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C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2013\EDI - Unama

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1<br />

REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />

v. 12, n. 26 • dezembro de 2010<br />

TRAÇOS<br />

ISSN 1516-0025<br />

Belém v.12 n.26 p. 1-168 dez. 2010


2<br />

REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />

C 2010, UNIVERSIDA<strong>DE</strong> DA AMAZÔNIA<br />

REITOR<br />

Antonio de Carvalho Vaz Pereira<br />

VICE-REITOR<br />

Henrique Guilherme Carlos Heidtmann Neto<br />

PRÓ-REITOR <strong>DE</strong> ENSINO<br />

Mário Francisco Guzzo<br />

PRÓ-REITORA <strong>DE</strong> PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO<br />

Núbia Maria de Vasconcelos Maciel<br />

DIRETOR DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA E<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL<br />

EVARISTO CLEMENTINO REZEN<strong>DE</strong> DOS SANTOS<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ARQUITETURA E URBANISMO<br />

JOSÉ AKEL FARES FILHO<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA CIVIL<br />

SELÊNIO FEIO DA SILVA<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> ENGENHARIA <strong>DE</strong> PRODUÇÃO<br />

ANDRÉ CRISTIANO SILVA MELO<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> TECNOLOGIA EM PROCESSAMENTO <strong>DE</strong> DADOS<br />

CLÁUDIO OTÁVIO MENDONÇA <strong>DE</strong> LIMA<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> BACHARELADO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO<br />

MAURO MARGALHO COUTINHO<br />

COOR<strong>DE</strong>NADORA DO CURSO <strong>DE</strong> ARTES VISUAIS E TECNOLOGIA DA IMAGEM<br />

ANA <strong>DE</strong>L TABOR VASCONCELOS MAGALHÃES<br />

COOR<strong>DE</strong>NADOR DO CURSO <strong>DE</strong> LICENCIATURA EM MATEMÁTICA<br />

MIGUEL CHAQUIAM<br />

EXPEDIENTE<br />

EDIÇÃO: Editora UNAMA<br />

RESPONSÁVEL: João Carlos Pereira<br />

SUPERVISÃO: Helder Leite<br />

NORMALIZAÇÃO: Maria Miranda<br />

FORMATAÇÃO GRÁFICA: Elailson Santos<br />

REVISÃO <strong>DE</strong> TEXTO: Luis F. Branco<br />

PROJETO DA CAPA: Fernanda Beliche<br />

ILUSTRAÇÃO DA CAPA: Fernando Navarro<br />

“Campus” Alcindo Cacela<br />

Av. Alcindo Cacela, 287<br />

66060-902 - Belém-Pará<br />

Fone geral: (91) 4009-3000<br />

Fax: (91) 3225-3909<br />

“Campus” BR<br />

Rod. BR-316, km3<br />

67113-901 - Ananindeua-Pa<br />

Fone: (91) 4009-9200<br />

Fax: (91) 4009-9308<br />

“Campus” Quintino<br />

Trav. Quintino Bocaiúva, 1808<br />

66035-190 - Belém-Pará<br />

Fone: (91) 4009-3300<br />

Fax: (91) 4009-0622<br />

“Campus” Senador Lemos<br />

Av. Senador Lemos, 2809<br />

66120-901 - Belém-Pará<br />

Fone: (91) 4009-7100<br />

Fax: (91) 4009-7153<br />

Catalogação na fonte<br />

www.unama.br<br />

T759t Traços: revista do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia - Belém: UNAMA, v. 12, n. 26,<br />

2010.<br />

168 p.<br />

ISSN: 1516-0025<br />

1. Ciências exatas. 2. Ciências exatas - pesquisa. 3. Ciências exatas-estudos de caso.<br />

1. Periódicos.<br />

CDD: 507.2


3<br />

REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />

v. 12 n. 26 2010<br />

EDITORIAL .................................................................................................................... 5<br />

ARTIGOS ....................................................................................................................... 7<br />

PASSOS <strong>DE</strong> UMA CAPELA: ALVORECER E CREPÚSCULO <strong>DE</strong> UM<br />

MONUMENTO EM BELÉM, NO PARÁ ........................................................................... 9<br />

STEPS OF A CHAPEL DAWN AND TWILIGHT OF A MONUMENT<br />

IN BELÉM, STATE OF PARÁ<br />

Domingos Sávio de Castro Oliveira<br />

ANÁLISE <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO LOGÍSTICO DAS CA<strong>DE</strong>IAS PRODUTIVAS <strong>DE</strong> PRODUTOS<br />

FLORESTAIS NÃO MA<strong>DE</strong>IREIROS ORIUNDOS DA REGIÃO AMAZÔNICA ...................... 27<br />

LOGISTICS PERFORMANCE ANALYSIS OF PRODUCTIVE CHAINS RELATED<br />

TO AMAZONIAN NON-TIMBER FOREST PRODUCTS<br />

André Cristiano Silva Melo<br />

Bruna Brandão Moreira<br />

Evander Dayan de Mattos Alencar<br />

O USO <strong>DE</strong> RECICLAGEM <strong>DE</strong> PAVIMENTOS, COMO ALTERNATIVA PARA O<br />

<strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM OBRAS RODOVIÁRIAS NO BRASIL ................ 39<br />

USE THE RECYCLING OF PAVEMENTS, AS ALTERNATIVE FOR SUSTAINABLE<br />

<strong>DE</strong>VELOPMENT IN ROAD WORKS IN BRAZIL<br />

Clauber Costa<br />

Wandemyr Filho<br />

A IMAGEM DO TRANSPORTE HIDROVIÁRIO E DO TURISMO NA ILHA<br />

<strong>DE</strong> COTIJUBA NA VISÃO DOS USUÁRIOS .................................................................... 59<br />

THE IMAGE OF WATER TRANSPORT AND THE TOURISM IN COTIJUBA ISLAND<br />

IN VIEW OF USERS<br />

Maisa Sales Gama Tobias<br />

Andréa Girlene Tavares Barreto<br />

TRAÇOS<br />

Belém v.12 n.26 p. 1-168 dez. 2010


4<br />

AVALIAÇÃO <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO <strong>DE</strong> RE<strong>DE</strong>S WIRELESS SUBMARINAS VIA SIMULAÇÃO .... 75<br />

PERFORMANCE EVALUATION OF UN<strong>DE</strong>RWATER<br />

WIRELESS NETWORKS BY SIMULATION<br />

Isadora Mendes dos Santos<br />

Mauro Margalho Coutinho<br />

ESTUDO DA DINÂMICA POPULACIONAL NO PERÍODO <strong>DE</strong> 1970-2000: UMA ANÁLISE<br />

DO CENTRÓI<strong>DE</strong> E DA DISPERSSÃO DA POPULAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ ................. 85<br />

A STUDY OF THE POPULATIONAL DYNAMIC BETWEEN 1970 AND 2000: A CENTROID<br />

AND DISPERSION POPULATION ANALYSIS IN THE PARÁ STATE<br />

José Ferreira da Rocha<br />

Sérgio Castro Gomes<br />

Magno Roberto Alves Macedo<br />

Eugênia Rosa Cabral<br />

UM RELATO <strong>DE</strong> MELHORIA DO PROCESSO <strong>DE</strong> TESTE <strong>DE</strong> SOFTWARE<br />

APLICADO A UMA FÁBRICA <strong>DE</strong> SOFTWARE ............................................................... 101<br />

A REPORT ABOUT SOFTWARE TESTING PROCESS IMPROVEMENT<br />

APPLIED IN A SOFTWARE FACTORY<br />

Inácio Leite Gorayeb<br />

Sandro Ronaldo Bezerra Oliveira<br />

SISTEMA <strong>DE</strong> RECONHECIMENTO <strong>DE</strong> FACES UTILIZANDO O MÉTODO<br />

DAS COMPONENTES PRINCIPAIS ............................................................................... 119<br />

FACE RECOGNITION SYSTEM USING PRINCIPAL COMPONENTES METHOD<br />

José Augusto Furtado Real<br />

Thierry Pinheiro Moreira<br />

COMPLEXIDA<strong>DE</strong> E MO<strong>DE</strong>LAGEM MATEMÁTICA NO PROCESSO<br />

<strong>DE</strong> ENSINO-APRENDIZAGEM ..................................................................................... 131<br />

COMPLEXITY AND MATHEMATICAL MO<strong>DE</strong>LING IN THE TEACHING-LEARNING PROCESS<br />

Lênio Fernandes Levy<br />

Adílson Oliveira do Espírito Santo<br />

LICEU PARAENSE: BERÇO CULTURAL NA AMAZÔNIA ................................................149<br />

LYCEUM PARAENSE: CULTURAL CRADLE AMAZON<br />

Elaine da Silva Gaspar<br />

Gleeydson Fernando Lima Borges<br />

Miguel Chaquiam


EDITORIAL5<br />

ARevista TRAÇOS desde a sua criação, em 1998, fomenta a produção e a disseminação<br />

de pesquisas técnicas e científicas voltadas à região Amazônica, tornando-se<br />

um veículo que atende acadêmicos, professores e pesquisadores comprometidos<br />

com o desenvolvimento regional.<br />

Esta Revista, na versão impressa e on-line, cresce e afirma-se no Centro de Ciências<br />

Exatas e Tecnologia (CCET) da Universidade da Amazônia no momento em que este<br />

Centro comemora, no mês de agosto, seus 30 anos de existência, constituído inicialmente<br />

pelos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil e Licenciatura em<br />

Matemática.<br />

Além das comemorações dos 30 anos de existência do Centro, com uma vasta<br />

programação de cunho acadêmico, científico e cultural, comemora-se também os excelentes<br />

resultados obtidos frente as avaliações efetuadas pelas Comissões de Especialistas<br />

do MEC, in loco, onde sempre é dado ênfase a importância das publicações da<br />

Revista TRAÇOS.<br />

A disponibilização da Revista na versão on-line por meio do site www.unama.br/<br />

revistatracos, contemplando todos os exemplares anteriores, amplia sua circulação,<br />

facilita a permuta para a versão impressa e possibilita o cadastro de novas assinaturas.<br />

As publicações nesta Revista, impressa e eletrônica, galgam novas dimensões frente às<br />

novas demandas sociais e acadêmicas, registram conhecimentos e experiências, constituindo,<br />

de certa forma, um legado às futuras gerações.<br />

Neste número são apresentados dez artigos técnico-científicos relacionados às<br />

áreas da Arquitetura, Computação, Engenharias e Matemática, retratando a nossa realidade<br />

e corroborando com a missão da <strong>Unama</strong>, “Educação para o desenvolvimento da<br />

Amazônia”. Ao analisar cada artigo quanto ao vínculo institucional dos autores, percebe-se<br />

que há certo intercâmbio, fato que caracteriza a importância da revista de certo<br />

modo e contribui para maior integração da <strong>Unama</strong> no cenário regional e nacional.<br />

A Revista TRAÇOS aceita para publicação, em forma de artigo científico, trabalhos<br />

inéditos de autores brasileiros e estrangeiros, redigidos em português, espanhol<br />

ou inglês, desde que atendam ao Regulamento e as Normas para publicação.<br />

Miguel Chaquiam<br />

Coordenador do Curso de Matemática


7<br />

REVISTA DO CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS EXATAS E TECNOLOGIA<br />

EDIÇÃO Nº 26<br />

CA<strong>DE</strong>RNO <strong>DE</strong> ARTIGOS<br />

TÉCNICOS E CIENTÍFICOS<br />

CONSELHO EDITORIAL:<br />

Alberto Carlos de Melo Lima<br />

Ana Del Tabor Vasconcelos Magalhães<br />

André Cristiano Silva Melo<br />

Antônio Erlindo Braga Júnior<br />

Cláudio Alex Jorge da Rocha<br />

Cláudio Otávio Mendonça de Lima<br />

Débora Bandeira Moraes Trindade (Secretária)<br />

Elzelis de Aguiar Müller<br />

Evaristo Clementino Rezende dos Santos<br />

(Presidente)<br />

Filomena Mata Vianna Longo<br />

Janice Shirley de Souza Lima<br />

José Akel Fares Filho<br />

José Augusto Furtado Real<br />

Miguel Chaquiam<br />

Natanael Freitas Cabral<br />

Selênio Feio da Silva<br />

COMITÊ CIENTÍFICO INTERNO:<br />

Benedito Coutinho Neto<br />

Elcione Maria Lobato de Moraes<br />

Fábio José da Costa Alves<br />

Hélio Raymundo Ferreira Filho<br />

Leonardo Augusto Oliveira Bello<br />

Marco Aurélio Arbage Lobo<br />

Marisa de Oliveira Mokarzel<br />

Mauro Margalho Coutinho<br />

Pedro Franco de Sá<br />

Ruy Guilherme de Castro Almeida<br />

Maisa Sales Gama Tobias<br />

Sérgio Castro Gomes<br />

COMITÊ CIENTÍFICO EXTERNO:<br />

Édison da Silva Farias - UFPA<br />

Eliane Gonçalves Gomes - EMBRAPA-DF<br />

Iran Abreu Mendes - UFRN<br />

Lindemberg Lima Fernandes - UFPA<br />

Marcelo Câmara dos Santos - UFPE<br />

Maria Seráfico Pinheiro - UFPA<br />

Simaia do Socorro Sales das Mercês - UFPA<br />

Thienne Mesquita Johnson - USP-SP


9<br />

PASSOS <strong>DE</strong> UMA CAPELA:<br />

ALVORECER E CREPÚSCULO <strong>DE</strong> UM MONUMENTO EM BELÉM, NO PARÁ<br />

Domingos Sávio de Castro Oliveira *<br />

RESUMO<br />

A cidade de Belém, no Pará, possui, dentre seu patrimônio edificado, a pequena, e<br />

pouco conhecida, Capela Pombo, localizada em seu Centro Histórico. Construída no<br />

século XVIII para servir à família do coronel Ambrósio Henriques, é a única capela particular<br />

ainda existente na cidade. Tem características estilísticas, pertencentes ao movimento<br />

tardo-barroco, o que lhe confere importância artística. Por ter sido erguida no<br />

período de formação da cidade e estar localizada em uma área que corresponde ao<br />

segundo bairro implantado, é testemunho do passado da capital paraense, época em<br />

que a mesma passou por um crescimento nunca dantes visto. Hoje, o monumento se<br />

encontra em um estado que preocupa e inspira cuidados, tendo em vista suas degradadas<br />

condições físicas. (Re)descobri-la e revelá-la são objetivos desse artigo.<br />

Palavras-chave: Arquitetura Religiosa. Antonio Landi. Belém.<br />

ABSTRACT<br />

STEPS OF A CHAPEL<br />

DAWN AND TWILIGHT OF A MONUMENT IN BELÉM, STATE OF PARÁ<br />

The city of Belém, in Pará, possesss, amongst its built patrimony, the small, and not very<br />

known, Pombo Chapel, located in its Historical Center. Built in the century XVIII to serve<br />

Colonel Ambrósio Henriques’s family, it is still the only private chapel existent in the city. It<br />

has stylistic characteristics, belonging to the late-Baroque movement, what confers artistic<br />

importance to it. For having been raised in the period of formation of the city and to<br />

be located in an area that corresponds to the second implanted district, it is evidence of<br />

the past of the capital of Pará State, period where the city passed by a development<br />

never imagined before. Today, the monument is in circumstances that worries and inspires<br />

cares, in view of its degraded physical conditions. (Re)discovering and disclosing this<br />

monument are the objectives of this article.<br />

Keywords: Religious Architecture. Antonio Landi. Belém.<br />

*Mestrando em Artes - ICA/UFPA; especialista em Interpretação, Conservação e Revitalização do Patrimônio Artístico<br />

de Antônio José Landi - UFPA / FAU / Fórum Landi; arquiteto (UFPA/1990) e engenheiro civil (CESEP/1987). É<br />

servidor do Ministério Público do Estado do Pará. Dedica-se à pesquisa da arquitetura do século XVIII em Belém-<br />

PA, com ênfase no repertório estilístico do arquiteto italiano Antônio Landi. dscoliveira2008@gmail.com. Ministério<br />

Público do Estado do Pará<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


10<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A Capela do Senhor dos Passos ou, simplesmente, Capela Pombo, assim como<br />

outros referenciais arquitetônicos próximos, marca a passagem do tempo no bairro do<br />

Comércio, em Belém.<br />

Reconhecidamente, a capela precisa ter seu significado recuperado e revelado,<br />

tornando-se, assim, ponto de atração para a área e razão para sua preservação. Hoje, ela<br />

está “perdida” entre muitas edificações degradadas, em um espaço onde, outrora, conviveram<br />

edifícios comerciais e residenciais, e que, ao longo do tempo, teve suas funções<br />

alteradas.<br />

O monumento tem importância arquitetônica, artística e histórica: arquitetônica,<br />

pois é um exemplo de tipologia singular na cidade – capela anexa à casa –, além de<br />

ser um edifício do tipo “encaixado” 1 entre duas residências; artística, por apresentar<br />

características particulares que demonstram as influências sofridas em sua concepção,<br />

dos movimentos estilísticos europeus do século XVIII; histórica, por estar inserida no<br />

centro histórico da cidade, legalmente delimitado e guardar referências de um período<br />

importante da formação e desenvolvimento urbano, social e cultural de Belém.<br />

Há muitas lacunas na trajetória histórica da edificação, entretanto pode-se observar<br />

sua importância a partir das muitas referências ao monumento nas obras de importantes<br />

pesquisadores. Esses autores, a partir da análise das características arquitetônicas da<br />

capela e por comparação com outras obras de Antônio José Landi, atribuem a autoria de<br />

seu projeto ao arquiteto bolonhês. Dentre eles, Isabel Mendonça 2 é a que mais aprofunda<br />

a análise e faz comparações com as obras do artista, as quais denomina “landianas”.<br />

É necessário ressaltar que é impossível analisar a capela sem pensar nas edificações<br />

de seu entorno imediato e, em particular, no casarão a que esteve ligada, que se<br />

ressentem de uma atenção por parte do poder público, dos seus proprietários e da<br />

população. Por isso, é dedicado parcela desse texto ao entorno imediato e, especificamente,<br />

ao casarão ao lado.<br />

O texto está dividido em quatro partes. Inicialmente, é apresentada uma breve<br />

trajetória da tipologia casa com capela anexa no Brasil colonial. Em seguida, é feita a<br />

caracterização histórica e atual do entorno do edifício, e traçado um breve histórico do<br />

monumento. Por fim, é analisado o binômio capela e casarão, fazendo-se um detalhamento<br />

dos ornamentos da primeira, interna e externamente.<br />

Dessa forma, este artigo visa ressaltar aspectos que ratifiquem o valor do monumento<br />

a partir dos vieses arquitetônico, estilístico e histórico, como forma de valorização<br />

do bem cultural diante da sociedade com vistas a sua preservação e, dessa forma<br />

evitar seu iminente desaparecimento. Não há a intenção de esgotar o assunto, mas<br />

contribuir para o preenchimento de lacunas ainda existentes na história da cidade.<br />

1<br />

Termo utilizado por Camillo Sitte (1992, p. 39).<br />

2<br />

Na obra António José Landi (1713-1791): um artista entre dois continentes.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


11<br />

2 A EDIFICAÇÃO RELIGIOSA NA CASA COLONIAL BRASILEIRA<br />

Para compreender a presença da edificação religiosa na casa brasileira colonial<br />

é necessário verificar suas origens na casa portuguesa do mesmo período. A obra de<br />

Carlos de Azevedo (1969, p. 82), historiador português, nos mostra uma configuração<br />

que agrega capela a casa e que melhor se manifestou no século XVIII, em todo o território<br />

português.<br />

As primeiras referências de casas com capela no Brasil remontam ao século XVII<br />

e são referentes à ocupação portuguesa. Luís Saia (1978), Aracy Amaral (1981) e Carlos<br />

Lemos (1989) fazem referência a essa tipologia nas regiões Sudeste e Sul do Brasil,<br />

porém havia semelhança entre os exemplares espalhados pelo território brasileiro com<br />

algumas adaptações devido ao clima de cada região.<br />

A utilização dessa tipologia em Portugal esteve presente nas áreas urbanas,<br />

entretanto, no Brasil, foi adaptada ao meio rural dadas as grandes distâncias entre as<br />

casas rurais e as cidades e ao fato de as famílias, isoladas nas fazendas, só frequentarem<br />

a cidade em ocasiões especiais, em particular, durante as festas religiosas.<br />

Os documentos do Pará colonial 3 fazem referência à presença de vários engenhos<br />

de cana-de-açúcar por todo o território paraense. Segundo Marques (2004, p. LXIV),<br />

em 1881, havia 209 engenhos, dos quais 152 localizavam-se às proximidades de Belém.<br />

Barata (18—?, p.10-11, 205-6, 148-9) relaciona alguns deles e suas capelas: dos Santos<br />

Reis ou de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó, com Capela dos Santos Reis Magos; Real<br />

de Burajuba ou Ibirajuba ou São Francisco de Boya, no rio Moju, com Capela de N. S. de<br />

Nazaré; Curussambaba, no rio Tocantins, com capela de N. S. do Pilar; Itabora, no rio<br />

Moju, com Capela de Santo Cristo; Juquiri-Assu, no rio Moju, com capela de Santo Antônio;<br />

e Marauaru ou Maruaru, na ilha do Marajó, com Capela de São Miguel.<br />

Marques (2004, p. XVII) analisa a disposição espacial das estruturas e os materiais<br />

e técnicas de construção de quatro engenhos: Murutucu (na periferia de Belém, às margens<br />

do igarapé Murutucu), Mocajuba (à margem direita do rio Mocajuba), Uriboca (à<br />

margem esquerda do rio Uriboca) e Jaguarari (à margem direita do rio Moju). Dos quatro,<br />

sabe-se da existência da edificação religiosa em dois deles: no Murutucu, capela dedicada<br />

a Nossa Senhora da Conceição 4 , e no Jaguarari, cujas ruínas estão em estado de destruição<br />

avançado. Nas terras do Jaguarari, um inventário de 1761 5 , relaciona uma igreja, dedicada<br />

a Nossa Senhora da Assunção, executada de pedra e cal, que media 22mx7m.<br />

A posição da capela em relação a casa foi sendo alterada ao longo do tempo. Até<br />

o século XVIII, era posicionada no interior da casa. A partir desse século, houve um<br />

afastamento da residência, tornando-se, aos poucos, autônoma. Em meados do século<br />

XIX, ela passou a ser instalada às proximidades daquela. Com o passar dos anos, perdeu<br />

3<br />

Doc. N.º 4142, ant. 1760, “Relação dos engenhos existentes na Comarca do Pará”, localizado em APEP/AHU.<br />

[2002].<br />

4<br />

A capela do Engenho Murutucu, segundo informações históricas, foi construída em 1711 pelos frades carmelitas<br />

e reformada, posteriormente pelo arquiteto italiano Antonio Landi, seu proprietário na época da reforma.<br />

(MARQUES, 2004, p. LXXXI).<br />

5<br />

Esse inventário foi realizado sob ordem do governador Manoel Bernardo de Melo e Castro com vistas à<br />

transformação da fazenda em vila. (MARQUES, 2004, p. CVII).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


12<br />

sua importância e foi reduzida a um compartimento da casa – o quarto dos santos – ou<br />

substituída por um pequeno oratório 6 .<br />

A presença do edifício religioso nas casas rurais foi uma constante no período<br />

colonial, no meio urbano, entretanto, deixaria de ter sua função primária, pois a comunidade<br />

não tinha as mesmas características daquele meio, bem como a igreja pública<br />

dominava a privada.<br />

Em Belém, no Pará, são encontrados registros de capelas particulares segundo o<br />

ofício 7 , de 1773, do bispo dom frei João Evangelista Pereira da Silva, no qual o religioso<br />

relaciona sacerdotes, igrejas e capelas do bispado, dentre essas:<br />

[...] O oratório nas casas dos herdeiros do [ilegível] de Campo Antonio<br />

F erreira Ribeiro. Os das casas da viuva do Capitam Guilherme<br />

Bruum [?] de Abreu [?] na rua do Espirito Santo. O do Reverendo [?]<br />

Arcipreste Antonio Rodrigues.<br />

O naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1784, n.p.), também fez referência,<br />

no Diário da Viagem Philosophica, a algumas capelas particulares em Belém:<br />

Oratorios publicos são o do Palacio do Bispo, o do Palacio do Governador<br />

e Capitão General, o do Seminario, o da Cadeya da Cidade, o do<br />

Capitão Ambrozio Henriques, alem de outros particulares, como o do<br />

defuncto Mestre de Campo Pedro de Sequeira, o do Capitão Luiz Pereira<br />

da Cunha, o de Manoel da Costa Leitão Xavier […]<br />

Dessas, existem, hoje, apenas a Capela do Palácio dos Governadores e a do<br />

Capitão Ambrósio, as quais Ferreira classificou como públicas. Da segunda, a, popularmente,<br />

conhecida Capela Pombo, é do que trata o presente artigo.<br />

3 ÁREA <strong>DE</strong> PESQUISA: CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA E ATUAL<br />

Se considerarmos a formação de Belém, no Pará, a partir da vinda dos portugueses,<br />

em 1616, sua ocupação se deu, primeiramente, próximo ao Forte do Presépio,<br />

constituindo o bairro da Cidade, atual Cidade Velha. Em seguida, ainda no século XVII,<br />

foi ampliada para a área que equivale à Campina, atual bairro do Comércio, sendo os<br />

dois bairros, à época, separados pelo alagado do Piri.<br />

6<br />

O oratório, que substituiu as capelas rurais, foi introduzido sob a forma de nichos nas paredes ou nos quartos<br />

para uso individual. Chegou à Colônia pelas mãos do português e espalhou-se pelas fazendas, senzalas e<br />

res idênci as, to rnando -se p arte d o coti diano da casa col onial brasi leira (Dispo nível em:<br />

< w w w . i t a u c u l t u r a l . o r g . b r / a p l i c E x t e r n a s / e n c i c l o p e d i a _ i c /<br />

index.cfm?fuseaction=instituicoes_texto&cd_verbete=5402>. Acesso em: 13 ago. 2008).<br />

7<br />

Ofício encaminhado para o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro em que o<br />

bispo solicita, entre outras coisas, mais sacerdotes para o exercício do serviço religioso. (Doc. Nº. 5.948, de 8<br />

de janeiro de 1773, “Ofício do Bispo do Pará, [Dom fr. João Evangelista Pereira da Silva],...”, localizado no APEP/<br />

AHU. (transcrição de Moema Bacellar)<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


13<br />

A Campina passou a existir a partir do eixo Rua Conselheiro João Alfredo 8 /Rua<br />

Santo Antônio. Antes um bairro fundamentalmente residencial, foi, com o tempo, sendo<br />

transformado em comercial, e, atualmente, é chamado de Comércio.<br />

A área é formada por vias estreitas, particularidade do traçado inicial da cidade.<br />

Segundo Teixeira (1998, p. 58), são revestidas de asfalto, mas já o foram de terra batida<br />

e de paralelepípedos. Suas calçadas são cobertas com pedras de lioz, ladrilho hidráulico<br />

ou cimento. É intenso o tráfego de veículos e pedestres na área. A rua João Alfredo,<br />

principal eixo, e algumas transversais são limitadas aos pedestres, sendo permitidas<br />

aos veículos somente aos domingos, feriados e após o horário comercial, dada a ocupação<br />

do leito viário por vendedores do comércio informal.<br />

Predominam na área as edificações de dois pisos, que ocupam os lotes em sua<br />

maioria, peculiaridade do período de ocupação da área.<br />

O uso das edificações do local é principalmente comercial, porém encontram-se<br />

as modalidades serviço e uso misto (comercial / serviço / habitacional). Além disso,<br />

ainda se acham raras edificações de uso institucional. O residencial, exclusivamente,<br />

quase não permanece e o religioso é marcado pela Capela do Senhor Bom Jesus dos<br />

Passos e por uma igreja evangélica.<br />

Como se localiza no Centro Histórico de Belém, a área é tombada e regulamentada<br />

pela lei n.° 7.709, de 18 de maio de 1994, e, como tal, tem diversos edifícios com<br />

interesse de preservação.<br />

A população residente no bairro é bastante reduzida, situação comum aos centros<br />

históricos, porém a área conta com uma população flutuante equivalente aos trabalhadores<br />

ou frequentadores do comércio.<br />

A área, no estado de desordem física, visual e sonora em que se encontra, atrai<br />

apenas pessoas que utilizam as funções de comércio e serviço que a mesma possui,<br />

embora até mesmo essas funções sejam preteridas pelos usuários por outras opções<br />

pela cidade.<br />

A Capela do Senhor Bom Jesus dos Passos e o casarão contíguo estão situados na<br />

travessa Campos Sales, antiga rua do Passinho 9 , entre as ruas 13 de Maio e Senador<br />

Manoel Barata, bairro do Comércio. Os dois prédios – capela e sobrado - são apenas<br />

alguns dos possíveis atrativos do local, mas, o estado de conservação e a descaracterização<br />

em que se encontram, preocupam pela sua manutenção na paisagem urbana. Além<br />

disso, esse estado transmite ao passante um sentimento de desconhecimento e desvalorização<br />

dos edifícios, diminuindo o interesse por eles, salvo pelo referencial simbólico<br />

ainda vinculado à capela, porém sem maiores relações ao prédio em si, mas pelo seu<br />

valor religioso, ligado a algumas festas católicas na cidade.<br />

8<br />

A rua Conselheiro João Alfredo foi inicialmente chamada rua dos Mercadores e, posteriormente, Rua da Cadeia.<br />

Conforme relatos de Ferreira (1784, n.p.) “a rua mais larga aberta até o ano de 1784, [...] no bairro da CAMPINA<br />

[...] não tinha regularidade nem dimensão oficial”.<br />

9<br />

Essa denominação primitiva da rua se deveu à existência de uma pequena capela – a Capela do Passinho – na<br />

confluência dessa via com a atual rua Conselheiro João Alfredo.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


14<br />

4 BREVE HISTÓRIA DA CAPELA POMBO<br />

A história da Capela do Senhor dos Passos 10 ou do Senhor Bom Jesus dos Passos 11<br />

(figura 1) está ligada ao coronel Ambrósio Henriques (c.1750-1820), senhor de engenhos,<br />

português, que se mudou para Belém na segunda metade do século XVIII. Diz-se, que por<br />

ele foi mandada edificar, anexa ao casarão de sua propriedade, para que a família participasse<br />

das celebrações religiosas, juntamente com seus amigos e escravos.<br />

A denominação está ligada ao fato de a capela ter abrigado, a partir da década de<br />

1830, uma imagem do Senhor dos Passos, que foi transferida da antiga capela do Passinho,<br />

demolida em 1841, pois entrara em ruínas.<br />

Figura 1 – Fachada da capela.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

Não é confirmada, a data de sua construção. Conforme Meira Filho (1969, p. 1),<br />

teria sido concluída em 1790, ano de sua consagração, de acordo com Tocantins (1987, p.<br />

269), embora já existisse em 1784, conforme menciona Alexandre Ferreira (1784). Barata<br />

(1914, p. 1), entretanto escreveu: “esta capela foi ereta em 1793, sob a invocação de<br />

N. S. da Conceição”. Essa afirmação ratificaria a suposição de Isabel Mendonça (2003a, p.<br />

510), historiadora portuguesa, de que o monograma mariano existente no altar da capela<br />

indicaria que ela fora dedicada à Virgem Maria.<br />

10<br />

Denominação utilizada em Meira Filho (1969, p. 1).<br />

11<br />

Denominação utilizada em Tocantins (1987, p. 265).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


15<br />

A tradição secular da família Pombo provém da filha do coronel Ambrósio, Maria<br />

do Carmo, que se casou em 1801 com o português Joaquim Clemente da Silva Pombo.<br />

A capela, também conhecida como Pombo ou dos Pombo, assim chamada pela<br />

população, por associação ao nome da família proprietária, teve, ao longo do tempo,<br />

vários responsáveis e foi sendo passada aos descendentes do coronel Ambrósio. É,<br />

atualmente, a única capela privada existente em Belém.<br />

Para Meira Filho (1969, p.1), sua significação, seu nome, seu destino histórico,<br />

seu valor como obra de arte e patrimônio da cidade, estão intimamente vinculados à<br />

evolução de Belém, sob múltiplos aspectos. Foi local de diversas cerimônias religiosas<br />

e atendia a diferentes dessas manifestações da população do entorno. Mesmo privativa,<br />

era cedida aos amigos da família para que ali realizassem suas celebrações.<br />

Em certas épocas, a capela abria somente por ocasião dos ritos da Semana Santa,<br />

quando servia como uma das estações da Procissão do Senhor dos Passos. Essa procissão<br />

saía da Igreja da Trindade e fazia paradas, os denominados passos, nas igrejas do<br />

Rosário, de Sant’Ana, de Santo Antônio, das Mercês, na Capela Pombo, correspondendo<br />

ao quinto passo, na Igreja da Sé e terminava na Igreja do Carmo, onde acontecia o<br />

sétimo passo, conforme matéria publicada no jornal católico “A Palavra”, edição de<br />

março de 1940. Hoje, é aberta de segunda a sábado no horário comercial, servindo<br />

apenas como local de orações e não mais sendo utilizada para os ritos católicos.<br />

O valor do edifício como monumento e joia da arquitetura é indiscutível e ratificado<br />

pelas menções que autores como Donato Melo Júnior (1973); Augusto Meira Filho<br />

(1973, p. 48); Leandro Tocantins (1987, p. 266) e Isabel Mendonça (2003b, p. 10) fazem a<br />

ele, até mesmo conferindo sua concepção projetual arquitetônica e estilística ao arquiteto<br />

italiano Antônio José Landi (1713-1791), a partir de suas características e de comparações<br />

com a Capela do Palácio dos Governadores, também em Belém, projeto do artista.<br />

Analisando as características tipológicas e decorativas do monumento, seja da<br />

fachada, seja do seu interior, pode-se observar uma quantidade significativa de elementos<br />

empregados por Landi em vários dos edifícios comprovadamente de sua autoria.<br />

Landi, a Belém, chegou, no ano de 1755 como “desenhador”, integrando a Comissão<br />

Demarcadora de Limites. Na cidade, desenvolveu vários projetos de arquitetura,<br />

edifícios esses que marcam sua paisagem até os dias de hoje. Tendo estudado na<br />

Academia Clementina, em Bolonha, recebeu influências da família Bibiena 12 , além do<br />

movimento tardo-barroco, estilo que predominava à época naquela cidade. Também<br />

absorveu traços da arquitetura portuguesa, em particular, do estilo pombalino, quando<br />

de sua estada em Lisboa, no período que precedeu sua viagem para o Brasil.<br />

O trabalho do arquiteto não se restringiu à arquitetura, mas, adotando a tradição<br />

bolonhesa, valorizou fachadas e interiores com o uso de elementos decorativos e<br />

12<br />

Os Galli, chamados Bibiena, destacaram-se como desenhistas, organizadores de festivais, cenógrafos e<br />

arquitetos de teatros. Quatro membros da família se destacaram: os irmãos Ferdinando (1657-1743) e Francisco<br />

(1659-1739) e os filhos de Ferdinando, Giuseppe (1696-1757) e Antonio (1700-74). Com a família, a pintura de<br />

quadratura alcançou o auge e, assim, seus membros puderam conseguir reconhecimento internacional,<br />

enquanto o estilo bolonhês entrava já em decadência (OLIVEIRA, 2008, p. 24).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


16<br />

arquitetônicos. Isso confirma sua vinculação à pintura de quadratura 13 e à cenografia,<br />

com a constante utilização das ordens clássicas nas variantes ornadas. Além disso, segundo<br />

Mendonça (2003a, p. 238), utilizou, com frequência, ornamentos originários do<br />

chamado barrochetto, versão italiana do rococó, e elementos decorativos inspirados no<br />

desenhista e entalhador francês Jean Bérain.<br />

5 A CAPELA E O SOBRADO: ANÁLISE TIPOLÓGICA E ARQUITETÔNICA<br />

Uma apreciação arquitetônica da capela não pode ser realizada de forma independente,<br />

já que está inserida entre dois casarões, o que para Camillo Sitte (1992, p. 39)<br />

seria um edifício “encaixado”. É uma edificação singular na área, quando se pensa em<br />

seu uso diferenciado – edifício religioso em meio a edifícios comerciais.<br />

A capela tem, à esquerda, um casarão do tipo “casa comprida”, classificação de<br />

Azevedo (1969, pp. 80-1), bastante deteriorado e que ainda preserva algumas características<br />

originais apenas no piso superior. À direita (figura 2), o casarão é da tipologia<br />

“casa com capela anexa”, denominação também de Azevedo (1969, p.81-2), e tinha comunicação<br />

com o templo. A edificação possui linhas da arquitetura luso-brasileira do<br />

século XVIII: planta horizontal, com dois pavimentos e fachada longa. Ainda restam das<br />

características originais: os azulejos, na fachada do piso superior; as cimalhas; o beiral e<br />

os vãos com arco pleno no pavimento superior.<br />

Figura 2 – A capela e os casarões.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

13<br />

Gênero da pintura que se desenvolveu entre os séculos XVI e XVIII e que consiste na representação de elementos<br />

e ornamentos próprios da arquitetura num trabalho figurativo, geralmente realizado em murais, com o objetivo<br />

de criar u m efei to ilus ório. Dispon ível em:. Acesso em: 28 fev. 2010.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


17<br />

A data de construção da edificação à direita é desconhecida. Alexandre Ferreira<br />

(1784), ao descrever as residências existentes em Belém, faz referência a uma que pode<br />

ser essa em questão: “Das mais antigas, [...] as sofríveis eram a de Ambrósio Henriques,<br />

a do vigário geral, a do coronel Manoel Joaquim Pereira de Sousa Feio [...]”, embora,<br />

hoje, apresente a fachada azulejada 14 , característica já do século XIX.<br />

Segundo Mello Júnior (1973), em 1970, o casarão foi bastante alterado no pavimento<br />

térreo. Em 1991, sofreu sua maior descaracterização quando foram retirados os<br />

azulejos portugueses da fachada do pavimento térreo e alterados os vãos das portas,<br />

inclusive os arcos, outrora abatidos e, hoje, com vergas retas.<br />

A fachada da capela tem pano 15 único e possui, no centro, uma portada e um vão<br />

de janela acima, ambos com arco abatido. Essa tipologia de fachada tem semelhança<br />

com as da Capela do Palácio dos Governadores e da Igreja de São João, projetos de Landi<br />

para Belém.<br />

Comparando a Capela Pombo e a Capela do Palácio dos Governadores é importante<br />

ressaltar que, no primeiro caso, a fachada da capela é destacada da do sobrado e<br />

suntuosa em contraste à simplicidade dele. Ao contrário, a dos Governadores tem fachada<br />

bastante discreta e totalmente integrada à fachada lateral do palácio.<br />

As dimensões da capela são modestas – “a menor das capelas [...] de Belém”<br />

(TOCANTINS, 1987, p.266) –, ao compará-la com outras existentes na cidade. Sua planta<br />

é retangular com nave 16 única e sacristia na área posterior (figura 3).<br />

Figura 3 – Planta baixa da capela.<br />

Fonte: adaptado de BRAGA (1998, p. 76).<br />

14<br />

Segundo Robert Smith, esses azulejos são datáveis de cerca de 1890 e têm padrão da fábrica de Santo Antônio<br />

do Vale da Piedade (MENDONÇA, 2003a, p. 507).<br />

15<br />

O pano é a superfície plana de uma fachada ou retábulo.<br />

16<br />

Nave sf (lat nave) [...] 2 Parte interior da igreja, desde a entrada até o santuário. 3 Espaço longitudinal, entre<br />

fileiras de colunas, que sustentam a abóbada de uma igreja. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/<br />

moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=nave. Acesso em: 28 fev 2010.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


18<br />

O prédio apresenta, na parede posterior, duas portas que ladeiam o altar-mor e dão<br />

acesso a uma pequena área, hoje, desocupada e, antes, utilizada como sacristia. Segundo<br />

Pombo (1952/53, p.111-2), “[p]or atraz do altar fica a sacristia que se comunica com a capela<br />

por duas portas, uma das quais preparada para servir de confessionário; quando fechada,<br />

fica o sacerdote na sacristia e o penitente na capela”. Tal adaptação da porta, não mais existe.<br />

O retábulo, ladeado por duas aberturas, é uma tipologia que pode ser vista em<br />

outros trabalhos de Landi como: na Capela do Palácio dos Governadores e no salão dos<br />

Pontificais da Igreja da Sé, em Belém e nos desenhos para as capelas tumular do Governador<br />

Ataíde Teive e de Santa Rita de Cássia, ambas em Belém, e para o altar lateral da<br />

igreja matriz, em Barcelos. Essa é a característica que confirmaria ser de Landi a autoria<br />

do projeto para a capela.<br />

A capela possui um balcão 17 , espécie de coro (figura 4), localizado sobre a porta<br />

principal. O acesso a essa parte do edifício era feito a partir da casa e se dava por uma<br />

porta, hoje, fechada. O balcão, com balaustrada e piso de madeira, era utilizado pela<br />

família e amigos, e o povo e os escravos ficavam na nave. Tocantins (1987, p. 266) diz, a<br />

respeito desse espaço: “[...] a área foi suficiente para adotar a solução de um coro, à<br />

semelhança das capelas dos palácios de Portugal [...]”.<br />

Figura 4 – Balcão com a porta de acesso à residência.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

A fachada tem tipologia simétrica (figura 5) e lembra uma composição retabular,<br />

ou seja, as formas remetem a um retábulo. Suas linhas gerais são essencialmente tardobarrocas,<br />

observadas pelos elementos arquitetônicos movimentados, como as volutas;<br />

pelo uso da linha curva 18 associada à linha reta de forma elegante; pelo uso livre das<br />

ordens arquitetônicas; e pela sobreposição de elementos escultóricos como rosetas e<br />

bossagens, colunas e pilastras.<br />

17<br />

Desde tempos antigos a música faz parte das cerimônias religiosas. Isso explica muitas igrejas serem providas de<br />

balcões para os corais e órgãos. A posição elevada melhorava a acústica e dava um efeito celestial (Organs and<br />

Cantoria). Disponível em: www.romeartlover.it/Organs.html. Acesso em: 28 fev. 2010 (tradução livre do autor).<br />

18<br />

A linha curva adquiriu, desde a Idade Média, o sentido de elevação da vida moral. No barroco, sendo mais livre,<br />

é mais propícia para expressar e gerar emoções, o que justifica o seu grande uso nesse período, não apenas na<br />

decoração, mas na própria estrutura arquitetônica (SOBRAL, 1986, p. 116).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


19<br />

A fachada é emoldurada por pilastras assentadas sobre pedestal elevado e arrematadas<br />

por entablamento ornado com tríglifos intercalados com rosetas (figura 5 - det.<br />

3). Acima do friso, há uma fileira de dentículos (figura 5 - det. 4). Coroa a fachada, um<br />

corpo central ladeado por volutas. O corpo tem frontão em arco, ladeado de segmentos<br />

de reta. Lateralmente, há trechos de frontões seccionados que coroam as pilastras e,<br />

sobre estes, vasos 19 do tipo fogaréu (figura 5).<br />

A portada, central, é encimada por um elemento decorativo composto por volutas<br />

e concha 20 (figura 5 - det. 6). Sobre esta, há um frontão triangular arrematado por<br />

dois segmentos de reta laterais, apoiados em mísulas sob a forma de volutas vistas de<br />

frente e de lado (figura 5 - det. 2). Acima desse frontão, abre-se a janela com guardacorpo<br />

de balaústres, ladeada por pilastras assentadas em bases de perfil arredondado e<br />

decoradas com folhas de acanto (figura 5 - det. 1). Os fustes das pilastras são decorados<br />

com bossagens 21 em forma de estrelas e anéis (figura 6 - det. 5) idênticos a elementos<br />

das cenografias dos Bibiena.<br />

Figura 5 – Fachada da capela e detalhes dos ornamentos.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

19<br />

O uso constante de vasos na decoração dos templos deve-se, principalmente, ao seu sentido esotérico. O vaso<br />

está ligado à simbologia da fecundidade – o útero. O vaso representa, portanto, um depositário da vida, o<br />

tesouro da vida espiritual (SOBRAL, loc. cit.).<br />

20<br />

“A concha [...] participa do simbolismo da fecundidade [...]. No cristianismo, a concha é associada ao batismo,<br />

que purifica a alma, fecundando-a de graças e tornando-a digna do reino de Deus” (SOBRAL, op. cit., p. 115).<br />

21<br />

s.f. Arquitetura. parte saliente de pedra bruta ou talhada, deixada propositadamente numa parede ou numa<br />

coluna para receber escultura ou servir de ornamento. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2010).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


20<br />

Alguns elementos presentes nessa fachada podem ser encontrados em outras<br />

obras de Landi como: o elemento central do frontão superior que pode ser visto na pintura<br />

de quadratura dos altares laterais da Igreja de São João, em Belém e no projeto para a<br />

fachada da Igreja Paroquial de Cametá, no Pará; e o frontão triangular sobre a porta de<br />

entrada, encontrado na tribuna da Capela do Palácio dos Governadores, em Belém.<br />

O interior da capela obedece às mesmas linhas da fachada, em sua maioria tardo-barrocas.<br />

As paredes são emolduradas por painéis de argamassa e coroadas por<br />

frisos. As laterais têm pilastras sobre pedestais arredondados. Essas pilastras dividem<br />

as paredes laterais em três setores, sendo o central (figura 6) tomado por um painel<br />

moldurado e enquadrado com arco pleno, coroado com segmentos de frontão e pedra<br />

de fecho que apoia uma peanha, hoje, não mais utilizada. Sobre esse painel, há uma<br />

janela-nicho falsa, encimada por segmentos de frontão em arco, tendo, ao lado, segmentos<br />

de reta. Há ainda um elemento aconcheado e uma flor que lembra uma rosa,<br />

símbolo mariano.<br />

Figura 6 – Pano central das paredes laterais.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

