Pierre Bourdieu e a história - Topoi
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B OURDIEU E A HISTÓRIA • 153<br />
coletiva. A definição do ser social, da identidade social, é dada assim não<br />
unicamente a partir das condições objetivas que definem as categorias sociais,<br />
mas, como diz <strong>Bourdieu</strong>, do ser percebido por si mesmo ou pelos<br />
outros. Daí a luta constante de classificações. E daí também uma visão dinâmica<br />
do mundo social, baseada não unicamente na idéia de hierarquia,<br />
que remete a níveis desiguais do ponto de vista sócio-econômico, mas na<br />
idéia de que as representações e os discursos que anunciam estas representações<br />
pertencem à construção do social. Há um recurso na obra de <strong>Bourdieu</strong><br />
para superar uma outra dicotomia, entre os historiadores que pensam que<br />
podemos pensar o mundo social a partir unicamente de critérios objetivos,<br />
de desigualdades econômicas — a partir da posição nas relações de produção,<br />
do nível econômico, do pertencimento a um estamento ou classe socioprofissional<br />
— e os historiadores que pensam que o mundo social é produto<br />
dos discursos e que não há realidade social externa aos discursos. Este é<br />
um grande debate na historiografia norte-americana. A perspectiva de<br />
<strong>Bourdieu</strong>, parece-me, propõe, de uma forma sutil, uma relação dialética<br />
entre características objetivas que definem aquilo que, para um indivíduo,<br />
é possível enunciar, pensar, classificar — recursos estes que pertencem ao<br />
mundo das representações coletivas e que se ligam diretamente à posição<br />
no mundo social. Mas, ao mesmo tempo, a expressão destas representações<br />
coletivas constantemente deslocam, inventam, no mundo social, as<br />
divisões sociais. Um livro como o de Luc Boltanski, Les Cadres [Os Executivos],<br />
num momento seguinte ao trabalho de <strong>Bourdieu</strong>, é a ilustração disso:<br />
a invenção de uma categoria social, os executivos, a partir de propriedades<br />
objetivas, mas que não eram suficientes por si só para criar o grupo. O<br />
grupo se criou através das representações e dos discursos que impunham<br />
aos membros destes ofícios disseminados e aos outros grupos sociais e, finalmente,<br />
ao Estado, a idéia de que existia um grupo social homogêneo,<br />
identificável a partir de seu estilo de vida — os executivos. É uma demonstração,<br />
parece-me, da pertinência desta perspectiva. Nos últimos anos, esta<br />
inspiração de <strong>Bourdieu</strong> permitiu instalar no cerne de muitas pesquisas históricas<br />
um conceito como o de violência simbólica ou de dominação simbólica.<br />
Isto é, pensar que não há unicamente, numa sociedade, formas de<br />
dominação brutais ou enfrentamentos explícitos, imediatamente sociais: