da experiência.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________
Do lugar ao não-lugar:<br />
<strong>des</strong>construindo a <strong>identidade</strong>?<br />
A partir <strong>des</strong>se título, você pode está se perguntando: o que foi dito até agora não tem<br />
mais sentido?<br />
Calma, a construção do conhecimento é assim mesmo. Você precisa aprender sobre<br />
as diversas faces de uma mesma questão. Portanto, o lugar como categoria de análise<br />
geográfi ca deve ser problematizado a partir de contextos diversos, sem que uma visão<br />
anule a outra.<br />
Assim, vamos seguir a trilhar dos lugares procurando, agora, encontrar na <strong>identidade</strong> a<br />
não-<strong>identidade</strong>, no lugar o não-lugar.<br />
Vimos que o lugar pode ser um ponto ou uma construção que resulta de uma<br />
experiência singular. Vamos submeter essas noções a um contexto sócio-espacial específi co<br />
que especialistas das mais diferentes áreas denominam de globalização. Você já viu no<br />
início <strong>des</strong>sa disciplina o que é esse processo, como ele se caracteriza e quais as implicações<br />
para a organização do espaço geográfi co. Não vamos <strong>des</strong>crever mais esses elementos, pois<br />
você já os tem disponível em aula anterior.<br />
Partimos, portanto, de alguns questionamentos para problematizarmos esse tópico da<br />
nossa aula. Vamos a eles.<br />
1. É possível falar da singularidade como característica do lugar em um período de<br />
globalização acelerada, que tende a transformar os espaços em feições homogêneas?<br />
O mundo hoje sobrevive de mudanças. Elas estão em todas as esferas da vida.<br />
Não é necessário ir muito longe para encontrar o ritmo das transformações da<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
sua resposta<br />
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12<br />
Aula 06 Organização do Espaço<br />
sociedade atual. Basta olhar para dentro de sua casa e verificar os meios que você<br />
tem disponível para se comunicar: rádio, televisão, telefone, internet... Na base das<br />
alterações, está o <strong>des</strong>envolvimento técnico, a informação e a comunicação. Olhe o<br />
seu entorno e veja como esses elementos se fazem presentes em sua vida. Observe<br />
como eles condicionam o seu dia-a-dia e perceba que isso não ocorre somente com<br />
você mais está presente no cotidiano dos habitantes da cidade. Podemos dizer ainda<br />
que essa realidade não é somente vivida por você ou pelas pessoas de sua cidade,<br />
mas também por inúmeras outras localida<strong>des</strong> que almejam, consomem, produzem as<br />
mesmas mercadorias guiadas por ideais e valores universalmente partilhados. Nesse<br />
contexto, o sentido do lugar parece esvaziar-se. O processo de diferenciação dos<br />
lugares parece perder-se na ciranda da globalização, que tende a tornar homogêneo<br />
todos os espaços, anulando o seu papel no processo de produção e significação da<br />
vida. No entanto, é preciso saber olhar para enxergar nesse movimento a força do<br />
lugar como o cenário em que a globalização se materializa. Assim, o lugar, ao invés<br />
de se tornar uma feição discreta, assume um papel fundamental para a compreensão<br />
do <strong>des</strong>envolvimento da sociedade atual. Por meio dele, pode-se compreender as<br />
diferentes texturas que a globalização assume quando toca o solo no qual se produz<br />
a vida; pode-se compreender a diferenciação do processo de integração espacial que<br />
articula a realidade local ao feixe de relações que movimentam a realidade mundial;<br />
pode-se ainda analisar o sentido da experiência a partir da articulação do lugar e do<br />
mundial, do singular e do universal. Assim, da relação entre o global e o local, pode-se<br />
reconhecer a singularidade dos lugares, na medida em que é aí que o mundial ganha<br />
expressão. O singular não se define pelo isolamento, mas, pelo contrário, revela-se<br />
pela integração. “o lugar abre a perspectiva para se pensar o viver e o habitar, o uso<br />
e o consumo, os processos de apropriação do espaço. Ao mesmo, tempo, posto que<br />
preenchido por múltiplas coações, expõe as pressões que se exercem em todos os<br />
níveis” (CARLOS, 1996, p. 15).<br />
2. O lugar pode ser visto como um ponto, em uma rede de articulações múltiplas que<br />
redefi nem o sentido da <strong>identidade</strong> e da experiência?<br />