Para Mendonça (2003a, p. 508), na parede lateral direita, haveria, originalmente,<br />

uma porta de comunicação com o piso térreo da residência, o que nos parece pouco<br />

provável, pois não há sinais de fechamento desse vão. Leandro Tocantins (1987, p. 266)<br />

também faz referência a uma porta na nave da capela que servia de acesso à residência,<br />

sem, entretanto, precisar sua localização. Teixeira (1998, p. 38) faz alusão à porta de<br />

comunicação com a senzala que teria sido fechada em 1973, por ocasião de uma reforma,<br />

não fornecendo maiores informações quanto a isso.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


21<br />

Hoje, o interior, assim como a fachada, é pintado de branco, diferente do passado,<br />

segundo informação do jornal “A Palavra” 22 , no qual o autor diz: “Entramos e...<br />

pasmamos com a limpeza! As paredes caiadas, com frisos amarelos [...]”.<br />

Assim como na fachada, detalhes aconcheados também existem no interior, nos<br />

acabamentos das molduras das portas (figura 7) e nas paredes laterais (figura 8).<br />

Figura 7 – Detalhes aconcheados.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

Figura 8 – Detalhes aconcheados.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

“[N]a parede da frente, ao lado da porta de entrada existe uma pia para água<br />

benta” (POMBO, 1952/53, p.111-2), essa peça ainda está presente hoje, apesar de deteriorada<br />

pelo tempo.<br />

As imagens de santos existentes na capela são recentes. As originais, em parte,<br />

foram devastadas por cupins e outras estão em poder da família. A imagem do Senhor<br />

Morto que ficava no altar e que, por anos, ficou desaparecida, foi recuperada e faz parte<br />

do acervo do Museu de Arte Sacra do Pará.<br />

22<br />

RELÍQUIA [...], 1949, p. 1.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


22<br />

Um simétrico retábulo de argamassa existe na parede posterior à entrada. Tem<br />

linhas tardo-barrocas, observadas pelo uso livre das ordens clássicas, conjugadas a elementos<br />

cenográficos de influência bibienesca.<br />

O retábulo (figura 9) é marcado por pilastras sobrepostas de capitel jônico e<br />

fuste estriado sobre bases de seção arredondada. As pilastras são coroadas por volutas<br />

que convergem para o centro da composição.<br />

Na área central do retábulo, há um nicho raso, com peanha, encimado por elementos<br />

florais e figura angelical 23 (figura 9 - det. 2), ladeado por pilastras com fustes<br />

adornados com escamas apostas, bases em formato de volutas e rematadas por placas<br />

de volutas convergentes (figura 9 - det. 4), que servem de apoio a capitéis jônicos dos<br />

quais pendem grinaldas de flores. Importante ressaltar aqui que as placas de volutas<br />

convergentes são elementos característicos do trabalho dos Bibiena, mestres de Landi.<br />

No interior do nicho, há elementos decorativos de argamassa. Abaixo desse, existe um<br />

elemento composto por volutas ascendentes e descendentes (figura 9 - det. 5). Na<br />

parte mais alta da composição, há um resplendor com a pomba do Espírito Santo ao<br />

centro (figura 9 - det. 3). Acima do resplendor, há uma cártula com elementos aconcheados,<br />

que adornam um monograma mariano (figura 9 - det. 1). Cártula e monograma são<br />

arrematados por uma figura angelical e ladeados por volutas ascendentes.<br />

Figura 9 – Altar-mor da capela e detalhes dos ornamentos.<br />

Fonte: Domingos Oliveira, 2009.<br />

23<br />

Na decoração da arquitetura barroco-religiosa, o uso dos anjos é comum e se enquadra como elemento de<br />

composição embora nem sempre representado segundo o simbolismo das hierarquias angelicais da arte<br />

medieval, o que, muitas vezes, faz confundir anjos cristãos com Amores ou Cupidos da mitologia greco-romana<br />

(SOBRAL, 1986, p. 116).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


23<br />

Muitos dos elementos do retábulo são encontrados em outras obras landianas.<br />

Por exemplo, o conjunto formado pelo resplendor com a pomba do Espírito Santo pode<br />

ser visto na pintura de quadratura do altar-mor da Igreja de São João e no altar-mor da<br />

Capela da Ordem Terceira do Carmo, além de ser notado também nos projetos do altarmor<br />

e da Capela do Santíssimo, da Igreja da Sé, todos em Belém. As placas de volutas<br />

convergentes podem ser vistas também no altar-mor da Igreja de Sant’Ana e no da<br />

Igreja da Ordem Terceira do Carmo e no átrio da sala dos pontificais, na Sé, todas em<br />

Belém. As guirlandas de flores, recorrentes nos projetos landianos, podem ser observadas<br />

na pintura de quadratura do altar-mor da Igreja de São João e no projeto para a<br />

Portada da Alfândega, edifício não construído, ambos em Belém.<br />

Importante é observar que o trabalho de Landi apresenta, paralelamente, as<br />

duas correntes do barroco tardio, a de tendência classicizante e a de influência borromínica,<br />

que caracterizavam a arquitetura de Roma naquela época, como faz referência<br />

Oliveira (2003, p. 136):<br />

Se a vertente classicizante inscreve-se diretamente no contexto de<br />

sua formação na Academia Clementina de Bolonha, a sedução dos<br />

temas borromínicos, ao que tudo indica, poderia estar relacionada<br />

com a breve estadia em Lisboa entre 1750 e 1755, à espera do embarque<br />

para a Amazônia.<br />

Para Braga (1998, p.129), pelas influências que sofreu, Landi se utilizou de informações<br />

do vocabulário do tardo-barroco italiano associadas, às vezes, a elementos de<br />

influência portuguesa em composições simples, sem muitos ornatos, possivelmente,<br />

pela carência de materiais na região, o que pode, certamente, ter limitado o resultado<br />

final da obra no que diz respeito aos elementos ornamentais.<br />

6 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

A Capela Pombo é um monumento de singular importância para a arquitetura,<br />

para a história, para a arte, para a cultura da cidade de Belém. Esse artigo reforça sua<br />

importância e visa colaborar para ratificar a necessidade de sua preservação e consequente<br />

requalificação de seu entorno.<br />

Sob o ponto de vista da arquitetura, o bem precisa ser valorizado por ser o único<br />

exemplar de capela particular, proveniente do século XVIII, ainda existente na cidade.<br />

Sob o ponto de vista artístico, é importante frisar que o monumento reúne, em uma área<br />

reduzida, características estilísticas, ligadas ao tardo-barroco. Sob o ponto de vista da<br />

história, o edifício faz parte de uma área de ocupação inicial de Belém, a Campina, portanto<br />

é referência de um período significativo de formação da cidade. Além disso, os indícios<br />

de ser uma obra produzida pelo arquiteto italiano Landi dão a ela um valor imensurável.<br />

As pequenas dimensões do edifício, o desconhecimento de sua existência por<br />

parte da população, o fato de estar perdida no emaranhado de elementos visuais do<br />

seu entorno, ser encaixada entre residências e suas condições precárias de conservação,<br />

podem ser os responsáveis pelo esquecimento pelo qual passa o edifício.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 9-26, dez. 2010


24<br />

Considerando as singulares características arquitetônicas e artísticas da edificação<br />

e seu valor histórico, é importante gerar a dispersão dos conhecimentos sobre a<br />

mesma, como forma de registro do período de formação da cidade, além de possibilitar<br />

revelar valores artísticos e culturais a ela intrínsecos.<br />

As já citadas reduzidas dimensões e a delicadeza de suas formas podem servir<br />

de diferencial para sua revalorização. Redescobrir esse bem e revelá-lo à comunidade,<br />

ampliando seu uso, hoje reduzido, mostrando a importância do mesmo, pode, então,<br />

ser o meio através do qual sua valorização pode ser alcançada e, a partir de sua singularidade,<br />

tornar-se um ponto de atração na área.<br />

Com relação à autoria de seu projeto, atribuída a Landi, nada pode ser confirmado,<br />

porém, a partir das comparações com outras obras do arquiteto, não há como negar<br />

que há muitas semelhanças com as tipologias e os elementos utilizados por ele em seus<br />

trabalhos. E, sabendo-se ser o italiano o único arquiteto conhecido na região à época, é<br />

inevitável a ele atribuir sua autoria. Entretanto não é totalmente descartável a possibilidade<br />

de ter o arquiteto feito discípulos e de um desses ter vindo tal obra, embora os<br />

documentos silenciem quanto a isso e sua execução seja característica de mãos com<br />

formação apurada.<br />

Contudo, independente da autoria de seu projeto arquitetônico, o bem por si só já<br />

acumula, como é visto ao longo deste trabalho, qualidades que lhe conferem importância.<br />

O monumento está, hoje, em condições físicas que inspiram cuidados. Medidas<br />

preservacionistas precisam ser tomadas de forma imediata, no sentido de tirá-lo do<br />

estado de abandono físico em que se encontra e evitando que mais um bem seja perdido<br />

do patrimônio da cidade.<br />

Várias são as maneiras de entender o monumento, várias as interpretações.<br />

Muitos são os significados que possui frente a seus usuários. A capela, apesar da falta de<br />

maiores cuidados, continua viva e escrevendo a história da travessa Campos Sales, do<br />

bairro do Comércio, da cidade de Belém. Porém, quanto maior seu uso, maior seria sua<br />

participação na construção dessa história para as gerações futuras.<br />

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27<br />

ANÁLISE <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO LOGÍSTICO DAS CA<strong>DE</strong>IAS PRODUTIVAS<br />

<strong>DE</strong> PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MA<strong>DE</strong>IREIROS ORIUNDOS<br />

DA REGIÃO AMAZÔNICA<br />

André Cristiano Silva Melo *<br />

Bruna Brandão Moreira **<br />

Evander Dayan de Mattos Alencar ***<br />

RESUMO<br />

Os produtos florestais não madeireiros (PFNM) são cada vez mais utilizados como matéria-prima<br />

destinada à produção dos chamados bioprodutos. Dessa forma, na Amazônia,<br />

emergem como real possibilidade de uso sustentável dos recursos da biodiversidade.<br />

Nesse panorama, o presente estudo consolida-se por meio de levantamento bibliográfico<br />

e entrevistas, com representantes de bioindústrias localizadas na Região Metropolitana<br />

de Belém, com o objetivo de analisar os fatores-chave de desempenho logístico das<br />

cadeias produtivas de PFNM amazônicos. Assim, são identificadas as principais restrições<br />

logísticas que cerceiam a agregação de valor a tais produtos, bem como aos processos<br />

envolvidos nas cadeias produtivas da biodiversidade amazônica. Também são propostos<br />

investimentos e novas articulações entre os atores envolvidos no contexto.<br />

Palavras-chave: Cadeias Produtivas. Logística. Produtos Florestais Não Madeireiros.<br />

LOGISTICS PERFORMANCE ANALYSIS OF PRODUCTIVE CHAINS<br />

RELATED TO AMAZONIAN NON-TIMBER FOREST PRODUCTS<br />

ABSTRACT<br />

Non-Timber Forest Products (NTFP) are increasingly used as feedstock for the production<br />

of so-called bioproducts. Thereby, they emerge as a real possibility of sustainable use of<br />

amazonian biodiversity. In this scenario, this paper is based in literature survey and interviews<br />

with representatives of bioindustries located in the metropolitan area of Belem, in<br />

order to analyse logistics performance key factors related to productive chains of amazo-<br />

*<br />

Professor e coordenador do curso de Engenharia de Produção - Universidade da Amazônia - <strong>Unama</strong>; professor<br />

do curso de Engenharia de Produção da Universidade do Estado do Pará - Uepa e coordenador do Núcleo Integrado<br />

de Logística e Operações - NILO. E-mail: acsmelo@yahoo.com.br<br />

**<br />

Estudante de graduação em Engenharia de Produção da Universidade do Estado do Pará - Uepa; membro do<br />

Núcleo Integrado de Logística e Operações - NILO. E-mail: brunabbm@hotmail.com<br />

***<br />

Estudante de graduação em Engenharia de Produção da Universidade do Estado do Pará - Uepa; membro do<br />

Núcleo Integrado de Logística e Operações - NILO. E-mail: alencar.eng@gmail.com<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


28<br />

nian NTFP. Thus, the main logistics constraints related to products and processes valueadded<br />

are identified. Besides, investments and new connections between actors involved<br />

are Proposed.<br />

Keywords: Productive Chains. Logistics. Non-Timber Forest Products.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Bastante valorizados e com diversas possibilidades de uso em bioindústrias, os<br />

Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM) são cada vez mais utilizados como matéria-prima<br />

destinada à produção dos chamados bioprodutos e, dessa forma, emergem<br />

como real possibilidade ao uso sustentável dos recursos da biodiversidade amazônica,<br />

de maneira a contribuir, por exemplo, para a geração de renda às comunidades organizadas<br />

nas florestas da Amazônia.<br />

Existem, todavia, consideráveis aspectos condicionantes a ser superados para<br />

que, de fato, os empreendimentos que utilizam como fonte esses recursos naturais<br />

consolidem-se em bases sustentáveis.<br />

A logística da Região Amazônica torna-se um dos maiores desafios ao desempenho<br />

das cadeias produtivas de PFNM. Ressaltem-se, nesse sentido, gargalos em termos<br />

de infraestrutura de transporte, comunicação, instalações para armazenagem, complexidade<br />

de gestão dos estoques, além da carência de capacitação técnica e organizacional<br />

das comunidades. Fatores esses que evidenciam a necessidade de estudos que<br />

abordem aspectos referentes à competitividade e sustentabilidade das cadeias produtivas<br />

da biodiversidade amazônica.<br />

A presente pesquisa consolida-se por meio de levantamentos bibliográficos e<br />

entrevistas com representantes de bioindústrias localizadas na Região Metropolitana<br />

de Belém, de forma a viabilizar a análise de fatores-chave de desempenho logístico<br />

relacionados às cadeias produtivas de PFNM oriundos da Amazônia. Dessa forma, identificam-se<br />

as principais restrições logísticas que cerceiam a agregação de valor a produtos<br />

e processos envolvidos nessas cadeias produtivas e propõem-se investimentos,<br />

bem como novas articulações entre atores envolvidos no contexto.<br />

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />

2.1 FATORES-CHAVE <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO LOGÍSTICO<br />

Rodríguez et al (2008) ressaltam que “a luta acirrada pelos melhores clientes e a<br />

tentativa de se relacionar com os melhores fornecedores faz com que áreas antes consideradas<br />

periféricas na gestão empresarial passem a ser significativas.” Conforme os<br />

mesmos autores, “uma dessas áreas é a logística, que deixou de ser responsável apenas<br />

por transportar mercadorias (um centro de custos), e passou a ser determinante para o<br />

sucesso de muitas organizações, (um centro de lucro) agregando valor aos produtos.”<br />

Dessa forma, a logística trata da criação de valor manifestado primariamente em<br />

termos de tempo e lugar para os clientes e fornecedores de uma empresa e para todos<br />

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29<br />

aqueles que têm nela interesse direto. Ballou (2006) justifica tal proposição ao argumentar<br />

que “produtos e serviços não têm valor a menos que estejam em poder dos<br />

clientes quando (tempo) e onde (lugar) eles pretenderem consumi-los.”<br />

Destaque-se que a importância da logística no gerenciamento de uma cadeia<br />

produtiva pode, também, ser evidenciada por meio de suas modernas definições, uma<br />

das quais é registrada abaixo:<br />

Logística é o processo de planejar, implementar, controlar e analisar<br />

criticamente [ ...] a movimentação e o ar mazenamento de matériaprima,<br />

estoque em processo e produto acabado, de forma eficiente,<br />

eficaz e efetiva, com os custos razoáveis, através dos fluxos de materiais,<br />

informações, financeiros e reversos, desde o ponto de origem<br />

(fornecedores) até o ponto de consumo (clientes), com propósito de<br />

atender aos níveis estratégicos de serviços estabelecidos, inclusive<br />

o pós-venda, levando em consideração os aspectos de responsabilidade<br />

ética, social e ambiental. (TAPAJÓS, 2003 apud TAPAJÓS, 2008).<br />

Razzolini Filho (2006) afirma que, “[...] através da análise e avaliação de desempenho<br />

dos seus sistemas logísticos, as empresas poderão atingir seus objetivos mercadológicos<br />

e, consequentemente, sobreviver à competitividade em longo prazo.”<br />

Nesse sentido, Becker (2007) e, particularmente, Chopra & Meindl (2003) ressaltam,<br />

em suas obras, aspectos logísticos condicionantes ao desempenho de uma cadeia de<br />

suprimentos, os quais podem ser concebidos pelos fatores-chave expressos a seguir:<br />

a) Estoques: elementos reguladores entre transporte, fabricação e processamento,<br />

que são espalhados por toda cadeia de suprimentos, passando de matérias-primas<br />

para bens em processamento e, finalmente, para bens acabados mantidos por fornecedores,<br />

fabricantes, distribuidores e varejistas;<br />

b) Transporte: significa movimentação de estoques de um ponto a outro na cadeia de<br />

suprimentos, podendo ser feito de várias combinações de modos de transporte e<br />

rotas, cada uma com características particulares de desempenho, essenciais quanto<br />

ao custo, à velocidade e à segurança, agregando valor de lugar aos produtos,<br />

sejam estes bens, serviços ou bens combinados a serviços;<br />

c) Instalações: são locais na rede da cadeia de suprimentos onde o estoque é armazenado,<br />

montado ou fabricado; e, qualquer que seja a função das instalações, as<br />

decisões a respeito de localização, flexibilidade, capacidade de armazenamento e<br />

produção das mesmas influenciam significativamente o desempenho de uma cadeia<br />

de suprimentos;<br />

d) Informação: esse fator-chave envolve sistemas e tecnologias de informação, os<br />

quais, por sua vez, englobam recursos humanos, tecnológicos e organizacionais<br />

que agregam valor de qualidade e desempenho, mobilizando e disponibilizando<br />

dados, informações e conhecimento à cadeia de suprimento, de modo a viabilizar<br />

comunicação, monitoramento e controle acerca de estoques, transporte, instalações,<br />

custos e clientes.<br />

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30<br />

Ratifique-se, diante desses aspectos, que a análise de um sistema logístico,<br />

deve, também, fundamentar-se no nível de serviço proposto aos clientes e, consequentemente,<br />

nos custos logísticos inerentes às decisões relacionadas aos processos<br />

de negócios desenvolvidos na cadeia de suprimentos.<br />

Ballou (1993) ressalta que o nível de serviço logístico é o resultado líquido de<br />

todos os esforços logísticos oferecidos pelos fornecedores aos seus clientes no atendimento<br />

dos pedidos. O autor conclui, ainda, que, como o nível de serviço está associado<br />

aos custos de prover esse serviço, o planejamento da movimentação de produtos e<br />

serviços deve iniciar-se com as necessidades de desempenho dos clientes.<br />

Do ponto de vista da logística, o cliente é a entidade à porta de qualquer destino<br />

de entrega e, independentemente da finalidade da entrega, o cliente é o foco e a força<br />

motriz para o estabelecimento dos requisitos do desempenho logístico. (BOWERSOX &<br />

CLOSS, 2001)<br />

Segundo Bowersox & Closs (2001), em algumas situações, o cliente é uma organização<br />

ou um indivíduo que toma posse do bem ou serviço entregue; em outras situações,<br />

o cliente é uma instalação diferente da mesma empresa ou um parceiro comercial<br />

situado em alguma outra parte da cadeia de suprimentos.<br />

Um empreendimento consegue, portanto, garantir seu sucesso empresarial à<br />

medida que entrega ao cliente o produto ou serviço, de modo que ele possa perceber<br />

claramente o seu valor. (KATO, 2003).<br />

De acordo com Kato (2003) para garantir esse sucesso, os estudos relacionados<br />

aos sistemas logísticos têm alcançado grande importância estratégica, onde novos conceitos<br />

têm ampliado os horizontes de atuação dos empreendimentos com merecido<br />

destaque em todo o mundo.<br />

3 PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MA<strong>DE</strong>IREIROS ORIUNDOS DA BIODIVERSIDA<strong>DE</strong> AMAZÔNICA<br />

“Em nenhum lugar do mundo existem mais espécies de animais e de plantas do<br />

que na Amazônia, tanto em termos de espécies habitando a região como um todo (diversidade<br />

gama), como coexistindo em um mesmo ponto (diversidade alfa).” (MPEG, 2010).<br />

“A riqueza da flora compreende aproximadamente 30.000 espécies, cerca de<br />

10% das plantas de todo o planeta [...] São cerca de 5.000 espécies de árvores, enquanto<br />

na América do Norte existem cerca de 650 espécies de árvores.” (MPEG, 2010).<br />

Estudos da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e<br />

Cosméticos ABIHPEC (2004) identificam grandes demandas, no mercado nacional e internacional,<br />

por produtos cujos princípios ativos são componentes oriundos de recursos<br />

vegetais da biodiversidade, e atribuem as referidas demandas, principalmente, à(s):<br />

a) Queda no uso de insumos de origem animal no mercado internacional;<br />

b) Atuais tendências de se substituir produtos sintéticos por naturais;<br />

c) 20% de a biodiversidade de todo o mundo encontrar-se no Brasil;<br />

d) Existência, somente na Amazônia brasileira, de mais de 10 mil espécies de plantas possíveis<br />

de ser utilizadas como insumos em produtos para a saúde; e<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


31<br />

e) Estímulos às etnociências como parte de uma estratégia para o país obter alguma vantagem<br />

comparativa em biotecnologia.<br />

Nesse contexto, devido sua vasta aplicabilidade em bioindústrias e pela relevância socioeconômica<br />

para as cadeias produtivas da biodiversidade amazônica, ganham grande destaque<br />

os PFNM, cuja função e relevância são abordadas a seguir:<br />

Os produtos florestais não madeireiros são bens de origem biológica,<br />

originados de florestas nativas ou de florestas plantadas e têm papel<br />

fundamental na geração de renda de populações rurais e indígenas<br />

em todo o mundo. Esses bens são de grande importância para consumo<br />

doméstico, na forma de alimentos, lenha, remédios, matéria-prima<br />

para construção de casas, dentre outros. Também são bens que<br />

contribuem para geração de renda familiar por meio da comercialização<br />

de exsudatos, folhas, frutos, raízes e sementes, além de ter um<br />

papel preponderante dentro da economia de comunidades locais.<br />

Recentemente esses produtos têm servido, inclusive, como porta de<br />

ingresso dessas comunidades em mercados mais amplos, principalmente<br />

por conta do uso de produtos extraídos desses componentes.<br />

(AN<strong>DE</strong>RSON & CLAY, 2002 apud SILVA, 2005; FAO, 2003 apud SILVA, 2005).<br />

Estabelecendo-se um recorte da economia dos produtos da biodiversidade nacional,<br />

segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2005) apud Centro<br />

de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) (2007) “[...] a produção primária florestal é<br />

de R$ 10,3 bilhões, sendo que 66,41% são de silvicultura (florestas plantadas) e 33,59%<br />

do extrativismo vegetal (produtos coletados em vegetações nativas espontâneas).”<br />

Da produção de PFNM, que alcança a soma de R$ 508,4 milhões, os mais importantes<br />

produtos são babaçu, piaçava, açaí, erva-mate, carnaúba e castanha-do-pará.<br />

Dessa forma, 89,75% do valor total da PFNM incluem seis produtos. Todos os demais<br />

produtos da biodiversidade amazônica (óleo de copaíba, andiroba, urucum, guaraná,<br />

priprioca, murumuru etc.) representam 10,25% desse valor. (CGEE, 2007).<br />

A exploração dos recursos florestais não madeireiros (ou da biodiversidade)<br />

tem seu foco principal nos produtos regionais com finalidades comerciais e industriais,<br />

no amplo espectro da crescente importância dos bioprodutos para os mercados nacionais<br />

e internacionais, como fitomedicamentos e os cosméticos em geral. (COSTA, 2007).<br />

De acordo com Soares et al (2008), atualmente, consolida-se uma consciência<br />

sobre a importância representativa que os recursos florestais assumem no âmbito da<br />

economia de países em desenvolvimento, como o Brasil, uma vez que constituem alternativa<br />

viável para superar dificuldades socioeconômicas através de sua diversidade e<br />

abundância e da gama de produtos que podem ser obtidos da floresta.<br />

A importância dos PFNM da Região Amazônica também é especialmente abordada<br />

nos estudos do CGEE (2008):<br />

O cheiro do Pará está conquistando o mercado nacional e pode, em<br />

pouco tempo, perfumar o mercado internacional (SILVA, 2000b). Vários<br />

cremes e loções com frutas e plantas típicas da floresta amazônica<br />

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32<br />

como açaí, acerola, copaíba, cupuaçu, guaraná, buriti, andiroba, estão<br />

enriquecendo sabonetes, cremes e loções da indústria de cosméticos<br />

(ZACHÉ, 2000). Respaldadas em pesquisas, as empresas de<br />

cosméticos explicam que o interesse em buscar recursos da Amazônia<br />

se bas eia nos poder es medicinais da f lora dessas r egiões . As<br />

espécies seriam r icas em substâncias que hidr atam e previnem o<br />

envelhecimento da pele.<br />

Vários empreendimentos têm procurado integrar os princípios e práticas do desenvolvimento<br />

sustentável em seu contexto de negócio, conciliando as dimensões econômica,<br />

social e ambiental da sustentabilidade no aproveitamento do potencial da biodiversidade.<br />

No entanto, este tipo de estratégia requer investimentos e capacitação em inovação, seja<br />

essa tecnológica ou organizacional, interna ou em parceria. (FERRO et al, 2006).<br />

Ainda segundo Ferro et al (2006):<br />

4 METODOLOGIA DO ESTUDO<br />

É neste contexto que se inserem, por exemplo, as atuais estratégias<br />

de algumas empresas nacionais atuantes em diferentes setores, como<br />

extratos naturais, cosméticos, perfumaria e higiene pessoal, as quais<br />

vêm procurando acompanhar e aproveitar o uso econômico da biodiversidade<br />

no desenvolvimento de novas trajetórias abertas por este<br />

mercado. É comum essas empresas desenvolverem projetos junto às<br />

comunidades locais, constituindo parcerias para, por exemplo, realizar<br />

a extração da matéria-prima por meio de planos de manejo sustentáveis<br />

e garantir a autossuficiência econômica das comunidades.<br />

Para execução do presente trabalho, foram entrevistados representantes de<br />

três bioindústrias, do ramo de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, localizadas na<br />

Região Metropolitana de Belém. Realizaram-se, ainda, levantamentos bibliográficos<br />

acerca de aspectos logísticos da Região Amazônica que limitam o desempenho logístico<br />

de atores envolvidos nas cadeias produtivas da biodiversidade nativa. A análise dos<br />

dados obtidos no desenvolvimento da pesquisa fundamentou-se em fatores-chave de<br />

desempenho logístico, de forma a registrar um panorama das cadeias produtivas de<br />

PFNM oriundos da Amazônia e identificar principais demandas por investimentos, com<br />

vistas ao desenvolvimento sustentável regional.<br />

5 ANÁLISE DOS FATORES-CHAVE <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO LOGÍSTICO<br />

5.1 TRANSPORTE<br />

Os maiores gargalos logísticos relacionados à obtenção de PFNM situam-se à<br />

montante das cadeias produtivas. As grandes distâncias dos pontos de coletas das matérias-primas<br />

aos pontos de fabricação de bioprodutos têm como agravante a carência<br />

de infraestrutura de transporte, marcante na Amazônia.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


33<br />

Os principais modais de transporte utilizados no suprimento de insumos da<br />

biodiversidade para empresas são o rodoviário e o fluvial. O primeiro é altamente afetado<br />

pelas condições das vias, as quais, em sua maioria, encontram-se em estado precário,<br />

o que se torna bastante crítico nos períodos mais chuvosos do ano.<br />

Já o modal fluvial encontra como restrições a reduzida frequência, a baixa confiabilidade<br />

e a escassez de terminais e armazéns, principalmente nas comunidades mais longínquas,<br />

retratando o subaproveitamento do potencial hidroviário da região. Tal situação evidencia,<br />

portanto, a necessidade de investimentos em multimodalidade e intermodalidade.<br />

5.2 INFORMAÇÃO: SISTEMAS E TECNOLOGIAS<br />

Limitação também bastante influente no desempenho logístico das cadeias produtivas<br />

da biodiversidade refere-se ao fluxo de informação. As comunidades coletoras<br />

dos PFNM carecem de maior grau de integração e comunicação com os outros elos da<br />

cadeia para desenvolver operações de maneira eficiente e eficaz.<br />

Neste contexto, informações imprecisas ou incorretas às bioindústrias resultam<br />

em perda de produtividade, sistemas redundantes, lentidão e correções no recebimento<br />

de matéria-prima. São necessários, portanto, investimentos em infovias que<br />

contribuam para maior velocidade no fluxo de informações, conectando todos os elos<br />

da cadeia, de modo a fornecer suporte à tomada de decisão.<br />

Usualmente, as comunidades fornecedoras desenvolvem o extrativismo com<br />

técnicas primitivas. Por isso, quanto à questão sanitária, é incidente a falta de padronização<br />

dos PFNM. Adite-se a esse fator a ausência de tecnologias adequadas e a falta de<br />

acesso ao conhecimento científico por parte das comunidades. A sazonalidade das safras,<br />

a ausência de domínio sobre os preços para comercialização dos insumos e o baixo<br />

valor agregado dos mesmos no estado bruto dificultam a obtenção de lucro com a atividade.<br />

Dessa forma, raramente essas comunidades adotam o extrativismo de forma<br />

exclusiva, o que as leva a procurar alternativas econômicas como a pecuária.<br />

Com vistas à atenuação de tais restrições, é importante a organização dos produtores<br />

em associações ou cooperativas, as quais contem com apoio de empreendimentos<br />

que viabilizem capacitação organizacional e administrativa, aumentando as<br />

possibilidades de auferir ganhos com a extração de insumos da biodiversidade.<br />

Outro importante passo para a valorização dos recursos da biodiversidade é a<br />

certificação florestal, haja vista que oferece maior credibilidade às comunidades e às<br />

empresas quanto ao manejo de PFNM e às práticas sustentáveis. O Instituto de Manejo<br />

e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA, 2009) ressalta que os principais benefícios<br />

da certificação para o mercado são: i) diferenciação do produto; acesso a novos mercados<br />

e manutenção dos atuais; ii) maior propensão a teste de novos produtos; e iii)<br />

possibilidade de preços diferenciados.<br />

Segundo a Associação Brasileira da Indústria Fitoterápica (ABIFITO) apud Enriquez<br />

(2008), devido à falta de uma legislação adequada para os produtos à base de<br />

plantas medicinais, as indústrias de fitoterápicos e de produtos de origem vegetal sofrem<br />

diversas punições que vão desde a apreensão dos produtos nas prateleiras das<br />

lojas e farmácias até a difamação do setor.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


34<br />

Enriquez (2008) ressalta, ainda, que, em decorrência da carência de regulamentação<br />

clara sobre o tema, crescem de forma considerável, as patentes estrangeiras sobre<br />

os produtos das cadeias produtivas da biodiversidade nacional, os quais, entretanto,<br />

já são conhecidos há tempos pelos povos tradicionais.<br />

Nesse contexto, como investimento na proposta de melhor aproveitamento do<br />

conhecimento tradicional das populações nativas da Região Amazônica, órgãos de fomento<br />

devem viabilizar o suporte técnico-científico de instituições de pesquisa regionais<br />

ou nacionais para que sejam viabilizados estudos que comprovem a eficácia dos<br />

princípios ativos oriundos dos “insumos da Amazônia” utilizados na composição dos<br />

bioprodutos, de forma a nortear atividades de bio­prospecção.<br />

Gonçalves et al (2009) afirmam que a comprovação da eficácia destes produtos é<br />

de suma importância para o mercado consumidor, que deseja ver concretizado o apelo<br />

de venda que o impulsiona para o ato da compra, com ênfase na comprovação científica<br />

dos reais benefícios propostos por essas formulações.<br />

5.3 INSTALAÇÕES<br />

Outro fator-chave nas cadeias produtivas da biodiversidade são as instalações,<br />

principalmente as relacionadas ao armazenamento de matérias-primas, haja vista que,<br />

perecíveis, necessitam de condições de armazenamento próprias, nem sempre seguidas.<br />

As instalações destinadas à produção dos bioprodutos localizam-se, em sua<br />

maioria, nos centros urbanos e são pertencentes às indústrias atuantes no ramo, isto é,<br />

atualmente a maioria das comunidades extrativistas limita-se à extração da matériaprima,<br />

o que restringe a agregação de valor aos referidos produtos nesse elo da cadeia.<br />

As instalações mais à jusante da cadeia de suprimentos, e, consequentemente,<br />

mais próximas aos clientes finais das bioindústrias estão relacionadas ao atacado e<br />

varejo tradicionais, além de lojas especializadas (franquias). Ressalte-se, aqui, ainda, a<br />

redução de custos logísticos referentes a instalações nos casos das vendas domiciliares<br />

(diretas), ou no contexto do e-commerce, tendências atuais.<br />

5.4 ESTOQUES<br />

A economia extrativista apresenta limitações quanto ao crescimento do mercado,<br />

decorrente da tensão na oferta, que não consegue suprir a demanda, e que, por sua<br />

vez, é regida pela existência fixa de estoques naturais. (HOMMA, 2008).<br />

Nas cadeias produtivas da biodiversidade amazônica, a gestão dos estoques<br />

naturais de PFNM, torna-se ainda mais complexa em decorrência da sazonalidade das<br />

safras, da perecibilidade dos produtos, dificultando a rastreabilidade desses insumos.<br />

As incertezas decorrentes dos referidos fatores afetam as previsões de suprimento e o<br />

planejamento das bioindústrias estudadas.<br />

Dessa forma, devido à falta de estoques, não raramente, as bioindústrias passam<br />

por problemas que cerceiam o estabelecimento de níveis de serviço mais elevados<br />

aos seus clientes. No presente estudo, os representantes das organizações pesquisadas<br />

relataram, como principais problemas decorrentes das restrições supracitadas, a<br />

parada na produção, as perdas de venda e o atraso nas entregas acertadas com clientes.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


35<br />

Os fornecedores de PFNM atribuem, por sua vez, como principais motivos ao<br />

não atendimento da demanda das bioindústrias a escassez de estoques naturais, a sazonalidade<br />

da atividade extrativista; além de problemas com produção (mão de obra,<br />

ferramentas e máquinas).<br />

6 CONCLUSÕES<br />

Em termos de sustentabilidade e competitividade para as cadeias produtivas da<br />

biodiversidade amazônica, é imprescindível a execução de ações voltadas à promoção<br />

de infraestrutura logística mais adequada, especialmente às populações tradicionais<br />

que se situam mais a montante, no embrião desta cadeia produtiva, atuando como<br />

fornecedores de PFNM, para que essas comunidades, de fato, passem a obter ganhos<br />

expressivos e, dessa forma, desenvolvam-se econômica e socialmente.<br />

Todavia, é fundamental, também, a organização dessas comunidades extrativistas<br />

em associações ou cooperativas, para que possam pugnar por seus direitos nas relações com<br />

os outros atores da cadeia, de modo a constituir um elo mais forte e tornar exequíveis as<br />

medidas orientadas à capacitação técnica e organizacional, às certificações e ao apoio tecnológico<br />

por parte do governo, com vistas a comercializar os produtos em questão com valor<br />

agregado superior em comparação ao valor dos mesmos em estado bruto.<br />

Neste sentido, são importantes os investimentos em instalações próximas às<br />

comunidades as quais sejam adequadas para manutenção dos padrões de qualidade<br />

dos PFNM exigidos pelos mercados, e que se destinem não somente à estocagem dos<br />

produtos no estado bruto, mas, conforme ressaltado, agreguem valor, como, por exemplo,<br />

as usinas de beneficiamento.<br />

Investimentos direcionados à melhoria das condições da infraestrutura de transporte<br />

na região também reduzirão consideravelmente custos logísticos desse componente<br />

de desempenho, os quais, notadamente, representam a maior parte do custo<br />

logístico total das cadeias produtivas. A viabilização da multimodalidade e da intermodalidade<br />

do transporte na Região Amazônica representa o aproveitamento do potencial<br />

hidroviário dos seus rios, a maior integração na região e o desenvolvimento de localidades<br />

litorâneas e ribeirinhas.<br />

Como consequência das ações acima propostas, a gestão dos estoques, importante<br />

fator condicionante de um sistema logístico, será, também, otimizada, uma vez<br />

que restrições como os elevados prazos para entrega de matérias-primas e as informações<br />

imprecisas ou incorretas serão atenuadas e, assim, a previsão do suprimento e o<br />

planejamento da produção apresentarão menores margens de erro.<br />

As bioindústrias, cada vez mais, ressaltam a adoção de políticas de responsabilidade<br />

social e ambiental nas comunidades extrativistas com as quais se relacionam comercialmente,<br />

enfatizando que suas articulações contribuem para o desenvolvimento<br />

sustentável da Região Amazônica. Ressalte-se, nesse contexto, a importância da utilização<br />

de insumos oriundos da biodiversidade não apenas como marketing para as organizações<br />

que produzem e comercializam bioprodutos, mas, especialmente, como forma<br />

de promoção da sustentabilidade, nos âmbitos social, econômico e ambiental.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 27-37, dez. 2010


36<br />

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38<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 29-42, jun. 2010


39<br />

O USO <strong>DE</strong> RECICLAGEM <strong>DE</strong> PAVIMENTOS, COMO ALTERNATIVA<br />

PARA O <strong>DE</strong>SENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM OBRAS<br />

RODOVIÁRIAS NO BRASIL<br />

Clauber Costa, MSc. *<br />

Wandemyr Filho, MSc. **<br />

RESUMO<br />

A necessidade da implantação de empreendimentos na área de engenharia e a constatação<br />

de sua viabilidade, segundo critérios técnicos e econômicos, sempre foram suficientes<br />

para a tomada de decisões nessa área. Neste sentido, os danos ambientais<br />

decorrentes dessas atividades foram considerados por muitos anos uma conseqüência<br />

natural, compensados pelos benefícios oriundos da oferta de bens e serviços. Contudo,<br />

o crescente impacto ambiental dessas atividades levou a sua regulamentação, destacando-se<br />

a obrigatoriedade do desenvolvimento de estudos de impacto ambiental (EIA)<br />

e o respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA), em atendimento à Resolução<br />

CONAMA nº 001/86, de 23 de janeiro de 1986. Desta forma, o gerenciamento ambiental<br />

em obras rodoviárias federais brasileiras, tomou grande impulso nas últimas décadas.<br />

Este trabalho tem como objetivo identificar as vantagens da aplicação de técnicas de<br />

reciclagem de pavimentos, como forma de minimizar os impactos ambientais causados<br />

por obras de restauração e/ou recuperação de rodovias federais brasileiras.<br />

Palavras-chave: Reciclagem de pavimentos. Desenvolvimento sustentável. Meio ambiente.<br />

ABSTRACT<br />

USE THE RECYCLING OF PAVEMENTS, AS ALTERNATIVE FOR<br />

SUSTAINABLE <strong>DE</strong>VELOPMENT IN ROAD WORKS IN BRAZIL<br />

The need for the establishment of ventures in the engineering and realization of its viability,<br />

according to technical and economic criteria, were always sufficient for making decisions in<br />

this area. In this sense, environmental damage from these activities were considered for<br />

many years an outgrowth, offset by the benefits from the availability of goods and services.<br />

However, the growing environmental impact of these activities led to its regulation,<br />

emphasizing the development of mandatory environmental impact assessment (EIA) and<br />

its environmental impact report (EIR) in compliance with CONAMA Resolution No. 001/86 of<br />

23 January 1986. Thus the environmental management in roadworks Brazilian federal,<br />

*<br />

PACS Assessoria Ltda.-Rio de Janeiro –RJ (email: clauber.costa@ibest.com.br)<br />

**<br />

WS Geotecnia Ltda – Belém - PA<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


40<br />

took great momentum in recent decades. This work aims to identify the advantages of<br />

applying techniques of pavement recycling, to minimize the environmental impacts caused<br />

by the works of restoration and recovery of the Brazilian federal roads.<br />

Keywords: Pavement recycling. Sustainable development. Environment.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A escolha brasileira pelo transporte rodoviário traz embutidas diversas conseqüências<br />

ambientais. Além do grande efeito poluidor dos gases liberados pelos escapamentos<br />

dos automóveis, há o impacto da construção das estradas que implica retirada e<br />

transferência de enormes quantidades de terra, desmatamento, alterações na forma<br />

de escoamento das águas, assoreamento de rios e expansão urbana associada e os<br />

impactos advindos da manutenção das vias.<br />

De acordo com o Banco Mundial, existem mais de 15 milhões de quilômetros<br />

de estradas pavimentadas e rodovias no mundo inteiro. Cada ano, centenas de milhares<br />

de quilômetros das mesmas requerem grandes restaurações. Os governos e as<br />

autoridades locais no mundo inteiro gastam anualmente uma quantia estimada em<br />

100 bilhões de dólares americanos no empenho de manter as rodovias funcionais e<br />

seguras. Entretanto, devido a orçamentos inadequados para o setor de transporte e<br />

ao custo elevado da restauração convencional, o acúmulo global de estradas deterioradas<br />

é significante.<br />

Pavimentos deteriorados têm como características superfícies de baixa qualidade<br />

e defeitos, como trincas, panelas e desagregação. A deterioração do pavimento é<br />

influenciada, em grande parte, por condições climáticas severas, volume intenso de<br />

tráfego e excesso de cargas, assim como pela qualidade da construção e manutenção da<br />

estrada. Essa deterioração tende a acelerar-se após vários anos de serviço, mas a recuperação<br />

oportuna com recapeamento ou reciclagem pode restaurar a serventia do pavimento<br />

e aumentar a vida útil da rodovia.<br />

A camada da superfície dos pavimentos asfálticos é composta de asfalto, um<br />

subproduto do petróleo, e agregado mineral, mistura de rocha de qualidade e areia. Em<br />

diversas regiões do mundo, estes materiais estão escassos, tornando-os mais caros.<br />

Durante décadas, os responsáveis pela pavimentação têm tentado diversos métodos e/<br />

ou tecnologias de restauração e conservação rodoviária, a fim de fazer a melhor utilização<br />

do agregado e asfalto presentes nos pavimentos asfálticos deteriorados. Um dos<br />

métodos mais promissores é a reciclagem de pavimentos, para a qual há uma variedade<br />

de equipamentos e processos consagrados. Estudos do Banco Mundial têm demonstrado<br />

que a reciclagem de pavimentos asfálticos é particularmente efetiva em termos de<br />

custo, quando realizada antes da deterioração extrema do pavimento.<br />

Segundo Miranda e Silva (2000) a reciclagem de pavimentos tem se mostrado<br />

um bom caminho não apenas pela rapidez executiva, mas também pelo aspecto da<br />

preservação ambiental.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


41<br />

A técnica de reciclagem de revestimentos asfálticos traz vantagens em relação<br />

ao meio ambiente, pois faz uso total ou parcial dos materiais do pavimento existente,<br />

com seu devido beneficiamento. Também diminui a quantidade de resíduos gerados<br />

pelo método tradicional de recuperação rodoviária, que; em geral; consta de adição de<br />

nova camada asfáltica ou mesmo pode ter bota-fora da antiga.<br />

2 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES GERAIS<br />

2.1 A MALHA RODOVIÁRIA FE<strong>DE</strong>RAL<br />

O transporte rodoviário passou a evidenciar a sua principal importância no processo<br />

de integração nacional a partir dos anos 40, em especial após o término da 2ª<br />

Guerra Mundial.<br />

Naquela época este modal ultrapassava o ferroviário na movimentação de cargas,<br />

e por volta de 1950, passou também a transportar mais “toneladas por quilômetro”<br />

de cargas domésticas do que a navegação de cabotagem.<br />

A malha rodoviária brasileira apresentou sua maior expansão nas décadas de 60<br />

e 70 – período em que cerca de 20 % do total dos gastos do setor público, conforme<br />

relatório do Banco Mundial, foram destinados à construção e manutenção de estradas<br />

no país.<br />

Os valores apresentados na Tabela 1 mostram a expansão da malha rodoviária<br />

brasileira ocorrida no período 1960/1980 e o declínio posterior<br />

Tabela 1 – Evolução da Malha Rodoviária Nacional 1960/2000<br />

* valores aproximados<br />

Fonte: DNIT<br />

** Não estão computados as extensões de rodovias planejadas, mas não implantadas.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


42<br />

A seguir, na figura 1, mostram-se, de forma gráfica, os dados da tabela 1 referentes<br />

à extensão da malha pavimentada rodoviária nacional (quantidade acumulada).<br />

Figura 1 – Evolução da Malha Rodoviária Nacional Pavimentada 1960/2000.<br />

Vale destacar que o modal rodoviário é inserido no processo produtivo com<br />

importante função na atividade meio, com relevância no contexto do desenvolvimento<br />

global do país, constitui grande indutor do desenvolvimento sócio-econômico e é fator<br />

de segurança e de integração político-administrativa.<br />

A falta de investimentos dos órgãos governamentais no setor rodoviário ocorrida<br />

nos últimos anos, levou à degradação da rede viária brasileira. As consequências do<br />

mau estado de conservação da rede e as perspectivas de agravamento da situação se<br />

traduzem em acréscimo do consumo de combustível e no tempo de viagem e elevação<br />

do índice de acidentes entre outros impactos negativos.<br />

Assim, com os recursos públicos cada vez mais restritos, existe a necessidade de<br />

estudos e pesquisas voltadas às áreas de tecnologia e/ou processos que sejam técnica<br />

e economicamente viáveis bem como ecologicamente sustentáveis, de modo a promover<br />

um desenvolvimento socioeconômico-ambiental mais adequado.<br />

3 IMPACTOS AMBIENTAIS<br />

Entende-se por Impacto Ambiental qualquer alteração nas propriedades físicas<br />

e/ou químicas e/ou biológicas do meio ambiente, provocadas por ações humanas. Estes<br />

impactos podem ser classificados segundo uma série de características como as colocadas<br />

na tabela 2, a seguir (DNIT, 2005).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


