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Diz-lhe Jesus : Sou eu, aquele que fala contigo - Equipes Notre-Dame

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COLLEGE ROMA<br />

21 de janeiro de 2009<br />

« <strong>Diz</strong>-<strong>lhe</strong> <strong>Jesus</strong> : <strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>, <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> <strong>fala</strong> <strong>contigo</strong>. » (João 4, 26)<br />

<strong>Equipes</strong> Nossa Senhora aco<strong>lhe</strong>doras para os casais de hoje<br />

P.Angelo Epis<br />

Introdução: Na escola da Samaritana<br />

Lourdes. Concluímos o nosso percurso destes três anos deixando-nos inquirir mais uma vez<br />

pelo Evangelho de João cap. 4: a Samaritana. Ser-nos-á de ajuda para reler a mensagem de<br />

Lourdes 2006 <strong>que</strong>, em sua terceira parte, propõe três linhas mestras: testemunhas em nosso<br />

tempo de uma felicidade ancorada no Evangelho, testemunhas do Evangelho do matrimônio<br />

anunciado a todos e a tudo, testemunhas comprometidas em difundir a espiritualidade conjugal<br />

e em apresentar o sacramento do matrimônio às jovens gerações. Destaca, também, “No<br />

começo deste século XXI, as <strong>Equipes</strong> de Nossa Senhora devem tirar proveito das palavras<br />

pronunciadas pelo Padre Caffarel em 1987 em Chantilly: “As <strong>Equipes</strong> de Nossa Senhora não<br />

levaram devidamente em conta <strong>que</strong> a espiritualidade evolui em relação à idade dos casais e em<br />

relação à situação na qual estes casais se encontram”.<br />

A samaritana. Da Samaritana olhamos, principalmente, o s<strong>eu</strong> encontro pessoal com <strong>Jesus</strong> e o<br />

diálogo <strong>que</strong> brota. É um convite a sair de uma situação de impasse feito de atos religiosos, de<br />

fidelidades muitas vezes esclerosadas, para chegar ao verdadeiro encontro com <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> nos<br />

salva. A fé da mu<strong>lhe</strong>r e dos samaritanos tornou-se um “poço seco”. É preciso passar de uma fé<br />

feita de práticas religiosas para uma fé em espírito e verdade. A samaritana é chamada a uma<br />

"nova criação" e, diante dela, se apresenta uma alternativa de escolha: permanecer nas velhas<br />

convicções e conhecimentos, continuando na procura da água viva e da justificação nos poços<br />

secos dos santuários, das leis e dos costumes, ou esco<strong>lhe</strong>r a « vida eterna » e se deixar<br />

arrastar pela oferta de transformação e "transfiguração" de <strong>Jesus</strong>. O nosso tempo, caracterizado<br />

por realidades complexas, nos solicita a evitar inúteis seguranças e a não cair no risco do<br />

relativismo ou em falsas seguranças. Na nossa história existe a esperança e o bem, mas sem<br />

um confronto face a face com o Cristo corremos o risco de nos colocar fora dos caminhos da<br />

história e de nos tornar incapazes de dar respostas a nós mesmos e aos outros.<br />

P. Caffarel: Na fonte da vocação de p. Caffarel, há um encontro, o s<strong>eu</strong> encontro com o Cristo.<br />

Um encontro radical <strong>que</strong> muda toda a sua vida e <strong>lhe</strong> faz dizer <strong>que</strong> nEle « tudo é jogado ». A sua<br />

vida é toda uma acolhida do Cristo nele. É o <strong>que</strong> se encontra na origem de suas escolhas de<br />

padre e do carisma <strong>que</strong> nos deixou. Para o p. Caffarel é um valor absoluto. É procura constante<br />

do Cristo na escuta de sua Palavra. O s<strong>eu</strong> encontro não é um conjunto de práticas ou regras,<br />

mas a procura e o encontro pessoal com <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> transforma toda a vida.<br />

Em 1987, fazendo um balanço depois de ter sublinhado os aspectos positivos do movimento:<br />

“reconciliação entre amor e matrimônio”, estudos sobre a relação entre a Palavra de D<strong>eu</strong>s casal<br />

e todas as realidades da vida do casal e da família…, agradecia o Senhor pelo “matrimônio dos<br />

nossos dois sacramentos”, o matrimônio e a ordem; - vocês sabem da importância <strong>que</strong> o<br />

movimento dá à presença ativa do sacerdote nas equipes. Traçava um percurso ideal de<br />

trabalho: a relação entre amor e abnegação, o dom de si, o es<strong>que</strong>cimento de si, o sentido<br />

cristão da sexualidade: “precisaria guiar os casais rumo à perfeição da vida sexual”. Finalmente<br />

auspiciava uma missão para as ENS: renovar a antropologia, cessando de desconhecer a<br />

complementaridade dos sexos, rejeitando o mani<strong>que</strong>ísmo de corpo e alma; desenvolver a ajuda<br />

recíproca para caminhar rumo à santidade, santidade dinâmica, ativa, <strong>que</strong> participa da evolução<br />

da criação. Em particular, destacava alguns pontos novos: é preciso levar em conta os casais<br />

