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I Encontro <strong>de</strong> Pesquisa<strong>do</strong>res em Comunicação e Música Popular<br />

Tendências e convergências da música na cultura midiática<br />

21 a 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2009, UFMA, São Luis – MA.<br />

11<br />

estimulan<strong>do</strong> a reflexão sobre a experiência violenta <strong>do</strong> seu tempo. É o caso <strong>de</strong> duas<br />

entrevistas sobre o exílio, que o cantor conce<strong>de</strong>u em 1982 e 1987, respectivamente:<br />

Mas um certo dia eu estava em casa, foi no primeiro apartamento que eu comprei na<br />

minha vida, pela Caixa Econômica. Então entraram os agentes. Minha mãe, que<br />

estava passan<strong>do</strong> uns dias conosco, ficou assustadíssima, não enten<strong>de</strong>u nada. [...] Foi<br />

barra. Os agentes revistaram a casa toda, <strong>de</strong>ixaram tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> pernas para o ar, à cata<br />

<strong>de</strong> papéis sobre a Cida<strong>de</strong> das Estrelas. Minha mãe perguntou: “Quem são essas<br />

pessoas?” Respondi: “São meus amigos, eles são assim mesmo, meio bagunceiros”<br />

(risos). Depois disso, bicho, foi fogo. Prisão, exílio, aquilo tu<strong>do</strong> (SEIXAS, apud<br />

PASSOS, 2003, p. 123-124).<br />

Até hoje não sei realmente qual foi o motivo. Mas veio uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão <strong>do</strong><br />

Primeiro Exército e me <strong>de</strong>tiveram no Aterro <strong>do</strong> Flamengo. Me levaram para um<br />

lugar que eu não sei on<strong>de</strong> era... tinha uns cinco sujeitos... bom, eu estava... imagine a<br />

situação... eu estava nu com uma carapuça preta que eles me colocaram. E veio <strong>de</strong> lá<br />

mil barbarida<strong>de</strong>s: choques em lugares <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s... tu<strong>do</strong> para eu po<strong>de</strong>r dizer os nomes<br />

das pessoas que faziam parte da “Socieda<strong>de</strong> Alternativa” que, segun<strong>do</strong> eles, era um<br />

movimento revolucionário contra o governo. O que não era. Era uma coisa mais<br />

espiritual... eu preferiria dizer que tinha pacto com o <strong>de</strong>mônio a dizer que tinha parte<br />

com a revolução. Então foi isso – me levaram, me escoltaram até o aeroporto... [...]<br />

Fiquei apavora<strong>do</strong>, fui direitinho... (SEIXAS, apud PASSOS, 2003, p. 143).<br />

A contradição entre as duas versões nos remete a duas leituras possíveis.<br />

Primeiramente, o mal-estar físico e emocional provoca<strong>do</strong> pelo trauma leva a uma tensão no<br />

limite <strong>do</strong> suportável, apontan<strong>do</strong> para as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produzir um <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>sse tipo.<br />

Recordar o passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> opressão envolve uma mútua necessida<strong>de</strong> e dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicar a<br />

barbárie: “Para o sobrevivente, a narração combina memória e esquecimento”<br />

(SELIGMANN-SILVA, 2003, P. 53).<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o irreverente Raul Seixas, bufão e “ator”, po<strong>de</strong> ter apresenta<strong>do</strong> várias<br />

versões diferentes sobre o exílio, misturan<strong>do</strong> ficção e testemunho, com o objetivo <strong>de</strong> compor<br />

seu personagem. E ele não foi o único autor a fazer isso. Na época, era impressionante o<br />

sucesso popular <strong>de</strong> testemunhos, memórias e ficções que exibiam nossas chagas políticas.<br />

Segun<strong>do</strong> Flora Süssekind (2004), após a anistia e o retorno <strong>do</strong>s exila<strong>do</strong>s, as memórias<br />

políticas, os relatos autobiográficos, o testemunho e a reconstituição <strong>do</strong> tempo perdi<strong>do</strong>,<br />

oscilan<strong>do</strong> entre o ficcional e o factual, marcaram a literatura brasileira. Popularizaram-se os<br />

relatos <strong>de</strong> torturas, perseguições policiais, invasões <strong>do</strong>miciliares, experiências carcerárias e<br />

outros tipos <strong>de</strong> cerceamento.<br />

Esta ávida leitura da catástrofe parece apontar para um gran<strong>de</strong> mea culpa da classe<br />

média que apoiou ou ignorou o golpe militar <strong>de</strong> 1964. Raul entrou na moda, comentan<strong>do</strong> em<br />

diversas entrevistas sobre o seu suposto exílio nos EUA, “[...] para a <strong>de</strong>lícia <strong>de</strong> certo tipo <strong>de</strong><br />

leitor-vampiro” (SÜSSEKIND, 2004, p. 76). Exemplar é a canção “Metrô Linha 743”<br />

(SEIXAS, 1984), narrada a partir da perspectiva <strong>de</strong> um eu lírico que, vítima <strong>do</strong> autoritarismo,<br />

não consegue atribuir senti<strong>do</strong> à própria existência.<br />

Ele ia andan<strong>do</strong> pela rua meio apressa<strong>do</strong><br />

Ele sabia que tava sen<strong>do</strong> vigia<strong>do</strong><br />

Cheguei pra ele e disse: Ei amigo, você po<strong>de</strong> me ce<strong>de</strong>r um cigarro?<br />

Ele disse: Eu <strong>do</strong>u, mas vá fumar lá <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>!<br />

Dois homens fuman<strong>do</strong> juntos po<strong>de</strong> ser muito arrisca<strong>do</strong>!<br />

Disse: O prato mais caro <strong>do</strong> melhor banquete é o que se come cabeça <strong>de</strong> gente

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