43<br />

Tabela 2 – Características dos impactos ambientais<br />

Fonte: DNIT, 2005<br />

3.1 IMPACTOS AMBIENTAIS <strong>DE</strong>CORRENTES <strong>DE</strong> EMPREENDIMENTOS RODOVIÁRIOS<br />

Tradicionalmente os programas rodoviários são divididos em 4 (quatro) etapas<br />

ou fases, cada qual com características e estudos específicos com potencialidades distintas<br />

de impactar o meio ambiente (DNIT, 2005). Essas fases são: viabilidade, planejamento<br />

e projeto, construção e operação.<br />

A fase de viabilidade consiste do processo de avaliação de uma rodovia sob o aspecto<br />

técnico-econômico, com base em um conjunto de estudos, conceituações e avaliações<br />

que permitem caracterizar o volume de tráfego anual e futuro, as alternativas de traçado e<br />

a definição técnica das alternativas quanto à capacidade, quantificação do conjunto de obras<br />

e à interferência com outros planos e programas, objetivando a avaliação dos benefícios<br />

resultantes da implantação comparados com os custos requeridos pela obra.<br />

Segundo Fogliatti (2004), “na fase de planejamento de um sistema de transporte,<br />

devem-se incluir estudos de localização do projeto (no caso de projetos rodoviários,<br />

estudos de alternativas de traçado), determinado pelo artigo 5º da Resolução 001/86 do<br />

CONAMA, respeitando e observando a compatibilidade do projeto com os planos e<br />

programas do governo propostos na área de influência, além das análises de pré-viabilidade<br />

técnica e econômica do empreendimento”.<br />

Segundo Gourdad (2000), na fase de planejamento e projeto, não são observados<br />

impactos ambientais significativos nos meios físicos e bióticos decorrentes das<br />

atividades apresentadas, porém esta fase pode ocasionar algumas expectativas, gerando<br />

impactos no meio antrópico.<br />

Segundo Bella e Bidone (1993) “à medida que se iniciam os trabalhos visando ao<br />

projeto de engenharia é muito comum um processo intenso de valorização do preço da<br />

terra, tanto nas áreas rurais, como nas áreas urbanas que passarão a ser servidas. Tal valorização<br />

tem como consequência as alterações de uso do solo e até mudança do público-alvo,<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


44<br />

que pode não resistir às ofertas de compra com valores crescentes, além de ocasionar impedimentos<br />

à construção e à operação, e à potencialização de problemas sociais devido a<br />

interfaces com áreas de conflito social ou já degradadas ambientalmente”.<br />

Com isso, pode-se destacar como impacto ambiental na fase de planejamento e<br />

projeto a grande especulação quanto ao uso do solo, ou seja, a especulação imobiliária.<br />

Durante a fase de implantação (construção) da rodovia, as principais atividades<br />

são basicamente: a mobilização, a instalação do canteiro, a implantação da obra e a<br />

desmobilização (SÁ, 1996). Assim segundo estudos do Geipot (1995), tem-se como principais<br />

impactos observados na fase de implantação de um projeto rodoviário aqueles<br />

decorrentes do canteiro de obras, dos desmatamentos e limpeza dos caminhos de serviço,<br />

da terraplenagem, empréstimos e bota-fora, da drenagem e da exploração de<br />

materiais de construção, como por exemplo, a indução de processos erosivos, os assoreamentos<br />

e a evasão da fauna, entre outros.<br />

Após a implantação da rodovia seguem-se as atividades relacionadas à sua operação<br />

que são iniciadas após a conclusão das obras de desmobilização de canteiros e usinas,<br />

mais precisamente quando for efetivada a liberação do corpo estradal aos diversos usuários,<br />

de modo que estes possam utilizá-lo com condições de conforto e segurança.<br />

Assim, a fase de operação engloba atividades de conservação e de restauração.<br />

Podem ser destacadas: a conservação de rotina; a de emergência, a especial e o reordenamento<br />

do tráfego. Portanto, a conservação da rodovia envolve todas as atividades<br />

preventivas e corretivas de controle e de manutenção das rodovias. Podem ser citados<br />

como impactos decorrentes desta fase a poluição atmosférica, a poluição das águas, os<br />

ruídos e vibrações entre outros. Na Tabela 3 são mostradas as principais fontes de ruído<br />

nesta fase. Na tabela 4 são apresentados exemplos de desconfortos causados por exposição<br />

a níveis de som em excesso.<br />

Nesta fase também os padrões de qualidade do ar adotados no Brasil tem seus<br />

valores limite determinados pela Resolução CONAMA nº 03/90 de 28 de junho de 1990,<br />

conforme apresentado na Tabela 5.<br />

Tabela 3 – Origem dos ruídos na fase de operação de uma rodovia.<br />

Fonte: DNIT, 2000<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


45<br />

Tabela 4 – Níveis de ruídos e suas consequências.<br />

Fonte: SOUZA, 1992 apud PEREIRA, 2000<br />

Tabela 5 – Padrões primários de qualidade do ar ambiente.<br />

Fonte: DNIT, 2000<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


46<br />

Uma vez instalada a rodovia e iniciada a sua operação, começa sua deterioração<br />

e, portanto, se faz necessária obra de recuperação. Assim a restauração de rodovias<br />

representa um conjunto de intervenções que visam ao restabelecimento/recuperação<br />

total ou parcial de uma edificação a uma fase anterior. Dentre os impactos ambientais<br />

associados a esta fase, pode-se destacar: a fixação temporária de mão de obra, a emissão<br />

de poeira e gases, alterando a qualidade do ar, a incidência de focos de incêndio<br />

entre outros.<br />

4 MÉTODOS TRADICIONAIS <strong>DE</strong> RESTAURAÇÃO E/OU RECUPERAÇÃO RODOVIÁRIA<br />

Métodos tradicionais para o revestimento de pavimentos asfálticos deteriorados<br />

são a aplicação de novas misturas asfálticas a quente no recapeamento, com ou sem<br />

fresagem a frio, com equipamentos mostrados nas Figuras 2 e 3 como exemplo, e/ou a<br />

remoção dos materiais existentes na superfície com equipamento pesado tipo trator de<br />

esteira, (Figura 4). Recapeamentos (adequada sobreposição ao pavimento existente<br />

de uma ou mais camada(s) constituída(s) de mistura(s) betuminosa(s) e/ou concreto de<br />

cimento portland) são tipicamente utilizados sobre toda a superfície da rodovia, incluindo<br />

os acostamentos.<br />

Entretanto, essas soluções convencionais utilizam grandes quantidades de recursos<br />

naturais, como material betuminoso e materiais agregados (material graúdo e<br />

miúdo) de alta qualidade. O processo de recapeamento, de pavimentos asfálticos, além<br />

de apresentar um custo relativamente alto, alterar a geometria da pista e sua cota,<br />

também consome muito tempo, interrompe o tráfego e é potencialmente perigoso<br />

para os motoristas e mão de obra envolvida no trabalho, como mostram os exemplos<br />

das Figuras 5, 6 e 7 a seguir.<br />

Figura 2 – Máquina fresadora.<br />

Fonte: www.1gec.eb.mil.br<br />

Figura 3 – Máquina fresadora.<br />

Fonte: www.ciber.com.br<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


47<br />

Figura 4 – Restauração rodoviária.<br />

Fonte: www.1gec.eb.mil.br<br />

Figura 5 – Restauração rodoviária.<br />

Fonte: www.prodesivo.com.br<br />

Figura 6 – Restauração rodoviária.<br />

Fonte: www.prodesivo.com.br<br />

Figura 7 – Tapa-buraco.<br />

Fonte: www.1gec.eb.mil.br<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


48<br />

4.1 IMPACTOS AMBIENTAIS ASSOCIADOS AOS MÉTODOS TRADICIONAIS <strong>DE</strong> RESTAURAÇÃO<br />

E/OU RECUPERAÇÃO RODOVIÁRIA<br />

Durante os serviços de restauração e/ou recuperação rodoviária, sobretudo para os<br />

métodos tradicionais, identificam-se possíveis impactos ambientais listados na Tabela 6.<br />

Tabela 6: Impactos associados aos métodos tradicionais de reciclagem de pavimentos<br />

Fonte: Do Autor<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


49<br />

No impacto ambiental identificado com o surgimento de erosões, deslizamentos,<br />

assoreamento, desertificação que normalmente ocorrem em caixas de empréstimo,<br />

nos locais de bota-foras e de disposição do material resultante da fresagem do<br />

pavimento, a medida mitigadora mais adequada é a execução de obras de drenagem<br />

complementares e de substituição de dispositivos.<br />

Ainda sobre o meio biofísico, o impacto ambiental identificado com a aceleração<br />

do processo de extinção regional de animais silvestres, ocasionado por atropelamento,<br />

a medida mitigadora mais adequada é a execução de “passagem seca” para os referidos<br />

animais. Para o impacto ambiental causado pela elevada emissão de poeira e gases,<br />

alterando a qualidade do ar (Figura 4) a medida mitigadora mais adequada seria aspergir<br />

água nas áreas poeirentas e/ou usar máscaras.<br />

Com relação ao meio antrópico, a medida mitigadora mais adequada para o<br />

impacto de acidentes com pessoas e equipamentos envolvidos direta ou indiretamente<br />

no serviço, é a adoção de programas de esclarecimento junto aos operários envolvidos<br />

na obra e/ou controlar a velocidade de veículos e equipamentos na obra. Já o impacto<br />

relativo ao excesso de ruídos e vibrações, uma medida mitigadora adequada seria realizar<br />

manutenção regular das máquinas e equipamentos.<br />

De forma geral, o entulho proveniente dos métodos tradicionais de restauração<br />

e/ou recuperação rodoviária muitas vezes é gerado por deficiências de implantação de<br />

novas tecnologias no processo de construção rodoviária. A melhoria no gerenciamento<br />

e controle de obras públicas e também trabalhos conjuntos com empresas, universidades<br />

e pesquisadores ligados à construção rodoviária, podem contribuir para atenuar este<br />

desperdício.<br />

5 RECICLAGEM <strong>DE</strong> PAVIMENTOS<br />

5.1 ASPECTOS GERAIS<br />

Segundo Momm e Domingues, (1995):<br />

Entende-se por r eciclagem de pavimentos, a reutilização total ou<br />

parcial dos materiais existentes no revestimento e/ou da base e/ou<br />

da s ub-base, em que os materiais são remis turados no estado em<br />

que se encontram após a desagregação ou tratados por energia térmica<br />

e/ou aditivados com ligantes novos ou rejuvenescedores, com<br />

ou sem recomposição granulométrica.<br />

Inicialmente a reciclagem era realizada com equipamentos manuais com<br />

dispositivos de lâminas e escarificadores (exemplo: Figura 8), para a retirada do material<br />

da pista. Atualmente, utilizam-se máquinas fresadoras, (Figuras 2 e 3). Contudo, o<br />

princípio básico ainda é o mesmo: fragmentar, triturar e retirar a camada antiga do<br />

pavimento e assim reutilizá-la através da combinação com materiais novos obtendo-se<br />

uma nova camada, com o emprego de modernas máquinas fresadoras - recicladoras, ou<br />

recicladoras/estabilizadoras, (Figuras 9, 11 e 12).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


50<br />

Figura 8: Trator pesado equipado com escarificador (Ripper).<br />

Fonte: www.viciana.com.ar/granprof.htm<br />

A reciclagem de pavimento apresenta-se como uma solução para muitos<br />

problemas e oferece inúmeras vantagens em relação à utilização convencional de<br />

materiais virgens. Podem ser citadas as seguintes (DNIT, 2006):<br />

a. Conservação de agregados, de ligantes e de energia, ou seja, a reutilização dos<br />

agregados do pavimento degradado propicia uma redução na demanda de novos<br />

materiais e das respectivas distâncias de transporte, prolongando o tempo de<br />

exploração das ocorrências existentes, além disso, o ligante remanescente pode<br />

ter suas propriedades restabelecidas pela adição de asfalto novo ou agente<br />

rejuvenescedor. O consumo de energia também pode ser favorecido através de<br />

sua redução durante a usinagem da mistura.<br />

b. Preservação do meio ambiente, ou seja, evitar a exploração excessiva de jazidas<br />

minerais (caixas de empréstimos), evitando, assim, o acúmulo e/ou geração do<br />

passivo ambiental.<br />

c. Conservação das condições geométricas existentes, ou seja, a adoção das técnicas<br />

de reciclagem permite que as condições geométricas da pista sejam mantidas ou<br />

modificadas facilmente, evitando-se problemas, como por exemplo, as alturas<br />

em túneis (gabarito vertical) e o acréscimo de carga permanente em pontes e<br />

viadutos.<br />

A partir da crise do petróleo, na década de 70 do século XX, com a escassez de<br />

materiais asfálticos e com a crise econômica internacional, os técnicos rodoviários em<br />

conjunto com os organismos de fomento, voltaram-se para a idéia de reprocessar os<br />

materiais de pavimentação de pistas deterioradas, por meio da reciclagem, de forma a<br />

restaurar as condições de tráfego de vias em níveis satisfatórios, tanto do ponto de vista<br />

técnico quanto financeiro (BONFIM, 2001).<br />

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51<br />

No Brasil, a primeira utilização da técnica de reciclagem de revestimentos<br />

betuminosos aconteceu na Cidade do Rio de Janeiro em 1960, quando, na época, o<br />

revestimento era removido por meio de marteletes, transportado para a usina e remisturado.<br />

A primeira rodovia a ser reciclada foi a Via Anhanguera, trecho entre São<br />

Paulo e Campinas, na década de 1980 (PINTO, 1989).<br />

Simultaneamente foi desenvolvido no Instituto de Pesquisas Rodoviárias/<br />

Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (IPR/DNIT) uma pesquisa para adequar<br />

as tecnologias de reciclagem trazidas da Itália e da Suíça às condições brasileiras. Foi com<br />

base nessas obras que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte, elaborou<br />

a especificação de serviço de concreto betuminoso reciclado a quente no local.<br />

A reciclagem em usinas estacionárias, ou seja, usinas de asfalto cujas instalações<br />

são fixas, teve na década de 80, importante papel no desenvolvimento da reciclagem<br />

no Brasil iniciada com a introdução de usinas do tipo “Drum Mixer”, isto é, equipamentos<br />

cuja mistura asfáltica é feita dentro de um tambor misturador e apresentam<br />

funcionamento contínuo (Figura 9), trazidas do exterior ou fabricadas no país. Várias<br />

obras lançaram mão dessa técnica, no âmbito do DNIT, da Prefeitura da Cidade do Rio de<br />

Janeiro e do Departamento de Estradas e Rodagem – SP (<strong>DE</strong>R-SP).<br />

5.2 TIPOS <strong>DE</strong> RECICLAGEM<br />

De maneira geral, os especialistas do meio rodoviário costumam classificar as<br />

técnicas de reciclagem de pavimentos asfálticos em duas modalidades, que são a<br />

reciclagem a quente e a frio, que por sua vez podem ser processadas no próprio local, ou<br />

seja, “in situ”, ou em usina apropriada.<br />

A reciclagem de pavimentos, a quente e a frio, com propósito de manutenção,<br />

reabilitação e reconstrução foi reportada pela primeira vez em 1915 nos Estados Unidos<br />

(ZELAYA, 1985). Até a década de 1930, foi reciclada uma quantidade considerável de<br />

pavimentos, principalmente urbanos. Após esta década, o número de obras com<br />

aplicação da técnica de reciclagem foi reduzindo em virtude do aumento da oferta de<br />

asfalto no mercado, o que tornava a construção de um novo revestimento mais barata<br />

que a sua reciclagem.<br />

A reciclagem a quente pode ser feita em usina estacionária, ou seja, usinas de<br />

asfalto cujas instalações são fixas, ou pode ser “in situ”, de acordo com as especificações<br />

de serviço ES 033/2005 e ES 034/2005 do DNIT, respectivamente.<br />

A reciclagem a quente em usina estacionária é um processo em que uma parte<br />

ou toda a estrutura é removida e reduzida, geralmente através de fresagem a frio, e<br />

posteriormente transportada para ser misturada e recuperada em usina de asfalto<br />

apropriada.<br />

O processo inclui a adição de novos agregados, material de enchimento, cimento<br />

asfáltico de petróleo (CAP) e se necessário, um agente rejuvenescedor. O tipo de usina<br />

mais empregada é a “Drum mix” (Figura 9), e o produto final deve atender as<br />

especificações de misturas asfálticas a serem aplicadas nas camadas de base, de ligação<br />

ou de rolamento (DNIT, 2006).<br />

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52<br />

Figura 9 – Usina de asfalto Mix Drum.<br />

Fonte: www.ciber.com.br<br />

A reciclagem a quente “in situ” (regeneração), (Figura 10), é um processo de<br />

correção de defeitos de superfície, através do corte e fragmentação do revestimento<br />

asfáltico antigo (geralmente por fresagem), mistura com agente rejuvenescedor,<br />

agregado virgem, material asfáltico, e posterior distribuição da mistura reciclada sobre<br />

o pavimento, sem remover do local (DNIT, 2006).<br />

Figura 10 – Super recicladora AR 2000.<br />

Fonte: www.martec.ca<br />

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53<br />

Na década de 90, iniciou-se a reciclagem a frio “in situ”, com o emprego das<br />

recicladoras móveis Caterpillar e Wirtgen, cuja operação se desenvolvia no local, com<br />

fresagem a frio do revestimento, incorporação de emulsões rejuvenescedoras,<br />

homogeneização e espalhamento feito pelo próprio equipamento. No Brasil, o primeiro<br />

trecho em que foi utilizada a técnica de reciclagem a frio “in situ”, foi na rodovia BR-<br />

393/RJ, em novembro de 1993, segmento entre Além Paraíba e Sapucaia, realizada pelo<br />

DNER atual DNIT (PINTO et al., 1994).<br />

Dois métodos de reciclagem “in situ” já foram utilizados pelo Departamento<br />

Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) atual DNIT, a saber:<br />

a. Método Marine, com o emprego da recicladora Marine A.R.T. 220 de fabricação<br />

italiana, cuja fresagem é realizada a frio. O equipamento processa a mistura do<br />

material a quente e o posterior espalhamento. O DNER elaborou a especificação ES<br />

– 188/87, que contempla este tipo de procedimento.<br />

b. Método Wirtgen, com a utilização do “remixer” da Wirtgen, cuja fresagem é<br />

realizada após o aquecimento da superfície do revestimento. Para este<br />

procedimento o DNER elaborou a especificação ES – 187/87.<br />

Quanto ao reprocessamento dos materiais de pavimentação, quando este ocorre<br />

sem o dispêndio de energia para o aquecimento dos mesmos, a técnica é designada de<br />

reciclagem a frio (MOMM; DOMINGUES, 1995). Podem ser adicionados materiais<br />

betuminosos (emulsão asfáltica), agregados, agentes rejuvenescedores ou<br />

estabilizantes químicos. A mistura final é utilizada como camada de base que deve ser<br />

revestida com um tratamento superficial ou uma mistura asfáltica nova a quente, antes<br />

de ser submetida à ação direta do tráfego. A reciclagem a frio pode ser classificada em<br />

(DNIT, 2006):<br />

a. Reciclagem com adição de material betuminoso – consiste na mistura do<br />

revestimento e da base pulverizados no local, com adição de material betuminoso<br />

para produzir uma base estabilizada com betume.<br />

b. Reciclagem com adição de estabilizante químico – consiste na pulverização e mistura<br />

na pista da camada de revestimento, da base e da sub-base, ou de qualquer<br />

combinação entre essas, com a adição de estabilizantes químicos (cal, cimentos ou<br />

cinzas volantes), para produzir uma base estabilizada quimicamente.<br />

Atualmente a experiência indica que a técnica de reciclagem a frio para<br />

restauração de pavimentos pode ser aplicada mais eficientemente nos seguintes casos<br />

(DNIT, 2006):<br />

a. Em rodovias de baixo volume de tráfego (vicinais);<br />

b. Em acostamentos defeituosos de rodovias principais e<br />

c. Na utilização do material reciclado como base estabilizada.<br />

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54<br />

Como a reciclagem a quente, a reciclagem a frio pode ser feita em usinas<br />

apropriadas ou “in situ”.<br />

A reciclagem a frio em usina pode ser realizada em usinas estacionárias, valendose<br />

das usinas de solos, que recebe o material fresado e o processa com a adição de material<br />

de enchimento, caso necessário, e agente rejuvenescedor emulsionado (DNER, 1996).<br />

Essa técnica é muito utilizada em países europeus e a porcentagem de<br />

reaproveitamento do material fresado pode atingir cerca de 90% (DNER, 1996).<br />

Também podem ser utilizadas usinas móveis, (Figura 11), que podem produzir<br />

misturas com material virgem ou material proveniente de fresagem, (Figuras 1 e 2).<br />

Figura 11 – Usina móvel p/ misturas frias.<br />

Fonte: www.ciber.com.br<br />

A reciclagem a frio “in situ”, (Figura 12) é executada com a utilização de<br />

equipamento do tipo fresadora-recicladora, sendo comum no Brasil o uso do modelo da<br />

Wirtgen Gmbh de fabricação alemã, (Figura 13).<br />

Figura 12 – Reciclagem a frio in situ.<br />

Fonte: www.paulifresa.com.br<br />

Figura 13 – “Trem de reciclagem”.<br />

Fonte: www.br.com.br/portalbr<br />

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55<br />

5.3 EQUIPAMENTOS UTILIZADOS EM RECICLAGEM <strong>DE</strong> PAVIMENTOS<br />

O crescente interesse em reciclagem de pavimentos tem motivado os fabricantes<br />

a produzir equipamentos especiais para reciclar e re-elaborar as camadas do pavimento.<br />

As atuais máquinas recicladoras/estabilizadoras, (Figuras 14 e 15), permitem a reciclagem<br />

de estradas mesmo em estado avançado de degradação, além disso, esses<br />

equipamentos são soluções de custo acessível e de qualidade para projetos de<br />

restauração de rodovias.<br />

Os maiores desenvolvimentos tem ocorrido na melhoria da potência dos<br />

equipamentos e na produção de peças mais resistentes. Estes avanços são importantes para<br />

que haja máquinas capazes de operar de maneira mais econômica, tanto em revestimentos<br />

muito espessos, como em bases granulares e em subleitos com alta plasticidade.<br />

Uma dos benefícios da reciclagem consiste de que todo o equipamento e<br />

maquinário necessário para o processo podem ser acomodados na largura de uma<br />

faixa de tráfego (Figura 16). Em rodovias de pista simples com duas faixas de tráfego,<br />

por exemplo, a reciclagem pode ser efetuada em uma metade durante o primeiro<br />

turno e a outra posteriormente, e a largura toda, inclusive a pista reciclada, ser reaberta<br />

ao tráfego ao cair da noite. Essas vantagens fazem da técnica um processo atraente<br />

para a restauração de estradas, otimizando custos e tempo de processamento (Revista<br />

CIBER, ano 5, n. 12, set./2004 ).<br />

Figura 14 – Recicladora/estabilizadora<br />

Caterpillar RR 250.<br />

Fonte: www.fresar.com.br/fresar<br />

Figura 15 – Recicladora/estabilizadora<br />

Wirtgen WR 2500.<br />

Fonte: www.fresar.com.br/fresar<br />

Figura 16 – Recicladora de pavimentos.<br />

Fonte: www.ciber.com.br<br />

Pista Livre para<br />

Tráfego<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


56<br />

5.4 VANTAGENS AMBIENTAIS ASSOCIADOS À TÉCNICA <strong>DE</strong> RECICLAGEM <strong>DE</strong> PAVIMENTOS<br />

Considerando-se as técnicas de reciclagem comentadas anteriormente, o<br />

material removido, que antes era considerado um entulho problemático, passa a ser<br />

um excelente produto para a reciclagem, sem prejuízo da qualidade final. A reciclagem<br />

permite, assim, ao pavimento primitivo um ciclo de vida maior, além de poupar os<br />

recursos naturais da região.<br />

A reciclagem de pavimentos betuminosos em geral se constitui, em relação à<br />

solução tradicional de recapeamento(s) sucessivo(s) ou outros métodos de restauração,<br />

em uma alternativa possivelmente mais econômica e mais ecológica.<br />

A seguir, serão apresentadas algumas vantagens das técnicas de reciclagem em<br />

comparação com o método tradicional de recuperação de pavimentos, no que tange à<br />

geração de impactos ambientais negativos nos meios antrópico e biofísico.<br />

Para o meio antrópico, podem ser destacados como forma de otimização dos<br />

impactos ambientais de acordo com o componente ambiental saúde e segurança: a<br />

redução significativa dos ruídos e vibrações, e a redução de acidentes envolvendo<br />

pessoas e/ou equipamentos.<br />

Com relação ao meio biofísico, destaca-se para a componente ambiental, solo, e<br />

a componentes visual, paisagem, ruídos e ar: a significativa redução de erosões,<br />

deslizamentos, assoreamento, desertificação que normalmente ocorrem em caixas de<br />

empréstimo (jazidas), nos locais de bota-foras e de disposição do material resultante<br />

da fresagem (corte) do pavimento; a redução da degradação da paisagem natural<br />

motivada pela deposição de material de descarte; a redução da emissão de poeira e<br />

gases, alterando a qualidade do ar e a diminuição da incidência de ruídos e vibrações.<br />

Entretanto, faz-se necessário uma medida de controle (monitoramento para a<br />

cada fase ou etapa) para comparação de ganhos ou perdas, de acordo com os respectivos<br />

componentes ambientais, como por exemplo, a componente visual, paisagem, ruídos e<br />

ar: avaliar a qualidade do ar (medir os níveis de poeira e gases) e a avaliação de ruídos e<br />

vibrações às margens lindeiras da rodovia (medir o níveis de ruídos), conforme limites<br />

anteriormente citados nas tabelas 4 e 5.<br />

6 CONCLUSÕES<br />

O termo reciclagem vem sendo usado nos últimos anos em diversas áreas de<br />

produção, pois o processo de reaproveitamento de materiais que anteriormente seriam<br />

descartados e na maioria das vezes se torna um “lixo” não desejável é visto com bons<br />

olhos por órgãos governamentais e principalmente ambientalistas.<br />

A técnica de se reciclar pavimentos é relativamente recente, porém não menos<br />

importante. O reaproveitamento dos materiais existentes do pavimento antigo como<br />

fonte principal para a construção de pavimentos novos, pode gerar benefícios como: evitar<br />

a exploração excessiva de jazidas minerais, já tão escassas em algumas regiões do país; o<br />

ligante asfáltico (CAP) remanescente, pode ter recuperadas algumas de suas propriedades<br />

originais, que durante sua utilização foram perdidas por oxidação e volatilização. Citamse<br />

ainda como benefício do uso da técnica de reciclagem: a conservação do greide da pista<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


57<br />

evitando-se problemas com alturas sob viadutos, túneis e passarelas e o não aparecimento<br />

de degraus nos acostamentos provocados pela aplicação sucessiva de camadas de<br />

recapeamento, qualidade adequada e resistência do pavimento reciclado, a redução do<br />

prazo de execução da obra, o menor tempo de interrupção do tráfego durante o trabalho,<br />

nova concepção de recuperação asfáltica, às vezes até com possibilidade de redução de<br />

espessuras do revestimento, sem perda de qualidade e finalmente, pode permitir redução<br />

dos custos em relação à restauração convencional.<br />

Pode-se citar como desvantagem da aplicação das soluções de reciclagem, o emprego<br />

de mão de obra especializada, o difícil acesso das máquinas às obras distantes dos grandes<br />

centros urbanos, como por exemplo, a Amazônia e a necessidade da análise econômica para<br />

serviços realizados em diferentes regiões, observando-se as devidas peculiaridades.<br />

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Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 39-58, dez. 2010


59<br />

A IMAGEM DO TRANSPORTE HIDROVIÁRIO E DO TURISMO NA<br />

ILHA <strong>DE</strong> COTIJUBA NA VISÃO DOS USUÁRIOS<br />

RESUMO<br />

Maisa Sales Gama Tobias *<br />

Andréa Girlene Tavares Barreto **<br />

O presente trabalho fez parte da pesquisa D-Fluvial - Estudo de Demanda Potencial e<br />

Formação de Rede Rodofluvial na RMB, executada pela parceria de duas instituições de<br />

ensino e pesquisa, a Universidade da Amazônia e a Universidade Federal do Pará,<br />

havendo, também, se constituído em uma pesquisa de iniciação científica. O artigo<br />

apresenta uma abordagem descritivo-analítica da situação de demanda de transporte e<br />

da cadeia do turismo na Ilha de Cotijuba, em Belém, Brasil, caracterizando a demanda<br />

hidroviária e aspectos críticos da cadeia do turismo. Trata-se dos resultados oriundos de<br />

uma pesquisa de campo amostral, em hora de pico, onde foi possível detectar problemas<br />

cruciais que atualmente impedem o crescimento do turismo na Ilha, bem como, de<br />

infraestrutura de transporte disponível para os turistas.<br />

Palavras-Chave: Hidroviário. Turismo. Infraestrutura<br />

ABSTRACT<br />

THE IMAGE OF WATER TRANSPORT AND THE TOURISM<br />

IN COTIJUBA ISLAND IN VIEW OF USERS<br />

This work was part of the D-FLUVIAL research - Potential Demand and Road and River<br />

Network Shaping study in BMR, which was implemented in partnership with Amazonia<br />

University and Para University, having also been formed in a search for scientific initiation.<br />

The article presents a descriptive-analytical approach of the demand and supply transport<br />

and tourism situations on the Cotijuba Island, in Belém, Brazil, characterizing the water<br />

transportation demand and tourism chain critical aspects. These are the results from a<br />

sample survey, in peak hour, where it was possible to detect crucial problems that currently<br />

hinder the island tourism growth, as well as, of transport infrastructure available for tourists.<br />

Keywords: Water Transportation. Tourism. Infrastructure<br />

*<br />

Engenheira Civil – <strong>Unama</strong>, Licenciada Plena em Matemática – UFPa, especialista em Gerenciamento do Transporte<br />

Fluvial – UFPa, Mestre em Engenharia Civil – UFPb, Doutora em Engenharia de Transportes – POLI – USP.<br />

Professora do curso de Engenharia Civil da <strong>Unama</strong> e da UFPa, Professora do Mestrado em Desenvolvimento e<br />

Mei o Ambi ente U rbano da UN AMA. P esquis adora em En genhar ia de Trans portes . e-mail:<br />

tapajos@amazon.com.br<br />

**<br />

Acadêmica do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Pará, bolsista de Iniciação Científica PIBIC/<br />

UFPA e do projeto D-Fluvial-UNAMA/UFPA. e-mail: agtbarreto@gmail.com<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


60<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A necessidade do fluxo de informações, imagens e pessoas está presente desde<br />

o surgimento da humanidade. Mais a efetivação desses fluxos só foi possível com a<br />

abertura de estradas e o desenvolvimento dos primeiros meios de transportes. A partir<br />

daí surgiu o termo “turista”, considerado um visitante temporário, seja nacional ou<br />

estrangeiro, cuja residência permanente é diferente do local de realização de onde<br />

está sendo abordado e obedece ao critério básico para ser considerado turista, sendo<br />

este critério a realização de pelo menos um pernoite no local visitado (período superior<br />

a 24h) e no máximo 90 dias.<br />

O turista não é apenas considerado um visitante com expectativa de diversão,<br />

mas também o visitante que veio ao local por um motivo qualquer seja negócios, saúde,<br />

estudo entre outros. Além do que, são pessoas com expectativas e desejos de conhecer<br />

lugares que possam oferecer boa hospitalidade. A hospitalidade não se refere somente<br />

ao ato de hospedar, mas a ofertar ao turista um serviço de qualidade desde o momento<br />

do embarque.<br />

A eficiência e eficácia do sistema de transporte turístico estão relacionadas ao<br />

momento do embarque, desembarque, percurso da viagem e infraestrutura. Qualquer<br />

falha no percurso da viagem, todo o sistema será comprometido resultando em uma<br />

possível imagem negativa quanto à rede de serviços do local escolhido.<br />

Para Bertaglia (2003) a demanda deve ser identificada para conhecer quais as<br />

ações necessárias para que a cadeia produtiva do turismo não falhe ou careça de materiais<br />

necessários à satisfação desta demanda. O transporte é um componente essencial da<br />

atividade turística, que tem no deslocamento do consumidor a sua própria definição.<br />

Portanto, este trabalho de cunho investigativo procurou identificar as relações<br />

entre o transporte hidroviário e o turismo, bem como, a visão dos usuários quanto à<br />

situação do turismo, notadamente, numa localidade em Belém, a Ilha de Cotijuba,<br />

conhecida por ser uma área que reune grande atratividade turística, mas que se ressente<br />

de melhor infraestrutura para acolher o turista. A hipótese foi de que há um impacto<br />

importante da qualidade do transporte na qualidade do serviço turístico, sendo isto um<br />

fator importante para dinamizar o crescimento do setor. Admitiu-se que a exploração<br />

do turismo em Cotijuba já se constitui um fator de geração de emprego e renda e, se<br />

bem planejado o setor, incluindo o transporte hidroviário e o investimento em<br />

consciência da preservação ambiental, a população local poderá se beneficiar dos lucros<br />

advindos desta atividade.<br />

2 ÁREA <strong>DE</strong> ESTUDO<br />

Os locais de área de estudo foram a llha de Cotijuba e o Distrito Industrial de<br />

Icoaraci, localizadas próximas à cidade de Belém, Estado do Pará, onde existe uma<br />

travessia hidroviária.<br />

A Ilha de Cotijuba pertence ao conjunto de Ilhas do Extremo Oeste do município<br />

de Belém, sendo uma das 39 ilhas, situada à margem direita do estuário do Rio Pará. A<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


61<br />

ilha faz parte de um arquipélago situado às margens da baía do Marajó, a 29 km de<br />

Belém, capital do Pará, constituindo uma parte insular dessa cidade. A população<br />

estimada é de 5000 habitantes<br />

D-Fluvial, 2009). As comunidades da ilha vivem, basicamente, da pesca e da<br />

agricultura familiar. A ilha foi transformada em APA - Área de Proteção Ambiental em<br />

1990, através de Lei Municipal. Na Ilha de Cotijuba há muitos lagos e igarapés e, ainda,<br />

praias, sendo as mais visitadas: Farol, da Saudade, Pedra Branca, Flecheira, Vai-quemquer<br />

e praia Funda.<br />

O Distrito de Icoaraci pertence ao município de Belém, distando<br />

aproximadamente 25 km de Belém e possui cerca de 300 mil habitantes (IBGE, 2005). O<br />

grande destaque da economia de Icoaraci está no importante pólo de Artesanato em<br />

cerâmica, onde se produz réplicas de vasos típicos de antigas nações indígenas. Também<br />

sua economia é baseada no Parque Industrial que atua nos ramos de pesca, madeira e<br />

palmito. A cidade possui uma boa estrutura física com ofertas de serviços como bancos,<br />

hospitais, fórum, cartório e supermercados. Icoaraci mantém-se importante centro para<br />

onde convergem habitantes de pequenos municípios ribeirinhos e bairros próximos.<br />

Na Figura 1 tem-se o mapa da Região Metropolitana de Belém com as localizações<br />

de Cotijuba e Icoaraci e, nas Figuras 2 e 3, estão duas imagens destes destas localidades,<br />

respectivamente e a rota de travessia fluvial.<br />

Figura 1 – Área de estudo-localização (D-Fluvial, 2009).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


62<br />

Figura 2 – Ilha de Cotijuba e Distrito de Icoaraci (D-Fluvial, 2009; FUMBEL, 2006).<br />

Figura 3 – Rota de travessia da linha Icoaraci – Cotijuba (D-Fluvial, 2009).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


63<br />

Na pesquisa D-Fluvial (2009) foi realizado um levantamento de características<br />

em cada um dos trapiches (Cotijuba e Icoaraci) objetivando, identificar os problemas e<br />

propor melhorias.<br />

a) Trapiche da ilha de Cotijuba: foi observado, principalmente, deslocamentos para o<br />

turismo, possuindo linhas regulares para Icoaraci, mas linhas escassas para o<br />

município de Belém. Atualmente, o terminal de Cotijuba apresenta inúmeros<br />

problemas de prestação de serviços ocasionados pela situação da infraestrutura.<br />

As embarcações de pequeno não oferecem segurança aos passageiros e não<br />

possuem locais próprios para o armazenamento da carga. Na Ilha de Cotijuba, o<br />

transporte é feito por charretes, bicicletas ou “bondinhos”, já que um decreto<br />

municipal proibiu veículos automotores na Ilha.<br />

Quanto à avaliação das condições do trapiche, em termos de serviços auxiliares, há<br />

lanchonetes e existem guichês de venda de passagem e avisos de horários de viagens, porém<br />

tudo em situação muito incipiente. Ainda, não existem banheiros públicos, bancos para<br />

passageiros, telefone público, entre outros. Apenas, verificou-se proteção contra sol e chuva<br />

no acesso a rampa que interliga o trapiche ao flutuante, mas a rampa em si está descoberta.<br />

b) Trapiche de Icoaraci: a avaliação foi realizada de uma maneira formal (no caso, com<br />

uso de formulários), com os operadores de embarcações de passageiros, onde<br />

foram discutidos aspectos ligados à segurança (acomodação de cargas, ocorrências<br />

de incidentes, manutenção, demais procedimentos), a fim de obter uma visão<br />

geral das questões operacionais e serviços.<br />

O trapiche atende, principalmente, a rota Icoaraci-Cotijuba, os habitantes da<br />

Ilha e turistas. O trapiche tem a infraestrutura constituída de estacas de concreto armado,<br />

sobre as quais estão apoiados os blocos de concreto que suportam o vigamento da<br />

superestrutura. A superestrutura é constituída de vigas em concreto armado sobre as<br />

quais está apoiado o assoalho em concreto e estrutura metálica com cobertura também<br />

metálica que dá acesso ao flutuante. Para facilitar a operação de embarque e desembarque<br />

de passageiros foi construída uma plataforma flutuante na parte frontal do trapiche.<br />

Os acessos à embarcação possuíam corrimãos e piso era antiderrapante.<br />

Atualmente, o trapiche apresenta inúmeros problemas de prestação de serviços ocasionados<br />

pela infraestrutura deficiente. Nos serviços auxiliares, as lanchonetes são deficientes<br />

em termos de infraestrutura e higiene. Quanto à segurança foi constatado que<br />

não há saída de emergência e nem rampa de acesso às embarcações, além do que, foi<br />

constatada uma precária iluminação. No local há proteção contra sol e chuva e proteção<br />

na passarela que dá acesso ao trapiche e na rampa que interliga o trapiche ao flutuante.<br />

Também, há nas proximidades estacionamento para veículos terrestres e serviço de<br />

bilheteria, administrado por uma cooperativa de barqueiros. Na Figura 4 estão imagens<br />

dos trapiches de Cotijuba e Icoaraci.<br />

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64<br />

3 PESQUISA <strong>DE</strong> CAMPO<br />

A pesquisa de campo foi realizada com a demanda turística nos pontos turísticos<br />

estudados (trapiches de Cotijuba e Icoaraci), nos meses de novembro e dezembro de<br />

2009. Em virtude da ausência de dados populacionais de demanda turística nestes pontos,<br />

houve uma contagem inicial de demanda turística em cada um dos pontos, para se definir<br />

uma amostra representativa de turista. Além disso, foram utilizados os dados do transporte<br />

hidroviário de passageiros levantado na pesquisa D-Fluvial (2009) nestes locais.<br />

Figura 4 – Trapiches de Cotijuba e Icoaraci (TA<strong>DE</strong>U THALLES, 2007).<br />

Assim, a amostra se constituiu em 50 turistas em cada trapiche (ou seja, 100<br />

turistas no total) e, ainda, em Cotijuba e Icoaraci, do total de 30 donos de<br />

estabelecimentos. Para efeito de representatividade, o total de entrevistas a turistas<br />

foi dividido proporcionalmente, entre final de semana e dois dias úteis da semana. O<br />

questionário constituiu-se, primeiramente, por uma parte de caracterização<br />

socioeconômica e de padrões de viagem e, depois, com dados relativos à opinião do<br />

turismo sobre a qualidade do serviço de transporte.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


65<br />

3.1 PLANEJAMENTO DA PESQUISA<br />

A metodologia foi estabelecida com base na sequência lógica de objetivos do<br />

trabalho:<br />

a) Análise de material teórico pertinente ao assunto proposto e planejamento das<br />

etapas dos levantamentos de campo;<br />

b) Efetuaram-se visitas técnicas a Cotijuba e Icoaraci, fazendo o reconhecimento da<br />

área em questão.<br />

c) Elaboração dos instrumentos de pesquisa, como a preparação de formulários<br />

específicos e aplicação dos formulários nos finais de semana, coletando dados;<br />

d) Paralelo as entrevistas foram realizados, levantamento das praias mais visitadas,<br />

hotéis e pousadas, bares e restaurantes da ilha de Cotijuba e o Distrito de Icoaraci;<br />

e) Produção de um banco de dados obtido pelo programa EXCEL, e posteriormente a<br />

tabulação dos dados;<br />

f) Diante da sistematização dos dados e do diagnóstico identificaram-se os possíveis<br />

problemas de transportes e infraestrutura que afeta a cadeia turística das ilhas de<br />

Cotijuba e Icoaraci.<br />

3.2 RESULTADOS DOS LEVANTAMENTOS NA ILHA <strong>DE</strong> COTIJUBA E NO TRAPICHE <strong>DE</strong><br />

ICOARACI<br />

Os dados presentes dizem respeito ao atual cenário de oferta de produtos e<br />

serviços da ilha, com base nas entrevistas nos trapiches de Cotijuba e Icoaraci, aos<br />

turistas e na própria ilha aos donos de estabelecimentos comerciais ligados mais<br />

diretamente à atividade turística.<br />

a) Turistas<br />

Perfil socioeconômico e padrão de viagem dos turistas: observou-se que a faixa<br />

etária dos turistas se concentra entre 19 e 25 anos (36% da amostra total). Seguem-se os<br />

visitantes com faixas etárias entre os 26 e 35 anos de idade (30%). Relativamente ao tipo<br />

de ocupação, dos 100 entrevistados a maioria dos entrevistados que frequentavam a<br />

ilha era assalariado com um percentual de 39%. Em segundo lugar, com um percentual<br />

de 23% eram os funcionários públicos.<br />

i. A renda dos turistas está entre três e seis salários mínimos o que representam a<br />

escala entre R$ 1.560,00 a R$3.120,00 (52%). A maioria dos turistas se hospeda em<br />

hotéis e pousadas (55%) e permanecem na Ilha de um a dois dias (70%), sendo 60%<br />

dos turistas pertencentes à região norte. O turista vem geralmente acompanhado<br />

de mais uma pessoa e em uma viagem com extensão de um a dois dias tem uma<br />

despesa total média de um a dois salários mínimos (65%).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


66<br />

No padrão de viagens, foi destacada na frequência de viagens de turistas, que a<br />

maior parte já estava fazendo uma viagem de retorno aos locais de estudo em mais de<br />

duas vezes em torno de três a quatro vezes, sendo a embarcação de pequeno porte a<br />

mais utilizada para a prática da travessia para o acesso à Cotijuba (52%).<br />

ii. Opinião dos turistas: as entrevistas ocorreram levando-se em consideração o tempo<br />

de permanência na ilha, dentro do conceito do que seja um turista. A pesquisa de<br />

opinião focou os seguintes requisitos: infraestrutura, transporte, segurança pública,<br />

diversão noturna, comércio, transporte complementar, refeições, hospedagem,<br />

qualidade ambiental e impressão geral do turismo.<br />

Na infraestrutura geral para turismo na Ilha, atribuiu-se na maioria conceito regular<br />

(37%). No transporte, a imagem negativa do serviço predominou em 31%, sendo<br />

considerada regular das opiniões totais quanto no transporte complementar<br />

para a ilha de Cotijuba, a imagem mostrou 40% das opiniões no conceito bom. Nos<br />

itens: diversão noturna e comércio o nível de qualificação foi de regular com variações<br />

percentuais de 38% e 35%, respectivamente em qualidade ambiental o percentual<br />

predominante foi de 38% para a opção ruim, o que demonstra que tanto<br />

nos trapiches de Icoaraci e Cotijuba esse quesito é insatisfatório para os turistas<br />

sendo um ponto negativo para o desenvolvimento do turismo ecológico, principalmente<br />

na Ilha.<br />

Mostra-se, também, que foram considerados bons os quesitos refeições e impressão<br />

geral do turista, percentuais de 36% e 44%. Na segurança pública, o<br />

nível de serviço está concentrado em regular (45%) e, em relação à hospedagem,<br />

o nível de qualificação variou entre regular e bom, com 32% e 26% das<br />

opiniões, respectivamente.<br />

No Quadro 1 estão apresentados os dados estatísticos da caracterização socioeconômica<br />

e de viagens e, no Quadro 2, estão os dados das opiniões dos usuários sobre<br />

o serviço de turismo em Cotijuba.<br />

b) Donos de estabelecimentos em Cotijuba e Icoaraci: a entrevista foi realizada com 15<br />

donos de estabelecimentos: hotéis ou pousadas, bares, restaurantes e alguns do<br />

comércio em geral.<br />

i. Perfil socioeconômico e padrão de viagens: pode-se observar que a maioria dos<br />

fornecedores de serviços e produtos se encontra na faixa etária entre 36 e 46 anos<br />

(60%). Além da atividade principal, que é o comércio, possuem outros tipos de<br />

ocupação, vivendo de rendas adicionais (17%). O tipo de estabelecimento<br />

predominante na coleta das informações foram os hotéis e pousadas, 55%,<br />

atendendo um mercado de 44% de turistas da Região Metropolitana de Belém e<br />

23% de turistas regionais.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


67<br />

Quadro 1 – Dados socioeconômicos e padrão de viagens dos turistas de Cotijuba .<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