Desta feita, é possível falar do lugar como um ponto, um nó em uma rede ampla de<br />
experiências. Estas não se restringem ao universo das vivências individuais, mas são<br />
organizadas no âmbito da sociedade que <strong>des</strong>eja, trabalha, produz e acumula riquezas.<br />
Nesse contexto, o espaço é objeto e condição para a realização da sociedade. Ele pode<br />
ser um obstáculo ou facilitador para as re<strong>des</strong> de trocas que alimentam os fluxos de<br />
mercadorias, idéias e informações. Se o espaço é um sistema de objetos e um sistema<br />
de ações, como afirma Milton Santos, o lugar é a combinação singular <strong>des</strong>ses dois<br />
sistemas. Cada lugar corresponde, em cada momento, a um conjunto de técnicas e<br />
instrumentos de trabalho que se articulam, definido os níveis de inserção do espaço<br />
local no espaço global.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________
Para exemplifi car essa relação entre o local e o global veja a tabela a seguir.<br />
Posição/ país Exportações<br />
Tabela 1 - Os 15 principais países comerciantes do mundo (2005) (em bilhões de dólares).<br />
Participação sobre<br />
o Total mundial (%)<br />
Posição/ país Importações<br />
Participação sobre o<br />
Total mundial (%)<br />
1. Alemanha 969,9 9,3 1. Alemanha 1.732,4 16,1<br />
2. Estados<br />
Unidos<br />
904,4 8,7<br />
2. Estados<br />
Unidos<br />
773,8 7,2<br />
3. China 762,0 7,3 3. China 660,0 6,1<br />
4. Japão 594,9 5,7 4. Japão 514,9 4,8<br />
5. França 460,2 4,4 5. França 510,2 4,7<br />
6. Países<br />
Baixos<br />
402,4 3,9<br />
6. Países<br />
Baixos<br />
497,9 4,6<br />
7. Reino Unido 382,8 3,7 7. Reino Unido 379,8 3,5<br />
8. Itália 367,2 3,5 8. Itália 359,1 3,3<br />
9. Canadá 359,4 3,4 9. Canadá 319,7 3,0<br />
10. Bélgica 334,3 3,2 10. Bélgica 318,7 3,0<br />
11. Hong<br />
Kong,<br />
China<br />
12. Coréia<br />
do Sul<br />
292,2 2,8<br />
284,4 2,7<br />
11. Hong Kong,<br />
China<br />
13. Coréia do<br />
Sul<br />
300,2 2,8<br />
261,2 2,4<br />
13. Rússia 243,6 2,3 14. Rússia 231,7 2,1<br />
14. Cingapura 229,6 2,2 15. Cingapura 200,0 1,9<br />
15. México 189,1 2,1 20. México 125,3 1,2<br />
16. Brasil 118,3 1,1 28. Brasil 77,6 0,7<br />
A partir da tabela você pode ter, em parte, uma visualização do que estamos falando.<br />
No processo de articulação do espaço global com o local, as diferenças aparecem, revelando<br />
as múltiplas faces que conformam a realidade local. Para compreender melhor, consulte um<br />
mapa mundi e identifi que onde estão esses países. Veja que quase todos os continentes estão<br />
representados, exceto o africano, mas que há uma <strong>des</strong>igualdade entre as nações quanto<br />
aos fl uxos de compra e venda de mercadorias. Essa situação diz respeito, justamente, à<br />
diferenciação dos lugares quanto a sua capacidade de combinar tecnologia, informação e<br />
consumo no processo de <strong>des</strong>envolvimento local. Pode-se dizer que o lugar na globalização<br />
unifi ca e diferencia o padrão técnico, científi co, informacional e comunicacional, que rege o<br />
planeta, reorganizando-se na esfera do lugar.<br />
Veja mais algumas fi guras que trazem outros exemplos de conexões diferenciadas do global<br />
com o local. Muitas outras existem e podem ser organizadas no decorrer <strong>des</strong>se processo.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
Fonte: Moreira e Sene (2007, p. 306).<br />
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Aula 06 Organização do Espaço<br />
Figura 3 – O local e o global: intersecções.<br />
Figura 4 – Re<strong>des</strong> e conexões<br />
A superfície terrestre conectada por re<strong>des</strong>, por meio das quais circulam dinheiro, pessoas,<br />
mercadorias, informações, constituem-se de nós que se distribuem <strong>des</strong>igualmente, sendo<br />
mais densas ou menos densas de acordo as regiões. Assim, o lugar pode ser visto como um<br />
ponto, um nó na cadeia de relações que se estabelecem entre os espaços. Essas relações<br />
interferem na construção da experiência do sujeito com o espaço e, consequentemente, no<br />
lugar como referência ou <strong>identidade</strong>. Quanto mais articulados os lugares, mais dinâmico se<br />
torna o processo de diferenciação espacial. Ou seja, o aparato técnico-científi co e informacional,<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
Fonte: Moreira e Sene (2007, p. 304).<br />
Fonte: Moreira e Sene (2007, p. 365).
que direciona o modelo de reprodução da vida na globalização, exige uma homogeneização<br />
infra-estrutural para se estabelecer e alimentar o ciclo de reprodução das riquezas em uma<br />
sociedade capitalista, sendo o fetiche que seduz, atrai e dinamiza as experiências, seja em<br />
uma escala micro ou macro das realizações humanas. Todos os lugares almejam o status<br />
de global, na mesma medida em que o discurso global se realiza pela diferença. Com essa<br />
afi rmação, adentramos os argumentos pertinentes ao último questionamento.<br />
3. O lugar e o não-lugar são as faces de uma mesma moeda quando se trata de<br />
compreender o espaço geográfi co na era da globalização?<br />
O lugar e o não-lugar são as faces de uma mesma moeda em um cenário de<br />
globalização. O espaço é alimento e seiva para os processos de <strong>identidade</strong> e não-<strong>identidade</strong>,<br />
de reconhecimento e estranhamento que caracterizam essa fase da nossa história. A<br />
velocidade com que ocorrem as transformações atravessa todas as esferas da vida de modo<br />
que da casa ao bairro, passando pela cidade e pelo campo, experimentam-se processos<br />
de ressiginifi cação sócio-espacial. Cada vez o espaço é apropriado para ser consumido<br />
e é nesse processo que são entrelaçadas as teias complexas do lugar e do não-lugar.<br />
Leia a seguir o Prólogo do livro Não-<strong>Lugar</strong>es: introdução a uma antropologia da<br />
supermodernidade, escrito por Marc (1994, p. 7-11).<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
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16<br />
Aula 06 Organização do Espaço<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________
Neste prólogo, o autor apresenta de forma sugestiva as condições de realização e<br />
experimentação do homem pós-moderno. O espaço como um caminho a ser percorrido<br />
com identifi cação e sem <strong>identidade</strong>. São aeroportos, auto-estradas, estações ferroviárias,<br />
metrôs, supermercados, parques temáticos que os indivíduos passam, usam, consomem,<br />
sem estabelecer vínculos afetivos com nenhum deles. Na solidão do caminho, o encontro<br />
com vazio, com o fragmento daquilo que vê em instantâneos fugazes. “Se um lugar pode se<br />
defi nir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se defi nir nem como<br />
identitário, nem como relacional, nem como histórico defi nirá o não-lugar” (AUGÉ, 1994, p.<br />
73). A oposição constitui a parte essencial que anima a dinâmica dos lugares na globalização.<br />
Os lugares são habitados por não-lugares, realida<strong>des</strong> construídas de simulacros que animam<br />
os indivíduos a se <strong>des</strong>locaram em busca do trabalho, do lazer, do prazer e da perdição.<br />
No percurso, a identifi cação das transformações espaciais vai <strong>des</strong>pertando no indivíduo<br />
a sensação de estranhamento causada pela <strong>des</strong>fi guração de uma “paisagem querida que<br />
morre.” Não cabe fugir <strong>des</strong>se cenário, mas compreender que a <strong>des</strong>aparição faz emergir uma<br />
outra encenação: a construção de novos mundos.<br />
Assim, na esfera do lugar, realiza-se o não-lugar, no processo de identifi cação estabelece-<br />
se a não-identifi cação, no sentimento de estranhamento, pode emergir a familiaridade. É do<br />
jogo da negação e da afi rmação que se revela o sentido do espaço e do lugar no mundo<br />
contemporâneo.<br />
Para fi nalizar a nossa abordagem, você deve perceber que a noção de lugar pode ser<br />
diferente a partir do elemento que está sendo levado em consideração para sua defi nição<br />
(localização experiência, globalização). Mas, deve compreender também que na diferença se<br />
revela a semelhança e é da localização que emerge o signifi cado, o qual, por sua vez, enlaça<br />
os nós das re<strong>des</strong> simbólicas e materiais, tecendo as vivências nos e dos lugares.<br />
Resumo<br />
Você viu nesta aula a importância que tem a noção de lugar para a ciência<br />
geográfi ca. Foi abordada, nesse sentido, a localização, a experiência e a<br />
globalização como elementos que interferem na defi nição <strong>des</strong>se conceito. O<br />
lugar tratado no âmbito da localização assume a conotação de um ponto, seja<br />
ele relacional ou absoluto; quando articulada, a esfera da experiência se amplia<br />
assumindo a noção de espaço carregado de <strong>identidade</strong> e pertencimentos; se<br />
referenciado no contexto da globalização, é um nó em uma rede de múltiplas<br />
articulações, é um lugar e um não-lugar. Assim, nesta aula, você pode<br />
compreender que a noção de lugar é diferente a partir do elemento que está<br />