68<br />

Quadro 2 – Opiniões dos turistas de Cotijuba e Icoaraci.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


69<br />

A maior parte dos entrevistados possui moradia permanente na ilha, em torno de 73%,<br />

morando no próprio estabelecimento (82%). O período predominante de posse do estabelecimento<br />

está acima de três anos (54%). No padrão de viagens, foi constatado que<br />

38% utilizam o automóvel como transporte complementar para atender suas necessidades<br />

enquanto comerciante, em segundo lugar, com 28%, estando vans e kombi. A frequência<br />

média de viagens é de três dias em uma semana.<br />

ii.<br />

Opinião dos donos de estabelecimentos sobre o turismo em Cotijuba: os requisitos<br />

avaliados foram os mesmos para os turistas: Infraestrutura, Transporte, Segurança<br />

pública, Diversão Noturna, Transporte Complementar, Turismo, Comércio,<br />

Hospedagem, Refeições e Qualidade Ambiental.<br />

Na parte de infraestrutura, a média do grau de satisfação foi de 40%, como bom,<br />

sendo importante ressaltar que a ênfase quanto ao conceito refere-se ao Distrito de<br />

Icoaraci. Quanto aos itens transporte e transporte complementar, houve coincidência<br />

nos conceitos, sendo considerados regular, ambos com 53%, já no quesito segurança<br />

pública foi considerado ruim (63%) este serviço ofertado, ainda por melhorar para<br />

satisfazer as necessidades turísticas. Quanto ao item diversão Noturna e comércio,<br />

estes obtiveram em maior parte nível de satisfação considerado regular,<br />

representando 46% e 50%, respectivamente, da opinião dos entrevistados amostra<br />

total.<br />

Quando foram lhe perguntados, quanto ao grau de satisfação do turismo e<br />

hospedagem, estes consideraram bons, com percentuais maiores de 47% e 51%,<br />

respectivamente. Na parte de refeição, a maior parte dos entrevistados considera<br />

boa, em torno de 44% do total. Ainda, na qualidade Ambiental, a imagem foi<br />

considerada ruim, exibindo um percentual de 38% do total.<br />

Os Quadros 3 e 4 apresenta os resultados da pesquisa para os donos de<br />

estabelecimentos comerciais na Ilha de Cotijuba e no Distrito de Icoaraci.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


70<br />

Quadro 3 – Dados socioeconômicos e padrão de viagens dos<br />

comerciantes em Cotijuba e Icoaraci.<br />

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71<br />

Quadro 4 – Opiniões dos comerciantes sobre o turismo em Cotijuba e Icoaraci.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


72<br />

4 CONCLUSÕES<br />

As visitas in loco e os levantamentos da pesquisa de campo permitiram extrair<br />

algumas conclusões a respeito do transporte hidroviário e do turismo em Cotijuba:<br />

• Os comerciantes da ilha são pessoas de média idade assentadas no negócio há<br />

bastante tempo, morando no próprio estabelecimento comercial e indo à Belém<br />

continental pelo menos três vezes na semana, tendo um transporte próprio ou,<br />

ainda, utilizando-se de vans e microônibus após a travessia. Os comerciantes,<br />

também, avaliaram a infraestrutura da Ilha como regular e na parte de diversão<br />

noturna apresentaram uma avaliação regular, um pouco melhor que a visão do turista.<br />

A opinião sobre hospedagem, refeições, segurança pública na Ilha foi boa, de maneira<br />

semelhante a dos turistas. Também, concordaram com os turistas quando acharam a<br />

preocupação com a qualidade ambiental muito ruim, por parte da população.<br />

• Os turistas são pessoas jovens de renda média, geralmente, assalariados,<br />

funcionários públicos e pessoas que vivem de renda, que viajam acompanhados<br />

em busca de um local de beleza natural, tendo como atrativo principal as praias,<br />

sendo um turista que vai com freqüência até a Ilha advindo, principalmente, da<br />

própria região norte. Os hotéis, pousadas e casa de conhecidos são os principais<br />

lugares de hospedagem para uma estadia em média de um a dois dias. Para o<br />

período de hospedagem, a despesa média é razoável, de um a dois salários<br />

mínimos. O transporte mais utilizado pelos turistas são as embarcações da<br />

cooperativa de barqueiros, sendo também as de maior frequência de viagens até<br />

a Ilha, apesar de serem barcos pequenos. A opinião sobre a infraestrutura é regular,<br />

mas a imagem do transporte é ruim, destacando-se a falta de segurança no<br />

transporte de travessia e, no transporte complementar dentro da ilha, a falta de<br />

opções de transporte, sendo insatisfatório o que existe atualmente. No interior<br />

da Ilha, itens como diversão noturna, comércio e a preocupação com a qualidade<br />

ambiental não foram bem avaliados, sendo considerados deficientes e carentes<br />

de intervenção para dar melhor suporte ao turista. Por outro lado, itens como<br />

hospedagem, refeições e segurança pública foram tidos como razoáveis, com<br />

qualificação variando de regular para bom.<br />

• Os comerciantes que atuam dentro da cadeia do turismo na ilha são pessoas de<br />

média idade assentadas no negócio há bastante tempo, morando no próprio<br />

estabelecimento comercial e indo à Belém continental pelo menos três vezes na<br />

semana, tendo um transporte próprio ou, ainda, utilizando-se de vans e<br />

microônibus após a travessia. Os comerciantes, também, avaliaram a infraestrutura<br />

da Ilha como regular e na parte de diversão noturna apresentaram uma avaliação<br />

regular, um pouco melhor que a visão do turista. A opinião sobre hospedagem,<br />

refeições, segurança pública na Ilha foi boa, de maneira semelhante a dos turistas.<br />

Também, concordaram com os turistas quando acharam a preocupação com a<br />

qualidade ambiental muito ruim, por parte da população.<br />

• No transporte de passageiros, não há segmentação entre passageiro e carga nas<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


73<br />

embarcações de pequeno porte, tendo sido listados pelos turistas inúmeros<br />

problemas tais como insegurança no percurso da viagem, ineficiência e ineficácia<br />

no embarque e desembarque de passageiros e cargas e a ausência de componentes<br />

na estrutura física nos trapiches. Os passageiros não possuem informação impressa<br />

embarque e desembarque. No aspecto viário da Ilha, as vias que dão acesso às<br />

praias não têm pavimentação sendo de chão batido com imensos buracos.<br />

• De maneira geral, o turismo em Cotijuba ainda não é tão consolidado e deveria<br />

haver investimentos na infraestrutura turística, já que a ilha é detentora de imenso<br />

potencial turístico.<br />

• Em linhas gerais, as necessidades mais imediatas para os dois trapiches<br />

investigados seriam as seguintes: (i) elaboração de projeto de infraestrutura física<br />

adequada a transferência de passageiros entre os terminais fluviais e terrestres e<br />

(ii) possibilitar de oferta de um conjuntos de serviços correlatos ao trânsito de<br />

turistas. Do ponto de vista do transporte, as embarcações atuais necessitam de<br />

revisão tecnológica tanto no aspecto de capacidade quanto em termos de projeto<br />

para contemplar itens importantes de segurança.<br />

Apesar de todos os problemas e necessidades elencadas, o turista sai com um<br />

conceito regular do turismo em Cotijuba e os comerciantes permanecem no local<br />

acreditando no potencial da Ilha. Daí a crescente importância de investimentos para<br />

dinamizar este setor e torná-lo um fator gerador de emprego e renda, a começar pelo<br />

transporte hidroviário que é a porta do turismo em Cotijuba.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BERTAGLIA, P.R. Logística e gerenciamento da cadeia de abastecimento. São Paulo:<br />

Saraiva, 2003.<br />

D-Fluvial. Demanda Potencial e Formação de Rede Rodofluvial na Região Metropolitana<br />

de Belém. 151 p. Universidade da Amazônia/Universidade Federal do Pará, Belém, 2009<br />

(Relatório de Pesquisa).<br />

IBGE. Censo demográfico – população residente. Instituto Brasileiro de Geografia e<br />

Estatística, Rio de Janeiro, 2005.<br />

SUDAM. Transporte Fluvial nas Ilhas da Área Metropolitana de Belém. Superintendência<br />

para o Desenvolvimento da Amazônia, Belém, 2000. 224p. (Relatório de Pesquisa).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 59-73, dez. 2010


74<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 71-85, jun. 2010


75<br />

AVALIAÇÃO <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO <strong>DE</strong> RE<strong>DE</strong>S<br />

WIRELESS SUBMARINAS VIA SIMULAÇÃO<br />

Isadora Mendes dos Santos *<br />

Mauro Margalho Coutinho **<br />

RESUMO<br />

Nas últimas décadas tem-se visto um crescente interesse em pesquisas envolvendo comunicação<br />

sem fio submarina. Todavia, as especificidades técnicas desse nicho ainda são<br />

pouco difundidas no Brasil, principalmente por causa da dificuldade em se encontrar<br />

documentação associada. Os recursos limitados dos centros de pesquisas têm aumentado<br />

o número de investigações via simulação. Este artigo pretende documentar esse procedimento<br />

a fim de contribuir com pesquisas futuras explorando o Network Simulator.<br />

Palavras-chave: wireless. Submarina. Redes acústicas. Comunicações submarinas. Simulação.<br />

ABSTRACT<br />

PERFORMANCE EVALUATION OF UN<strong>DE</strong>RWATER<br />

WIRELESS NETWORKS BY SIMULATION<br />

The past decades have seen a growing interest in underwater wireless communications<br />

researches. However, the technical characteristics of this niche are still poorly distributed<br />

in Brazil, mainly because of the difficulty of finding associated documentation. The limited<br />

resources of researches centers have increased the number of investigations by simulation.<br />

This article aims to document this procedure in order to contribute with future<br />

research exploring the Network Simulator.<br />

Keywords: underwater wireless. Acoustic network. Underwater communications.<br />

Simulation.<br />

*<br />

Professora da Universidade da Amazônia - <strong>Unama</strong>. isadoramsantos@gmail.com<br />

**<br />

Professor da Universidade da Amazônia - <strong>Unama</strong>. margalho@unama.br<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


76<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O uso da técnica de avaliação de desempenho conhecida como simulação tem<br />

viabilizado uma grande quantidade de investigações científicas em redes wireless submarinas.<br />

Graças ao poder computacional das máquinas de hoje e a existência de simuladores<br />

gratuitos, reconhecidos tanto na academia quanto fora dela, é possível investigar<br />

diferentes aspectos dessas redes. Um dos exemplos é o simulador Network Simulator ou<br />

NS-2. Desenvolvido a partir de um projeto denominado VINT (Virtual InterNetwork Testbed),<br />

que teve como incubadora a Universidade de Berkeley, o NS-2 tem se consolidado<br />

quase como um padrão de simulação para redes de computadores. O fato de ser livre e de<br />

código aberto permite que diversos módulos possam ser agregados e testados. Áreas<br />

onde não há recursos para fazer experimentos ou há limitações são propícias para testes<br />

via simulação. Todavia, a incorporação de módulos de terceiros no simulador pode se<br />

tornar um tormento para aqueles que querem reproduzi-los. Um dos objetivos deste<br />

artigo é documentar os procedimentos requeridos para a incorporação do módulo de<br />

simulação de redes wireless submarinas ao simulador NS-2, uma vez que o mesmo pode<br />

contribuir para vários trabalhos com foco na região amazônica, como é o caso de aplicações<br />

na piscicultura conforme abordado em (SANTOS; SOUZA; MARGALHO, 2010).<br />

Além desta sessão, este trabalho está dividido da seguinte forma. Na sessão 2 é<br />

apresentado um estudo acerca do estado da arte de redes sem fio com referências a<br />

alguns trabalhos correlatos. A sessão 3 abordará os detalhes do método de simulação. A<br />

sessão 4 apresentará os detalhes acerca da criação dos scripts de simulação. A sessão 5<br />

apresenta um exemplo de aplicação da técnica e na sessão 6 serão feitas as considerações<br />

finais e conclusões.<br />

2 WIRELESS SUBMARINA<br />

As Redes Wireless Submarinas ou Redes Acústicas Submarinas como é chamada a<br />

forma de comunicação de dados sem fio embaixo da água, é um campo de pesquisa<br />

bastante vasto e que vem crescendo muito nos últimos anos. Muito disso se deve à necessidade<br />

de se desenvolver aplicações para segurança marítima, coleta de dados oceanográficos,<br />

assistência à navegação e monitoramentos aquáticos(AKYILDIZ et al., 2005).<br />

Estas redes são basicamente formadas estabelecendo-se uma ligação entre instrumentos<br />

como veículos autônomos submarinos (AUV’s) ou sensores que podem ou<br />

não se conectar a uma estação na superfície que contenha uma conexão de rádio frequência.<br />

Esta configuração cria um ambiente onde se podem obter informações em tempo<br />

real(SOZER et al., 2000).<br />

Na figura 1 observa-se um exemplo do ambiente de uma rede wireless submarina.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


77<br />

Figura 1 – Exemplo de Redes Wireless Submarina.<br />

Uma das primeiras utilizações desta modalidade de rede ocorreu durante a II<br />

Guerra Mundial, em 1945, quando os Estados Unidos desenvolveram um telefone para<br />

se comunicar com submarinos (AKYILDIZ et al., 2005; STOJANOVIC, 1998).<br />

A comunicação sem fio submarina se dá por meios de ondas sonoras, porém,<br />

este não é o único meio de transmissão de sinal embaixo da água. As ondas eletromagnéticas<br />

sofrem grande absorção pela água e só penetram a frequências extremamente<br />

baixas, ainda assim a elevadas potências de transmissão(MIGUENS, 2000). As ondas<br />

óticas, por sua vez, sofrem com espalhamento. Isto torna a transmissão sonora a solução<br />

mais adequada.<br />

Apesar disso, o desenvolvimento de sistemas baseados em comunicação sem<br />

fio embaixo da água encontra desafios significativos devido ao fato de que as características<br />

de propagação no ambiente subaquático são muito variáveis (PREISIG, 2006), ou<br />

seja, ambientes diferentes sofrem processos físicos diferentes, logo, uma aplicação<br />

desenvolvida para funcionar efetivamente em um ambiente pode falhar completamente<br />

em outro ambiente.<br />

Outros desafios enfrentados pelas redes wireless submarinas são a limitação da<br />

largura de banda, atraso de propagação, altas taxas de erros de bits e perda de conectividade<br />

em determinadas áreas (AKYILDIZ et al., 2004; PREISIG, 2006; STOJANOVIC; MILICA, 2006).<br />

Mas a previsão para estas redes é de que se possa promover a troca de dados de<br />

controle, vídeo, imagem e voz e para que se alcance esse objetivo muitos estudos estão<br />

sendo desenvolvidos atualmente focados no desenvolvimento de algoritmos eficientes<br />

de comunicação, meios de modulação, protocolos adequados às suas características,<br />

e técnicas para comunicação móvel embaixo da água (STOJANOVIC, 1998).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


78<br />

3 ANÁLISE <strong>DE</strong> <strong>DE</strong>SEMPENHO VIA SIMULAÇÃO<br />

Devido ao custo, a falta de equipamentos e as dificuldades para realizar testes<br />

no mar, as simulações usando softwares adequados tem sido a opção mais utilizada nas<br />

pesquisas de redes wireless submarinas.<br />

As simulações permitem uma avaliação de desempenho mais rápida, para vários<br />

protocolos e muito próxima dos resultados reais, além de que existem diversas<br />

ferramentas para este fim.<br />

O simulador de redes utilizado neste trabalho foi o Network Simulator (NS-2)<br />

utilizado também em (III; ZORZI, 2007), versão 2.31. O NS-2 tem um bom nível de aceitação<br />

pela comunidade científica internacional.<br />

Ele permite a simulação de sistemas de redes altamente complexos e diversos<br />

tipos de redes: com fio, sem fio, satélites, e subaquáticas, entre outras, além de que<br />

trabalha com muitos protocolos, filas de roteamento de vários tipos e geradores de<br />

tráfego.<br />

Trata-se de um software desenvolvido em C++ e TCL (Toll Command Language) e<br />

seu código é aberto o que possibilita um constante processo de desenvolvimento em<br />

busca de melhorias.<br />

Atualmente o NS-2 se encontra na versão 3.0, que vem sendo desenvolvida em<br />

C++ e Phyton. Maiores informações acerca deste simulador de redes podem ser encontradas<br />

em (NS2, 2010).<br />

Para possibilitar a realização da simulação de ambientes subaquáticos faz-se<br />

necessária a instalação de vários pacotes. Uma sugestão é o uso do sistema operacional<br />

Ubuntu 7.10, já que ocorreram problemas de compatibilidade com outras versões.<br />

Além do NS-2.31 deve-se instalar um complemento (patch) para utilização de<br />

bibliotecas dinâmicas (patch-dl-ns-2.31). Este patch permite o uso dinâmico de módulos<br />

diferentes no momento da simulação sem a necessidade de se recompilar todo o<br />

NS. Além disso, ele torna a instalação de módulos de terceiros mais fácil, modular e<br />

escalável, mantendo a compatibilidade com versões anteriores. Maiores informações e<br />

download podem ser encontrados em (UNIVERSITÀ <strong>DE</strong>GLI STUDI DI PADOVA, 2010a).<br />

Outro item que deve ser instalado é o NS-MIRACLE (Multi-InteRfAce Cross-Layer<br />

Extension library for the Network Simulator). Trata-se de um conjunto de bibliotecas<br />

que aumentam as funcionalidades do simulador. Essas bibliotecas permitem a coexistência<br />

de vários módulos na mesma pilha de protocolos e fornecem um eficiente mecanismo<br />

para manipulação de mensagens de camadas cruzadas.<br />

O framework NS-MIRACLE facilita a implementação e simulação dos mais modernos<br />

sistemas de comunicação.<br />

Após estes procedimentos deve-se instalar a biblioteca dei80211mr (UNIVERSITÀ<br />

<strong>DE</strong>GLI STUDI DI PADOVA, 2010b) que fornece uma implementação 802.11 para o NS-2. Essa<br />

biblioteca pode ser usada com o NS-MIRACLE ou somente associada ao NS-2. Somente a<br />

partir da versão NS-2.33 ela se tornou parte da distribuição oficial do ns-allinone.<br />

Por fim deve-se instalar o módulo underwatermiracle que é um módulo desenvolvido<br />

para o NS-MIRACLE e permite uma simulação detalhada do canal submarino,<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


79<br />

incluindo atenuação, ruído, temperatura e velocidade de propagação de acordo com a<br />

profundidade. Este módulo implementa dois modelos físicos, um baseado no teorema<br />

de Shannon e o outro implementa o esquema de modulação BPSK. Além destes há<br />

suporte aos protocolos ALOHA e FDMA da camada MAC.<br />

O download e a documentação deste módulo se encontram em (UNIVERSITÀ<br />

<strong>DE</strong>GLI STUDI DI PADOVA, 2010c)<br />

As ferramentas citadas, à exceção do NS, foram desenvolvidas pelo laboratório<br />

SIGNET da Universidade de Padovia na Itália (<strong>DE</strong>PARTAMENT OF INFORMATION ENGE-<br />

NEERING, 2010).<br />

4 SCRIPT <strong>DE</strong> SIMULAÇÃO<br />

Um processo de simulação se dá através de:<br />

4.1 ESCRITA DO SCRIPT TCL<br />

4.2 EXECUÇÃO DO SCRIPT<br />

4.2.1 Geração do arquivo trace ao final da simulação com todos os registros da simulação<br />

4.3 ANÁLISE DO ARQUIVO TRACE ATRAVÉS <strong>DE</strong> FERRAMENTAS GERADORAS <strong>DE</strong> GRÁFI-<br />

COS PARA QUE SE OBTENHAM OS RESULTADOS DA SIMULAÇÃO<br />

Na etapa de confecção do script é necessário definir alguns parâmetros básicos.<br />

A pasta samples do módulo underwatermiracle possui alguns exemplos de scripts de<br />

simulação de cada um dos protocolos oferecidos que podem ser usados como exemplo<br />

na criação do script.<br />

Em qualquer simulação é imprescindível criar o objeto simulador que irá instanciar<br />

o NS e o Ns-MIRACLE. Isto pode ser feito como mostra o quadro 1.<br />

set ns [new Simulator]<br />

$ns use-Miracle<br />

Quadro 1 – Criação do objeto simulador.<br />

Para a geração do arquivo trace, deve-se definir no script de simulação o nome,<br />

o modo de abertura, que neste caso é escrita (write), e o que ele gravará no arquivo. O<br />

quadro 2 mostra como o trace grava todos os eventos ocorridos na simulação.<br />

set opt(tracefilename) “nome.tr”<br />

set opt(tracefile) [open $opt(tracefilename) w]<br />

$ns trace-all $opt(tracefile)<br />

Quadro 2 – Geração do arquivo trace.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


80<br />

Podem-se estipular os tempos de início e fim da simulação através das funções<br />

apresentadas no quadro 3.<br />

set opt(starttime)<br />

set opt(stoptime)<br />

Quadro 3 – Início e fim da simulação.<br />

Por se tratar de um canal de simulação diferente, utilizando outro módulo do NS,<br />

alguns parâmetros importantes devem ser definidos, de acordo com os quadros de 4 a 7.<br />

• Distância equivalente ao eixo x do plano cartesiano<br />

set opt(xmax) 500<br />

Quadro 4 – Definição da distância máxima no eixo x.<br />

• Frequência e largura de banda<br />

• Potência<br />

set smask [new MSpectralMask/Rect]<br />

$smask setFreq 8.625e3<br />

$smask setBandwidth 10.886e3<br />

Quadro 5 – Definição de freqência e largura de banda.<br />

Module/MPhy/BPSK/Underwater set TxPower_ 100e9<br />

Quadro 6 – Definição de potência.<br />

• Taxa de transmissão, que pode ser determinada diretamente através da linha<br />

abaixo, ou separadamente através dos valores do tamanho do pacote e do período de<br />

envio.<br />

Module/CBR set rate_ 3000b<br />

Quadro 7 – Definição da taxa de transmissão,<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


81<br />

A criação dos nós é realizada através de um procedimento e é de fundamental<br />

importância, pois nele são definidas as conexões entre as camadas. De acordo com a<br />

figura 2 um nó possui três camadas: CBR (camada de rede), MAC (protocolo ALOHA) e<br />

PHY (camada física). O pacote percorre as três camadas e então é transmitido aos outros<br />

nós através de comunicação broadcast.<br />

Figura 2 – Exemplificação do tráfego entre os nós.<br />

O processo citado é codificado de acordo com o quadro 8.<br />

set cbr($id) [new Module/CBR]<br />

set mac($id) [new Module/MMac/ALOHA]<br />

set phy($id) [new Module/MPhy/BPSK/Underwater]<br />

$node($id) addModule 3 $cbr($id) 0 “CBR($id)”<br />

$node($id) addModule 2 $mac($id) 0 “MAC($id)”<br />

$node($id) addModule 1 $phy($id) 0 “PHY($id)”<br />

$node($id) setConnection $cbr($id) $mac($id) 1<br />

$node($id) setConnection $mac($id) $phy($id) 1<br />

$node($id) addToChannel $channel $phy($id) 0<br />

Quadro 8 – Criação dos nós e conexão entre camadas<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


82<br />

A quantidade de nós e suas localizações são definidas de acordo com o quadro 9.<br />

createNode 1<br />

$position(1) setX_ 5.0<br />

$position(1) setY_ 5.0<br />

$position(1) setZ_ 5.0<br />

$ns at $opt(starttime) “$cbr(1) start”<br />

$ns at $opt(stoptime) “$cbr(1) stop”<br />

Quadro 9 – Definição da quantidade e localização dos nós.<br />

Onde as duas últimas linhas equivalem ao início e fim do tráfego de dados e<br />

devem ser definidas apenas pelo nó transmissor, de acordo com o modelo que será<br />

utilizado.<br />

Feito isso, o script termina executando o simulador como mostra o quadro 10.<br />

5 ESTUDO <strong>DE</strong> CASO<br />

$ns run<br />

Quadro 10 – Execução do simulador.<br />

Para exemplificar uma das aplicações desta técnica, (SANTOS et al., 2010) simularam<br />

sua utilização em um cenário amazônico de piscicultura a fim de analisar sua<br />

viabilidade na automatização do monitoramento de água.<br />

A figura 3 demonstra o cenário utilizado na pesquisa.<br />

Figura 3 – Exemplo do cenário simulado.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


83<br />

A pesquisa referenciada utilizou os parâmetros descritos na tabela 1.<br />

Tabela 1 – Parâmetros utilizados na simulação.<br />

Fonte: Hipotético<br />

6 CONCLUSÃO<br />

Este artigo documentou os procedimentos para instalação do módulo de simulação<br />

submarina no Network Simulator (NS-2) assim como os procedimentos para a<br />

realização da simulação.<br />

Ele contribuirá com pesquisadores e/ou estudantes que desejem reproduzir<br />

este estudo ou se aprofundar em estudos futuros.<br />

Com o crescente interesse nas redes wireless submarinas pelos pesquisadores,<br />

muitas melhorias ainda são esperadas para esta tecnologia, o que incentivará, no futuro,<br />

aplicações ainda melhores como o reconhecimento de espécies marinhas, a transmissão<br />

de vídeos submarinos e fotos, o que contribuiria com muitas atividades e estudos<br />

embaixo da água.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AKYILDIZ, I. F.; POMPILI, D.; MELODIA, T. Challenges for Efûcient Communication in Underwater<br />

Acoustic Sensor Networks.pdf. SIGBED Review, 2004.<br />

________. T. Underwater acoustic sensor networks/ : research challenges. Ad Hoc Networks,<br />

v. 3, p. 257-279, 2005.<br />

<strong>DE</strong>PARTAMENT OF INFORMATION ENGENEERING, U. <strong>DE</strong>GLI S. DI P. SIGNET. Disponível<br />

em: . Acesso em: 12 maio. 2010.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


84<br />

MIGUENS, A. P. Noções sobre geração, transmissão, propagação e recepção das ondas eletromagnéticas<br />

e acústicas. Navegação: A Ciencia e a Arte, v. Volume III, p. 1221-1264, 2000.<br />

NS2. User Information. Disponível em: . Acesso em: 12 maio. 2010.<br />

PREISIG, J. Acoustic Propagation Considerations for Underwater Acoustic Communications<br />

Network Development. Society, p. 1-5, 2006.<br />

SANTOS, I.; SOUZA, G.; MARGALHO, M. The Use of Underwater Wireless Networks in<br />

Pisciculture at Amazon. Journal of Computer Science, v. 7, n. 5, p. 112-116, 2010.<br />

SOZER, E.; STOJANOVIC, M; PROAKIS, J. Underwater acoustic networks. IEEE Journal of<br />

oceanic engineering, v. 25, n. 1, p. 72-83, 2000.<br />

STOJANOVIC, MILICA. Underwater acoustic communication. Wiley Encyclopedia of Electrical<br />

and Electronics …, p. 688-698, 1998.<br />

STOJANOVIC, Milicia. Underwater wireless communications: current achievements and<br />

research challenges. IEEE Oceanic Engineering Society, p. 2-7, 2006.<br />

III, A. F. H.; ZORZI, M. Modeling the Underwater Acoustic Channel in ns2. Proceedings of<br />

the 2nd international conference on Performance evaluation methodologies and tools<br />

(ValueTools ’07). Anais... Brussels, Belgium: ICST (Institute for Computer Sciences, Social-Informatics<br />

and Telecommunications Engineering), 2007<br />

UNIVERSITÀ <strong>DE</strong>GLI STUDI DI PADOVA. A patch for effectively using Dynamic Libraries in<br />

NS-2. Disponível em: . Acesso em:<br />

12 maio. 2010a.<br />

__________. Dei80211mr: a new 802.11 implementation for NS-2. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2010b.<br />

__________. NS-MIRACLE: Multi-InteRfAce Cross-Layer Extension library for the Network<br />

Simulator. Disponível em: .<br />

Acesso em: 14 abr. 2010c.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 75-84, dez. 2010


85<br />

ESTUDO DA DINÂMICA POPULACIONAL NO PERÍODO <strong>DE</strong> 1970 – 2000:<br />

UMA ANÁLISE DO CENTRÓI<strong>DE</strong> E DA DISPERSÃO<br />

DA POPULAÇÃO NO ESTADO DO PARÁ<br />

José Ferreira da Rocha *<br />

Sérgio Castro Gomes **<br />

Magno Roberto Alves Macedo ***<br />

Eugênia Rosa Cabral ****<br />

RESUMO<br />

O presente trabalho apresenta dois objetivos principais que se correlacionam. Um<br />

interessado em analisar a dinâmica populacional no Estado do Pará nas décadas de 70,<br />

80 e 90, levando em consideração o padrão espacial da distribuição populacional. E<br />

outro de identificar a formação de aglomerados populacionais (clusters) no estado. Para<br />

analisar a distribuição espacial da população do estado foi calculado o centro médio,a<br />

distância padrão, a elipse do desvio padrão ponderadas pela população dos municípios.<br />

Para avaliar a formação de clusters de municípios, em relação ao tamanho da população<br />

residente foi encontrada a autocorrelação espacial local (LISA). Os resultados apontam<br />

evidências de que a população do estado se distribuiu espacialmente no sentido<br />

Nordeste/Sudoeste, no período de 1970-2000.<br />

Palavras-chave: Centro médio. Desvio padrão. Aglomerados. Centróide.<br />

A STUDY OF THE POPULATIONAL DYNAMIC BETWEEN 1970 AND 2000:<br />

A CENTROID AND DISPERSION POPULATION ANALYSIS IN THE PARÁ STATE<br />

ABSTRACT<br />

This paper presents two main objectives that correlate. One interested in analyzing<br />

population dynamics in Para State in the ’70s, ’80s and ’90s, taking into account the<br />

spatial pattern of population distribution. And another to identify the clustering of<br />

populations (clusters) in the state. To analyze the spatial distribution of the state<br />

population was calculated by the center median, the standard distance, the ellipse of<br />

*<br />

Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará – I<strong>DE</strong>SP. Av. Municipalidade, 1461 – Umarizal<br />

– CEP: 66050-350 – Belém-PA. josef.rocha@idesp.pa.gov.br<br />

**<br />

Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará – I<strong>DE</strong>SP. Av. Municipalidade, 1461 – Umarizal<br />

– CEP: 66050-350 – Belém-PA. Universidade da Amazônia – UNAMA. Avenida Alcindo Cacela, 287 – Umarizal<br />

– CEP: 66060-902 - Belém-PA. sergio.gomes@idesp.pa.gov.br<br />

***<br />

Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará – I<strong>DE</strong>SP. Av. Municipalidade, 1461 – Umarizal<br />

– CEP: 66050-350 – Belém-PA. magno.macedo@idesp.pa.gov.br<br />

****<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA. Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal – CEP: 66060-902 – Belém – PA.<br />

eugeniacabral@unama.br<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


86<br />

standard deviation weighted by the population of municipalities. To assess the formation<br />

of clusters of municipalities in relation to the size of the resident found the local spatial<br />

autocorrelation (LISA). The results show that the state’s population is spatially distributed<br />

in the direction northeast / southwest, in the period 1970-2000.<br />

Keywords: Center median. Standard deviation. Clusters. centroid.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Durante as décadas de 1960 e 1970, a estratégia de desenvolvimento adotada<br />

pelo Governo Federal, para a Amazônia Legal, via planejamento central, estava focada<br />

em grandes projetos de investimentos que, estrategicamente localizados, teriam fortes<br />

vínculos com suas áreas de influência política, social, econômica e institucional,<br />

promovendo o crescimento e o desenvolvimento das regiões.<br />

A política de desenvolvimento regional da Amazônia Legal priorizou os gastos<br />

públicos em infraestrutura e na formação dos fatores de produção, capital e trabalho. O<br />

primeiro via incentivos fiscais e investimentos em infraestrutura feitos pelo setor<br />

público, e o segundo, a partir do processo de povoamento de extensas áreas da Amazônia,<br />

dado a abundância de terras e de recursos naturais. Algo em torno de 60 mil quilômetros<br />

de estradas foi construído no período de 1970 a 1985.<br />

Em 1970, a participação relativa da Amazônia Legal no PIB do Brasil foi de 4,08%,<br />

passados mais de 37 anos, a contribuição da região para a formação do PIB brasileiro de<br />

2007 se ampliou, chegando a 12,41%, a preços correntes de 2000. Nesse processo o<br />

Estado do Pará tem papel preponderante na formação da renda gerada na Amazônia<br />

Legal uma vez que contribuiu com 50,76% e 37,06%, na composição do PIB de 1970 e<br />

2007, respectivamente.<br />

A partir dos anos de 1970 a população do Pará apresentou uma expressiva evolução,<br />

saindo de 2,16 milhões de habitantes em 1970 para 7,06 milhões de habitantes em 2007. Em<br />

termos geométricos, a taxa de crescimento populacional no período de 1970 a 1990 foi de<br />

4,07% ao ano, enquanto que no período de 1991 a 2007 o crescimento continuou a ocorrer, só<br />

que em proporções decrescentes, em média 2,03% ao ano. Essa dinâmica demográfica foi<br />

bastante influenciada pelo movimento migratório realizado por contingente significativo<br />

de habitantes das Regiões Nordeste e Centro-Oeste, atraídos pelas oportunidades de<br />

emprego no setor minero-metalúrgico e na agropecuária (IBGE, 2007).<br />

As regiões metropolitanas, do sudoeste e sudeste do Pará foram as que<br />

registraram as maiores elevações da população, com destaque para a capital Belém e os<br />

municípios de Marabá, Paragominas, Parauapebas, Itaituba, Santarém e Castanhal.<br />

A literatura sobre a geografia urbana sinaliza para a forte evidência da correlação<br />

positiva entre o crescimento econômico, representado pelo PIB, e o crescimento<br />

populacional, daí a concentração populacional em cidades com elevado valor de PIB.<br />

Esse crescimento econômico resulta, em grande medida, do que os economistas<br />

denominam de economias de aglomeração, ou seja, o adensamento das cidades gera a<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


87<br />

elevação e diversificação da demanda por produtos e serviços. (GLAESER, 1995; OLIVEIRA,<br />

2006). Incorporar as coordenadas geográficas de um espaço, no cálculo das medidas<br />

estatísticas sobre esse local, contribui para dar maior robustez aos resultados obtidos<br />

para as variáveis econômicas, sociais e ambientais, fato que não se consegue a partir da<br />

utilização das medidas estatísticas clássicas.<br />

Segundo Anselin (1988), o cálculo das medidas estatísticas descritivas e das<br />

relações entre variáveis investigadas pela econometria, levando-se em consideração o<br />

posicionamento geográfico da ocorrência do fenômeno social, econômico e<br />

demográfico, adiciona à informação produzida, aspectos deixados de lado pela<br />

abordagem da estatística clássica, em que a unidade espacial serve apenas para situar<br />

geograficamente o dado agregado.<br />

A análise espacial ressalta a mensuração das propriedades e o relacionamento<br />

entre variáveis considerando a localização geográfica e, por conseguinte, incorporando<br />

na modelagem do processo gerador dos dados características relacionadas ao<br />

posicionamento espacial do fenômeno investigado.<br />

O aumento do uso das ferramentas georreferenciadas resulta, em grande<br />

medida, da redução dos custos de hardware e software, da forma amigável da interface<br />

desses sistemas e da absorção dessas tecnologias pelas diferentes áreas de<br />

conhecimento científico que acoplaram em suas metodologias o espaço onde os<br />

fenômenos são registrados.<br />

Segundo Druck et al (2004), compreender a distribuição espacial de dados<br />

referentes aos fenômenos observados no espaço tem contribuído significativamente<br />

para elucidar questões centrais em áreas de conhecimento como: saúde, meio ambiente,<br />

agronomia, economia, geologia, entre outras.<br />

De posse das informações georreferenciadas é possível observar o padrão<br />

espacial da concentração industrial, do número de ocorrências de homicídios, das fontes<br />

de poluição e de doenças contagiosas, entre outros fenômenos de interesse. Assim<br />

como se pode encontrar a intensidade do relacionamento de um município com os seus<br />

vizinhos mais próximos, ou ainda, avaliar o efeito da externalidade espacial de uma<br />

variável econômica, como a renda per capita de um município sobre os seus vizinhos,<br />

conhecido na teoria do crescimento econômico como externalidades espaciais ou<br />

spillovers (ANSELIN, 2000, 2003; LESAG, 1998).<br />

Os sistemas que realizam o tratamento de dados geográficos e armazenam a<br />

geometria e os atributos dos dados são conhecidos como Sistemas de Informações<br />

Geográficas (SIG). Segundo Druck et al (2004) esses sistemas apresentam os seguintes<br />

componentes: interface com usuários, entrada e integração de dados, funções de<br />

processamento gráfico e de imagens, visualização e plotágem, armazenamento e<br />

recuperação de dados (organizados sob a forma de banco de dados geográficos).<br />

A área de análise do presente estudo é formada pelo contorno territorial dos<br />

municípios do Estado do Pará, representados por um polígono fechado aos quais os<br />

dados agregados e as coordenadas geográficas do município estão relacionados em um<br />

banco de dados.<br />

Nos últimos 30 anos, a quantidade de municípios no Estado do Pará cresceu<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


88<br />

cerca de 72,3%, saindo de 83 unidades em 1970 para 143 em 2000, ou seja, foram criados<br />

60 municípios. Como a criação desses municípios se dá pela união de partições de áreas<br />

de um ou mais municípios, as variáveis sociais, econômicas, demográficas perdem o<br />

efeito da comparação intercensitária. Diante dessa ampliação utilizou-se o conceito de<br />

Áreas Mínimas Comparáveis (AMC), de maneira a garantir um mínimo de homogeneidade<br />

aos indivíduos da população e a homogeneidade interna à unidade regional (REIS;<br />

ALVARENGA; PIMENTEL, 2006).<br />

O presente trabalho apresenta dois objetivos principais que se correlacionam.<br />

Um interessado em analisar a dinâmica populacional no Estado do Pará nas décadas de<br />

70, 80 e 90, levando em consideração o padrão espacial da distribuição populacional. E<br />

outro de identificar a formação de aglomerados populacionais (clusters) no estado.<br />

Além desta introdução, o trabalho está estruturado em mais quatro seções. Na<br />

segunda seção encontra-se os procedimentos metodológicos, onde se descreve as<br />

técnicas de análise espacial utilizadas no estudo. Na seção seguinte conduz-se a análise<br />

de resultados das medidas de estatística espacial empregadas no estudo. A sessão<br />

seguinte contempla a conclusão e por fim a bibliografia utilizada.<br />

2 METODOLOGIA<br />

Os dados municipais referentes a população residente foram obtidos no site do<br />

IPEADATA, para os anos de 1970, 1980, 1990 e 2000. Em decorrência das alterações no<br />

recorte territorial, devido a criação de novos municípios no período em análise, a<br />

comparação da variável municipal entre os anos de 1970 e 2000 ficou prejudicada. Em<br />

função dessa inconsistência adotou-se, o conceito de Áreas Mínimas Comparáveis (AMC),<br />

metodologia elaborada por Reis, Alvarenga, Pimentel (2006).<br />

A vantagem de utilizar as AMC reside no fato de se garantir que a variável<br />

envolvida na modelagem possa refletir áreas minimamente homogêneas. Do contrário,<br />

poder-se-ia incorrer em um erro de se comparar áreas não comparáveis.<br />

2.1 MEDIDAS <strong>DE</strong> TENDÊNCIA CENTRAL <strong>DE</strong> DISPERSÃO ESPACIAL<br />

Centro Médio<br />

Medida análoga a média aritmética e definida como o ponto de um plano que<br />

minimiza a soma das distâncias quadráticas em relação a todos os demais pontos do<br />

plano (EBDON, 1985). Equivale ao centro gravidade de um corpo e é empregado para<br />

descobrir as mudanças na distribuição espacial dos centróides ao longo do tempo<br />

(TARTARUGA, 2008). É obtida a partir da formulação a seguir:<br />

( x,<br />

y)<br />

<br />

<br />

<br />

1<br />

n<br />

n<br />

<br />

i1<br />

1<br />

xi,<br />

n<br />

n<br />

<br />

i1<br />

<br />

yi<br />

, <br />

<br />

(1)<br />

em que: x : coordenada X (longitude) do centro médio;<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


89<br />

y : coordenada Y (latitude) do centro médio;<br />

x<br />

i<br />

: coordenada X (longitude) do centróide do município “i”;<br />

y<br />

i<br />

: coordenada Y (latitide) do centróide do município “i”;<br />

n: número de centróides (municípios)<br />

Centro Médio Ponderado<br />

Uma vez que o centro médio informa apenas o centro gravitacional dos<br />

centróides, sem levar em consideração a informação sobre o tamanho da população no<br />

município, se torna imprescindível a incorporação dessa variável no modelo, onde ela<br />

funcionará como um fator de ponderação, como na média aritmética ponderada<br />

apresentada pela estatística clássica. Em termos matemáticos:<br />

<br />

<br />

( x,<br />

y)<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

n<br />

<br />

<br />

<br />

i i<br />

i 1 i 1<br />

,<br />

n<br />

n<br />

i 1<br />

p x<br />

p<br />

i<br />

n<br />

<br />

i1<br />

p y<br />

i<br />

p<br />

i<br />

i<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

(2)<br />

em que: p<br />

i<br />

que é o peso correspondente ao centróide (município) “i”. A demais<br />

definição de variáveis segue a configuração anterior.<br />

Desvio Padrão<br />

Após a obtenção do centro médio é possível avaliar o nível de dispersão da<br />

distribuição espacial dos pontos em torno do centro médio. Essa medida é conhecida<br />

como distância padrão e representa o raio de um círculo com ponto central localizado no<br />

centro médio da distribuição. A relação entre a dispersão e a distância padrão é positiva<br />

e direta, ou seja, quanto maior a distancia padrão maior será a dispersão dos pontos em<br />

torno do centro médio, e vice-versa. A definição matemática dessa medida é dada por:<br />

em que:<br />

S<br />

xy : Distância padrão<br />

S<br />

n<br />

<br />

2<br />

( x x)<br />

<br />

i<br />

i1<br />

i1<br />

xy <br />

n<br />

n<br />

<br />

2<br />

( y y)<br />

i<br />

(3)<br />

x : coordenada X (longitude) do centro médio;<br />

y : coordenada Y (latitude) do centro médio;<br />

x<br />

i<br />

: coordenada X (longitude) do centróide do município “i”;<br />

y<br />

i<br />

: coordenada Y (latitide) do centróide do município “i”;<br />

n: número de centróides (municípios)<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


90<br />

Desvio Padrão Ponderado<br />

De maneira análoga ao que foi feito para o centro médio ponderado, à distância<br />

padrão ponderada é obtida a partir da incorporação do peso (população residente) na<br />

formulação (4).<br />

S<br />

Adicionando-se a equação (3):<br />

(município) “i”.<br />

Elipse de Desvio Padrão<br />

<br />

i1<br />

(4)<br />

que é o peso correspondente ao centróide<br />

Levando-se em consideração a densidade e a orientação, como forma de<br />

identificar a tendência da distribuição dos pontos, utilizou-se a formulação apresentada<br />

por Tartaruga (2008). De posse dessa informação será possível mostrar o comportamento,<br />

no tempo, da distribuição dos pontos, isto é, a dinâmica da distribuição espacial da<br />

população residente ao longo do período em foco.<br />

Segundo o autor a elipse é determinada a partir de três parâmetros: ângulo de<br />

rotação, dispersão ao longo do maior eixo e dispersão ao longo do menor eixo. O maior<br />

eixo define a direção de máxima dispersão da distribuição e o menor eixo define a<br />

direção mínima de dispersão. Além do mais se pode definir o número de desvios padrão<br />

que se deseja para representar a abrangência da elipse, como definido para uma<br />

distribuição normal padrão. No caso da elipse ponderada, incorpora-se ao cálculo dos<br />

parâmetros o peso (população residente). O cálculo dos parâmetros da elipse e das<br />

demais medidas foi viabilizado a partir do software para geoprocessamento ArcGIS.<br />

Para obtenção dos Centros Médios e Desvio Padrão, utilizou-se no software<br />

ArcGIS a ferramenta Spatial Statistics Tools, no módulo Measuring Geographic<br />

Distributions para definição do Mean Center que foi atribuídos ao shape da base de<br />

municípios do Estado do Pará com peso igual ao período do estudo, no caso, 1970 até<br />

2000 e processo igual para a definição das elipse de crescimento populacional.<br />

Autocorrelação espacial local (LISA)<br />

xy<br />

<br />

n<br />

p ( x x)<br />

i<br />

i<br />

2<br />

n<br />

<br />

<br />

i 1<br />

p i<br />

n<br />

<br />

i1<br />

p<br />

i<br />

2<br />

p ( y y)<br />

Um dos pressupostos básicos levado em consideração para efeito de análises<br />

empíricas sobre os fenômenos espaciais é a primeira lei da geografia, enunciado por<br />

Tobler (1970); “todas as coisas são parecidas, mas coisas mais próximas se parecem mais<br />

que coisas mais distantes”. Com base nesse enunciado surge o conceito de dependência<br />

espacial, frequentemente utilizado para avaliar a correlação espacial levando-se em<br />

consideração a distância entre duas localidades.<br />

A medida de estatística espacial utilizada neste estudo para mensurar a<br />

dependência espacial local foi a estatística I-Moran, que faz parte do conjunto de<br />

ferramentas de estatística espacial utilizadas para desenvolver a Análise Exploratória<br />

de Dados Espaciais (AE<strong>DE</strong>).<br />

i<br />

i<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


91<br />

O processo de implementação da AE<strong>DE</strong> requer a construção de uma matriz de<br />

pesos espaciais (W). No presente estudo a matriz foi construída com base no modelo<br />

dos k vizinhos mais próximos, utilizando a métrica do grande círculo entre os centros<br />

dos municípios.<br />

Segundo Anselin (1988), por meio deste procedimento, é possível avaliar a<br />

hipótese de aleatoriedade espacial, comparando os valores do indicador de cada região<br />

com os indicadores das regiões vizinhas. Dessa forma, a estatística de I de Moran Local<br />

(I i<br />

) mensura a autocorrelação espacial de uma localização específica com os seus vizinhos,<br />

e pode ser expressa por:<br />

xi<br />

Ii<br />

wij<br />

x<br />

2 j<br />

x<br />

(5)<br />

<br />

i<br />

i<br />

A decisão estatística da hipótese de autocorrelação local é dada por: . A rejeição<br />

da hipótese nula indica que há evidência estatística de que o município “i” está<br />

correlacionado, espacialmente, com os seus vizinhos, ou seja, existe um aglomerado<br />

de municípios que, segundo as características de classificação, podem ser agregados em<br />

Alto-Alto, Baixo-Baixo, Alto-Baixo, Baixo-Alto, em que as duas primeiras classificações<br />

mostram similaridade entre os municípios vizinhos e as demais indicam dissimilaridade.<br />

O cálculo das estatísticas de Moran Local foi realizado no software Geoda.<br />

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

3.1 DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DA POPULAÇÃO<br />

No ano de 1970 observou-se uma predominância de municípios com contingente<br />

populacional na faixa representada pela cor mais escura, com destaque para as Áreas<br />

Minimamente Comparáveis (AMC) ou municípios localizados no Nordeste Paraense,<br />

situados próximos a capital, Belém. Esse padrão pode ser explicado, em grande medida,<br />

pelo fato de Belém representar, nesse período, o principal entreposto comercial da<br />

região amazônica (Figura 1).<br />

Os resultados censitários para 1970 mostram que os municípios das regiões do Baixo<br />

Amazonas e do Sudoeste do estado apresentavam-se pouco adensadas populacionalmente.<br />

Com destaque para os municípios de Almeirim, Juruti, AMC7097003 e AMC7097010 (ambas<br />

na microrregião de Itaituba), AMC7097014 (microrregião de Paragominas), AMC7097016<br />

(microrregião de Conceição do Araguaia) e AMC7097020 (microrregião de São Félix do Xingu),<br />

todos com tamanho populacional abaixo de 20 mil habitantes.<br />

A AMC7097017 e AMC7097019, situada na microrregião de Santarém e Almeirim,<br />

além de Belém, estão entre as áreas com contingente populacional acima de 100 mil<br />

habitantes. A população residente nessa AMC e Belém representava 40,99% da<br />

população total do estado recenseada em 1970.<br />

j<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


92<br />

Figura 1- Distribuição espacial da população residente segundo método<br />

de quebras naturais (Jenks) 1 , Estado do Pará, 1970<br />

No início da década de 1990 a população do Estado do Pará, mais que duplicou,<br />

em relação a população de 1970, saindo de 2,1 milhões para 4,8 milhões de habitantes<br />

(Figura 2). Nesse período tem-se o adensamento da população provocado por fatores<br />

naturais relativos a nascimentos e mortes, assim como a forte migração de pessoas<br />

vindas do Maranhão, Ceará, Piauí e alguns estados do sudeste. Esse movimento<br />

migratório surge em função da efetivação das obras do projeto Grande Carajás.<br />

Figura 2 - Distribuição espacial da população residente segundo método<br />

de quebras naturais (Jenks), Estado do Pará, 1990.<br />

Os resultados censitários de 1990 mostram que o número de municípios ou AMC<br />

com contingente populacional acima de 100 mil saltou de três para sete, os quais<br />

representavam 55,11% do total populacional do estado.<br />

1<br />

Método de classificação de dados que busca reduzir a variância dentro dos grupos e maximizar a variância<br />

entre os diferentes grupos. Foi utilizado devido a discrepância entre os dados populacionais para a capital do<br />

estado e os demais municípios (TARTARUGA, 2008).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


93<br />

Em 2000, a população residente, estimada pelo IBGE, atingiu 6,2 milhões de<br />

habitantes (Figura 3). A concentração populacional situa-se na porção centro oeste e<br />

sudeste, como reflexo da ampliação das atividades minero-metalúrgicas e agropastoris.<br />

Além da capital Belém.<br />

Figura 3 - Distribuição espacial da população residente segundo método de quebras<br />

naturais (Jenks), Estado do Pará, 2000<br />

No ano de 2003, existiam 13 municípios com população residente acima de 100<br />

mil habitantes, esses municípios ou AMC concentravam cerca de 67,70% da população<br />

do estado. A distribuição espacial desses municípios se deu, em maior proporção nos<br />

municípios da Região Metropolitana de Belém, no Sudeste e Sudoeste e Nordeste. Com<br />

destaque para os municípios ou AMC: Ananindeua, AMC7097011 (microrregião de<br />

Parauapebas), AMC709707 (microrregião de Redenção), Castanhal e Abaetetuba.<br />

3.2 CENTRO MÉDIO E <strong>DE</strong>SVIO PADRÃO<br />

Em relação aos centróides, no ano de 1970, ele se encontrava na posição<br />

geográfica referente ao município de Limoeiro do Ajuru, na microrregião de Cametá. No<br />

ano de 1980, localizou-se nos limites do município de Cametá e Oeiras do Pará, ainda na<br />

microrregião de Cametá, porém, inicia a trajetória no sentido Sudoeste do Pará.<br />

Em 1990, ele concentra-se no limite dos municípios de Oeiras do Pará e Bagre,<br />

transpondo da microrregião de Cametá para a microrregião de Portel. O centro médio<br />

em 2000 estava situado na mesma região limítrofe dos municípios de Oeiras do Pará e<br />

Bagre, com trajetória direcional para o Sul do Estado do Pará .<br />

A figura 4 possibilita visualizar o comportamento dos centros médios no sentido<br />

Nordeste/Sudoeste.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


94<br />

Figura 4 - Distribuição espacial dos centros médios da população<br />

residente, Estado do Pará, 1970-2000<br />

A forma da elipse para os anos de 1970 e 1980 mostra-se quase circular. Com<br />

efeito, não é possível identificar um eixo que seja predominante para a distribuição da<br />

população. No entanto, na figura 5 é possível perceber uma rotação da elipse no sentido<br />

Nordeste/Sudoeste, com perspectiva de se deslocar no sentido sudeste (com a mesma<br />

trajetória dos centros médios).<br />

Figura 5 - Elipses de desvio padrão da população<br />

residente, Estado do Pará, 1970-2000<br />

Os dados referente a Distância Padrão expressos na tabela 1 mostram uma<br />

tendência de concentração da população do Estado do Pará a partir dos dados registrados<br />

para o período 1970-2000.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


95<br />

Em termos de distância padrão observa-se uma ampliação da ordem de 40 km no<br />

período de 1970-1998, enquanto que na década de 1990 o que se expressa é uma redução<br />

de 1 km.<br />

Tabela 1 - Distância Padrão da população residente, Estado do Pará, 1970 - 2000<br />

Ano Km Diferença<br />

1970 336,38 -<br />

1980 355,69 19,31<br />

1990 376,64 20,95<br />

2000 375,65 -0,99<br />

Fonte: Resultados da pesquisa.<br />

Como pode ser observado na tabela 2, há uma ampliação da distância padrão em<br />

ambas as coordenadas, isto é, a área da elipse está aumentando com o passar dos anos,<br />

o que já foi observado com o aumento da dispersão dos dados.<br />

A rotação observada na elipse mostra a tendência de crescimento populacional<br />

ocasionada pelas ocupações territoriais em curso nos municípios do sudoeste e sudeste<br />

do Pará, com destaque para Altamira, Conceição do Araguaia, Marabá, Paragominas, e<br />

Parauapebas.<br />

Na área dos municípios citados ocorre a presença de atividades produtivas ligadas<br />

a extração de minérios de ferro, bauxita e ouro, entre outros. Além da intensificação da<br />

pecuária de corte e de leite. A extração e beneficiamento de madeira proveniente de<br />

floresta nativa, a ampliação das áreas de pasto e de áreas utilizadas para cultivo de<br />

lavouras temporárias e permanentes contribui para o adensamento populacional. Cabe<br />

destacar o avanço da cultura da Soja e de outros grãos cultivados nessas regiões.<br />

Tabela 2 - Elipses de desvio padrão da população, Estado do Pará, 1970-2000<br />

Ano<br />

Distância<br />

padrão em X<br />

(km)<br />

Distância<br />

padrão em Y<br />

(km)<br />

Rotação Graus<br />

decimais<br />

Parcela da<br />

população na<br />

elipse (%)<br />

1970 219,8 421,89 77,57 82,72<br />

1980 260,6 430,26 70,78 80,81<br />

1990 285,46 449,7 61,24 82,34<br />

2000 280,47 451,17 59,8 83,55<br />

Fonte: Resultados da pesquisa<br />

Nota: Utilizou-se um desvio padrão para cálculo da elipse.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


96<br />

3.3 AUTOCORRELAÇÃO ESPACIAL LOCAL (LISA)<br />

Em relação ao padrão de correlação espacial local (LISA), a Figura 6 mostra a<br />

presença de um padrão baixo-baixo, ou seja, municípios com tamanho populacional<br />

abaixo da média, circundado por municípios de tamanho populacional baixo. Essa<br />

característica foi observada quando da distribuição da população em classes. Outro<br />

padrão verificado foi o baixo-auto, isto é, municípios com tamanho populacional abaixo<br />

da média circundado por municípios com tamanho populacional acima da média. A<br />

estatística LISA mostrou-se não significante para um elevado número de municípios.<br />

Figura 6 - Padrão de distribuição espacial local (LISA) para população<br />

residente, Estado do Pará, 1970<br />

Fonte: Resultados da pesquisa.<br />

No ano de 1970, o padrão alto-alto, ou seja, um cluster formado por municípios<br />

com tamanho populacional acima da média circundado por municípios acima da média<br />

é registrado, onde se destacam as AMC 7097011, na microrregião de Parauapebas e a<br />

7097020, na microrregião do sudeste, ambas na messoregião do Sudeste do Pará.<br />

O padrão baixo-baixo para a distribuição espacial da população é observado na<br />

região do Marajó e Nordeste do Pará. Observa-se a ampliação do número de municípios<br />

nesse padrão, fato observado desde o ano de 1970.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


97<br />

Figura 7 - Padrão de distribuição espacial local (LISA) para população residente,<br />

Estado do Pará, 1990<br />

Fonte: Resultados da pesquisa.<br />

No ano de 2000 o padrão de distribuição espacial da população é semelhante ao<br />

observado para o ano de 1990. Ocorre a presença do padrão Alto-baixo na região do<br />

Marajó.<br />

Figura 8 - Padrão de distribuição espacial local (LISA) para população residente,<br />

Estado do Pará, 2000<br />

Fonte: Resultados da pesquisa.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


98<br />

A trajetória da formação dos aglomerados de municípios no Estado do Pará segue<br />

o que foi apontado na análise espacial realizada com base nos centros médios, no desvio<br />

padrão ponderados e nas elipses de desvios padrão. A tendência é de crescimento das<br />

cidades situadas na direção Nordeste/Sudoeste, com uma discreta tendência a se<br />

deslocar para a região Sudeste nos próximos anos.<br />

4 CONCLUSÕES<br />

Diante dos resultados apresentados conclui-se que a distribuição espacial da<br />

população do Estado do Pará sofreu mudanças significativas no adensamento<br />

populacional no sentido Nordeste/Sudoeste, com indicação de que ela deverá convergir<br />

para a região Sul do Estado.<br />

Em termos de padrão da distribuição espacial local e a formação de clusters há<br />

evidências estatísticas significativas a 1,0% de probabilidade da formação de aglomerados<br />

populacionais do tipo alto-alto, na região Sul e Sudeste do Estado.<br />

A trajetória dos centros médios e a sua dispersão mostram que essa distribuição<br />

espacial da população não é convergente, pois apresenta uma série composta por valores<br />

elevados para os desvios padrão. De maneira que as cidades crescerão de forma<br />

heterogênea, porém, ligadas aos investimentos privados e públicos levados a efeito<br />

nessas regiões.<br />

Entre os municípios situados no eixo descrito pelos centros médios e pela elipse<br />

de desvio padrão cabe destacar aqueles onde estão presentes atividades de extração e<br />

beneficiamento de minérios, produção de gado de corte, plantação de soja e outros<br />

grãos, produção de lavoura permanente (frutas) e temporária, extração e beneficiamento<br />

de madeira e serviços.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANSELIN, L. Spatial econometrics: methods and models. Dorddrecht: Kluwer Academic,<br />

1988. 284p.<br />

______. Geographical spillovers and university research: a spatial econometric<br />

perspective, growth and change, gatton college of business and economics. University<br />

of Kentucky, v. 31, n. 4, p. 501-515, 2000.<br />

______. Spatial externalities. International Regional Science Review, v. 26, n. 2, p. 147-<br />

152, apr. 2003.<br />

DRUCK, S.; CARVALHO, M.S.; CÂMARA, G.; MONTEIRO, A.V.M. (Eds.). Análise espacial de<br />

dados geográficos. Brasília: EMBRAPA, 2004.<br />

EBDON, D. Statistics in geography. Oxford: Blackwell, 1985<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


99<br />

GLAESER, Edward L. Economic growth in a cross-section of cities. Journal of Monetary<br />

Economics, n. 36, p. 117-143, 1995.<br />

LESAG, J. Spatial econometric, 1998. Disponível em: .<br />

Acesso em: 10 set. 2009.<br />

OLIVEIRA, C. A. Crescimento das cidades brasileiras na década de noventa. Revista<br />

Economia, Brasília, DF, v. 7, n. 3, p. 431-452, set./dez. 2006.<br />

REIS, E.; ALVARENGA, A.; PIMENTEL, M. Áreas mínimas comparáveis para os períodos<br />

Intercensitários de 1872 a 2000. Brasília, DF: IPEA, 2006. 22p.<br />

TARTARUGA, I. G. P. Análise espacial da centralidade e da dispersão da população do<br />

estado do Rio Grande do Sul de 1970 a 2000: metodologias e notas preliminares. Porto<br />

Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, n.32. 2008. 21p.<br />

(Texto para discussão).<br />

TOBLER, W. R. A computer model simulation of urban growth in the Detroit region.<br />

Economic Geography, v. 46, n. 2, p. 234-240, 1970.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-99, dez. 2010


100


101<br />

UM RELATO <strong>DE</strong> MELHORIA DO PROCESSO <strong>DE</strong> TESTE<br />

<strong>DE</strong> SOFTWARE APLICADO A UMA FÁBRICA <strong>DE</strong> SOFTWARE<br />

Inácio Leite Gorayeb *<br />

Sandro Ronaldo Bezerra Oliveira **<br />

RESUMO<br />

Este trabalho relata a experiência da mudança e evolução de um processo de software,<br />

além de descrever um arcabouço de ferramentas livres para apoiar o processo de teste<br />

de software, em uma fábrica de software. São fornecidas avaliações para a escolha de<br />

ferramentas de software livre de apoio ao processo, bem como problemas motivadores<br />

para as mudanças do processo inicial para o processo evoluído. O artigo mostra também<br />

resultados obtidos com o uso destes e de futuros trabalhos.<br />

Palavras-chave: Teste de Software. Fábrica de Software. Software Livre. Automação de<br />

Teste. Processo de Teste.<br />

ABSTRACT<br />

This paper reports the experience of the change and evolution of a defined software<br />

process beyond to define a suite of free tools to support the Software Test process in a<br />

software house. Assessments for the choice of tools to support the process are discussed<br />

as well as the reasons that motivate the changes in initial process. It also shows the<br />

results obtained with the use of these and future works.<br />

Keywords: Software Testing. Software House. Free Software Tools. Test Automation. Test<br />

Process.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

À medida que o emprego de sistemas de informação pela sociedade cresce ao<br />

ponto em que boa parte dos negócios depende cada vez mais de software e computadores,<br />

passa a ser de grande importância contar com um software de qualidade [1].<br />

Com objetivo de se tornar mais competitivas, algumas empresas de software<br />

vêm implantando a gerência sistemática dos processos utilizados para o desenvolvi-<br />

*<br />

Bacharel em Ciência da Computação pela UNAMA - Universidade da Amazônia. Mestrando do Programa de<br />

Pós-Graduação em Ciência da Computação – UFPA. igorayeb@gmail.com<br />

**<br />

Doutor em Ciência da Computação pelo CIn/UFPE. Professor da Faculdade de Computação do ICEN/UFPA.<br />

srbo@ufpa.br<br />

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mento e a manutenção de software. Por meio da avaliação de seus produtos e da melhoria<br />

dos seus processos, essas empresas têm obtido a necessária melhoria da qualidade<br />

de seus produtos e, com isso, melhores resultados nos negócios.<br />

Essas empresas que desenvolvem software compreendem a importância de se<br />

produzir sistemas com baixo nível de defeitos, bem como a importância de um processo<br />

maduro para atingir este objetivo. Mesmo assim, os sistemas atuais ainda contêm um<br />

alto índice de defeitos [1].<br />

As etapas da engenharia de software de verificação e validação surgiram com a<br />

necessidade de garantir extrema confiabilidade de software nos sistemas, de maneira<br />

que um mínimo erro resultaria na falha da missão, resultando em perda de tempo e<br />

enorme recurso financeiro [8]. A validação de software não é uma atividade trivial. A<br />

atividade de teste, por exemplo, exige conhecimentos, habilidades, e infraestrutura<br />

específica. Um bom desenvolvedor ou projetista de software sem esta base dificilmente<br />

realizaria uma boa tarefa de testes.<br />

Já o propósito do processo de verificação é confirmar que cada serviço e/ou<br />

produto de trabalho do processo ou do projeto atente apropriadamente os requisitos<br />

específicos [11]. Adicionalmente, Molinari [8] acrescenta ao conceito dois critérios fundamentais:<br />

o software deve executar todas as funções desejadas; e o software na sua<br />

execução, não deve passar por nenhum caminho que não tenha sido testado em alguma<br />

combinação com outras funções.<br />

Este trabalho relata as mudanças ocorridas no processo de teste de uma fábrica<br />

de software no contexto do antes e depois da formação de uma equipe dedicada à<br />

execução desta disciplina, bem como, relata os critérios e motivações para escolha de<br />

ferramentas livres para o apoio a esse processo. Serão tratadas as motivações e necessidades<br />

dessas mudanças, bem como, mostradas as opções de ferramentas para apoio a<br />

determinados procedimentos e atividades do processo, além de justificada a escolha<br />

da ferramenta utilizada. Serão mostrados, também, resultados alcançados com as mudanças<br />

e a utilização de ferramentas.<br />

O projeto desenvolvido pela fábrica consiste em um sistema de gestão de fomento.<br />

O sistema basicamente possui o escopo de gerenciamento de contratos, projetos,<br />

liberação de recursos, para projetos fomentados na Região Amazônica.<br />

Além desta seção introdutória, este relato apresenta seis outras seções. A<br />

seção 2 ambienta quanto ao cenário da fábrica de software, do projeto e da organização<br />

em que ocorre. A seção 3 explica o processo de teste inicial da fábrica de software.<br />

A seção 4 discute o processo de teste após as mudanças e atualmente executado<br />

na fábrica de software. Na seção 5 serão descritas as ferramentas de apoio ao processo<br />

de teste, justificando as escolhas. A seção 6 discute alguns resultados e melhorias<br />

obtidos com a adoção/utilização do arcabouço de ferramentas escolhidas, bem como<br />

as melhorias do processo evoluído. Por fim, a seção 7 trata das conclusões deste<br />

trabalho e aponta futuras adaptações no processo.<br />

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103<br />

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CENÁRIO DO PROJETO<br />

A empresa foco deste relato foi fundada em 1974, e foi a primeira empresa<br />

genuinamente brasileira a produzir e comercializar tecnologia no segmento de informática.<br />

Nos anos 90, já fazendo parte de estrutura de um banco nacional, tornou-se uma<br />

integradora de solução.<br />

Em 2004 essa empresa iniciou o desenvolvimento de um programa de excelência<br />

tecnológica com um cliente bancário situado na Região Norte, cujo objetivo era<br />

dotar os profissionais do cliente de um ferramental composto por novos processos,<br />

novas soluções tecnológicas e novos paradigmas de negócios, para que pudessem aprimorar<br />

os níveis de competitividade e qualidade de serviços e com isso viabilizar as<br />

diretrizes do planejamento estratégico da organização.<br />

No ano de 2007, diante da necessidade do cliente em atualizar tecnologicamente<br />

(mudança de plataforma operacional) um sistema de fomento e em função da sua<br />

complexidade, o projeto ganha uma equipe dedicada para seu desenvolvimento. Com<br />

isso, a empresa cria seu projeto piloto de uma fábrica de software no Pará. A fábrica<br />

possui aproximadamente 60 (sessenta) recursos humanos desempenhando papéis bem<br />

definidos e seguindo um processo de software também definido.<br />

Pela constante necessidade de comunicação com diversos stakeholders do cliente,<br />

foi acordado que a fábrica ficaria sediada no mesmo espaço físico do cliente.<br />

Acordou-se, ainda, que o sistema seria entregue por módulos funcionais, onde estes,<br />

após a entrega, ficariam por um período em homologação, para o cliente validação dos<br />

requisitos implementados.<br />

Tratando do cenário do sistema, a empresa enfrentou diversas dificuldades quanto<br />

à aquisição e definição de recursos. O projeto não contemplava recursos de software<br />

e hardware, com isso, o projeto foi direcionado a usar os recursos que o cliente dispusesse<br />

a licença. Assim, diversas ferramentas de software livre foram usadas para apoiar<br />

diferentes disciplinas da engenharia. Quanto aos recursos humanos, o projeto até hoje<br />

possui dificuldade em compor a equipe, pela falta de mão de obra qualificada no mercado<br />

local para atender aos papéis definidos no processo de software. Para suprir essas<br />

necessidades, a empresa oferece de conhecimento, workshops e cursos internos.<br />

Para caracterizar o tamanho do projeto em desenvolvimento, no início do projeto<br />

havia sido estimado 4560 UCPs (Pontos de Casos de Uso) a ser implementados, porém<br />

com o surgimento de novos requisitos este esforço está sendo revisado. Hoje o<br />

projeto possui aproximadamente 1000 UCPs desenvolvidos.<br />

No contexto de SLAs (Service Level Agreement – Acordo de Nível de Serviço) do<br />

projeto, foi definido que a criticidade dos bugs (erro de funcionamento comum de um<br />

software) seria tratada como: crítico, importante e trivial. Para a homologação acontecer,<br />

o sistema: não poderia possuir nenhum bug crítico (bug que impede que o cliente<br />

realize sua tarefa) pendente; menos de 25% de bugs classificados como importantes<br />

(bug que dificulta ou atrapalha a realização da tarefa, porém não a evita), onde o fornecedor<br />

mesmo assim possui o compromisso de corrigi-los mesmo após o módulo ser<br />

homologado; e bugs triviais não seriam impeditivos para a homologação, devendo o<br />

fornecedor corrigir depois que módulo seja homologado.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 85-102, dez. 2010


104<br />

3 CENÁRIO E PROCESSO INICIAL <strong>DE</strong> TESTE <strong>DE</strong> SOFTWARE<br />

Nesta seção será mostrado como o processo geral e específico de teste de software<br />

eram conduzidos inicialmente na fábrica de software relatada na seção anterior.<br />

A figura 1 mostra de forma geral as etapas do processo de desenvolvimento de<br />

software da fabrica com ênfase na disciplina de teste. Para melhor entendimento do<br />

fluxo de atividades do processo foram utilizadas notações de UML – Unified Modeling<br />

Language, para descrever como ocorre o processo de teste de software atualmente.<br />

Uma descrição do fluxo será discutido logo abaixo.<br />

Figura 1 – Fluxograma do processo geral incial.<br />

Inicialmente as Regras de Negócio (RN) são entendidas com o cliente e é elaborado<br />

um documento de regra de negócio. Na segunda etapa, tendo como insumo a<br />

documentação de regras de negócio, uma documentação de Casos de Uso (UC) é elaborada,<br />

onde a documentação aproxima da linguagem utilizada na regra de negócio do<br />

nível de linguagem adotada pela programação (implementação).<br />

Na etapa de modelagem da base de dados (Modelagem BD) é feito, então, o<br />

modelo de banco de dados que dará suporte aos engenheiros de software para a implementação<br />

do caso de uso. Paralelamente a etapa de modelagem de banco de dados, e<br />

também baseado na documentação de caso de uso, o projeto de teste (contempla informações<br />

necessárias sobre o planejamento dos testes no módulo funcional em desenvolvimento<br />

e seus casos de testes para execução) é elaborado dando subsídio para<br />

a execução dos testes.<br />

Após a liberação do caso de uso implementado, é então iniciada a execução dos<br />

testes. Inicialmente, os testes, pela falta de uma equipe dedicada à realização desta<br />

disciplina, eram realizados pelos próprios analistas de requisitos. Após o término dos<br />

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105<br />

testes e realização das devidas correções o U.C. implementado, é então disponibilizado<br />

para homologação.<br />

Alguns problemas foram detectados com este cenário. O primeiro é que pelo<br />

fato do teste ser elaborado pelo próprio analista de requisito, a execução do teste<br />

acabava tornando-se viciada/tendenciosa, ou seja, um teste sem outra perspectiva de<br />

visão crítica no contexto dos requisitos. O segundo problema diz respeito ao fato de que<br />

como o analista deveria elaborar os testes de software e posteriormente executá-los,<br />

este cenário acarretava no atraso da execução das suas atividades principais, a análise<br />

de requisitos. Outro problema, e não menos importante, percebido é que pela falta de<br />

uma equipe especializada, o teste não contemplava outros contextos, prejudicando a<br />

completude e correção dos próprios testes.<br />

Outra questão percebida, é que durante a correção de defeitos não existia um<br />

gerenciamento destes através de uma ferramenta automatizada, ou seja, o controle<br />

(quem, quando, prioridade, tipo etc.) dos defeitos relatados pelo cliente e pela própria<br />

equipe de desenvolvimento acabava por se perder. Além disso, o processo em questão<br />

também não contemplava a prática de reteste dos defeitos encontrados, deixando com<br />

que estes defeitos não fossem retestados após sua correção, ou seja, sem se ter a<br />

certeza de que o mesmo realmente foi corrigido.<br />

Na fase de homologação o UC implementado é oferecido em um ambiente próprio<br />

para a homologação (aceite) do cliente. A homologação significa para o projeto<br />

relatado no cenário, que o módulo funcional está de acordo com o especificado e satisfaz<br />

às necessidade do cliente e ainda que está pronto para ser promovido à produção.<br />

A figura 2 apresenta as seguintes etapas do processo de teste: Elaboração do<br />

Projeto de Teste (PTS) e execução de teste. Na etapa de elaboração, o projeto de teste<br />

de software era preenchido pelo analista de requisitos, após o término da elaboração<br />

do requisito e contemplava, no mesmo documento, os resultados da execução dos<br />

testes. Caso algum defeito fosse encontrado, o responsável pelo teste encaminhava a<br />

inconsistência ao desenvolvedor responsável que então executava a correção. Posteriormente,<br />

o módulo era incluído para fase de homologação.<br />

Figura 2 – Processo de teste de software inicial.<br />

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106<br />

Como se percebe, na figura 2, as fases de elaboração e execução de teste eram<br />

feitas em paralelo, o que indica que não havia planejamento prévio para o teste do sistema.<br />

Além disso, o processo de teste contemplava apenas testes funcionais; os testes<br />

executados não tinham a preocupação de testar o software em aspectos também não<br />

funcionais, além de conformidade, performance, estresse e regressivo, que eram necessários<br />

para a homologação e bom funcionamento do módulo funcional em produção.<br />

Outros problemas foram apontados em função do processo acima não contemplar<br />

outras práticas de teste de software, não possuir um processo mais completo e<br />

ainda não possuir uma equipe de teste dedicada e qualificada. O atraso na descoberta<br />

de defeitos acabava ocasionando atraso nas entregas dos módulos funcionais, alto custo<br />

no sistema e perda de qualidade do produto recarregado.<br />

A partir dos problemas apresentados, com a necessidade de agilidade na homologação<br />

do sistema e com o aumento na qualidade do produto, algumas medidas foram<br />

tomadas para prover melhorias neste processo, desde a disponibilização de uma equipe<br />

dedicada até a adoção de melhores práticas. Estas melhorias serão discutidas na<br />

seção a seguir.<br />

4 CENÁRIO E PROCESSO <strong>DE</strong> TESTE <strong>DE</strong> SOFTWARE PÓS-MELHORIAS<br />

Nesta seção será discutido como se encontra institucionalizado o processo atualmente<br />

na fábrica de software, após alguns aportes de melhorias realizados para a<br />

execução da disciplina de teste de software, como a contratação de uma equipe dedicada<br />

e especializada. Para melhor entendimento do processo de teste de software, foi<br />

definido o fluxo de atividades visualizado na figura 3.<br />

Figura 3 – Processo de teste de software pós-melhorias.<br />

A primeira atividade descrita no fluxo é a elaboração do projeto de teste de software,<br />

onde são elaborados os casos de testes e os cenários de teste contemplados em<br />

um único documento (Projeto de Teste - PTS). Cada módulo funcional possui seu projeto<br />

de teste. A contemplação em um único documento dar-se pelo fato de tornar o processo<br />

menos burocrático, já que a demanda de desenvolvimento de casos de uso é alta.<br />

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107<br />

A segunda atividade é formada por duas tarefas: a execução do projeto de teste<br />

e a Elaboração do Relatório de Teste (RTS). A execução do projeto de teste consiste em<br />

aplicar os cenários e os casos de teste de software projetados para o módulo funcional<br />

desenvolvido. Já a elaboração do RTS significa a criação de um relatório de teste onde<br />

para cada passo constante no cenário do PTS é anotado um resultado no documento<br />

RTS, podendo este resultado assumir três aspectos distintos: OK, bug, não executado; e<br />

como discutido na seção 2, caso o resultado seja “bug”, três diferentes níveis de criticidade<br />

(trivial, importante e crítico) são associados.<br />

No relatório de teste, o passo do cenário em análise recebe como resultado: OK,<br />

quando o passo é executado sem problemas e o sistema responde como o esperado<br />

(descrito na especificação de casos de uso) sem desvios de comportamento; bug, é<br />

atribuído para o passo que apresenta algum comportamento inesperado; e não executado,<br />

é atribuído quando por algum motivo o passo não pode ser executado, isso ocorre,<br />

por exemplo, quando algum bug torna-se impeditivo para a execução deste passo ou<br />

ainda por algum motivo inesperado que impeça a sua execução.<br />

O documento de relatório de teste possui, ainda, um papel fundamental no<br />

processo de teste e mesmo no processo geral da fábrica gerando métricas para avaliações<br />

da melhoria contínua do processo. Um exemplo de métricas é bugs/UCs, ou seja,<br />

porcentagem de bugs encontrados na fase de testes/homologação contraposto a quantidade<br />

de UCPs especificados no módulo funcional para desenvolvimento, permitindo<br />

uma análise da eficiência dos testes dada a complexidade da UCP, e da quantidade de<br />

bugs que a equipe de teste está deixando de descobrir para serem descobertos apenas<br />

na fase de homologação.<br />

Quando é finalizada a fase de execução do projeto de teste e de elaboração do<br />

relatório de teste, caso haja bugs no módulo funcional em análise, o BUG é registrado na<br />

ferramenta de software para a gestão de bugs e atribuída para o responsável pela correção<br />

(recurso humano alocado no projeto para o desenvolvimento do caso de uso). Após<br />

a correção, o caso de teste é retornado à equipe de testes responsável pela descoberta<br />

do bug para reteste (o ciclo de correção se repete até que o bug seja corrigido). Caso o<br />

bug tenha sido corrigido, o registro realizado no Mantis é “fechado”. Este procedimento<br />

se repete até que o último bug seja corrigido.<br />

Na fase de Homologação o U.C. implementado é oferecido em um ambiente<br />

próprio para a homologação (aceite) do cliente. A homologação significa para o projeto<br />

relatado no cenário, que o módulo funcional está de acordo com o especificado e satisfaz<br />

às necessidade do cliente e, ainda, que está pronto para ser promovido à produção.<br />

Em vez de bug, se a solicitação cadastrada na ferramenta for uma mudança,<br />

então é seguido o procedimento de gestão de mudança. O procedimento de gestão de<br />

mudança consiste em convocar uma reunião com o grupo responsável pela gestão de<br />

mudanças, alocado para o projeto, para definir impacto, esforço, tempo, custo e tomar<br />

a decisão se a mudança será realizada ou não. Esse procedimento é executado tanto<br />

internamente quanto em homologação. Importante mencionar que estas etapas foram<br />

definidas na forma de um procedimento que se encontra disponível no processo de<br />

desenvolvimento de software.<br />

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108<br />

Quando não houver mais defeitos é então feito um script da automação de teste<br />

regressivo seguindo o projeto de teste, para que futuramente possa ser realizado teste<br />

no módulo funcional. Após a criação dos scripts o teste total de regressão do sistema é<br />

executado. Ao término, caso não haja mais nenhum bug, o módulo funcional é então<br />

publicado para homologação junto ao cliente. Antes de o módulo funcional ser promovido<br />

à homologação, o mesmo entra em um processo de GC (Gestão de Configuração)<br />

para que possa ser assegurada em que versão poderá ser recuperada, caso necessário,<br />

gerando baselines, versões e seu release notes.<br />

O processo de homologação consiste em o sistema ficar disponível para o cliente<br />

testar, validar e verificar, a fim de sinalizar que o sistema encontra-se realmente<br />

dentro do que foi especificado na fase de requisitos, ou ainda, registrar possíveis inconsistências<br />

ou bugs. Para isso, foi criada uma nova instância da ferramenta de gestão de<br />

bugs e mudanças, apenas para o fim de homologação, ou seja, o cliente registra suas<br />

considerações de mudanças ou bugs encontrados, e a equipe de teste é responsável<br />

por dar prosseguimento aos registros feitos pelos clientes. Com essa nova instância,<br />

conseguimos manter em ambientes separados as demandas dos clientes das solicitações<br />

realizadas pela própria equipe interna de testes alocada para o projeto. Estas demandas<br />

classificam-se tanto como possíveis correções de bugs quanto de solicitação de<br />

mudanças. Isso ajuda na extração de métricas e melhorias contínuas para garantir a<br />

satisfação do cliente quanto ao desenvolvimento do projeto.<br />

Durante a definição do processo de teste atual, procurou-se realizar sua evolução<br />

em conformidade com os Resultados Esperados do Processo 1 (Resultado esperado<br />

em cada constantes nos processos de Verificação e Validação do modelo MPS.BR 2 , presente<br />

no nível de maturidade 3 D (Largamente Definido). Esta avaliação de compatibilidade,<br />

no que tange à análise da conformidade, assemelha-se a uma avaliação de aderência<br />

dos processos do CMMI 4 (Capability Mature Model Integration) na sua visão contínua<br />

(visão que classifica em ordem os níveis de maturidade), apesar de se reconhecer<br />

que no modelo MPS.BR a implementação dos resultados esperados não ocorre seguindo<br />

a visão contínua. A tabela 1 permite uma análise deste atendimento, apresentando<br />

quais das recomendações propostas no Guia de Implementação do modelo MPS.BR [7]<br />

para os resultados esperados dos processos de verificação e validação podem ser reconhecidas<br />

como implementadas pelo processo atual do processo, bem como as recomendações<br />

ainda não implementadas.<br />

1<br />

Resultados esperados do processo estabelecem os resultados a ser obtidos com a efetiva implementação do<br />

processo[1].<br />

2<br />

MPS.BR é um programa para Melhoria do Processo de Software Brasileiro[1].<br />

3<br />

Nível de maturidade estabelecem patamares de evolução de processos na organização[1].<br />

4<br />

CMMI é um modelo de referência que contém práticas (genéricas ou específicas), necessárias a maturidade de<br />

processos de software.<br />

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109<br />

Tabela 1 – Atendimento do processo às boas práticas do processo de VER e VAL do MPS.BR.<br />

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110<br />

5 FERRAMENTAL <strong>DE</strong> APOIO AO PROCESSO <strong>DE</strong> TESTE <strong>DE</strong> SOFTWARE<br />

Para o suporte e apoio ao processo atual executado, foram estudadas e avaliadas<br />

diversos tipos de ferramentas de software livre e proprietário para o atendimento<br />

automatizado/sistematizado das atividades constantes no fluxo da disciplina de teste.<br />

Em quase toda a totalidade as ferramentas escolhidas foram de cunho livre por três<br />

motivos: o primeiro retrata o fato da instituição incentivar e colaborar com desenvolvimento<br />

e uso de ferramentas livres; o segundo diz respeito à excelência apresentada<br />

por essas ferramentas em critérios de qualidade e atendimento às necessidades das<br />

atividades e dos processo; e o terceiro trata das questões de custo, as ferramentas são<br />

gratuitas e livres para ser utilizadas e adequadas conforme a necessidade apresentada.<br />

Nesta seção será dada ênfase para as ferramentas que participam ou apoiam o processo<br />

de teste.<br />

Para os testes regressivos automatizados foram analisadas duas ferramentas o<br />

WebLoad e o Selenium. O WebLoad é uma ferramenta gratuita, porém não open source,<br />

que realiza testes regressivos to tipo on click, ou seja o sistema grava a navegação do<br />

analista de teste e transforma em script. Porém o WebLoad funciona unicamente na<br />

plataforma Windows não dando possibilidade da utilização e outros sistemas operacionais.<br />

A escolha da ferramenta para essa função foi o Selenium pelo fato da facilidade de<br />

multiplataformas e ainda outras que serão descritas no decorrer da seção.<br />

O Selenium [9] é um arcabouço de ferramentas para apoio ao teste automatizado<br />

de sistemas web independente de plataforma. O Selenium é dividido em quatro<br />

outras ferramentas: a primeira é o Selenium I<strong>DE</strong> que consiste basicamente um add-on<br />

para o navegador Mozilla Firefox, possui a funcionalidade de gravar clicks, frases e<br />

outras ações em um script a fim de ser reproduzido para realizar testes automatizados.<br />

A figura 4 mostra a interface de gravação de scripts do Selenium I<strong>DE</strong>.<br />

A segunda ferramenta é chamada de Selenium CORE, que consiste de uma aplicação<br />

web desenvolvida em Javascript que possui a funcionalidade de prover um “servidor”<br />

de scripts de teste. O Selenium CORE fornece uma interface de controle para<br />

automação de testes onde podem ser ativados os scripts independente de navegador,<br />

apresentando uma ordem de execução, relatório e histórico de sucesso e falha, como<br />

mostra a figura 5.<br />

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111<br />

Figura 4 – Tela de captura de ações do Selenium I<strong>DE</strong>..<br />

A terceira ferramenta é chamada de Selenium RC (Remote Control), que consiste<br />

de uma ferramenta de automação teste que permite ao usuário escrever testes automatizados<br />

em diferentes tipos de linguagens, além disso, tem a capacidade de trabalhar<br />

com múltiplos navegadores executando diferentes scripts. A figura 5 mostra como<br />

funciona a arquitetura do Selenium RC.<br />

Figura 5 – Tela de execução de Scripts do Selenium RC.<br />

A quarta e última ferramenta da suite Selenium é o Selenium Grid que consiste<br />

em um hub, que é conectado a vários Selenium RC e consegue manipular todos ao<br />

mesmo tempo de maneira a gerar concorrência proporcionando realizar testes mais<br />

complexos. A suíte de ferramentas de testes automatizados Selenium, contribui para o<br />

processo da fábrica de software automatizando testes regressivos de funcionalidade a<br />

fim de assegurar que novas funcionalidades ou alterações não tenham inseridas falhas<br />

em partes do produto já testadas.<br />

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112<br />

Figura 6 – Arquitetura de funcionamento do Selenium RC.<br />

Para o teste de performance, foram testadas duas ferramentas, o WebLoad Console<br />

e o Apache JMeter. A ferramenta escolhida foi o JMeter, uma vez que é multiplataforma<br />

e ainda o WebLoad, não sendo disponibilizado em sua totalidade gratuito.<br />

O JMeter consiste em uma ferramenta open source desenvolvida em Java e<br />

possui funcionalidades para teste de carga e performance em sistemas web. Além de<br />

uma análise estatística precisa, como mostra a figura 7. Outro fator importante para a<br />

escolha do JMeter é possuir um suporte de teste para sistemas JAVA que utilizam o<br />

framework Java Faces Bean, que para maior segurança da aplicação em cada seção, os<br />

objetos recebem pid (números identificadores) diferentes e com essa característica do<br />

framework, a maioria das ferramentas de performance acabam falhando por ser perder<br />

na hora de executar seus scripts como em alguns casos o WebLoad.<br />

Na atividade do processo de elaboração do projeto de teste, são utilizadas duas<br />

ferramentas de apoio. Para o controle de versão de documentação e código fonte é<br />

utilizado o CVS (Control Version Server) [3], um sistema de controle de versão que<br />

permite que se trabalhe com diversas versões de arquivos organizados em uma estrutura<br />

de diretórios, mantendo e guardando históricos de quem e quando manipulou os<br />

arquivos. O CVS contribui para a primeira fase processo de teste, desde o momento em<br />

que o analista de teste acessa o repositório para consultar os requisitos, até o momento<br />

em que o projeto de teste é colocado também no repositório. Quando o analista de<br />

teste começa sua atividade de entendimento dos requisitos especificados, os mesmos<br />

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113<br />

são acessados através de uma TAG, que contém mapeado os documentos participantes<br />

do produto e suas versões “congeladas”, independentemente destes documentos estar<br />

em evolução ou não.<br />

Figura 7 – Apresentação de resultados do teste de Stress no JMeter.<br />

Para apoio à fase de elaboração de projeto de teste e elaboração de relatório de<br />

teste nas quais são produzidos documentos de texto e planilhas foram levadas em<br />

consideração duas suítes de escritório: o BrOffice e o Microsoft Office. Optou-se por<br />

utilizar o BrOffice que consiste em uma suíte de ferramentas de escritório [2]. O BrOffice<br />

é uma suite de ferramentas derivada do projeto OpenOffice, sendo adaptada através<br />

de pacotes para a língua portuguesa praticada no Brasil. Além de atender às necessidades<br />

das atividades citadas acima e o BrOffice ser gratuito, a suíte é compatível com a<br />

suíte utilizada pelo cliente, o Microsoft Office.<br />

Para as atividades de execução do projeto de teste e elaboração do relatório de<br />

teste de software, além da suíte de escritório citada acima, estas fases contam com o<br />

apoio de outras ferramentas que dependem do tipo de sistema em desenvolvimento,<br />

no caso do cenário da fábrica de software retratado neste trabalho, o sistema é em<br />

plataforma web, onde são utilizados diferentes navegadores (Firefox, Internet Explorer,<br />

Google Chrome etc.) nas versões estabelecidas em contrato e sistemas operacionais<br />

distintos também estabelecidos em contrato.<br />

Na atividade de cadastrar não conformidades e elaboração de RTS é utilizada a<br />

ferramenta Mantis [6], que consiste de uma ferramenta web de bugtracking livre e<br />

open source. O Mantis possui como função o registro, atribuição e acompanhamento de<br />

não conformidades através de uma interface web como mostra a figura 8. O Mantis<br />

possui a vantagem de possuir seu workflow configurável através de uma máquina de<br />

estados definida, onde define fluxo em que o registro irá percorrer de acordo com sua<br />

categoria e estado.<br />

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114<br />

Figura 8 – Lista de ocorrência de erro do Mantis.<br />

Além do Mantis colaborar com o processo de teste, também colabora com o<br />

processo de homologação, onde o cliente registra suas requisições (bugs, mudanças,<br />

sugestões de melhorias ou pendências) de feedback à fábrica de software. O Mantis<br />

corrobora, ainda, com a geração de métricas apresentadas ao final do ciclo do processo<br />

a fim de caracterizar a melhoria contínua das práticas, corrigir falhas e ainda medir o<br />

desempenho quantitativo/qualitativo da equipe responsável pelos testes.<br />

6 RESULTADOS OBTIDOS<br />

Com a evolução e a institucionalização do processo descrito na seção 4, bem<br />

como a utilização das ferramentas descritas na seção 5, alguns resultados já foram verificados.<br />

Vale ressaltar que essas melhorias não se resumem tão somente ao aperfeiçoamento<br />

do processo de teste, e sim à aplicação do programa de melhoria ao processo<br />

organizacional da fábrica de software discutida na seção 2.<br />

Para a avaliação da melhoria foram coletadas métricas durante todo o processo<br />

de desenvolvimento de dois módulos de complexidade similar, as quais, do seu início<br />

até sua homologação pelo cliente passaram-se 2 meses cada um. As métricas foram<br />

coletadas ao término de cada fase (desenvolvimento, testes, levantamento de requisitos,<br />

homologação) pelo fato das mesmas já serem maduras e completas ao término das<br />

fases. Essas coletas eram feitas pelos coordenadores (líderes) de cada fase, em função<br />

de possuírem um monitoramento da execução das atividades de cada fase e tempo de<br />

realização das mesmas. Como instrumentos de coleta foram utilizados registros das<br />

ferramentas de bugtraking, monitoramento de andamento com base no cronograma de<br />

atividades, relatórios de execução de testes e relatórios de testes regressivos automatizados.<br />

As métricas analisadas pelos coordenadores eram repassadas aos gerentes,<br />

onde eram verificados os indicadores, e, dependendo de cada métrica, decisões eram<br />

tomadas a fim de prover melhorias ao processo de desenvolvimento e aos produtos<br />

resultantes da execução deste processo.<br />

Para a avaliação da qualidade do produto foram colhidos registros de defeitos<br />

na ferramenta de bugtracking tanto pela equipe do fornecedor quanto pelo cliente.<br />

Seguem abaixo os resultados:<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 101-118, dez. 2010