sendo levado em consideração para sua defi nição. Deve ter percebido também<br />
que na diferença se revela a semelhança. É a partir da localização que emerge o<br />
signifi cado, o qual, por sua vez, enlaça os nós das re<strong>des</strong> simbólicas e materiais,<br />
tecendo as vivências nos e dos lugares.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
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Aula 06 Organização do Espaço<br />
Auto-avaliação<br />
1<br />
2<br />
3<br />
Vamos verifi car o que você aprendeu!<br />
Volte ao início <strong>des</strong>ta aula e releia a sua opinião sobre os objetos e os lugares<br />
geográfi cos. Refl ita sobre o que você escreveu e reescreva uma nova visão, agora<br />
aportada no que você estudou sobre o conceito de lugar na ciência geográfi ca.<br />
O turismo apresenta-se como uma atividade consumidora de lugares. A sua<br />
principal característica é atrair pessoas para viajar por cenários que misturam<br />
formas naturais e formas propositadamente criada para tal fi m. Pesquise sobre a<br />
atividade turística no seu estado e identifi que:<br />
a) os lugares mais procurados;<br />
b) as características <strong>des</strong>ses lugares.<br />
A partir <strong>des</strong>ses dois pontos, analise essa atividade, vinculando as idéias de lugar e<br />
não-lugar na era da globalização.<br />
Escreva uma crônica sobre o seu lugar e socialize para os colegas através do<br />
moodle, na página da disciplina Organização do Espaço.<br />
Referências<br />
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo:<br />
Papirus, 1994.<br />
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: HUCITEC, 1996.<br />
CHRISTOFOLETTI, Antonio. As características da nova geografi a. In: CHRISTOFOLETTI, A.<br />
(Org.). Perspectivas geográfi cas. 2. ed. São Paulo: DIFEL, 1985.<br />
DIDONÊ, Débora. Brasil antes do Brasil. Nova escola, São Paulo: Abril, Ano XXIII, n. 212, p.<br />
42-49, maio 2008.<br />
GOMES, Paulo César da Costa Gomes. Geografi a e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand<br />
Brasil, 1996.<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________
LAMARTINE, Oswaldo. O sertão. Diário de Natal, Natal, Fascículo 11, p. 1-2, 2004. Leituras<br />
Potiguares.<br />
MAGNOLI, Demétrio; ARAÚJO, Regina. Geografi a: a construção do mundo. São Paulo:<br />
Moderna, 2005. (Geografi a geral e do Brasil).<br />
MOREIRA, João Carlos; SENE, Eustáquio. Geografi a para o ensino médio: geografi a geral<br />
do Brasil. São Paulo: Scipione, 2007.<br />
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido: no caminho de Swamm: em busca das moças<br />
em fl or. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.<br />
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 3ª edição. São Paulo:HUCITEC, 1994.<br />
______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC,<br />
1996.<br />
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.<br />
Anotações<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________<br />
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20<br />
Aula 06 Organização do Espaço<br />
Anotações<br />
Material APROVADO (conteúdo e imagens) Data: ___/___/___ Nome:______________________
Organização do Espaço – GEOGRAFIA<br />
EMENTA<br />
Objeto de estudo da geografia; as correntes filosóficas que embasam o pensamento geográfico; espaço, território,lugar,<br />
região e paisagem nas diversas abordagens geográficas; a importância das re<strong>des</strong> no estudo geográfico do mundo<br />
globalizado; a ciência geográfica na sociedade pós-moderna:paradigmas, perspectivas e dificulda<strong>des</strong>; as formas de<br />
abordagens dos temas geográficos no Ensino de geografia; ativida<strong>des</strong> práticas voltadas para a resolução de problemas<br />
referentes ao espaço geográfico em situações de ensino<br />
AUTORAS<br />
n Eugênia Maria Dantas<br />
n Ione Rodrigues Diniz Morais<br />
AULAS<br />
01 Despertando para a leitura do espaço<br />
02 Aprofundando o conceito de espaço<br />
03 A Organização do Espaço: um <strong>des</strong>afio inter-trans-disciplinar?<br />
04 A dinâmica entre o global e o local na globalização<br />
05 Paisagem como categoria da análise geográfica<br />
06 <strong>Lugar</strong> e (<strong>des</strong>) <strong>identidade</strong><br />
07 Território e territorialidade: abordagens conceituais<br />
08 Território e territorialidade: abordagens conceituais (parte II)<br />
09 Por entre territórios e re<strong>des</strong>: múltiplas leituras<br />
10 Região e a Geografia tradicional<br />
11 Região no contexto da renovação da geografia<br />
12 Organização do espaço: do universo conceitual ao ensino da Geografia<br />
2º Semestre de 2008 Impresso por: Texform