115<br />

• Aumento da produtividade: Com a utilização de ferramentas em determinados momentos<br />

no processo obteve-se um ganho de tempo considerável na execução das<br />

atividades. O teste regressivo, por exemplo, foi uma das atividades que o ganho de<br />

produtividade foi mais acentuado, antes da adoção da ferramenta Selenium a equipe<br />

levava de 3 a 4 dias para realizar o teste regressivo funcional em todo o sistema, com<br />

a ferramenta essa atividade dura em média de 20 a 30 minutos;<br />

• Aumento da qualidade do produto: por conta da contratação de uma equipe mais<br />

qualificada para a área de teste de software e o aumento das atividades que compõem<br />

o fluxo de funcionamento dos testes, é provável que tenha contribuído para<br />

que o sistema tenha se tornando mais estável e consideravelmente com menos defeitos<br />

[2]. O aumento da qualidade do produto deu-se também pela institucionalização<br />

das áreas de garantia da qualidade e controle da qualidade, com isso, uma maior<br />

dedicação e expertise voltados para área de teste, porém, é facilmente perceptível<br />

que o aumento da qualidade não se resume somente a essas práticas e sim ao conjunto<br />

de melhorias providos ao processo;<br />

• Sistematização do processo: com a sistematização de parte do processo erros<br />

relacionados a desvio de processo ou perda de sincronia entre as equipes foi<br />

diminuído em media 40% (informação coletada pela equipe de garantia da qualidade)<br />

para alguns procedimentos e atividades. A atividade de registro de não<br />

conformidades, por exemplo, que possui seu workflow controlado pela ferramenta<br />

Mantis através de uma máquina de estados definida, onde dependendo<br />

de categoria o registro é atribuído ao responsável pela próxima tarefa relacionada<br />

a não conformidades;<br />

• Diminuição de descoberta de defeitos em homologação: com o aumento da abrangência<br />

dos testes em diferentes contextos (tipos de testes), tipos de defeitos que antes<br />

não eram detectados no período de teste e sim em homologação passaram a ser encontrados<br />

na fase correta (testes), por exemplo, conformidade com os requisitos, conformidade<br />

ao padrão de interface, análise de desempenho, entre outros. Hoje apenas 15%<br />

dos defeitos de desenvolvimento do projeto são descobertos pelo cliente em fase de<br />

homologação frente aos 28% medidos no processo inicial. As métricas de quantidade<br />

de defeitos encontrados foram calculadas através da coleta de número de defeitos não<br />

conhecidos encontrados em fase de homologação frente ao total de defeitos do módulo<br />

antes melhorias e pós-melhorias;<br />

• Ganho da qualidade do produto: Com a sistematização de algumas atividades do<br />

processo e ganho de produtividade, além de melhorias realizadas no processo, o<br />

produto apresentou uma melhora considerável na qualidade, apenas 15% dos defeitos<br />

conhecidos do sistemas (erros relatados em homologação pelo cliente e não<br />

relatado pela equipe de teste) são encontrados em fase de homologação frente aos<br />

30% encontrados anteriormente nessa mesma fase. Essa métrica colhida foi obtida<br />

comparando dois módulos de mesma complexidade (contratos e propostas) onde<br />

foi pego o número de erros registrado pelo cliente e não registrado pela equipe de<br />

teste no módulo de propostas (antes das melhorias) e também o número de erros<br />

registrados pelo cliente e não registrados pela equipe de testes para o módulo de<br />

contratos (pós-melhorias);<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 101-118, dez. 2010


116<br />

• Descobertas de defeitos prematuramente: em função de o teste de Software começar<br />

a acontecer juntamente com o início da codificação do produto, os defeitos acabam<br />

sendo relatados mais “cedo”, ou seja, antes mesmo de começar a execução dos<br />

testes de fato, e também, antes do cliente receber o sistema, de maneira a antecipar<br />

as correções destes defeitos tanto na especificação quanto na implementação dos<br />

requisitos. Isso se dá em função da maioria das inconsistências ser corrigidas ainda na<br />

iteração de desenvolvimento do próprio módulo funcional, de modo que não consuma<br />

o tempo alocado para o desenvolvimento de outros módulos tanto para o desenvolvedores,<br />

analistas de requisitos, analistas de testes e Projetistas. Com essas ações<br />

o time de desenvolvimento tem a oportunidade de corrigir ou adequar determinadas<br />

falhas ou mudanças ainda em tempo de implementação, o que leva também à diminuição<br />

de custos e uma quantidade menor de defeitos em fase de homologação;<br />

• Diminuição dos custos: a descoberta prematura de defeitos nos módulos funcionais<br />

faz com que os mesmos tornem-se menos custosos para a fábrica de software tanto<br />

no sentido financeiro quanto no sentido moral [3]. No sentido financeiro, pelo fato<br />

de os defeitos ser descobertos após a entrega do produto e os envolvidos na correção<br />

já estar alocados em outras tarefas, tendo que parar a realização destas para corrigir<br />

os defeitos encontrados, com isso, o tempo de desenvolvimento das novas tarefas<br />

era atrasado necessitando de mais esforço alocado para desenvolvê-las, ou seja, gerando<br />

mais custos. No sentido moral, pelo fato de um maior número de defeitos ser<br />

descobertos antes da entrega do produto para o cliente minimizando os registros de<br />

não conformidades na ferramenta de bugtracking. A análise de redução de custos é<br />

baseada na lei de 10 descrita por Myers [4]. Outro fato importante que contribuiu para<br />

a diminuição dos custos é que o SLA de descobertas de defeitos estabelecido entre<br />

fornecedor e cliente, conforme discutido na seção 2, é alcançado com uma redução<br />

média (dependendo da complexidade e tamanho do módulo) de 50% do tempo de<br />

homologação. Esta métrica foi coletada comparando o tempo de homologação entre<br />

dois módulos de mesmo nível de complexidade um antes da melhoria e outro depois;<br />

• Concepção e elaboração de um conjunto de ferramentas livres de apoio ao processo<br />

de teste de software: Com estudos, tunning e testes das ferramentas apresentadas,<br />

projetos e/ou fábricas com similaridades de processo, atividades e procedimentos<br />

podem também utilizar a suíte de ferramenta apresentada, ou tomar como referência<br />

para decisão de utilização;<br />

• Controle das atividades planejadas: a utilização de ferramentas em determinadas<br />

atividades, torna o controle de andamento e estimativa de tempo mais exatos, uma<br />

vez a ferramenta dando visibilidade de em que ponto, momento ou responsável está<br />

determinado procedimento. Esse sentimento foi elencado em entrevista com alguns<br />

coordenadores das equipes de teste e homologação.<br />

• Melhora da produtividade dos analistas de requisitos: com os Analistas de Requisitos<br />

dedicados apenas a sua função (definida no processo) e não mais despendendo tempo<br />

em testes, os mesmos aumentaram sua produtividade na elicitação e especificação de<br />

requisitos, dispondo de mais tempo para reuniões com cliente e equipe técnica de desenvolvimento<br />

para a especificação mais precisa dos requisitos. A informação de produtividade<br />

foi relatada pela gerência de requisitos quanto aos resultados alcançados;<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 101-118, dez. 2010


117<br />

• Formação de uma equipe de testes: formou-se uma equipe qualificada e dedicada<br />

somente para a disciplina de testes. A equipe atualmente é formada por um líder de<br />

testes e quatro analistas de testes. O líder de testes é responsável basicamente por<br />

gerenciar recursos e demandas passadas à equipe, bem como definir juntamente<br />

com os analistas os tipos de testes a ser realizados nos módulos funcionais do projeto.<br />

Já os analistas de testes são responsáveis por gerar o documento projeto de teste, a<br />

execução dos testes e os registros de não conformidades;<br />

• Redução da quantidade de ciclo de testes: com alguns ciclos gerados no novo processo<br />

(pós-melhorias), foi percebido que, com a adoção das boas práticas discutidas na seção<br />

4, o número de ciclo de testes, para o atendimento ao SLA (seção 2), foi diminuído. No<br />

caso dos módulos analisados, a diminuição foi de 5 ciclos para 3 ciclos, entendendo que<br />

para esses módulos cada ciclo corresponde a um esforço de 80 horas/homem de trabalho,<br />

ou seja, obteve uma redução total de 160 horas/homem, levando em consideração<br />

que a complexidade dos módulos e a experiência da equipe envolvida eram as mesmas.<br />

Com essa redução, o esforço da equipe de testes e o tempo que um módulo é<br />

liberado para homologação é menor que o antes verificado. Assim, a equipe pode dar<br />

vazão em outros módulos ao invés de realizar mais ciclos nos mesmos.<br />

Os pontos de melhorias citados foram os mais visíveis, porém as melhorias não<br />

se resumem a estas podendo ser percebidas em vários outros contextos como: arquitetura,<br />

usabilidade, padrão de interface etc.<br />

7 CONCLUSÃO<br />

Com a melhoria nos processos e utilização de ferramentas associada à configuração,<br />

adequação e otimização das mesmas, percebeu-se um ganho de produtividade<br />

da equipe alocada para o projeto, aumento de qualidade do produto e principalmente<br />

aumento da satisfação do cliente. Porém, a evolução tem continuidade, a intenção é<br />

incorporar novas ferramentas que consigam trazer mais controle, produtividade, qualidade<br />

e menor custo associado ao produto.<br />

Algumas lições aprendidas podem ser destacadas. A primeira remete ao fato de<br />

sempre que puder optar por uma ferramenta livre é interessante que seja feito, desta<br />

maneira o investimento destinado a uma ferramenta proprietária pode ser convertido<br />

em outros tipos de investimento como, por exemplo, contratação de mão de obra,<br />

treinamentos etc. A segunda diz respeito ao fato de que ferramentas livres de código<br />

aberto possuem um vantagens de poder ser modificadas de acordo com as necessidades<br />

do projeto. A terceira retrata o fato de que para algumas tarefas como, por exemplo,<br />

teste regressivo, a utilização de ferramentas juntamente com mão de obra especializada<br />

geram resultados melhores (tempo, qualidade e custo) do que a utilização de<br />

apenas ferramentas ou de apenas de pessoas.<br />

Como trabalhos futuros, a ideia é realizar testes com outras ferramentas de<br />

maneira a otimizar atividades do processo que ainda não possuem apoio ferramental e<br />

fazer com que a suíte de ferramentas se comuniquem entre si de maneira sistematizada<br />

e não apenas manual.<br />

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118<br />

Este artigo apresenta a utilização de uma suíte de ferramentas livres para utilização<br />

em um processo de teste de software, o qual se encontra em definição para<br />

compor os resultados dos estudos provenientes de uma dissertação de mestrado do<br />

PPGCC/UFPA – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação, e o primeiro de<br />

vários em busca da avaliação MPS.BR por parte da organização cujo relato foi extraído.<br />

REFERÊNCIAS<br />

[1] ARAUJO, R; CAPELLI, C; GOMES JR, A G; PEREIRA, M; IENDRIKE, H. S; IELPO, D; TOVAR,<br />

J. A. A Definição de processos de software sob o ponto de vista da gestão de processos<br />

de negócio. In: VI Simpósio Internacional de Melhoria de Processos de Software<br />

(SIMPROS), Rio de Janeiro, 2004.<br />

[2] BrOffice. Disponível em: http://www.broffice.org/. Acesso em: dez. 2009.<br />

[3] BRUNELLI, M. V. Q. A utilização de uma metodologia de teste no processo da melhoria<br />

da qualidade do software. Campinas: 2006. Biblioteca Unicamp.<br />

[4] CRESPO, A. N.; SILVA, O. J. ; BORGES, C. A.; SALVIANO, C. F.; ARGOLO, M. T; JINO, M.<br />

Uma metodologia para teste de software no contexto da melhoria de processo. In: III<br />

Simpósio Brasileiro de Qualidade de Software (SBQS), Brasília, 2004.<br />

[5] CVS – Concurrent version system. Disponível em: http://www.nongnu.org/cvs/.<br />

Acesso em: dez. 2009.<br />

[6] MANTIS – Oficial site.Disponível em: http://www.mantisbt.org/. Acesso em: dez. 2009.<br />

[7] MYERS, G. The art of software testing. New York: Wiley, 1979.<br />

[8] MOLINARI, L. Teste de software. [s.l]: Editora Érica, 2003.<br />

[9] SELENIUM - Selenium HQ. Disponível em: http://seleniumhq.org/. Acesso em: dez. 2009.<br />

[10] MPS.BR - Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro - SOFTEX, MPS.BR<br />

- Guia Geral, versão 1.3. Disponível em: www.softex.br/mpsbr. Acesso em: dez. 2009.<br />

[11] MPS.BR - Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro -<br />

Guia de Implementação – Parte 4: Nível D, versão 1.2. dez. 2009. Disponível em:<br />

http://www.softex.br/mpsbr. Acesso em: dez. 2009.<br />

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119<br />

SISTEMA <strong>DE</strong> RECONHECIMENTO <strong>DE</strong> FACES UTILIZANDO<br />

O MÉTODO DAS COMPONENTES PRINCIPAIS<br />

José Augusto Furtado Real *<br />

Thierry Pinheiro Moreira **<br />

RESUMO<br />

O assunto que trata do reconhecimento automático de faces humanas tem recebido grande<br />

atenção nos últimos anos, não somente devido ao desenvolvimento tecnológico, mas<br />

também pelo interesse comercial crescente neste setor. Porém, essa tarefa permanece<br />

um desafio para a área de reconhecimento de padrões. Esse desafio reside no fato de que<br />

as faces humanas são muito similares dependendo das condições de iluminação e pose.<br />

Este trabalho propõe um sistema automático de reconhecimento de faces baseado no<br />

método das componentes principais (PCA - Principais Componentes Analysis) robusto a<br />

variações que ocorrem na iluminação e orientação da face. O sistema combina um método<br />

de segmentação baseado no espaço de cor HSV (Hue-Saturation-Value) para extrair a<br />

região da face e colocá-la no centro da nova imagem em um tom de cinza conhecido. O<br />

método apresentou um alto desempenho no reconhecimento quando as faces estão<br />

sujeitas a mudanças de iluminação e variações elevadas na sua orientação.<br />

Palavras-Chave: Reconhecimento de Faces. Detecção de Faces. Análise das Componentes<br />

Principais. Segmentação. Processamento de imagem.<br />

ABSTRACT<br />

FACE RECOGNITION SYSTEM USING PRINCIPAL<br />

COMPONENTES METHOD<br />

The issue of automatic recognition of human faces has received great attention recent<br />

years, not only because the technologic development, but also due to the growing commercial<br />

interest in the sector. However, this task stills a challenge for the pattern recognition<br />

area. This challenge resides in the fact that the human faces are very<br />

similar under variation of illumination and poses with large rotation angles. This work<br />

presents an automated face-recognition system based on principal components analysis<br />

(PCA) to be robust the variations that can occur in face illumination, and orientation.<br />

The system combines color image segmentation based on HSV (Hue-Saturation-Value)<br />

*<br />

Universidade da Amazônia – UNAMA. Centro de Ciências Exatas e Tecnologia. e-mail: real@unama.br<br />

**<br />

Universidade da Amazônia – <strong>Unama</strong>. Centro de Ciências Exatas e Tecnologia. e-mail: thierry@unama.br<br />

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120<br />

color space to extract the face region on the face. The algorithms put the faces<br />

at the centre of the new image with a known grey tone. The system<br />

showed the efficient performance in face recognition under variation of illumination and<br />

poses with large rotation angles.<br />

Keywords: Faces Recognition. Face Detection. Principal Component<br />

Analysis. Segmentation. Image processing.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A face possui um papel importante na comunicação entre os seres humanos.<br />

Através dela é possível não somente reconhecer quem é a pessoa, sua idade e a sua<br />

origem étnica, mas também o seu estado emocional. Todas estas características têm<br />

motivado a utilização da face em aplicações que envolvem segurança e geralmente<br />

associadas a outras formas de identificação biométrica, como o reconhecimento de voz<br />

e de impressões digitais. Além disso, em um futuro próximo, as máquinas poderão ser<br />

utilizadas para interagir com o ser humano, levando em consideração o seu estado<br />

emocional obtido através das expressões faciais (LI, 2005; HJELMÅS, 2001; YANG, 2002).<br />

A área de pesquisa em reconhecimento de faces pode ser dividida em duas<br />

principais categorias: as baseadas em análise global (KARLEKAR, 1999) e as baseadas em<br />

características (análise local) (WANG, 2006). Nos métodos que utilizam uma forma de<br />

análise global, a imagem completa é transformada em um vetor e em seguida usada<br />

como padrão de entrada para algum método de reconhecimento. Nos métodos baseados<br />

em características, partes da imagem (ou pontos de controle) são extraídas para ser<br />

utilizadas como informações nos métodos de reconhecimento.<br />

Em geral, independentemente da técnica utilizada, o processo de reconhecimento<br />

envolve quatro passos: detecção da face (localização), alinhamento (normalização),<br />

extração de características e classificação. Na detecção, o objetivo é verificar a existência<br />

de qualquer face ou elemento facial (boca, nariz etc.) na imagem, e caso exista, retornar<br />

a sua posição (MCKENNA, 1996; GARCIA, 1996). No alinhamento, as variações de luminância<br />

são minimizadas para reduzir sua influência na fase de reconhecimento da face (KOU-<br />

ZANI, 2005; LIN, 2005). Além disso, alguns métodos necessitam que as faces sejam centralizadas<br />

para manter uma coerência em relação ao banco de imagens, pois não são robustos<br />

a translação, como o que ocorre com os métodos estatísticos.<br />

Na extração de características são eliminadas as redundâncias nos dados de tal forma<br />

que sejam preservadas somente as informações que são mais relevantes para a classificação.<br />

Através da extração de características é possível associar, de forma unívoca, cada face<br />

a um conjunto de informações que estão associadas a ela (WANG, 2006). O último passo do<br />

processo de reconhecimento é selecionar a face, do banco de imagens, que melhor se<br />

aproxima de uma imagem de teste (problema de reconhecimento de faces) ou comparar<br />

com padrões de expressões faciais (problema de reconhecimento de expressões faciais) ou<br />

rastrear uma determinada face em um ambiente com várias faces (GÓES, 2006).<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


121<br />

O sistema proposto é um método de analise global baseado nas componentes<br />

principais (PCA – Principal Components Analysis). O primeiro trabalho que utilizou a<br />

técnica PCA para reconhecimento de faces foi proposto por Turk e Pentland (TURK,<br />

1991a). Este método é hoje uma das técnicas mais utilizadas para reconhecimento de<br />

faces, também conhecido como “método baseado nas autofaces” (Eigenfaces method).<br />

Nesta técnica, cada imagem é convertida em um vetor e o conjunto de todos os vetoresimagens<br />

forma uma matriz (os vetores-imagem são organizados em linhas ou colunas).<br />

Em seguida é calculada a matriz de covariância das imagens, na qual são extraídas somente<br />

as componentes principais associadas aos maiores autovalores (maiores variâncias).<br />

As demais são descartadas devido influenciarem pouco no processo de classificação.<br />

As imagens projetadas nas componentes principais, denominadas de autofaces,<br />

são em seguida armazenadas em um banco de imagens. Para recuperar um padrão a<br />

partir de uma imagem de teste, esta imagem é projetada neste espaço e em seguida é<br />

utilizada uma métrica (ex: distância euclidiana, distância de Mahalanobis etc.) para<br />

determinar a menor distância entre esse padrão e os do banco de imagens.<br />

No sistema proposto, as faces foram obtidas de um banco de imagens fornecido<br />

pelo Audio Visual Technologies Group (GTAV) (TARRÉS, 2010). As imagens desse<br />

banco são todas coloridas com resolução 240x320 e criadas no formato bitmap. O banco<br />

possui um total de 44 pessoas com 27 imagens por pessoa em diferentes poses, ângulos<br />

de visão e iluminação. As imagens de cada indivíduo é pré-processada para reduzir os<br />

efeitos da iluminação e centralizadas para minimizar o erro devido ao posicionamento<br />

em relação à câmera. Em seguida o método das componentes principais é aplicado em<br />

parte do banco (padrão de treinamento) para geração das autofaces (eigenfaces). As<br />

imagens selecionadas para teste são projetadas no autoespaço (eigenspace) e comparadas<br />

com as do banco para determinar a menor distância entre elas.<br />

O trabalho foi organizado da seguinte forma: na seção 2 é apresentado o algoritmo<br />

de reconhecimento de faces baseado no método das componentes principais. Na<br />

seção 3 é descrito método de segmentação baseado no espaço de cores HSV. A seção 4<br />

descreve o sistema proposto e na seção seguinte são apresentados os resultados experimentais<br />

do sistema com o banco de imagens da GTAV. A última seção é utilizada para<br />

traçar algumas conclusões em relação à capacidade do sistema a partir dos resultados<br />

obtidos na seção anterior.<br />

2 MÉTODO DAS COMPONENTES PRINCIPAIS NO RECONHECIMENTO <strong>DE</strong> FACES<br />

Considere uma imagem , representada na escala de cinza, de dimensão N N ,<br />

onde cada elemento corresponde à intensidade de um pixel da imagem. Para aplicação<br />

do método, cada uma das matrizes imagens é transformada em um vetor coluna de<br />

dimensão N 2 1, representada por U<br />

i<br />

onde i 1,<br />

,<br />

n e n é o número de imagens de<br />

treinamento (TURK, 1991b; PHIASAI, 2001).<br />

Deseja-se representar cada imagem em um espaço de dimensão reduzida, da<br />

forma:<br />

U w<br />

w <br />

i 1 1 2 2<br />

w k<br />

k<br />

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122<br />

onde<br />

2<br />

k N e i 1,<br />

,<br />

n . Para reduzir o ruído, calcula-se o vetor média das<br />

imagens, da forma:<br />

n<br />

1<br />

<br />

<br />

U i<br />

n j 1<br />

Subtraindo cada imagem da média, obtém-se:<br />

<br />

i<br />

U<br />

i<br />

<br />

Observe que cada linha da matriz formada pelos vetores coluna <br />

i<br />

corresponde<br />

aos elementos da imagem de uma posição em particular e as colunas as imagens de<br />

treinamento.<br />

A covariância da matriz de vetores de imagem é calculada da forma:<br />

n<br />

1 T<br />

T<br />

C<br />

<br />

j<br />

j <br />

n<br />

j 1<br />

Os autovetores da matriz de covariância com maiores autovalores capturam a<br />

maior variação entre os vetores de treinamento <br />

i<br />

e os de menores autovalores<br />

capturam as menores variações. A dimensão do espaço de entrada pode ser reduzida,<br />

criando-se um subespaço linear formado pelos autovetores com os maiores autovalores<br />

definida como componentes principais. Portanto, para a determinação das componentes<br />

principais é necessário calcular os autovalores e autovetores da matriz T<br />

. Entretanto,<br />

a dimensão da matriz T<br />

é<br />

2 2<br />

N N o que aumenta significativamente o tempo de<br />

cálculo dos autovalores, pois existem<br />

2<br />

N autovalores. Uma solução alternativa é calcular<br />

os autovalores da matriz T cuja dimensão é , que é muito menor que e possui<br />

autovalores. Os autovalores da matriz correspondem aos maiores autovalores da matriz<br />

como mostrada em Turk, 1991(a) e Turk, 1991(b).<br />

Considere que k autovetores normalizados ( 1), denotado por<br />

, , 1 2<br />

, k<br />

, sejam selecionados correspondendo aos maiores autovalores,<br />

denominados de autofaces. Cada imagem de face do conjunto de treinamento pode<br />

agora ser representada nesta base, da forma:<br />

i<br />

<br />

i<br />

w w<br />

1i<br />

1<br />

2i<br />

<br />

2<br />

w<br />

ki<br />

<br />

k<br />

U<br />

i<br />

<br />

onde<br />

w<br />

ji<br />

T<br />

i<br />

para i 1,<br />

,<br />

n e j 1,<br />

,<br />

k , corresponde a representação<br />

i<br />

do vetor imagem <br />

i<br />

na base , , 1 2<br />

, k<br />

.<br />

O reconhecimento de uma determinada face de um conjunto de teste, denotada<br />

pelo vetor x , pode ser realizado calculando-se a representação deste vetor (subtraído<br />

da média ), na base <br />

1, <br />

2<br />

, , <br />

k<br />

. Portanto,<br />

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123<br />

onde <br />

1, <br />

2<br />

, , <br />

k<br />

são os coeficientes desta representação. A face que melhor<br />

aproxima é obtida calculando-se a distância da representação do vetor x para cada<br />

uma das representações das faces do conjunto de treinamento. Portanto,<br />

2<br />

k<br />

<br />

j<br />

<br />

ji<br />

<br />

d i<br />

w<br />

j1<br />

2<br />

onde k é o número de componentes principais e i é o número de imagens de<br />

treinamento. Uma outra métrica utilizada é a distância de Mahalanobis, dada por:<br />

onde<br />

3 ESPAÇO <strong>DE</strong> CORES HSV<br />

k<br />

<br />

2 1<br />

d i<br />

<br />

j<br />

w<br />

<br />

j 1<br />

j<br />

<br />

<br />

j são os autovalores associados a cada um dos autovetores (autofaces).<br />

Uma forma de detecção de faces é através da cor da pele devido à simplicidade<br />

no processamento e a sua robustez em relação às mudanças na geometria dos padrões<br />

de face (CAETANO, 2001; HSU, 2002; SAN<strong>DE</strong>EP, 2002). Além disso, a cor da pele, mesmo<br />

considerando as diferenças raciais, apresenta representações similares em um determinado<br />

padrão de cor e dependendo da escolha do padrão, o desempenho do algoritmo<br />

de detecção pode ser afetado significativamente (KARLEKAR, 2000).<br />

Existem vários métodos de especificação, criação e visualização de cores. Uma<br />

cor é geralmente especificada utilizando-se três coordenadas ou parâmetros que formam<br />

um determinado espaço de cores. Existem vários espaços de cores padrões, e a<br />

escolha por um deles depende de cada aplicação. Neste trabalho, foi utilizado o padrão<br />

de cor HSV (Hue, Saturation, Value) para detecção e centralização das faces. Este padrão<br />

baseia-se no matiz-saturação que o torna simples para especificar as propriedades das<br />

cores numericamente. Além disso, este padrão é invariante a mudanças de intensidade<br />

e orientação da fonte de luz. A conversão de uma imagem no padrão RGB (Red, Green,<br />

Blue) para o padrão HSV é calculada da forma:<br />

H arccos<br />

1<br />

2<br />

min<br />

S 1<br />

3<br />

R G B<br />

1<br />

V R<br />

G B<br />

3<br />

R<br />

G R<br />

B<br />

2<br />

R<br />

G R<br />

BG<br />

B<br />

R,<br />

G,<br />

B<br />

onde R, G e B são cada uma das componentes do sistema RGB.<br />

ji<br />

<br />

2<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


124<br />

4 <strong>DE</strong>SCRIÇÃO DO SISTEMA<br />

Um exemplo das imagens utilizadas para testar o sistema é mostrado na figura 1,<br />

observe que as faces são apresentadas em ângulos de 0º, ±30º,±45º, ±60º e 90º em relação<br />

à câmera sobre um fundo sujeito a efeitos de sombra. Além disso, a face também<br />

pode estar deslocada na horizontal em relação ao centro da imagem, sofrer pequenas<br />

variações de escala (distância em relação à câmera) e também de iluminação.<br />

Figura 1 – Imagem em diferentes ângulos, iluminação e sombra.<br />

O primeiro passo no processo de reconhecimento pelo sistema proposto é segmentar<br />

a face utilizando o formato HSV. Decompondo os planos de cores da imagem nas<br />

suas componentes H, S e V, e considerando somente a componente S, como mostrado<br />

no exemplo da figura 2, é possível facilmente extrair a face do fundo da imagem.<br />

Figura 2 – Componente S do padrão HSV.<br />

Após a extração da face, uma nova imagem é criada em tons de cinza. Esta imagem<br />

é centralizada com o fundo assumindo sempre o nível mínimo de intensidade na<br />

escala de cinza (preto absoluto). A figura 3 mostra a imagem já processada.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


125<br />

Figura 3 – Imagem centralizada em tons de cinza.<br />

As imagens processadas são utilizadas como padrão de teste para a aplicação do<br />

algoritmo baseado na análise das componentes principais. Observe que o fundo de<br />

todas as imagens é representado com um mesmo valor de intensidade (zero na escala<br />

de cinza), fazendo com que a face seja a informação mais importante para classificação.<br />

Na fase de reconhecimento de um padrão, uma imagem selecionada no banco<br />

de imagens de teste é pré-processada (como mostrada anteriormente) e comparada<br />

com as imagens de treinamento. A imagem que resultar em menor erro será a candidata<br />

a face selecionada.<br />

5 RESULTADOS EXPERIMENTAIS<br />

O sistema proposto foi avaliado utilizando o conjunto de imagens de treinamento<br />

da Audio Visual Technologies Group (TARRÉS, 2010) e autorizado para fins de<br />

pesquisa acadêmica. Este banco foi criado com o propósito de testar a robustez de<br />

algoritmos de reconhecimento de faces quando sujeito a mudanças na sua posição<br />

angular e condições de iluminação. O banco de dados possui um total de 44 pessoas com<br />

27 imagens por pessoa, com variações no ângulo da face em relação à câmera e sujeitas<br />

a três tipos de iluminação (luz natural, luz intensa em 45º e luz com intensidade média<br />

em um ângulo quase frontal). A resolução das imagens é de 240x320 e estão no formato<br />

bitmap. Para atender aos objetivos do experimento, foram utilizados para treinamento<br />

e teste somente as imagens do banco que não apresentavam algum tipo de oclusão<br />

(face parcialmente coberta). A figura 4 mostra um exemplo de faces em posição frontal<br />

(0º em relação à câmera) pertencentes a este banco e sujeitas a variação na iluminação.<br />

A figura 5 mostra outro conjunto de imagens, também pertencentes a este banco, en-<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


126<br />

tretanto posicionadas em um ângulo de 90º em relação à câmera. Uma parte das imagens<br />

do banco foi escolhida para treinamento, isto é, para determinação das componentes<br />

principais e outra parte utilizada para teste.<br />

Figura 4 – Amostra de 10 indivíduos pertencentes ao banco de treinamento e teste<br />

com variação de iluminação.<br />

Figura 5 – Amostra de 10 indivíduos pertencentes ao banco de treinamento e teste<br />

com variação de posição em relação ao centro e iluminação.<br />

Os experimentos foram realizados para investigar os seguintes aspectos: a robustez<br />

do sistema em relação ao número de componentes principais, a robustez em<br />

relação à posição da face na imagem e às variações de iluminação.<br />

Como é conhecido da teoria, método das componentes principais (MCP) é<br />

pouco robusto em relação à translação dos padrões. Quando o sistema foi aplicado com<br />

imagens sem qualquer tratamento prévio, resultou em um percentual de acerto próximo<br />

de 64%. Para obter uma alta taxa de acerto, as imagens do banco foram convertidas<br />

para o padrão HSV, segmentadas e transladadas para o centro, como mostrada na seção<br />

4. Como a imagem do fundo não tem importância no processo de reconhecimento, foi<br />

substituída por uma tonalidade de cinza com valor conhecido. O próprio método das<br />

componentes principais irá descartar as informações do fundo após a execução. Com<br />

este pré-processamento, obteve-se um percentual de 94,94%.<br />

As imagens que resultaram em insucesso são mostradas na figura 6. Observe<br />

que as duas primeiras colunas resultaram em acerto, se for considerado que a imagem<br />

recuperada corresponde à pessoa selecionada. Tendo em vista este aspecto, a taxa de<br />

acerto aumenta para 96,97%.<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


127<br />

Figura 6 – A primeira linha corresponde aos padrões selecionados e os da<br />

segunda os reconhecidos pelo sistema.<br />

Foi investigado também o número mínimo de componentes principais no qual a<br />

taxa de acerto alcança o máximo. A tabela 1 mostra o percentual de acerto obtido quando<br />

o número de componentes principais varia. Observe que o número de componentes<br />

não tem influência após uma determinada quantidade. No caso do experimento, esta<br />

taxa ficou invariante acima de aproximadamente 40 componentes.<br />

Tabela 1 – Efeito do número de componentes na taxa de acerto.<br />

Fonte: Resultado da Pesquisa<br />

Traços, Belém, v.12, n. 26, p. 119-129, dez. 2010


128<br />

6 CONCLUSÃO<br />

Neste artigo, foi desenvolvido um sistema baseado no método das componentes<br />

principais capaz de reconhecer faces sujeitas a variações de ângulo e de iluminação.<br />

As imagens no padrão HSV foram centralizadas e o tom de cinza do fundo da cena<br />

alterado de tal forma que apresentasse uma alta correlação entre eles (o fundo da<br />

imagem). Com esta estratégia observou-se que o percentual de acerto foi da ordem de<br />

95%. Porém, se for considerado que alguns padrões, embora contabilizados como insucesso<br />

na classificação, correspondem às mesmas pessoas (em outros ângulos em<br />

relação à câmera) a taxa de acerto sobe para 97%. Foi também investigado o efeito do<br />

número de componentes principais na taxa de acerto. Observou-se que, para o banco<br />

de imagens utilizado, um valor acima de 40 componentes não resulta em melhoria na<br />

taxa de acerto, permitindo uma redução significativa do espaço de entrada.<br />

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130<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 85-103, jun. 2010


131<br />

COMPLEXIDA<strong>DE</strong> E MO<strong>DE</strong>LAGEM MATEMÁTICA<br />

NO PROCESSO <strong>DE</strong> ENSINO-APRENDIZAGEM<br />

Lênio Fernandes Levy *<br />

Adílson Oliveira do Espírito Santo **<br />

RESUMO<br />

O presente texto diz respeito a uma investigação em nível teórico que acenou com a<br />

possibilidade de conjugarem-se intencionalmente, no processo de ensino-aprendizagem,<br />

a modelagem matemática e a concepção epistemológica acerca da complexidade.<br />

A concepção de complexidade que norteou este trabalho baseou-se no corpo de idéias<br />

do filósofo, historiador, antropólogo e sociólogo francês Edgar Morin. Por sua vez, quanto<br />

à modelagem, à modelagem matemática e à modelagem matemática no processo de<br />

ensino-aprendizagem, levaram-se em consideração várias idéias dos autores brasileiros<br />

Rodney Carlos Bassanezi, Maria Salett Biembengut e Nelson Hein.<br />

Palavras-chave: Modelagem matemática. Complexidade. Ensino-aprendizagem.<br />

ABSTRACT<br />

COMPLEXITY AND MATHEMATICAL MO<strong>DE</strong>LING<br />

IN THE TEACHING-LEARNING PROCESS<br />

The present text tells respect the an investigation in theoretical level that it waived with<br />

the possibility of conjugate it, intentionally, in the teaching-learning process, the mathematical<br />

modeling and the epistemological conception concerning the complexity. The<br />

complexity conception that orientated this work based on the body of the philosopher’s<br />

ideas, historian, anthropologist and French sociologist Edgar Morin. For it time, as for the<br />

modeling, the mathematical modeling and to the mathematical modeling in the teaching-learning<br />

process, it were taken into the Brazilian authors’ account several ideas<br />

Rodney Carlos Bassanezi, Maria Salett Biembengut and Nelson Hein.<br />

keyword: Mathematical modeling. Complexity. Teaching-learning.<br />

*<br />

Professor Mestre da Universidade Federal do Pará - UFPA - leniolevy@ufpa.br<br />

**<br />

Professor Doutor da Universidade Federal do Pará - UFPA - adilson@ufpa.br<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


132<br />

MORIN E A COMPLEXIDA<strong>DE</strong><br />

O paradigma moderno ganhou corpo a partir do afã de reação à influência religiosa<br />

sobre a produção científica. A Igreja, de um lado, fazia imposições: “Não vá pesquisar<br />

nessa direção, pois isso já está escrito em Aristóteles e a teologia integrou Aristóteles.<br />

Nós já temos a visão do mundo” (MORIN, 2001a, p.27). De outro lado, a concepção moderna,<br />

emergente naquela época, amparava-se na justificativa de que citada interferência<br />

estaria atravancando a expansão intelectual do homem, afastando-o da objetividade.<br />

Embora as práticas cognitivas marcadas pela tentativa de separação e de ordenação<br />

com vistas à melhor compreensão dos problemas e dos fenômenos tenham sido<br />

concebidas em épocas mais remotas, é certo afirmar que, a partir da chamada Idade<br />

Moderna, cujo início coincidiu com o renascimento da cultura greco-romana, houve<br />

pungente valorização da postura fragmentadora e determinista, da qual René Descartes<br />

foi um dos baluartes. Os progressos advindos do racionalismo cartesiano mostraram-se<br />

imediatos e vastos, abonando-o como corrente filosófica.<br />

Cabe frisar, contudo, que o estudo de qualquer evento implica a geração de<br />

influências ou interferências, sejam elas do sujeito ou observador sobre o objeto, sejam<br />

elas do somatório dos contextos presentes, o que inclui o objeto em foco, sobre o<br />

estudioso ou cientista, de tal sorte que não se pode conceber separação, nos termos<br />

propostos por Descartes, entre ego cogitans e res extensa. Toda tentativa de redução ou<br />

fragmentação da complexidade da natureza, malgrado os relativos progressos científicos<br />

que isso possa suscitar, não diz respeito à proximidade de uma visão aceitável dos<br />

objetos estudados. A análise laboriosa das partes é fundamental, mas corresponde ao<br />

trato de apenas um dos aspectos da realidade, sendo também necessária a consciência<br />

de que há vínculos entre os diversos elementos que se integram ao todo. Conforme<br />

assevera Morin, “É preciso juntar as partes ao todo, e o todo às partes” (2002a, p.13).<br />

Com o escopo de ratificar essa idéia, Silva lembra que:<br />

Edgar Morin gosta de citar uma passagem de Pascal: “Sendo todas as<br />

coisas causadas e causantes, auxiliadas e auxiliantes, mediatas e imediatas,<br />

e mantendo-se todas elas por meio de um vínculo natural e<br />

insensível, que une as mais afastadas e as mais diferentes, julgo impossível<br />

conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer<br />

o todo sem conhecer particularmente as partes”. Essa reflexão densa<br />

serve-lhe de base para a fundamentação da epistemologia da complexidade.<br />

Exposições e entrevistas mais longas levam-no quase sempre a<br />

recorrer a essa chave de seu pensamento (SILVA, 2002, p.93).<br />

A ênfase desmedida da distinção sem união, particularmente no que tange à<br />

tentativa de separação entre sujeito e objeto do conhecimento, em detrimento à procura<br />

de uma visão de união e de totalidade, acarretou nos últimos séculos uma consciência<br />

empobrecida acerca da natureza.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


133<br />

O diálogo das singularidades que compõem uma totalidade, a exemplo daquele<br />

entre sujeito e objeto, é recorrente no ideário moriniano, equivalendo à díade distinção-união.<br />

A complexidade da natureza é expressa em termos das múltiplas relações<br />

entre os elementos que a constituem, assim como das conexões entre esses elementos<br />

e o/um todo, fato que denota uma infinidade de desdobramentos possíveis, justificando-se<br />

o acréscimo do fator incerteza ao binômio distinção-união. Morin & Kern referindo-se<br />

à conjuntura de nosso planeta, o que é extensivo ao universo como um todo, haja<br />

vista o princípio complexo hologramático 1 , afirmam que:<br />

A realidade mundial é justamente inapreensível; ela comporta enormes<br />

incertezas devidas à sua complexidade, às suas flutuações, a seus dinamismos<br />

mesclados e antagônicos, às suas bifurcações inesperadas,<br />

às suas possibilidades que parecem impossíveis e às suas impossibilidades<br />

que parecem possíveis. A inapreensibilidade da realidade global<br />

retroage sobre as partes singulares, uma vez que o devir das partes<br />

depende do devir do todo (MORIN & KERN, 2002, p.133-4).<br />

Além do mais, qualquer tentativa de hierarquização é improcedente. Edgar Morin<br />

apregoa a valorização, na mesma medida, dos diversos elementos pertencentes a um<br />

conjunto, destacando, além do mais, haver vínculos entre todas as singularidades, sendo<br />

artificial, por exemplo, a já mencionada crença na separação entre sujeito e objeto<br />

do conhecimento, o que também é defendido por Betto:<br />

Se um elétron se apresenta ora como onda, ora como partícula, energia<br />

e matéria, Yin e Yang, isso significa que cessa o reino da objetividade.<br />

Há uma inter-relação entre o observador e o observado. Desmorona-se,<br />

assim, o dogma da imaculada neutralidade científica. A<br />

natureza responde às questões que levantamos. A consciência do<br />

observador influi na definição e, até mesmo, na existência do objeto<br />

observado. Entre os dois, reina um único e mesmo sistema. Olho o<br />

olho que me olha.<br />

[...] Há uma íntima e indestrutível conexão entre tudo o que existe, das<br />

estrelas ao sorvete saboreado por uma criança, dos neurônios de nosso<br />

cérebro aos neutrinos no interior do sol (BETTO, 2002, p.45-46).<br />

A tríade distinção–união–incerteza é inerente ao chamado tetragrama complexo,<br />

traduzido por ordem–desordem–interação–organização. A existência concomitante<br />

de ordem e desordem é condição sine qua non para qualquer espécie de criação. Nada<br />

aconteceria, não haveria transformações, somente imutabilidade, caso apenas a ordem<br />

imperasse. Da mesma forma, se unicamente a desordem se manifestasse, o próprio<br />

universo careceria de condições favoráveis para se desenvolver. Assim sendo, o diálogo<br />

incessante entre ordem e desordem propicia a estruturação dos incontáveis elementos<br />

e subconjuntos organizacionais que compõem a natureza. Lima assevera que:<br />

1<br />

O todo está nas partes e as partes estão no todo (MORIN, 2002a).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


134<br />

[...] A ordem e a desordem não subsistem sozinhas, interagem entre<br />

si. A desordem está sempre presente, como elemento perturbador,<br />

na ordem. Por sua vez, a ordem pressupõe um certo grau de desorganização.<br />

Portanto, uma visão mais complexa de ordem implica uma<br />

interação com a desordem, e qualquer desordem supõe um grau de<br />

organização. Esses quatro elementos: ordem, desordem, interação e<br />

organização possibilitam uma compreensão mais complexa das várias<br />

realidades do Universo (LIMA, 2002, p.52).<br />

Prigogine (1996), no que tange à questão do indeterminismo, afirma com alegria<br />

que, diante dos sistemas dinâmicos mais realistas, o “demônio de Laplace” permanece<br />

incapaz, seja qual for o seu conhecimento, finito ou até infinito, e que o futuro não<br />

é mais dado, tornando-se, como havia dito o poeta Paul Valéry, uma construção.<br />

[...] E eis que mostramos que há dinâmicas das probabilidades! Que<br />

o futuro, como nas estruturas dissipativas, não está determinado! E<br />

a razão, no fundo, desse “indeterminis mo”, é que ess es sistemas<br />

nos quais esses fenômenos aparecem não se explicam com base nas<br />

partículas individuais, mas nos conjuntos; a física deve integrar as<br />

estruturas de conjuntos; como, igualmente, não se pode fazer sociologia<br />

com base em um único indivíduo (PRIGOGINE, 2002, p. 37-38).<br />

Tanto o acaso puro, repudiado por Einstein, que disse em certa ocasião que Deus<br />

não joga dados (PRIGOGINE, 1996), quanto o determinismo significam negação da realidade.<br />

Weber, em tom esclarecedor relativamente ao uso da expressão “aleatório” dos<br />

textos de Prigogine, assevera que:<br />

Prigogine utiliza esse termo de maneira diferente da de outros cientistas<br />

[...].<br />

Para Jacques Monod (Chance and necessity), por exemplo, o conceito<br />

de aleatório supõe um mundo governado pela casualidade cega, que<br />

aponta para um universo carente de s entido em termos humanos,<br />

próximo ao mundo “absurdo” dos filósofos existencialistas, em que<br />

Monod apóia seus argumentos.<br />

Mas, para Prigogine, aleatório é sinônimo de não-determinado, espontâneo,<br />

novo: numa palavra, criativo (WEBER, 1997, p.225).<br />

Segundo o próprio Prigogine (1996), deve-se construir, no que tange ao determinismo<br />

das leis naturais e ao acaso, os quais levam igualmente à alienação, um caminho<br />

estreito entre ambos.<br />

Ainda no que diz respeito à questão do indeterminismo prigoginiano, de acordo<br />

com Morin:<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


135<br />

[...] Na termodinâmica, Prigogine detectou fenômenos de bifurcação<br />

no mundo físico. Num dado momento, encontram-se em jogo fatores<br />

de influências mútuas, sendo suficiente um fator infinitesimal para<br />

que um processo caminhe por um caminho do que pelo outro (MORI N,<br />

2002b, p.94).<br />

Entendemos, outrossim, ser conveniente divulgar um depoimento poético de<br />

Prigogine acerca da maravilha da complexidade:<br />

O universo parece ter algum parentesco com as Mil e Uma Noites, no<br />

qual Shehrazade narra estórias encravadas umas nas outras; há a<br />

cosmologia, a história da natureza encravada na cosmologia, a vida<br />

na matéria, as sociedades humanas como parte da história da vida<br />

(PRI GOGINE, 2001, p.34).<br />

Os que prezam a criatividade, enfim, agradecem!<br />

O ideário filosófico complexo de Edgar Morin prega a distinção, a individualização.<br />

Busca, ao mesmo tempo, a sensibilização quanto à união, quanto à relação entre<br />

partes distintas do (ou de um) todo. Admite, também, a incerteza, a criatividade. Distinção,<br />

união e incerteza/criatividade são, portanto, palavras essenciais na teoria complexa<br />

moriniana. Conforme Petraglia:<br />

[...] Os limites e as insuficiências de um pensamento simplif icador<br />

não exprimem as idéias de unidade e diversidade presentes no todo.<br />

A estrutura do pensamento Moriniano é pautada numa epistemologia<br />

da complexidade que compreende quantidades de unidades, interações<br />

diversas e adversas, incertezas, indeterminações e fenômenos<br />

aleatórios (PETRAGLIA, 2002, p.39-40).<br />

O princípio da simplificação corresponde a separar e a reduzir. O princípio da<br />

complexidade preconiza reunir e ao mesmo tempo distinguir. O pensamento que separa<br />

tem que ser complementado pelo pensamento que une.<br />

Morin propõe, conforme já frisamos, o tetragrama ordem–desordem–interações–organização,<br />

que se identifica com a tríade distinção–união–incerteza. Petraglia<br />

explica-nos que:<br />

[...] Entretanto, não basta a comunicação dos termos ordem e desordem,<br />

é preciso que tenhamos clareza da necessidade de sua aproximação<br />

a outras idéias como interação e organização, num tetragrama,<br />

a fim de não perdermos de vista a complexidade do mundo e sua<br />

perspectiva multidimensional (PETRAGLI A, 2002, p.56).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


136<br />

A ação do tetragrama é bem evidenciada pelo próprio Morin quando assegura<br />

que a vida é um exemplo de ordem que tem necessidade de se auto-produzir através da<br />

organização, tolerando ou mesmo colaborando com a desordem (MORIN, 2001b).<br />

O pensamento complexo é condizente com a chamada teoria dos sistemas, segundo<br />

a qual o todo é, ao mesmo tempo, maior e menor do que a soma das partes. A<br />

tapeçaria, por exemplo, transmite ou significa algo mais do que a simples soma de seus<br />

fios. Porém, concomitantemente, cada fio tem algumas de suas qualidades inibidas<br />

quando é unido aos demais para compô-la (PETRAGLIA, 2002). Além disso, a complexidade<br />

preza o princípio dialógico, ou seja, admite a união ou compatibilização de noções<br />

antagônicas, que aparentemente deveriam repelir uma à outra (MORIN, 2002a), a exemplo<br />

das partículas físicas, que são, ao mesmo tempo, corpúsculos e ondas, constituindose<br />

em uma contradição não-absurda. Há também o princípio da recursão, denotativo da<br />

idéia de circularidade entre causa e efeito, e que é bem ilustrado pelo seguinte fato: Os<br />

indivíduos humanos produzem a sociedade, e a sociedade, por sua vez, produz a humanidade<br />

dos indivíduos. Destacamos, por fim, o princípio hologramático, já mencionado<br />

em linhas anteriores, o qual corresponde à ideia de que o todo está nas partes e as<br />

partes estão no todo. O indivíduo, a propósito, é uma parte da sociedade, mas a sociedade<br />

também está presente em cada indivíduo por intermédio de sua linguagem, de<br />

sua cultura, de suas normas etc. (MORIN, 2002a).<br />

O objetivo da complexidade é, ao mesmo tempo, unir e enfrentar o desafio da<br />

incerteza. O pensamento complexo, embora oposto ao pensamento simplificador, não<br />

o exclui. A complexidade busca suprir as insuficiências da modernidade. O aumento<br />

contínuo do conhecimento humano exige que a especialização seja complementada<br />

pela construção de relações entre os elementos desse conjunto, entre os constituintes<br />

desse todo que, por sua vez, deixa-nos, se vislumbrado, menos distantes da realidade<br />

da natureza.<br />

Legislar, disjuntar, reduzir – esses são os princípios fundamentais do<br />

pensamento clássico. Não se trata absolutamente, do meu ponto de<br />

vista, de decretar que esses princípios sejam doravante abolidos.<br />

Mas as práticas clássicas do conhecimento são insuficientes. No momento<br />

em que a ciência de inspiração cartesiana ia muito logicamente<br />

do complexo ao simples, o pensamento científico contemporâneo<br />

tenta ler a complexidade do real sob a aparência simples dos fenômenos.<br />

De fato, não existe fenômeno simples (MORIN, 2001b, p.45).<br />

Do ponto de vista moriniano, o pensamento baseado na transdisciplinaridade<br />

conduz a um entendimento menos distante da complexidade dos objetos estudados,<br />

ou seja, a geração de elos entre os conhecimentos, bem como de liames entre eles e a/<br />

uma totalidade cognitiva, insere o homem na esteira do que ocorre à sua volta. Os<br />

conhecimentos imbuídos de transdisciplinaridade dizem respeito a um vislumbre menos<br />

opaco do que se processa no mundo.<br />

No âmbito educacional, torna-se imperioso elaborarem-se tais relações. Entendemos,<br />

contudo, que a construção de vínculos entre os campos de conhecimento<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


137<br />

não acarreta necessariamente o desaparecimento das disciplinas correspondentes, o<br />

que é corroborado pela ideia complexa de união com preservação das distinções,<br />

pela ideia de coexistência do todo e das partes. Nesse sentido, ressaltamos os seguintes<br />

dizeres de Morin:<br />

Precisamos, portanto, para promover uma nova transdisciplinaridade,<br />

de um paradigma que, decerto, permite distinguir, separar, opor<br />

e, portanto, dividir relativamente esses domínios científicos, mas<br />

que possa fazê-los se comunicarem sem operar a redução. O paradigma<br />

que denomino simplificação (redução/s eparação) é insuficiente<br />

e mutilante. É preciso um paradigma de complexidade, que, ao mesmo<br />

tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da<br />

realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais<br />

(MORIN, 2001c, p.138).<br />

Trata-se, então, de serem admitidas as singularidades e as suas respectivas conexões,<br />

o que entendemos ser compatível, na seara pedagógica, por exemplo, com o<br />

ministério de aulas por duplas de professores formados em disciplinas diferentes, ocupantes,<br />

tais profissionais, para tanto, do mesmo espaço-tempo pedagógico, agindo, em<br />

conjunto com o corpo discente, como desencadeadores de processos que levem à criação<br />

de laços entre seus respectivos campos de estudo e que conduzam também à tentativa<br />

de elaboração de uma consciência global. O diálogo entre docentes que detêm<br />

informações diferenciadas não acarreta necessariamente o desaparecimento das especificidades<br />

inerentes às suas áreas, propiciando, com efeito, vários elos recíprocos,<br />

constituindo-se em processo conciliador de distinção e união. Vale, por oportuno, ressaltar<br />

o ponto de vista de Almeida:<br />

Ess e movimento de desconstr ução, do que foi historicamente f irmado<br />

como verdadeiras cartas de habilitação por áreas temáticas<br />

do conhecimento, tem aqui o objetivo de enfraquecer as resistências<br />

dis ciplinares que se instalam nos tênues limites entr e as ciências.<br />

Não decorre, daí, nenhuma palavra de ordem de “fim às disciplinas”,<br />

mas decorre, sim, o alerta de que a disciplinaridade fechada<br />

reduz e simplifica a complexidade inerente a qualquer temática<br />

(ALMEIDA, 2002, p.37).<br />

As ações pedagógicas a cargo de Duplas Heterogêneas de Professores (DHP) 2<br />

conjugam-se, assim entendemos, com os princípios morinianos porque visam, nos termos<br />

em que as propomos, à transcendência ou ultrapassagem do isolamento disciplinar<br />

sem, todavia, objetivar necessariamente à eliminação das disciplinas. Possibilitam<br />

a comunhão entre inúmeros conhecimentos que compõem a nossa cultura, distanciando-nos<br />

menos, por conseguinte, do vislumbre da complexidade da natureza.<br />

2<br />

Vide Levy (2003).<br />

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138<br />

Enfim, segundo Morin:<br />

Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento<br />

das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso conjugá-las.<br />

Existem desafios da complexidade com os quais os desenvolvimentos<br />

próprios de nossa era planetária nos confrontam inelutavelmente<br />

(MORIN, 2002c, p.46).<br />

A teoria filosófica da complexidade e o ensino-aprendizagem de ciências e matemática<br />

via modelagem matemática: atravessando-se paradigmas<br />

O método de pesquisa experimental, alicerce do empirismo modernista, quando<br />

acrescido da concepção de criatividade inerente à indeterminação, bem como da<br />

visão de interação entre sujeito e objeto, entre sujeito e conhecimento, entre objeto e<br />

conhecimento, entre sujeitos distintos, entre objetos distintos e entre conhecimentos<br />

distintos, pode gerar resultados identificados com os pensamentos basilares da epistemologia<br />

da complexidade, que ora emerge em oposição e em complemento ao paradigma<br />

moderno e que é fundada na tríade moriniana distinção-união-incerteza/criatividade.<br />

Tal acréscimo é extensível ao âmbito do ensino e da aprendizagem de ciências<br />

e matemática via modelagem matemática na medida em que a modelagem mantém<br />

laços com a investigação experimental.<br />

Na perspectiva da complexidade, Morin, Ciurana & Motta declaram que:<br />

É verdade que os segmentos de estratégias bem-sucedidos no desenvolvimento<br />

de um método podem ser arquivados e codificados<br />

como segmentos programados para o futuro se as mesmas condições<br />

se mantiverem constantes. O método é uma estratégia do sujeito que<br />

também se apóia em segmentos programados que são revistos em<br />

função da dialógica entre essas estratégias e o próprio caminhar. O<br />

método é simultaneamente programa e estratégia e, por retroação<br />

de seus resultados, pode modificar o programa; portanto o método<br />

aprende (MORIN; CIURANA & MOTTA, 2003, p.28).<br />

O paradigma da simplificação, também chamado de paradigma moderno, é fundamentado<br />

no pensamento ao mesmo tempo fragmentador, que distingue e isola, e<br />

determinista, que apregoa a possibilidade do alcance cabal de todos os pormenores<br />

fenomênicos da natureza. Essa concepção prevalece no mundo, em particular nas sociedades<br />

ocidentais, desde o século XVII, quando Francis Bacon e René Descartes revigoraram<br />

as duas grandes (e antagônicas, embora concordantes quanto aos aspectos da<br />

fragmentação e do determinismo) correntes epistemológicas clássicas: de um lado, a<br />

empirista, segundo a qual a cognição tem ou teria por princípio a apreensão do mundo<br />

pelo homem através dos sentidos físicos, sendo todo o conhecimento humano, conforme<br />

tal ponto de vista, derivado direta ou indiretamente dessa sensibilidade ou percepção<br />

experimental (JAPIASSÚ & MARCON<strong>DE</strong>S, 1996); de outro lado, a racionalista, defensora<br />

do “alcance das verdades” via exercício racional, mediante utilização, segundo<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


139<br />

Descartes, do “bom senso”, elemento que seria imanente a todos os homens. De acordo<br />

com Japiassú & Marcondes, o racionalismo:<br />

[...] Privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a<br />

como fundamento de todo conhecimento possível. O racionalismo<br />

considera que o real é em última análise racional e que a<br />

razão é por tanto capaz de conhecer o r eal e de chegar à ver dade<br />

sobre a natureza das coisas (JAPI ASSÚ & MARCON<strong>DE</strong>S, 1996, p. 229).<br />

O paradigma da modernidade assevera que a ciência, denotativa de rigor, de<br />

precisão e de observância a um método inflexível, tem primazia sobre as demais formas<br />

de expressão cultural, entre as quais a arte, a filosofia e a religião. Em nome da supremacia<br />

dessa ciência, nascida na península balcânica há cerca de dois mil e quinhentos<br />

anos – e que teve o seu fôlego renovado após a era medieval –, os saberes e os fazeres<br />

de diversos povos 3 , de grupos humanos que interagiam e interagem com ambientes ou<br />

contextos culturais vários e peculiares, foram e têm sido rebaixados, calados ou mesmo<br />

aniquilados.<br />

O caráter fragmentador da ciência moderna, herança sobremaneira cartesiana,<br />

preceitua a separação entre: sujeito e objeto; sujeito e conhecimento; objeto e conhecimento;<br />

sujeitos distintos; objetos distintos; conhecimentos distintos. O determinismo<br />

das leis naturais, ou melhor, a crença nesse determinismo, denotando um universo<br />

supostamente ordenado, regular, reversível, previsível e, portanto, não-criativo e inibidor<br />

da liberdade humana, também é idéia central no que tange à modernidade. Edgar<br />

Morin assevera que:<br />

Até meados do século XX, a maioria das ciências obedecia ao princípio<br />

de redução, que limitava o conhecimento do todo ao conhecimento<br />

das partes, como se a organiz ação do todo não produz isse<br />

qualidades ou propriedades novas em relação às partes consideradas<br />

isoladamente.<br />

O princípio de redução leva naturalmente a restringir o complexo ao<br />

simples. Assim, aplica às complexidades v ivas e humanas a lógica<br />

mecânica e determinista da máquina artificial. Pode também cegar e<br />

conduzir a excluir tudo aquilo que não seja quantificável e mensurável,<br />

eliminando, dessa forma, o elemento humano do humano, isto<br />

é, paixões, emoções, dores e alegrias. Da mesma forma, quando obedece<br />

estritamente ao postulado determinista, o princípio de redução<br />

oculta o imprevisto, o novo e a invenção (MORI N, 2002c, p. 42).<br />

A ingerência do paradigma da simplificação, malgrado as suas limitações, foi e,<br />

ao que tudo indica, continua sendo notória e predominante nos mais diversos contextos,<br />

incluso o relativo ao ensino e à aprendizagem de ciências e matemática.<br />

3<br />

Sociedades não-européias em sua maioria.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


140<br />

Nesse sentido, percebemos a prevalência de um currículo prescritivo, conteudista,<br />

em que o conhecimento geralmente não é visto como construção derivada da<br />

conexão entre sujeito e objeto de estudo, mas como descoberta, como algo objetivo e<br />

independente da intervenção criativa do ser humano, cabendo ao professor e ao aluno,<br />

na maioria das vezes, os papéis, respectivamente, de mero transmissor e de receptor<br />

passivo desse conteúdo.<br />

Habitualmente, os saberes são ou estão fragmentados, dispostos em compartimentos<br />

disciplinares que não se comunicam. É comum, em se tratando de cursos de<br />

licenciatura em ciências e matemática, pouca ou nenhuma associação entre, por exemplo,<br />

as disciplinas específicas e as pedagógicas. Além do mais, o que se estuda na escola<br />

é normalmente dissociado de contextos outros. De um modo geral, não se buscam<br />

relações entre os conhecimentos trabalhados em sala de aula e os níveis ou âmbitos<br />

sociais, políticos, econômicos, ecológicos etc. do mundo extraclasse.<br />

Referindo-se ao ensino de ciências e à sua experiência como graduanda, Schnetzler<br />

afirma que:<br />

Se, por um lado, o que importa nas disciplinas de conteúdo específico<br />

era e continua sendo o conteúdo científico em si e por si, por outro<br />

lado, por minha própria experiência, quando eu me dirigia à Faculdade<br />

de Educação para ass istir às aulas de disciplinas pedagógicas,<br />

ali me deparava com teorias que, pela sua estranheza e desvinculação<br />

da realidade, não me possibilitavam perceber qualquer contribuição<br />

para a minha futura carreira de professora, pois se constituíam<br />

de exposições e mesmo de rígidas prescrições pedagógicas genéricas,<br />

des coladas do ‘conhecimento químico’ que eu sabia ter que<br />

futuramente ensinar (SCHNETZLER, 2000, p. 17).<br />

Em que pese a supremacia da epistemologia moderna no mundo atual, suas<br />

deficiências são cada vez mais flagrantes. É bem verdade que o paradigma da simplificação/modernidade<br />

trouxe grande desenvolvimento – um avanço exponencial, diga-se –<br />

às ciências e à tecnologia ao longo dos últimos séculos. Mas também é correto afirmar<br />

que esse paradigma dificultou e dificulta a percepção de que, por exemplo, ciência,<br />

tecnologia, economia, política e sociedade são interdependentes e decisivas no que<br />

tange à paz, à guerra, à riqueza e à pobreza, liberdade e subordinação, sustentabilidade<br />

ecológica e crime ambiental etc.<br />

Como se não bastasse a progressiva constatação de deficiências afetas ao paradigma<br />

moderno/cartesiano (e mesmo por conta dessa constatação), nos últimos<br />

decênios um número crescente de pensadores tem chegado a conclusões favoráveis<br />

quanto à realidade da interação entre os diversos contextos e quanto ao realismo da<br />

indeterminação ou criatividade inerente ao homem e à natureza, o que indica a emergência<br />

de um novo paradigma, oposto, frisamos, aos pilares da simplificação. O novo<br />

paradigma admite (e essa é uma das suas maiores características) a validade de manifestações<br />

culturais até então sufocadas pela intolerância da ciência moderna. Fritjof<br />

Capra afirma que:<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


141<br />

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais<br />

somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente.<br />

São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados<br />

e são interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar<br />

a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial.<br />

A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará<br />

enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes<br />

dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente<br />

combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso<br />

das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou<br />

a característica mais importante da era pós-guerra fria.<br />

Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente,<br />

como diferentes facetas de uma única crise, que é, em gr ande<br />

medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria<br />

de nós, e em especial noss as grandes ins tituições sociais, concordam<br />

com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção<br />

da realidade inadequada par a lidarmos com nosso mundo superpovoado<br />

e globalmente interligado (CAPRA, 2004, p. 23).<br />

Na pedagogia, o emergente modelo de pensamento coaduna-se com um currículo<br />

enquanto processo, enquanto atividade. O currículo passa a ser entendido como o<br />

conjunto das experiências vivenciadas no ambiente escolar por professores, alunos e<br />

demais agentes educacionais. Como experiências em que sujeito e objeto, articulados,<br />

(re) constroem o conhecimento, que agora começa a ser visto como aproximação do<br />

objeto de estudo, em vez de ser encarado como a sua cópia ou reprodução exata, ou<br />

como algo definitivo e independente do sujeito. Conforme Morin (2002, p.20),<br />

[...] conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo.<br />

Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções<br />

cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados<br />

pelos sentidos.<br />

Doravante, em um mundo pautado pela distinção, pela união e pela incerteza, tornase<br />

imprescindível a figura do professor reflexivo e pesquisador 4 , que é (e por ser) fundamentada<br />

na crença acerca da realidade da permanente interação entre sujeito e objeto, interação<br />

essa que acarreta incessantes mudanças em ambos. Os trabalhos de Schön a propósito do<br />

professor reflexivo são parcialmente fundamentados no ideário deweyano. Por oportuno:<br />

Dewey argumenta que o processo de reflexão de professoras e professores<br />

se inicia no enfrentamento de dificuldades que, normalmente, o<br />

comportamento rotineiro da aula não dá conta de superar. A instabilidade<br />

gerada perante essas situações leva-os a analisar as experiências<br />

anteriores. Sendo uma análise reflexiva, envolverá a ponderação<br />

cuidadosa, persistente e ativa das suas crenças e práticas à luz da<br />

lógica da razão que a apóia (CAMPOS & PESSOA, 1998, p. 190-191).<br />

4<br />

Vide o ideário de Donald Schön (CAMPOS & PESSOA, 1998), referente ao professor reflexivo, e/ou o corpo de<br />

ideias de Lawrence Stenhouse (DICKEL, 1998), a propósito do professor pesquisador.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


142<br />

Ademais, o processo de ensino-aprendizagem que proclama, diante de situações-problema,<br />

a verificação de hipóteses baseadas no conhecimento prévio dos estudantes<br />

(cujo arcabouço cognitivo guarda intrínseca relação com os contextos culturais<br />

que os influenciam, contextos esses que, por sua vez, recebem a influência criativa de<br />

referidos indivíduos) manterá, pois, identidade com os princípios de interação e de<br />

criatividade defendidos pela epistemologia emergente.<br />

A modelagem e o método experimental valem-se de ações em comum, a exemplo<br />

da hipotetização e da verificação. Conforme Japiassú & Marcondes, o método experimental<br />

é:<br />

[...] aquele que tem por base a realiz ação de experimentos para o<br />

estabelecimento de teor ias científicas, pr ocedendo através da observação,<br />

da formulação de hipóteses e da verificação ou confirmação<br />

das hipóteses a partir de experimentos. É valorizado sobretudo<br />

nas concepções empiristas (JAPI ASSÚ & MARCON<strong>DE</strong>S, 1996, p.182).<br />

A modelagem pode ser útil à consecução de um ensino e de uma aprendizagem<br />

de ciências e matemática em sintonia com o paradigma ora emergente, o que<br />

apenas depende de ser e da maneira como for utilizada no contexto pedagógico,<br />

devendo essa maneira, para tanto, mostrar-se enfática no que tange à adoção de<br />

posturas conscientemente criativas e contextualizadoras perante o problema ou o<br />

tema com que estivermos trabalhando, posturas essas cuja ausência pode redundar<br />

no fortalecimento da visão determinista e da crença quanto à dicotomia entre sujeito<br />

e objeto, ou seja, cuja ausência pode acarretar a ênfase no paradigma moderno<br />

e nas suas deficiências.<br />

Anastácio refere-se a eventuais trabalhos com modelagem, no processo de ensino-aprendizagem,<br />

influenciados ainda hoje por aspectos do paradigma moderno. Segundo<br />

essa autora:<br />

A concepção de conhecimento presente no desenvolvimento da modelagem<br />

se inser e no conhecimento desenvolvido no Ocidente por<br />

meio da constituição da ciência Moderna com a contribuição da Matemática.<br />

O s métodos e procedimentos da Modelagem originam-se<br />

nas idéias de Galileu e Descar tes e assumem uma concepção de<br />

realidade como algo em si, que apesar de sua complexidade, é possível<br />

de ser traduzida na linguagem matemática.<br />

As conseqüências destas concepções ao se desenvolver um trabalho<br />

com modelagem na escola pode implicar na constituição de uma<br />

idéia de matemática como algo presente na realidade. Quando se<br />

pergunta pela matemática que se pode ter ao observar um determinado<br />

fato, ressalta-se este caráter de imanência da matemática na<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


143<br />

realidade. Reforça-se a concepção pitagórica e pode-se chegar a defender<br />

que a matemática está em tudo e sem ela vive-se o caos e o<br />

vazio [...] (ANASTÁCIO 5 , 2007, p.7-8).<br />

Ainda se atendo ao binômio realidade-matemática, Anastácio afirma que:<br />

Ao apresentar minhas reflexões acerca das concepções de matemática<br />

e de realidade que se apresentam no trabalho com a Modelagem,<br />

não tenho a intenção de criticar ou colocar por terra todo o trabalho<br />

que vem sendo desenvolvido nos diversos âmbitos escolares. Tampouco<br />

pretendo es gotar a temática realidade/conhecimento matemático.<br />

Quero, no entanto, convidar os que trabalham com a Modelagem<br />

Matemática e a utiliz am em s uas aulas a r efletir em sobr e as<br />

concepções que adotam [...] (ANASTÁCIO, 2007, p.10).<br />

Trata-se a modelagem de processo em que se busca representar determinado<br />

objeto, situação ou evento através da emissão de hipóteses explicativas e da respectiva<br />

tentativa de verificação.<br />

Quando, no processo em que tentamos obter um modelo, fazemos<br />

apelo em larga escala ao ferramental matemático, temos a chamada<br />

“modelagem matemática”. Expressões aritméticas ou algébricas, figuras<br />

geométricas e diagramas/gráficos são alguns exemplos de<br />

“modelos matemáticos”, cujo grau de representatividade é dir etamente<br />

proporcional ao amadurecimento matemático do modelador.<br />

“Chamaremos simplesmente de Modelo Matemático um conjunto de<br />

símbolos e relações matemáticas que representam de alguma forma<br />

o objeto estudado” (BASSANEZI , 2002, p. 20).<br />

Segundo Biembengut & Hein (2000), o processo de modelagem matemática compõe-se<br />

das seguintes ações:<br />

• Interação: O pesquisador faz contatos com o problema ou tema a ser modelado,<br />

buscando familiarizar-se a respeito e coletar dados que possam ajudá-lo em sua<br />

investigação;<br />

• Matematização: São lançadas hipóteses explicativas para as questões suscitadas,<br />

hipóteses que se baseiam nos conhecimentos do investigador. Faz-se uso do instrumental<br />

matemático com vistas à consecução do modelo com que se pretende<br />

representar o evento, tema ou situação em estudo;<br />

5<br />

Tal citação interessou-nos não propriamente devido à perspectiva fenomenológica adotada pela autora, perspectiva<br />

que é notada mais explicitamente em outras partes do seu artigo/texto, mas pelo fato de Anastácio declarar<br />

a possibilidade de haver, no âmbito pedagógico, trabalhos com modelagem ainda pautados no paradigma<br />

moderno, declaração que apoiamos. Entendemos que, com essa afirmação, a autora coloca sob suspeição a<br />

hipótese de que, na seara escolar, a modelagem, em qualquer de suas formas de manifestação, sempre é e tem<br />

sido concordante com alguns dos pensamentos emergentes e alternativos à epistemologia da modernidade.<br />

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144<br />

• Modelo: Testa-se a validade do modelo construído, devendo-se, em caso de se<br />

considerá-lo não-adequado ao objeto estudado, retomar a matematização.<br />

É possível, assim entendemos, coadunar a modelagem matemática com o espírito<br />

de interação e de criatividade da epistemologia emergente. Trata-se de um convite<br />

à transversalidade, à interdisciplinaridade, à contextualização e, em âmbito mais abrangente,<br />

à transdisciplinaridade, aspectos que, na seara da aprendizagem de ciências e<br />

matemática, tendem a constituir-se em fonte de motivação discente, haja vista contemplarem<br />

a construção de conceitos científicos e matemáticos a partir do estabelecimento<br />

de relações com conceitos, temas ou contextos que os alunos já dominam.<br />

Podemos utilizar a modelagem matemática em aulas de ciências e matemática.<br />

Segundo Biembengut & Hein (2000), há correspondência entre os procedimentos apresentados<br />

nas próximas linhas e a referida possibilidade. Percebamos, no decorrer da<br />

descrição a seguir, a existência de aberturas ao fomento de um pensamento e de uma<br />

prática marcados pela interação e pela criatividade:<br />

• Diagnóstico: O professor trava contato com aspectos sócio-econômicos e cognitivos<br />

de seus alunos. Mediante avaliações, percebe quais são os seus interesses. Percebe<br />

também quais são as dificuldades de aprendizagem e os obstáculos didáticos que<br />

podem prejudicar a implementação do trabalho proposto;<br />

• Escolha do tema: O professor elege o assunto, fenômeno ou evento acerca do qual<br />

se buscará construir o modelo, podendo, também, o estudante, mediante orientação<br />

docente, protagonizar o processo de escolha. Sugere-se a escolha de um tema<br />

presente e impactante nas vidas dos alunos, a fim de que haja maior estímulo à<br />

elaboração de conceitos científicos correspondentes. É importante também o trabalho<br />

com um tema cuja complexidade não coloque em risco o sucesso da atividade,<br />

dadas as naturais limitações dos alunos modeladores e mesmo aquelas do próprio<br />

professor orientador;<br />

• Desenvolvimento do conteúdo programático: Os alunos, orientados pelo professor,<br />

(re) constroem elementos científicos e matemáticos para tentar representar o objeto<br />

de estudo. Trata-se justamente dos momentos em que se busca processar a modelagem<br />

com ênfase em seu aspecto de método experimental de pesquisa, conforme<br />

indicado nas linhas anteriores através de: interação, matematização e modelo;<br />

• Orientação de modelagem: O termo orientação, no sentido aqui empregado, não<br />

condiz com exposição mecânica, com descontextualização e com absorção acrítica.<br />

Indica, diferentemente, o oferecimento de condições para que o corpo discente possa<br />

construir conhecimentos a partir de seus próprios saberes e fazeres, a partir de seus<br />

próprios elementos culturais, em dinâmica pautada pela interação e pela criticidade.<br />

Referindo-se a uma atividade de modelagem desenvolvida com uma turma do<br />

primeiro período do Curso Superior de Tecnologia em Eletrotécnica do CEFET-PR 6 , Ferruzzi,<br />

Almeida & Francisco afirmam que:<br />

6<br />

Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 131-148, jun. 2010


145<br />

Observamos que em alguns momentos, mostrou-se necessária a interv<br />

enção do prof essor com ques tionamentos para que os alunos<br />

ultr apassas sem algum impasse no desenvolvimento da solução do<br />

problema e enriquecessem a dis cussão em tor no do problema em<br />

estudo. O estilo de comunicação entre professor e os alunos possui<br />

características de um cenário de investigação, pois realizamos um<br />

convite aos alunos, visando à reflexão sobre suas conclusões e justificativas.<br />

O professor deve comportar-se como um orientador, como um coordenador<br />

das atividades, tentando solucionar as dúv idas dos alunos,<br />

intervir quando solicitado e recomendar bibliogr afias que possam<br />

auxiliar os alunos, comportando-se as sim como um norteador de<br />

idéias. É importante que os alunos r eflitam sobre o seu trabalho.<br />

Assim, o pr ofessor não deve res ponder diretamente as questões,<br />

mas sim, us ar ques tões que os incentiv em a refletir sobre o seu<br />

desenvolvimento (FERRUZZI; ALMEIDA & FRANCISCO, 2005, p.10).<br />

• Avaliação: É imprescindível que o professor avalie a si próprio, bem como permita<br />

o julgamento de sua prática por terceiros, com vistas a aperfeiçoar-se. Os alunos, e<br />

mesmo outros colegas de profissão, poderão dar-lhe os subsídios de que necessita.<br />

Por sua vez, a avaliação do corpo discente levada a efeito pelo professor orientador,<br />

sendo procedimento que objetiva a melhoria das condições para a consolidação<br />

da aprendizagem, há que ser não apenas diagnóstica e somativa, mas também,<br />

e sobretudo, formativa.<br />

Em que pese, mesmo nos dias atuais, o predomínio da epistemologia fragmentadora<br />

e determinista da modernidade, inclusive na seara do ensino e da aprendizagem<br />

de ciências e matemática, observamos que as deficiências e limitações da referida epistemologia,<br />

aliadas às conclusões a que se tem chegado a propósito das realidades da<br />

união ou interação e da criatividade afeta à indeterminação 7 , têm conduzido um número<br />

crescente de pessoas, entre elas diversos membros das comunidades científica e<br />

matemática, a defenderem a emergência de um novo paradigma.<br />

No contexto pedagógico inerente às ciências e à matemática, as atividades em<br />

que se utiliza o método experimental de pesquisa, composto basicamente por tema,<br />

problema, hipóteses explicativas e verificação, se acrescidas da consciência de criatividade<br />

e de interação, consciência essa que só tem a ganhar com a atuação de um professor<br />

“reflexivo e pesquisador da própria prática”, constituir-se-ão em ações irmanadas<br />

com o padrão emergente de pensamento. No ensino e na aprendizagem de ciências e<br />

matemática, a modelagem, que guarda ligações com o método experimental, uma vez<br />

acrescida dos princípios defendidos ao longo deste artigo, ou seja, uma vez levada a<br />

efeito mediante o subsídio da concepção de interação e de criatividade, tenderá a identificar-se<br />

com o padrão epistemológico que ora emerge.<br />

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149<br />

LICEU PARAENSE:<br />

BERÇO CULTURAL NA AMAZÔNIA<br />

Elaine da Silva Gaspar *<br />

Gleeydson Fernando Lima Borges **<br />

Miguel Chaquiam ***<br />

RESUMO<br />

Apresentamos recortes da história do Liceu Paraense, atual Colégio Estadual Paes de<br />

Carvalho no estado do Pará, oriundos de pesquisa destinada a composição da monografia<br />

do Curso de Especialização em Educação Matemática da Universidade do Estado do<br />

Pará, sob orientação do professor Miguel Chaquiam. Iniciamos destacando a origem da<br />

criação do berço cultural na Amazônia e seus precursores, as nomenclaturas que esta<br />

instituição tomou ao longo de sua história, além de apresentar brevemente a importância<br />

do mesmo na instrução pública no Estado, considerando que, na época, foi à segunda<br />

escola estadual a ser erguida no Brasil e, neste sentido, ganha importância por impulsionar<br />

avanços nos diferentes segmentos profissionais que no Pará se desenvolvera<br />

com o aprofundamento da educação, além de proporcionar aos estudantes paraenses<br />

conhecimento intelectual que pouco a pouco foi se disseminando na medida em que o<br />

Liceu Paraense vinha ganhando um status épico no cenário educacional paraense com<br />

seus professores, e destes apresentamos alguns traços biográficos de suas vidas profissionais.<br />

Em termos gerais citamos alguns decretos que foram destaques para que este<br />

marco histórico pudesse se consolidar mediante as atitudes que o poder público do<br />

estado do Pará tomava aos anseios da educação nativa gerando em tempos posteriores<br />

resultados satisfatórios.<br />

Palavras-chave: Liceu Paraense. Colégio Paes de Carvalho. Instrução Pública Paraense.<br />

Professores do Liceu Paraense.<br />

ABSTRACT<br />

LYCEUM PARAENSE:<br />

CULTURAL CRADLE AMAZON<br />

We present excerpts of the history of the Lyceum Paraense, current State College Paes de<br />

Carvalho in the state of Pará, from research for the composition of the monograph of<br />

Specialization in Mathematics Education, State University of Pará, under Professor Miguel<br />

*<br />

Licenciada em Matemática pela UNAMA e Especialista em Educação Matemática pela UEPA. alnani@bol.com.br<br />

**<br />

Licenciado em Matemáti ca e Especialista em Edu cação Matemática p ela UEPA.<br />

fernandofileborges@superig.com.br<br />

***<br />

Professor da UNAMA e UEPA. Doutorando em Educação pelo PPGEd da UFRN. m.chaquiam@unama.br<br />

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150<br />

Chaquiam. We began highlighting the origin of creation of the cultural cradle of the Amazon<br />

and its precursors, the classifications which the latter took over its history, and to<br />

outline its importance in public education in the state, whereas at the time was the second<br />

state school to be built in Brazil and in this sense, becomes important advances for driving<br />

professionals in different segments in order to develop with further education, and provide<br />

students paraenses a intellectual knowledge that has been gradually spreading to the<br />

extent the Lyceum Paraense had been gaining an epic status in the educational landscape<br />

with their teachers paraenses, where these present some biographical traits of their professional<br />

lives. In general terms we quote some decrees that were highlights for this landmark<br />

could be consolidated by the attitudes that the government of Pará state was taking the<br />

aspirations of native education in later times generating satisfactory results.<br />

Keywords: Lyceum Paraense. State College Paes de Carvalho. Paraense Public Instruction.<br />

Professor of the Lyceum Paraense.<br />

1 O BERÇO CULTURAL NA AMAZÔNIA<br />

A cidade de Belém do Pará foi fundada em 1616 por influência dos portugueses<br />

e, anos depois, nos conventos praticava-se o magistério com influências religiosas,<br />

tendo em vista que a colonização era tida como simples exploração da terra e das pessoas,<br />

embora constatemos que a mesma teve aspectos positivos no que se diz respeito<br />

ao avanço da instrução dos cidadãos paraenses independentemente de desvios que a<br />

colonização possa ter causado.<br />

O destaque inicial se dá ao presidente da província<br />

paraense, Bernardo de Souza Franco, parlamentar,<br />

financeiro e estadista, que, no reinado de D. Pedro<br />

II, aprovou na Assembléia Legislativa da Província<br />

a Lei de N.º 97 de 28 de Junho de 1841, criando o Liceu<br />

Paraense, cuja intenção era dar a sua terra natal o concurso<br />

de sua inteligência e os seus serviços, ele não<br />

podia deixar de rasgar a cortina existente entre ignorância<br />

e o saber, combatendo, assim, as ambições dos<br />

que dominavam e dos que queriam dominar, além de<br />

vencer a maioria da população que desejava viver sem<br />

as luzes da instrução. O Liceu é considerado o segundo<br />

estabelecimento de ensino oficial do Brasil e mais, a<br />

primeira instituição da região Norte e Nordeste a ter<br />

Fotografia 1 – Souza Franco.<br />

reconhecimento, entretanto, o Liceu Paraense foi inaugurado<br />

aproximadamente um mês depois de sua criação,<br />

em 28 de Junho de 1841.<br />

Bernardo de Souza Franco, entre as diversas realizações públicas que promoveu,<br />

dedicou atenção especial à educação paraense. Dessa maneira, além de construir<br />

o Liceu Paraense, reinstalou a Casa do Amparo das Educandas, que mais tarde daria<br />

origem ao Internato Gentil Bittencourt no estado do Pará e, além disso, naquela época,<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


151<br />

forneceu crédito educativo para que os estudantes paraenses completassem seus cursos<br />

no exterior, principalmente nos Estados Unidos nos ramos da engenharia e na Europa<br />

para medicina e direito.<br />

Diante disso, percebeu-se o quanto Bernardo de Souza Franco foi importante<br />

como pensador e organizador de um novo cenário da instrução pública, mesmo sabendo<br />

que as guerras civis que ocorreram no Pará, na época de criação do Liceu Paraense,<br />

perpetuavam no meio e, além disso, ainda vivíamos reflexos de uma desorganização<br />

político-social-educacional que se arrastava desde o período colonial, contudo, esse<br />

fato não tirou o brilho que esse cidadão proporcionou ao cenário educacional paraense,<br />

que tempos depois veio se concretizar na qualidade de Visconde.<br />

As primeiras instalações do Liceu Paraense foram na antiga avenida Independência,<br />

no prédio de nº 26, do Largo do Palácio, atual praça D. Pedro II, posteriormente<br />

transferido para a Travessa do Passinho, hoje, Campus Sales, depois a Rua Nova de<br />

Santana, atual Manoel Barata e, por volta de 1862, passaria para o Convento do Carmo e,<br />

finalmente, após trinta anos de sua criação, em 1871 ficou instalado em edifício próprio,<br />

no Largo do Quartel, onde hoje é Praça Saldanha Marinho. Quando o Liceu Paraense foi<br />

criado, talvez não se pensasse no efeito que o mesmo resultaria à instrução pública,<br />

embora soubéssemos que algo deveria ser feito para que o Estado, após a colonização,<br />

pudesse caminhar com projetos internos a fim de elevar ou tentar elevar o grau de<br />

conhecimento e crescimento intelectual dos jovens paraenses.<br />

Era necessário perceber que a instrução na escola não era apenas essencial, mas<br />

primordial, para uma sociedade se desenvolver gradativamente nos setores que sustentavam<br />

a coletividade humana e que passaram a sustentá-la a posteriormente.<br />

Fotografia 2 – Liceu Paraense.<br />

Baseado nesse propósito, um dos primeiros passos visando ao progresso foi à<br />

organização de um sistema político pedagógico e a efetivação do ensino primário aos<br />

jovens paraenses, para que assim pudessem amadurecer em busca de novos posicionamentos<br />

nos diferentes ramos da atividade humana. Isso foi feito inicialmente por Bernardo<br />

de Souza Franco, considerando que se preocupava em oferecer melhores condições<br />

para os estudantes e na tentativa de reconstruir a Província do Pará. Com o passar<br />

do tempo, de acordo com as necessidades locais, se fizeram necessárias as criações de<br />

cursos para atender as demandas sociais que se estabeleciam com o avanço progressivo<br />

da sociedade paraense.<br />

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152<br />

Falando um pouco das nomeações do Liceu Paraense ao longo de sua história,<br />

sabe-se que a mesma passou por diferentes denominações, sejam por questões políticas<br />

ou não, até chegar a ser chamada, inclusive atualmente, de Colégio Estadual Paes de<br />

Carvalho, a seguir um fluxograma mostrando essa linha de denominações:<br />

Fluxograma 1 – Cronologia das nomeações do Liceu Paraense.<br />

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153<br />

A importância do Liceu ao Estado do Pará diz respeito à regulamentação da instrução<br />

primaria e secundária na Província, contudo, desde o ano de sua fundação até o<br />

ano de 1855, o Liceu atendia somente a estudantes menores, ou seja, de nível primário<br />

e, a partir do referido ano, pela resolução de N.º 278 de 03 de dezembro de 1855, a então<br />

presidência da Província converte o Liceu Paraense em um estabelecimento de educação<br />

primária e secundária, após a denominação de Colégio Paraense, atendendo clientela<br />

de alunos pensionistas, meio-pensionistas e externos.<br />

Após a Proclamação da República, em 1889,<br />

os representantes do governo paraense encontraram<br />

o Colégio Paraense com a denominação<br />

primitiva de Liceu Paraense que, em 1901, foi denominado<br />

de Ginásio Paes de Carvalho pelo decreto<br />

de N.º 959 de 09 de fevereiro, desse mesmo<br />

ano, no governo de Augusto Montenegro, em homenagem<br />

ao médico José Paes de Carvalho, pois,<br />

no governo deste (1895 – 1900), o Pará teve grande<br />

impulso na área da educação e muito dos Órgãos<br />

foram criados nesse período, Órgãos esses<br />

que nasceram à luz desta instituição, todos com a<br />

proposta de manter uma estrutura de evolução<br />

na educação da sociedade no Pará. E ainda para<br />

obedecer aos dispositivos da Lei Orgânica do ensino<br />

secundário, baixado pelo decreto N.º 4.244<br />

Fotografia 3 – José Paes<br />

de Carvalho.<br />

Uma medida significativa foi<br />

equiparação que o Liceu Paraense obteve<br />

em relação ao Ginásio Nacional,<br />

estabelecimento padrão do gênero,<br />

atual Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.<br />

Vale ressaltar que o Liceu Paraense<br />

surge quatro anos após o referido ginásio<br />

ter sido criado em 1837, fato muito<br />

significativo, pois indica que o governo<br />

provincial acompanhou de perto<br />

a iniciativa do governo central no<br />

aspecto educacional. Essa medida foi<br />

efetuada pelo decreto do governo federal<br />

de N.º 1.121, de 01 de Novembro<br />

de 09 de abril de 1942, recebeu o Liceu a denominação<br />

de Colégio Estadual Paes de Carvalho, que<br />

mantêm até aos dias atuais.<br />

Fotografia 4 – Ginásio Nacional, RJ.<br />

de 1892, quando o Liceu Paraense cresceu em termos de matrícula, se definiu como<br />

instituição de ensino e obteve projeção nos quadros do ensino público do país. Pode-se<br />

até mesmo dizer que após sua criação, e de sua mudança para o atual endereço Praça<br />

Saldanha Marinho, a equiparação foi o acontecimento mais importante na vida desta<br />

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154<br />

instituição, pois passou a gozar de diversas reformas que atendiam diretamente aos<br />

alunos e o credenciamento da instituição como ascensão da instrução dos paraenses.<br />

Pelo instituto, Liceu Paraense passaram importantes personagens paraenses,<br />

sejam na condição de alunos, professores e até mesmo na qualidade de diretores,<br />

dentre tantos, citamos Lauro Sodré e Gaspar Viana (Mártir da Ciência), como professor,<br />

Hilário Gurjão que lecionava Aritmética e Álgebra e, na qualidade de diretor, Dr. José<br />

Veríssimo Dias de Matos, além de muitos outros que se destacaram nos ramos profissionais,<br />

políticos, artísticos e empresariais. Contudo, não apenas como sementeira de<br />

figuras ilustres que o Liceu Paraense avulta na história do ensino no Pará. Com sua<br />

criação, operou-se a unificação e sistematização do Curso de Humanidades, que até<br />

então era ministrado isoladamente nas chamadas “Aulas” ou “Escolas” de gramática<br />

latina, de filosofia racional ou moral, de retórica, de língua francesa e de geometria,<br />

sendo que as duas últimas não chegaram a funcionar no Pará.<br />

Ao currículo do Liceu foram inseridas novas matérias, a começar por Contabilidade<br />

e Escrituração Mercantil, que pela primeira vez passaram a ser lecionada no estado<br />

do Pará em um curso regular de ensino. Foi João Batista de Figueiredo Terreiro<br />

Aranha, a lente desta matéria no Liceu, que elaborou a primeira obra da matéria na<br />

Amazônia e uma das pioneiras do gênero no Brasil. Intitula-se a obra “Elementos do<br />

Comercio”, publicada pelo filho do autor no ano de 1872, no estado do Maranhão, talvez<br />

por encontrar lá maiores facilidades de impressão. O mesmo aconteceu com as matérias<br />

de Pedagogia e Agrimensura que também foram lecionadas pela primeira vez no<br />

Liceu e no Pará, com caráter de matérias curriculares do ensino primário. Com o desdobramento<br />

das matérias acima citadas e adjunção de outras, constitui-se posteriormente<br />

cursos à parte, como o Curso Comercial, o Curso Normal e o de Agrimensura, em nível<br />

médio e secundário, todos vinculados ao Liceu.<br />

Seguindo a história do Liceu Paraense, abrigaram-se em suas dependências,<br />

originariamente ou não, cinco estabelecimentos de ensino, sendo dois de níveis superiores,<br />

uma Escola Normal, hoje Instituto de Educação do Pará - IEP, e o Liceu de Artes e<br />

Ofício Benjamim Constant. Outros estabelecimentos que também funcionaram nas<br />

dependências do Liceu foram o Instituto Cívico Jurídico Paes de Carvalho, a Faculdade<br />

de Odontologia, a Faculdade de Medicina, além de dois corpos legislativos, estes Assembléia<br />

Provincial e Senado Estadual, além de dois órgãos administrativos, Conselho<br />

Superior de Instrução Pública e a Biblioteca Pública, uma Instituição Científica na época<br />

chamada de Museu Paraense, hoje Museu Paraense Emílio Goeldi, e por fim, uma Instituição<br />

Cultural chamada Instituto Histórico e Geográfico do Pará, essas foram as instituições<br />

identificadas no decorrer da pesquisa. Alguns desses estabelecimentos ficaram<br />

durante algum tempo em suas dependências, em outrora, tiveram autonomia em prédios<br />

separados, mas não deixaram de se organizar em função do Liceu.<br />

Segundo Moreira (1980), um fato curioso observado aponta que mesmo depois<br />

de alguns órgãos ou instituições se desligarem do Liceu Paraense, os mesmos continuaram<br />

submetidos a sua atração e desempenho, tanto que voltaram a vincular-se ao<br />

Liceu, como aconteceu com a Escola Normal, em 1885, quando chegou a fundir-se com<br />

ele por força da Lei Provincial de N.º 1.224 de 03 de dezembro de 1885. Moreira (1980)<br />

salienta que:<br />

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155<br />

E quem nos dir á que a extinta Academia de Belas-Ar tes e o antigo<br />

Conservatório de Música, que outrora funcionaram ao lado dele, no<br />

prédio hoje ocupado pela Academia Paraense de Letras, não se localizaram<br />

aí por efeito dessa atração. (MOREIRA, 1980, p. 2).<br />

Frisando novamente os cursos que no Liceu se estabeleceram, no caso específico,<br />

o curso de Humanidades e o Comercial, ambos no conjunto de suas disciplinas,<br />

encontravam-se matérias envolvendo a matemática, e nesses cursos se tinha a Aritmética,<br />

Álgebra e Geometria como matérias padrão dentro das mesmas. O avanço que o<br />

Liceu sofreu tempos depois de sua criação e inauguração foi historicamente importante,<br />

porém, ressaltamos que os estudantes paraenses demoraram um pouco para se<br />

adaptarem aos novos tempos de estudo nas escolas, principalmente em matemática,<br />

devido às adaptações que ocorreram e pelo fato de ser ministrado por um professorado<br />

eficiente e capaz, fazendo com que muitos alunos não conseguissem chegar ao final do<br />

curso. Entende-se como uma conseqüência natural das medidas adotadas, entretanto,<br />

com insistência ao longo das décadas os rendimentos foram melhorando e a demanda<br />

pelos cursos foi se elevando a cada ano, levando o Liceu Paraense ao apogeu.<br />

2 O COLÉGIO ESTADUAL PAES <strong>DE</strong> CARVALHO<br />

Destacamos esse ponto em função de algumas considerações que entendemos ser<br />

de relevante abordagem, ou seja, a denominação Colégio Estadual Paes de Carvalho (CEPC)<br />

foi última modificação ocorrida no nome do Liceu Paraense e, além disso, é a denominação<br />

teoricamente mais conhecida pelos paraenses, o que nos leva a caracterizá-la em um momento<br />

destacado, embora seja, na realidade, a continuidade do Liceu Paraense. Outro fator<br />

interessante diz respeito ao ano em que o Liceu Paraense foi definitivamente denominado<br />

CEPC, isto é, em 1942, o que nos permite traçar aspectos mais próximos da nossa atualidade.<br />

Neste ano, 2010, o Liceu Paraense, o atual Colégio Estadual Paes de Carvalho (CEPC),<br />

esta ilustre instituição formadora de cidadãos<br />

paraenses, completa em 28 de junho<br />

de 2010, 169 anos de história na instrução<br />

pública, guardando consigo diversas idealizações<br />

e consideráveis transformações na<br />

cultura educacional paraense, sobrevivendo<br />

frente as dificuldades de transição, em<br />

diferentes épocas, que passou o Pará, formando<br />

grandes nomes no cenário estudantil<br />

paraense, proporcionando grande atração<br />

por outros estabelecimentos que seguiram<br />

suas metas e se utilizaram muitas vezes de<br />

suas dependências. A sede do estabelecimento<br />

foi totalmente reconstruída em 1967,<br />

Fotografia 5 –Colégio Estadual Paes<br />

de Carvalho.<br />

guardando as linhas arquitetônicas do prédio original, a qual dispomos hoje em Belém do<br />

Pará, ilustrada na fotografia do atual Colégio Estadual Paes de Carvalho, antigo Liceu Paraense.<br />

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156<br />

A partir de 1942, o CEPC não mudou mais de nome e continuou sua caminhada,<br />

trilhando novos cursos, trilhando novos horizontes para se adaptar a outros momentos<br />

históricos que o Pará viveria posteriormente.<br />

Uma mudança considerável ocorreu pelo decreto de N.º 5.300 de 25 de novembro<br />

de 1966, o CEPC após tantos anos de autonomia e formalização de seus próprios<br />

regulamentos passou a fazer parte da Fundação Educacional do Estado do Pará (FEP)<br />

com os cursos ginasial, clássico e cientifico. Mais adiante, a implantação da Lei 5.692, de<br />

11 de agosto de 1971, fez com que no CEPC começassem a funcionar os cursos de Construção<br />

Civil, Administração e Saúde. A partir de 1980, o mesmo inicia uma nova fase,<br />

funcionando apenas com os cursos de Habilitação em Saúde e, com isso, a adaptação<br />

efetivada no colégio implica um novo processo de adaptação dos alunos.<br />

O CEPC passou a ser um campo de estágio, aberto aos alunos da Escola Superior<br />

Magalhães Barata e da Universidade Federal do Pará - UFPA, além de oferecer cursos de<br />

aperfeiçoamento na área de chefia e liderança e primeiros socorros, mantendo ativa a<br />

participação nas campanhas de saúde pública. Durante esse período, os alunos se destacaram<br />

em concursos culturais estaduais e nacionais. As novas reformulações geraram<br />

dificuldades, principalmente pela falta de embasamento do aluno que ingressava no 2º<br />

grau; dificuldades de engajamento no campo profissional e grande evasão dos alunos<br />

da 3ª série para cursos preparatórios de vestibular.<br />

Com a Lei 7.044 que retirou a obrigatoriedade do ensino profissional nas escolas,<br />

a direção do CEPC devido à solicitação do corpo docente e discente, fez opção pelo<br />

ensino de Educação Geral, passando a funcionar assim com os cursos de Ciências Humanas<br />

e Ciências Biológicas, aumentando ainda mais os horizontes do colégio, embora<br />

fosse obrigado a lidar com um novo processo de adaptação em de cada mudança ou<br />

alteração ou criação.<br />

Notavelmente no CEPC foram se formalizando novos cursos e as opções para os<br />

estudantes paraenses logicamente também foram sofrendo variações e adaptações ao<br />

longo da caminhada deste colégio. Entretanto não avaliamos se o enérgico e eficaz<br />

regulamento continuou sendo força motriz da instituição, onde todos os integrantes do<br />

CEPC tinham suas funções bem definidas e supervisionadas. Embora quase todas as<br />

escolas públicas passem por dificuldades atualmente no cenário brasileiro, é sempre<br />

gratificante resgatar um marco histórico da educação para potencializar novas idéias a<br />

fim de buscar novamente uma estrutura pedagógica forte aliada a “modernidade” que<br />

vivemos, e esse resgate do Liceu Paraense, o atual Colégio Estadual Paes de Carvalho,<br />

desempenha um papel importante em desencadear motivação visando a novas transformações<br />

e atualizações.<br />

Este recorte vem contribuir como registro de um dos maiores marcos históricos<br />

educacionais do estado do Pará, o Colégio Estadual Paes de Carvalho. Lamentavelmente<br />

a atual direção da instituição e as autoridades educacionais do Estado abandonaram<br />

o acervo do CEPC que se encontra em total estado de degradação e abandono, com boa<br />

parte documental num estado quase que irrecuperável. Descrevemos com mais detalhes<br />

e profundidade a situação em que se encontra o referido acervo na monografia<br />

apresentada ao Colegiado do Curso de Especialização em Educação Matemática da Universidade<br />

do Estado do Para.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


157<br />

3 PROFESSORES DO LICEU PARAENSE AO CEPC<br />

Procuramos evidenciar alguns membros docentes de matemática que integravam<br />

ora o Liceu Paraense, ora o Colégio Estadual Paes de Carvalho em variados momentos da<br />

história desta instituição de acordo com os registros constantes no acervo do CEPC e das<br />

pesquisas realizadas, assim como apresentar mais detalhadamente a carreira de alguns<br />

destes matemáticos e de outros de áreas afins que por lá passaram, deixando sua marca<br />

na história como docente ou pelo seu empenho em fazer do Liceu Paraense, ou CEPC, um<br />

espaço de crescimento intelectual e social. Alguns dos documentos observados no arquivo<br />

do próprio colégio foram portarias, relatórios que apresentam abertura de inscrições e<br />

nomeações dos professores, dentre outros, que mencionaremos à frente.<br />

Tomando por base esses registros apresentamos alguns nomes de mestres de<br />

matemática que ao longo dos anos tiveram a oportunidade de ingressar e contribuir<br />

para o melhor rendimento da educação da classe estudantil paraense, contudo, destacaremos<br />

o corpo docente, a abertura de inscrições para professores, as nomeações para<br />

as cadeiras de matemática, organizando uma listagem com os matemáticos que faziam<br />

parte dessa instituição ao longo de alguns anos, além de mencionarmos programas de<br />

ensino dos cursos do CEPC que conseguimos obter, e mais, destacamos alguns livros<br />

didáticos que foram disponibilizados aos professores de matemática.<br />

De uma maneira geral, os professores que almejavam fazer parte do corpo docente<br />

do CEPC, assim como do Liceu Paraense, eram avaliados mediante concurso público<br />

realizados na capital do Estado, por meio de provas escritas e orais, além de apresentarem<br />

uma tese sobre a área de conhecimento de sua formação de acordo com a<br />

cadeira em questão.<br />

Começamos destacando um documento encontrado no arquivo do CEPC do ano<br />

de 1945, de autor desconhecido, que versa com orgulho o corpo docente do colégio<br />

dizendo que os professores que constituíam o CEPC eram competentes, muitos dos<br />

quais no próprio colégio fizeram seus estudos secundários e que, com o passar do tempo,<br />

assumiram cadeiras dos que foram seus mestres e que cansados das lidas do ensino<br />

ou colhidos pelo falecimento, tiveram que deixar de exercer o nobre e patriótico encargo<br />

de ensinar. Neste documento constam vários nomes de professores, dentre os quais,<br />

os catedráticos de matemática Oswaldo de Oliveira Serra (Bacharel em Ciências Jurídicas<br />

e Sociais) na 1ª cadeira e Ruy da Silveira Britto (Engenheiro Civil) na 2ª cadeira e,<br />

como professores auxiliares de matemática, Omir Corrêa Alves, Luis Gonzaga Baganha e<br />

Alírio César de Oliveira, ambos acadêmicos de Engenharia.<br />

Noutro documento analisado, a portaria de 01 de Abril de 1946, consta que o<br />

diretor Antônio Gomes Moreira Junior determinava os professores catedráticos, interinos<br />

e auxiliares das diversas disciplinas, bem como os cursos e séries que ficariam<br />

lotados. A partir desta portaria, o professor de matemática Oswaldo de Oliveira Serra,<br />

de categoria catedrático, ministraria aula na 1ª, 2ª e 4ª séries do curso ginasial, além de<br />

ministrar a disciplina na 3ª série do curso clássico. O professor de matemática Ruy da<br />

Silveira Britto, de categoria catedrático, ficaria incumbido de ministrar aulas aos alunos<br />

da 3ª série do curso ginasial, além da 1ª, 2ª e 3ª séries do curso científico nos turnos<br />

diurno e noturno. O professor de matemática Omir Corrêa Alves, da categoria auxiliar<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


158<br />

ficaria incumbido de ministrar aulas da 1ª, 2ª e 4ª séries do curso ginasial. Outro professor<br />

auxiliar, Luiz Gonzaga Baganha, professor de matemática, ministraria aulas na 1ª e 2ª<br />

séries do curso clássico do CEPC e por fim, temos o professor de matemática e desenho<br />

Alfredo Boneff que ministraria aulas de matemática apenas para os alunos da 4ª série<br />

do curso ginasial, conforme determinação do diretor.<br />

Encontramos também documentos que apontam aberturas de inscrições e nomeações<br />

de professores para as cadeiras do CEPC de variadas disciplinas, entretanto,<br />

nos atentamos as cadeiras de matemática, objetivo particular da pesquisa. Em 08 de<br />

novembro de 1921 se inscrevia para concorrer à cadeira de matemática o Dr. Antonio<br />

Travassos da Rosa, apresentando sua tese intitulada “Os incomensuráveis e o método<br />

geométrico na variação das funções”, a qual continha 70 páginas. Anteriormente se<br />

inscreveu, em 02 de junho de 1921, Dr. Francisco de Castro Ribeiro, cuja tese defendida<br />

retrata “Funções ou formações elementares”, constituída de 50 páginas. Para a 2ª cadeira<br />

de matemática, em 06 de julho de 1924, o Dr. João Dias da Silva se inscreveu a fim de<br />

ser efetivado como professor à cadeira supracitada, apresentando para isso a tese “Considerações<br />

gerais sobre a variação das funções algébricas e gráfico das curvas”.<br />

Com relação às nomeações, o professor de matemática Moacyr Valmont foi nomeado<br />

em 10 de maio de 1938, cuja posse só ocorreu em 14 de julho do mesmo ano. No<br />

Diário Oficial de maio de 1941, o interventor federal Deodoro de Mendonça ratifica o<br />

professor Moacyr Valmont como regente das turmas da cátedra de matemática do CEPC.<br />

O professor Ruy da Silveira Britto, também foi nomeado em 10 de maio de 1938,<br />

tomou posse em 15 de julho do mesmo ano. Outro professor de matemática, Oswaldo<br />

de Oliveira Serra, foi nomeado como professor interino em 18 de abril de 1938 tomando<br />

posse um dia depois. A professora de matemática Neusa Martins e Silva foi nomeada<br />

em 31 de março de 1939 e tomou posse em primeiro de abril do mesmo ano, e no Diário<br />

Oficial de maio de 1941, o interventor federal Deodoro de Mendonça dentre os vários<br />

atos que assinalou, estava o de referendar a professora Neusa Martins como regente de<br />

turmas da cátedra de matemática do CEPC.<br />

Também, em 31 de março de 1939, foi nomeado o professor de matemática<br />

Annibal Alberto de Albuquerque Maranhão que tomou posse no dia seguinte. Na mesma<br />

edição do Diário Oficial de maio de 1941 o interventor federal também assinalou a<br />

regência do professor para as turmas da cátedra de matemática do CEPC. O engenheiro<br />

Joaquim Gonçalves foi nomeado como professor interino de matemática em 23 de abril<br />

de 1901 para a cadeira de Geometria e Trigonometria, tomando posse dois dias depois.<br />

Também foi nomeado para a mesma cadeira o professor interino Claudemiro Julio de<br />

Andrade Figueira em 28 de agosto de 1901.<br />

Para a cadeira de Aritmética e Álgebra foi nomeado como professor interino<br />

Horácio Henrique da Silva em 09 de maio de 1902 tomando posse três dias depois. No<br />

dia 30 de abril de 1904 era nomeado como professor interino, para a mesma cadeira, o<br />

Dr. Philegnésio Augusto Penna de Carvalho, vindo tomar posse em quatro de maio do<br />

mesmo ano. O Dr. Eustáchio F. da Costa Rodrigues foi nomeado no dia 05 de agosto de<br />

1912 como professor efetivo da cadeira de Aritmética e Álgebra, tomando posse em 08<br />

de agosto do referido ano.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


159<br />

O Dr. José Justiano Freire foi nomeado e empossado em 03 de março de 1922 na<br />

qualidade de professor interino da cadeira de matemática. Como professor auxiliar, foi<br />

nomeado e empossado em 10 de julho de 1923, José Balthazar de Oliveira Serra para a<br />

cadeira de matemática. Para a cadeira de Aritmética foi nomeado o professor Francisco<br />

da Silva Nunes em 29 de março de 1924 e empossado três dias depois.<br />

Em 14 de agosto de 1924 foi nomeado para a 2ª cadeira de matemática, como<br />

professor interino, Dr. João Dias da Silva, com posse efetivada em 20 de agosto do<br />

referido ano. Identificamos outra data de nomeação vinculando o nome do referido<br />

professor, 24 de janeiro de 1925, a cadeira de matemática, empossado em 2 de fevereiro<br />

do mesmo ano, supõe-se que houve uma mudança da 2ª cadeira para a cadeira efetiva<br />

da disciplina de matemática.<br />

Na sequência das nomeações, em 31 de março de 1925, foi atribuído a Francisco<br />

da Silva Nunes, a cadeira de matemática, como professor normalista, tomando posse<br />

em primeiro de abril de 1925. Como professor interino, foi nomeado no dia 14 de abril<br />

de 1931 para a 2ª cadeira de matemática, o Sr. José Coutinho de Oliveira, tomando posse<br />

em 22 de abril. O Dr. Abel Martins da Silva foi nomeado e empossado em 11 de setembro<br />

de 1931 na qualidade de professor interino da 2ª cadeira de matemática. Identificamos<br />

que no dia 20 de abril de 1936 houve nova nomeação do professor Dr. Abel Martins da<br />

Silva para a cadeira de matemática, possivelmente essa outra nomeação tenha sido<br />

para assumir a cadeira de matemática efetiva. O último registro de nomeação data de 10<br />

de maio de 1938, com a efetivação da professora Maria Thereza Dias da Silva à cadeira de<br />

matemática, tomando posse em 18 de julho do mesmo ano. E também na mesma edição<br />

do Diário Oficial de maio de 1941, o interventor federal Deodoro de Mendonça assinalou<br />

que a professora poderia reger as turmas para a cátedra de matemática do CEPC.<br />

Ressalta-se que da maioria dos professores que destacamos não dispomos do tema de<br />

suas teses apresentadas e, principalmente, o corpo desses trabalhos.<br />

Dentre os vários documentos identificados no decorrer das pesquisas, o relatório<br />

de 1961 descreve o corpo docente em exercício nos cursos ginasial e científico de<br />

várias disciplinas, contudo apresentaremos os matemáticos que neste ano se estabeleceram<br />

como docentes no CEPC. Assim, os professores que fizeram parte do curso ginasial<br />

neste respectivo ano foram Francisco de Assis Jucá Soares, Fernando Antônio Moreira<br />

Aflalo, Orlando Eduardo Bentes de Oliveira, Dirceu Raimundo da Rocha P. Marques,<br />

Oswaldo de Oliveira Serra, Geraldo Daltro da Silveira e Manoel Viegas Campbell<br />

Moutinho, já no curso científico fizeram presença os professores Fernando Antônio<br />

Moreira Aflalo, José Maria Constante Lins, Raimunda Nonata Barbosa, Manoel Campbell<br />

Moutinho, Leide de Oliveira Brito e Manoel Leite Carneiro.<br />

Identifica-se nos registros desta instituição consta a composição do corpo docente<br />

do nos anos de 1966, 1967, 1970, 1971, 1973 e o de 1983, aqui apresentamos uma listagem<br />

dos professores de matemática com seus respectivos ano(s) de atuação: Ruy da<br />

Silveira Britto (1966), Raimundo Roberto Gonçalves Neves (1966, 1967, 1970, 1971, 1973,<br />

1977, 1983), Aurélio Leal Alves do Ó (1966, 1967, 1970, 1971, 1973, 1977), Manuel Leite<br />

Carneiro (1966, 1967, 1970, 1971), José Maria Constante Lins (1966, 1970, 1971), Cleyton<br />

Nogueira de Oliveira (1966, 1967, 1970, 1971, 1973, 1983), Fernando Antônio Moreira Afla-<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


160<br />

lo (1966, 1967, 1970, 1971, 1973), Geraldo Daltro da Silveira (1967, 1970, 1971, 1977, 1983),<br />

Manoel Viegas Campbell Moutinho (1970, 1971, 1973), Paulo Vilhena da Rocha (1970,<br />

1971), Leão Samuel Benchimol (1970, 1971, 1973), Jorge Wilson Delgado Leão (1970), José<br />

Alfredo Teixeira Pinto (1971), Germando Gilberto M. e Silva (1973), José Maria de Jesus<br />

Sousa (1977, 1983), Abílio Ortiz de Matos (1977), José Felipe Filho (1977), João Carmino<br />

Ferreira (1977), Lucivaldo Sales de Sá (1977), Raimundo José Siqueira Mendes (1977), Luiz<br />

Carlos C. de Oliveira (1983) e Reginaldo Peres de Barros (1983).<br />

Retornando ao período colonial, a educação paraense se ressentia de materiais<br />

didáticos, em particular os livros didáticos, embora houvesse certa quantidade de compêndios<br />

importantes, mas que não eram suficientes para abranger igualmente os estudantes<br />

paraenses seja na capital seja no interior do Estado. As produções didáticas foram ganhando<br />

gradativamente melhorias na medida em que a qualidade de formação dos professores<br />

evoluía, chegando ao ponto de ganhar espaço no ambiente educacional paraense.<br />

4 TRAÇOS BIOGRÁFICOS <strong>DE</strong> PROFESSORES DO LICEU PARAENSE AO CEPC<br />

Neste momento apresentamos alguns aspectos da vida dos professores de matemática<br />

e de áreas afins que tiveram a honra de trabalhar na docência do Colégio<br />

Estadual Paes de Carvalho. Enfatizamos apenas “traços biográficos” pela razão de não<br />

conhecermos com mais detalhes a vida dos mestres que apresentamos a seguir, quando,<br />

na verdade, vamos expor apenas um pouco das suas trajetórias na arte de educar.<br />

Os traços biográficos conseguidos nas pesquisas que realizamos foram encontrados<br />

no livro dedicado a Ruy da Silveira Britto, de tema “Conjuntos Lineares: Sucessão”,<br />

tema esse que foi tese do professor Ruy para concorrer à cadeira de matemática<br />

do Liceu Paraense (CEPC), cuja edição deste livro data de 1998, sendo organizado pelos<br />

professores José Maria Filardo Bassalo, Paulo de Tarso Santos Alencar e José Miguel<br />

Martins Veloso, além de alguns documentos de outras fontes que revelam outros aspectos<br />

da vida dos professores. Então a seguir mostraremos os traços biográficos dos<br />

professores que estiveram em nosso alcance.<br />

• Ruy da Silveira Britto - Matemático e Engenheiro<br />

Fotografia 6 – Ruy da Silveira Britto<br />

O professor Ruy da Silveira Britto, filho de<br />

Natalino da Silveira Britto e de Maria Jarina de Britto<br />

nasceu em 07 de fevereiro de 1913, no seringal Florescência,<br />

Comarca Sena Madureira então território<br />

federal do Acre.<br />

Segundo filho de uma série de onze, foi batizado<br />

solenemente um ano e um mês depois, já no<br />

Ceará, de onde seus pais eram originários e para<br />

onde haviam retornado em 1914 em busca de saúde<br />

para a mãe, severamente castigada por ataques sucessivos<br />

de paludismo (malária). A cerimônia ocor-<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


161<br />

Fotografia 7 – Ruy da<br />

Silveira Britto.<br />

reu na matriz Quixadá, no dia 08 de março sendo<br />

padrinhos os avós paternos Manoel Antônio de Oliveira<br />

Britto e Francisca Maria de Britto. Acossados<br />

pela grande seca de 1915, que lhes destruiu todas<br />

as economias, os seus pais, com mais dois filhos<br />

nascidos no Ceará, regressaram ao Acre, não mais<br />

para a Bacia do Iaco, mas para o do próprio Rio Acre,<br />

município de Xapuri.<br />

A trajetória do professor Ruy começa no<br />

único grupo escolar do município de Xapuri onde o<br />

mesmo fez seus primeiros estudos e completou o<br />

curso primário, com exceção da ultima série, feita<br />

no CEPC, em Belém, o curso ginasial se realizou<br />

quase integralmente no Liceu do Ceará, em Fortaleza,<br />

de 1927 a 1930 e foi concluído em 1931 no<br />

Pará, cumprindo o então chamado curso seriado.<br />

Revelou forte tendência para o estudo, sobretudo<br />

Fotografia 8 – Livro dedicado a Ruy.<br />

Fonte: Acervo dos autores<br />

das Ciências Matemáticas, de que veio a se tornar<br />

um dos expoentes em Belém, a tal ponto<br />

que, ainda não diplomado, lecionava na Escola<br />

de Engenharia do Pará, onde colou grau em 1944<br />

e continuou depois como professor das cátedras<br />

de Resistência dos Materiais e Grafostática e de<br />

Mecânica Racional.<br />

Em 1941, submeteu-se a concurso para<br />

catedrático de matemática do CEPC, do qual foi<br />

posteriormente diretor, sendo aprovado com a<br />

tese intitulada “Conjuntos Lineares: Sucessão”,<br />

que teve grande repercussão, por tratar de assunto<br />

que era absoluta novidade até então. Esta<br />

tese foi defendida pelo professor no concurso<br />

de provas e títulos do concurso ao qual concorreu<br />

no dia 23 de abril de 1945 perante a banca<br />

examinadora constituída pelos professores Antônio<br />

Gomes Moreira Junior, Oswaldo de Oliveira<br />

Serra, Djalma Montenegro Duarte, Josué Freire<br />

e Moacyr Pedro de Valmont, ressaltando que<br />

esta tese foi reeditada em 1998. Autodidata, foi<br />

professor de gerações, vários de seus alunos ocuparam<br />

e ocupam posição de destaque no magistério superior e na engenharia. O Colégio<br />

Moderno, desde seu início, teve em Ruy da Silveira Britto um dos entusiastas e<br />

animadores, tendo sido um dos fundadores e professor de matemática daquele tradicional<br />

estabelecimento de ensino em Belém.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


162<br />

Fotografia 9 – Escola Estadual Ruy da Silveira Britto.<br />

Aposentado, inclusive pela Universidade Federal do Pará, transferiu-se para a<br />

cidade do Rio de Janeiro onde havia feito curso no Instituto de Matemática Pura e<br />

Aplicada - IMPA. Ensinou na Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense<br />

e também na Universidade do Estado da Guanabara, além de ter sido professor da<br />

Escola de Cadetes de Aeronáutica no Campo dos Afonsos. Fez o curso da Escola Superior<br />

de Guerra e era ainda membro do Conselho Técnico do Instituto de Resseguros do Brasil<br />

- IRB, no Rio de Janeiro, do qual chegou a ser vice- presidente. Tornando-se um vitorioso<br />

em um dos maiores centros de cultura do país.<br />

Foi casado, em primeiras núpcias, com Abigail Prado Britto, com quem teve dois<br />

filhos, Rubério, físico especialista em meio ambiente e domiciliado em Bruxelas, Bélgica,<br />

que nasceu em Belém do Pará, no dia 31 de dezembro de 1943, e Rui Filho, jornalista<br />

também nascido em Belém, no dia<br />

29 de Abril de 1974, e, em segundas<br />

núpcias, com a cunhada Maria<br />

Prado Britto, falecida em 01 de Outubro<br />

de 1995.<br />

Encontramos também documento<br />

no arquivo do CEPC que<br />

trata da ficha funcional do professor<br />

Ruy da Silveira Britto quando<br />

então a Sra. Graciette de Lima Araújo<br />

era secretária desta instituição.<br />

Consta neste documento, dentre as<br />

várias certificações dadas ao professor<br />

Ruy Britto, aquela onde o Interventor<br />

Federal do Estado resolvia<br />

nomear nos termos dos artigos<br />

15º (Item III) e 16º (Decreto Lei N.º<br />

3.902) de 28 de outubro de 1941 (ano do centenário do CEPC) o professor Ruy da Silveira<br />

Britto para o exercício efetivo do cargo de professor Padrão<br />

“P”, do quadro único, em exercício no Colégio Estadual<br />

Paes de Carvalho. Em sua homenagem, existe na<br />

Cidade de Belém, no Bairro do Marco, a Escola Estadual<br />

“Ruy da Silveira Britto”, localizada na Trav. Enéas Pinheiro,<br />

n.º 2.871.<br />

Ruy da Silveira Britto veio a falecer em 17 de<br />

março de 1970, em plena seção do Conselho Técnico do<br />

IRB, realizada no começo da tarde.<br />

• José Maria Filardo Bassalo - Físico e Engenheiro Civil<br />

O professor José Maria Filardo Bassalo nasceu<br />

em Belém do Pará no dia 10 de setembro de 1935, realizou<br />

seu curso primário no Instituto “Luso Brasileiro”, de<br />

Fotografia 10 – José Maria<br />

Filardo Bassalo.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


163<br />

1943 a 1946, o curso ginasial foi cursado no período 1947 a<br />

1950, e o curso científico foi realizado no período de 1951 a<br />

1953, ambos no Colégio Estadual Paes de Carvalho. Em 1954<br />

ingressou na Escola de Engenharia do Pará e, em dezembro<br />

de 1958, recebe o diploma de Engenheiro Civil. Iniciou<br />

em 1968 pós-graduação na Universidade de São Paulo (USP)<br />

e obteve o título de mestre em física em 1973 e o de doutor<br />

em física em 1975.<br />

Lecionou física, no extinto Colégio “Abraham<br />

Levy” no período de 1954 a 1959, no Colégio Santa Rosa<br />

durante o ano de 1963 e no CEPC, de 1957 a 1966. Em<br />

1961, ingressou como instrutor de ensino no então Núcleo<br />

de Física e Matemática da UFPA e, em 1989, depois<br />

de realizar concurso público, tornou-se professor titular do departamento de<br />

física da UFPA, cargo que permanecia até 1998, data de publicação do livro sobre a<br />

tese de Ruy da Silveira Britto, “Conjuntos Lineares: Sucessão”, num trabalho com<br />

outros organizadores denominado de Memórias I. No departamento de física desenvolveu<br />

trabalhos de ensino, pesquisa e divulgação da física, apresentando 28<br />

trabalhos científicos publicados no Brasil e exterior, 123 trabalhos sobre a História<br />

da Física divulgados em revistas especializadas nacionais e internacionais, 91 palestras<br />

e seminários em várias universidades e colégios secundários brasileiros. Ao<br />

longo desse período escreveu ainda 88 artigos sobre Física e Política Científica nos<br />

seguintes jornais: O Liberal, A Província do Pará, Diário do Pará e Jornal Pessoal de<br />

Belém, O Estado de São Paulo de SP e Jornal da Ciência do RJ. É o autor dos livros<br />

“Introdução a mecânica dos meios contínuos” de 1963, “Crônicas da física”, Tomo 1<br />

(1987), Tomo 2 (1990), Tomo 3 (1992), Tomo 4 (1994), Tomo 05 (1998) e “Nascimentos<br />

da física” de 1996, todos editados pela UFPA.<br />

• Rui dos Santos Barbosa - Bacharel e Licenciado em Matemática<br />

Fotografia 11 – Jose Maria<br />

Filardo Bassalo.<br />

O professor Rui dos Santos Barbosa nasceu em<br />

Belém do Pará em 01 de agosto de 1935. Começou seu<br />

percurso escolar realizando seu curso primário no Grupo<br />

Escolar “Barão do Rio Branco” de 1943 a 1947, depois<br />

realizou seu curso ginasial no período compreendido<br />

entre 1943 e 1953 e seu curso científico no período compreendido<br />

entre 1954 e 1956, ambos realizados no Colégio<br />

Estadual Paes de Carvalho (CEPC).<br />

Em seguida, no ano de 1957, ingressou na Faculdade<br />

de Filosofia, Ciências e Letras da recente<br />

criada Universidade do Pará, onde se bacharelou e<br />

licenciou em Matemática, respectivamente, em 1959<br />

Fotografia 12 – Rui Barbosa.<br />

e 1960. Entre 1965 e 1967, realizou estudos de pósgraduação<br />

em Matemática na Universidade de São Paulo (USP). Ensinou Matemáti-<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


164<br />

Fotografia 13 – Rui Barbosa<br />

ca no CEPC em 1963 e 1964, e em 1969 e 1970, foi<br />

vice- diretor desse colégio. Ingressou como professor<br />

de Matemática na UFPA, em 1961, e aposentou-se<br />

em 1991. Nessa Instituição Federal de Ensino<br />

Superior, foi Coordenador do Colegiado de Matemática<br />

(1979 – 1983) e Chefe do Departamento<br />

de Matemática (1983 – 1985). Desde 1994, é professor<br />

de Matemática na Universidade Estadual do<br />

Pará (UEPA), na qual foi Coordenador do Colegiado<br />

de Matemática (1997 – 1998).<br />

• Luiz Gonzaga Baganha - Matemático e Engenheiro Civil<br />

O professor Luiz Gonzaga Baganha nasceu no dia 08 de maio de 1922, em Belém<br />

do Pará. Começou sua jornada escolar realizando seu curso primário no Grupo Escolar<br />

“Floriano Peixoto” (1931 – 1935), o seu curso ginasial no Ginásio Paes de Carvalho, o<br />

CEPC, (1936 – 1940), e o seu curso pré- politécnico já no Colégio Estadual Paes de Carvalho<br />

(1941 – 1942). Neste mesmo período fez o Curso de Professor Normalista na Escola<br />

Normal do Pará.<br />

Em 1943, entrou na Escola de Engenharia do Para, diplomando-se engenheiro<br />

civil, em 27 de dezembro de 1947. Em 1964, fez o curso de pós- graduação Engenharia<br />

Ferroviária e Rodoviária na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de<br />

Janeiro. Em 1965 e 1966, realizou os cursos de Engenharia de Tráfego, Pavimentação e<br />

Administração Rodoviária, patrocinados pelo Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR).<br />

Foi professor de Matemática nos Colégios Estaduais Paes de Carvalho e Visconde<br />

de Souza Franco, na Escola Normal do Pará, no Ginásio Pará- Amazonas e Colégio<br />

Herbart, sendo que neste último foi também diretor. Ensinou também Matemática nas<br />

Faculdades de Ciências Econômicas e de Educação, e respondeu pela cátedra de Estradas<br />

de Ferro e de Rodagem da Escola de Engenharia do Pará desde 1957 até se aposentar.<br />

Como engenheiro civil, exerceu os mais diversos cargos de direção e assessoria<br />

dentre os quais se destacam: Diretor Geral do Departamento Municipal de Estradas de<br />

Rodagem (DMER – BI) e do Departamento de Água e Esgoto (DAE) do Estado do Pará,<br />

assessor da secretária de finanças da Prefeitura Municipal de Belém e Prefeito do Campus<br />

Universitário da Universidade Federal do Pará (UFPA) por duas vezes. E ainda recebeu<br />

as honrarias “Palma de Ouro Universitária da UFPA”, “Comendador” e “Mérito Educacional”<br />

(Governo do Estado do Pará), “Mérito Legislativo” (Assembléia Legislativa do<br />

Pará), “Diplomas de Velho Mestre” (Clube de Engenharia do Pará) e “Caldeira Castelo<br />

Branco” (Prefeitura Municipal de Belém).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


165<br />

• Fernando Medeiros Vieira - Bacharel e Licenciado em Matemática<br />

Fotografia 14 – Fernando<br />

Medeiros Vieira.<br />

O Professor Fernando Medeiros Vieira nasceu<br />

em Capanema no dia 30 de dezembro de 1924, no Pará.<br />

Realizou o curso primário no Grupo Escolar “Monsenhor<br />

Mâncio Ribeiro” na cidade de Bragança, no Pará,<br />

de 1933 a 1937, o curso ginasial no Colégio Nossa Senhora<br />

de Nazaré de 1938 a 1942 e o curso científico no<br />

Colégio Estadual Paes de Carvalho de 1943 a 1944.<br />

Em 1947 iniciou os estudos na Faculdade de<br />

Filosofia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,<br />

onde se bacharelou e licenciou-se em Matemática no<br />

ano de 1951. De volta a Belém, começou a lecionar<br />

Matemática no Colégio Santa Rosa, de 1953 a 1960, e<br />

no CEPC, de 1954 a 1956. Lecionou também física na<br />

Escola da Marinha Mercante no período de 1955 a 1956<br />

e no Colégio Nossa Senhora do Carmo, de 1955 a 1959.<br />

Em 1956 foi convidado a reger a cadeira de geometria da então Faculdade de Filosofia,<br />

Ciências e Letras, em Belém, ficando nessa regência até 1960.<br />

Em 1961, passou a reger a cadeira de física no Núcleo de Física e Matemática da<br />

Universidade Federal do Pará. Nesse mesmo ano, foi para o Rio de Janeiro para o Centro<br />

Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF onde concluiu, em 1962, o Curso de Especialização<br />

em Física Geral e Experimental, Física Atômica e Nuclear. De 1954 a 1960 foi diretor do<br />

Ginásio Pará-Amazonas, de 1965 a 1969 foi diretor do Núcleo de Física e Matemática da<br />

Universidade Federal do Pará, de 1969 a 1972 foi diretor do CEPC, e de 1972 a 1973 foi<br />

coordenador do Ensino Superior da Fundação Educacional do Estado do Pará. Em 1969,<br />

recebeu a Palma Universitária – Classe Especial, da<br />

Universidade Federal do Pará, e em 1981 aposentouse<br />

como professor titular da UFPA.<br />

• Moacyr Pedro Valmont - Matemático e Médico<br />

Fotografia 15 – Moacyr<br />

Valmont.<br />

O professor Moacyr Pedro Valmont, natural<br />

do Estado do Pará, nascido em 16 de agosto de 1906.<br />

Em 1924 ingressou na Escola Militar do Realengo, porém,<br />

não concluiu o referido curso. Diplomou-se pela<br />

antiga Faculdade de Medicina do Pará na turma de<br />

1938. Por ato do interventor federal, foi designado<br />

para regente de turmas suplementares de matemática,<br />

e nos anos de 1932 a 1942 tornou-se regente de<br />

turmas suplementares no Colégio Estadual Paes de<br />

Carvalho da mesma disciplina, sempre reconduzido a<br />

esse cargo por decretos governamentais, sendo os<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


166<br />

últimos datados de 10 de maio de 1938, 10 de março de 1939, 05 de abril de 1940, 30 de<br />

abril de 1941 e 15 de abril de 1942. Lecionou também no Colégio Progresso Paraense.<br />

Abandonou voluntariamente o magistério e passou às suas atividades de médico, com<br />

lotação na Secretária de Estado de Saúde Pública. Aposentou-se do serviço público<br />

estadual em 01 de novembro 1978. Era poeta, tendo deixado inédito, o livro “Sonhos<br />

das horas vagas”. Faleceu aos 94 anos de idade em 02 de fevereiro de 2001.<br />

• Antônio Gomes Moreira Júnior<br />

Fotografia 16 – Antônio Gomes<br />

Moreira Junior.<br />

O professor Antônio Gomes Moreira Júnior<br />

era filho de Antônio Gomes Moreira e Ermelinda<br />

Bentes Moreira, natural do Estado do Pará, nascido<br />

em 16 de outubro de 1917. Por ato do interventor<br />

federal de 25 de outubro de 1940, foi nomeado para<br />

reger turmas suplementares de física do Ginásio<br />

Paes de Carvalho, posteriormente, foi nomeado para<br />

regente de turmas da cátedra de física do Ginásio<br />

em 30 de abril de 1941. Por decreto de 15 de abril de<br />

1942, foi nomeado regente de turmas suplementares<br />

da cátedra de física do CEPC.<br />

Em 26 de fevereiro de 1943, foi nomeado<br />

para exercer o cargo de regente de turmas suplementares<br />

da cadeira de matemática. No ano seguinte,<br />

em 14 de março, foi nomeado para exercer interinamente<br />

o cargo de preparador e, em 03 de julho de 1944, assumiu em comissão o<br />

cargo de diretor do Colégio Estadual Paes de Carvalho, permanecendo em exercício até<br />

14 de fevereiro de 1971, quando, a pedido, foi exonerado.<br />

No ano de 1945, em 26 de julho, ficou incumbido para exercer interinamente o<br />

cargo de professor da cátedra de física. Em 17 de maio<br />

de 1946, foi designado como membro de uma comissão<br />

especial para promover as bases necessárias para a organização<br />

em Belém de uma Faculdade de Livre Filosofia.<br />

Por meio da portaria de 23 de fevereiro de 1946,<br />

ficou encarregado, na qualidade de presidente da comissão,<br />

pela elaboração e adaptação do ensino normal.<br />

Foi nomeado interinamente, em 08 de outubro<br />

de 1946, para o cargo de professor catedrático da cadeira<br />

de complementos de matemática da Faculdade de<br />

Filosofia do Pará. Foi presidente da Sociedade Civil de<br />

Agronomia e Veterinária do Pará, mantenedora do Ginásio<br />

Visconde de Souza Franco de onde, por muitos<br />

Fotografia 17 – Antônio<br />

Gomes Moreira Junior.<br />

anos, foi diretor. Em 27 de janeiro de 1951 foi designado<br />

para responder pelo expediente da Diretoria do Depar-<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


167<br />

tamento de Educação e Cultura. Foi Secretário de Estado de Educação no governo de<br />

Aloysio da Costa Chaves. Por decreto N.º 11.129 de 01 de março de 1979, o governador<br />

Clóvis Moraes Rego agraciou-o com a ordem do mérito Grão-Pará. Com o seu nome existe,<br />

em Belém, a Escola da Rede da Secretária de Estado de Educação, denominada Escola<br />

Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Antônio Gomes Moreira Júnior, localizada<br />

no Bairro da Sacramenta, no Conjunto Paraíso dos Pássaros, WE 07, N.º 01. O professor<br />

Antônio Gomes Moreira Júnior veio a falecer no dia 27 de novembro de 1998.<br />

5 CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Nosso trabalho de resgate da história da educação e de instituições de ensino<br />

paraense foi iniciado com a publicação do trabalho “Fragmentos Históricos da Educação<br />

Paraense” no X Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado em julho de 2010,<br />

na Bahia, com o trabalho monográfico do curso de especialização em Educação Matemática<br />

da UEPA e artigo publicado nos Anais do VII Encontro Paraense de Educação Matemática<br />

e apresentado como Comunicação Científica.<br />

Notavelmente no CEPC foi a força motriz da educação paraense no passado,<br />

embora, hoje, apesar de todas as dificuldades que as escolas públicas se encontram no<br />

cenário brasileiro, o CEPC continua sendo uma das melhores, entretanto, é necessário<br />

potencializar novas idéias a fim de buscar novamente uma estrutura pedagógica forte,<br />

capaz de atender as demandas sociais e transformações científicas e tecnológicas.<br />

Este recorte vem contribuir como registro de um dos maiores marcos históricos<br />

educacionais do estado do Pará, o Colégio Estadual Paes de Carvalho. Lamentavelmente<br />

a atual direção da instituição e as autoridades educacionais do Estado abandonaram<br />

o acervo do CEPC que se encontra em total estado de degradação e grande parte documental<br />

num estado quase que irrecuperável. Na monografia apresentada ao Colegiado<br />

do Curso de Especialização em Educação Matemática da Universidade do Estado do Pará<br />

constam maiores detalhes e aprofundamentos sobre esse tema.<br />

REFERÊNCIAS<br />

A<strong>DE</strong>SÃO do Pará à Independência: uma revolução sem mudanças. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2009. 13h30min.<br />

ARQUIVO COLÉGIO ESTADUAL PAES <strong>DE</strong> CARVALHO. Belém - Pará, 2009.<br />

______. Implantação do 2º grau na Fundação Educacional do Pará de 1971 – Projeto de<br />

Ensino. Belém - Pará, 1971.<br />

CHAQUIAM, Miguel; GASPAR, Elaine da Silva. A Trajetória Histórica do Liceu Paraense ao<br />

Colégio Estadual Paes de Carvalho. In: SEMINÁRIO NACIONAL <strong>DE</strong> HISTÓRIA DA MATE-<br />

MÁTICA. SEÇÃO TÉCNICA ORAL. Belém: <strong>Unama</strong>, 2009.<br />

______. Um resultado da disciplina História da Matemática. Revista Trilhos da Matemática.<br />

Belém, 2006.<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010


168<br />

COLÉGIO Estadual Paes de Carvalho. Disponível em: <br />

Acesso em: 31 ago. 2009. 20h30min.<br />

CONTENTE, José Cupertino. A sociedade: sua origem e organização geral. Pará: Clássica,<br />

1926. 114p. (These apresentada em concurso para provimento efetivo).<br />

CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém-PA. 2. Ed. Editora: Coleção Funtelpa, 1973. V. 1.<br />

DI SANTO, Joana Maria R. Estrutura do ensino: breve histórico e considerações. 2004.<br />

Disponível em: . Acesso em:<br />

7 out. 2009. 12h00min.<br />

DOCUMENTÁRIO das Obras realizadas. O Pará na administração Alacid Nunes. Belém<br />

PA: [s.n], 1966 a 1971. (Arquivo do CENTUR).<br />

ESCOLA NORMAL. Plano de Ensino: Methodologia e Programma das Cadeiras do 4º anno<br />

da Escola Normal. Belém: Officinas Graphicas do Instituto Lauro Sodré,1932. 12 p. (CENTUR).<br />

______. Programas de Ensino da Escola Normal dos 1º, 2º, 3º e 4º annos. Belém: Typ do<br />

Diário Official, 1903. 27 p. (Arquivo do CENTUR).<br />

______. ______. Belém: Imprensa Official do Estado do Pará, 1917. 33 p. (Arquivo do CENTUR).<br />

______. ______. Belém: Imprensa Official do Estado do Pará, 1918. 29 p. (Arquivo do CENTUR).<br />

______. Programa de Ensino da Escola Normal. Belém: Imprensa Official do Estado do<br />

Pará, 1919. 33 p. (Arquivo do CENTUR).<br />

FEITOSA, J. A. Dantas de. A educação no Pará: documentário. Belém-PA: SEDUC. 1987.<br />

(Arquivo do CENTUR).<br />

FRANÇA, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza A. de. Raízes Históricas do Ensino<br />

Secundário Público na Província do Grão-Pará: o Liceu Paraense (1840–1889). 1997. 168 f.<br />

Dissertação (Mestrado em Filosofia e História em Educação) – Universidade Estadual de<br />

Campinas. Campinas, 1997.<br />

______. O ensino secundário na Amazônia Imperial: o Liceu Paraense (1840 – 1870).<br />

Belém-PA: UEPA, 28 maio, 2009. (Palestra).<br />

MOREIRA, Eidorfe. Colégio Estadual Paes de Carvalho: forja e centro nucleador da cultura<br />

paraense. A província do Pará. Belém, 8 jun. 1980. Caderno 3. (Arquivo do CENTUR)<br />

SOARES, Flávia S. Instrução pública e docência de matemática no Rio de Janeiro na passagem<br />

do séc XVIII para o XIX. Educação Matemática, Rio de Janeiro; GT. n. 19, p.1-18, 2004.<br />

VIANNA, Arthur. Pontos de história do Pará. Belém: Empreza Graphica Amazônia, 1919.<br />

76 p. (Arquivo do CENTUR).<br />

Traços, Belém, v. 12, n. 25, p. 149-169, jun. 2010

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