<strong>que</strong> não tiveram a cate<strong>que</strong>se, cuja prática dominical não é habitual. A <strong>que</strong>stão das regras<br />

morais defendidas pela igreja, e mal vividas; olhar para <strong>a<strong>que</strong>le</strong>s <strong>que</strong> desejam ir mais longe<br />

depois de vinte ou trinta anos de vida de equipe. Ajudar os casais a enve<strong>lhe</strong>cer bem, a viver a<br />

idade da aposentadoria, a se aproximar de sua morte. Insistia, finalmente, na unidade do<br />

movimento <strong>que</strong> estava se estendendo em todos os continentes.<br />

Igreja e mundo: A mensagem de Lourdes, por fim, nos desafia a um confronto atento com a<br />

Igreja e o mundo de hoje. Confronto feito de escuta, obediência, mas também de propostas,<br />

percursos e indicações fiéis a D<strong>eu</strong>s e atentas ao nosso tempo. Tem se <strong>fala</strong>do muito, nestes<br />

anos, de um cristianismo <strong>que</strong> se deve equipar em vista do terceiro milênio. Os esforços para<br />

provocar realmente a mudança de estilo <strong>que</strong> isto implica parecem fre<strong>que</strong>ntemente uns slogans<br />

superficiais, destinados a ocultar e a perpetuar a falta de uma efetiva criatividade. Crer <strong>que</strong> tudo<br />

possa ser resolvido numa simples atualização da linguagem - deixando inalterada a substância -<br />

seria banalizá-lo. “Não se trata apenas de encontrar palavras novas, adequadas às mu<strong>lhe</strong>res e<br />

aos homens do nosso tempo, para apresentar-<strong>lhe</strong>s o Evangelho, mas, de forma mais radical, de<br />

reconsiderá-lo dentro das novas categorias mentais surgidas na pós-modernidade. Não<br />

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devemos temer <strong>que</strong> isto impli<strong>que</strong> uma traição perante a divina Revelação: pelo contrário, é a<br />

única maneira para permanecer-<strong>lhe</strong> fiéis. Por<strong>que</strong> a continuidade da tradição <strong>que</strong>, no decorrer<br />

dos séculos, rege a Sagrada Escritora não está fundada sobre uma estéril repetição material –<br />

deveríamos, neste caso, ater-nos literalmente ao texto hebraico ou ao grego em <strong>que</strong> foi<br />

originalmente escrita -, mas se realiza na incessante tradução da sua mensagem em relação<br />

aos mais variados contextos culturais. (G. Savagnone, Il banchetto e la danza, ed. Paoline, pag.<br />

6). Vivemos hoje um delicado momento de transição. A cultura «moderna», <strong>que</strong> dominou o<br />

Ocidente durante cinco séculos, está em declínio, deixando o lugar a uma outra, diferente, mas<br />

ainda tão indefinida a ponto de poder ser identificada somente em relação à anterior - não por<br />

acaso é chamada, simplesmente, « pós-moderna ». Neste contexto, o esforço de manifestar a<br />

própria fé de uma nova forma, adequada a esta transformação radical, se torna para os cristãos<br />

a tarefa mais urgente. (idem p. 7). No documento de Lourdes está escrito: “A pedagogia das<br />

<strong>Equipes</strong> de Nossa Senhora deve ser expressa na linguagem de hoje, deve levar em conta os<br />

sinais dos tempos. É nossa tarefa inculturá-la sem torná-la insípida, simplificá-la, adequá-la à<br />

idade e à duração da vida do casal, facilitando o s<strong>eu</strong> aprofundamento sem <strong>que</strong> se perca a<br />

essência. É um caminho de felicidade, tanto humano quanto espiritual”. Infelizmente os nossos<br />

percursos e as nossas respostas não sabem sempre olhar para a ri<strong>que</strong>za de todos os<br />

continentes: Nos limitamos a uma mentalidade tipicamente da Europa ocidental. Quais são os<br />

percursos? O <strong>que</strong> fazer?<br />

Estimulados pelas muitas situações em <strong>que</strong> vivemos é tarefa urgente do nosso movimento procurar umas<br />

repostas como indivíduos e como equipes. Em sua intervenção em Roma, diante do card. Jullien,<br />

lembrando a audiência com João XXIII, p. Caffarel lembra: “nós <strong>que</strong>remos responder à confiança do Papa,<br />

mas para fazer isso é necessário <strong>que</strong> nós tenhamos uma exata visão dos objetivos do nosso movimento.<br />

Por isso é grande a importância da nossa peregrinação. Ela deve nos levar a uma tomada de consciência<br />

mais plena da vontade de D<strong>eu</strong>s sobre as <strong>Equipes</strong>, a nos interrogar sobre a maneira com a qual<br />

respondemos a esta vontade e a decidir-nos a responder sempre melhor « com confiança e humildade », de<br />

acordo com o conselho do Santo Padre”.<br />

1. “<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>, <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> <strong>fala</strong> <strong>contigo</strong>”. (Jo 4,26).<br />

Disse-<strong>lhe</strong> <strong>Jesus</strong>: «<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>, <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> <strong>fala</strong> <strong>contigo</strong>» (4,19-26). Estamos no momento decisivo do<br />

encontro entre a Samaritana e <strong>Jesus</strong>. Estando diante de um profeta, faz uma pergunta de caráter religioso:<br />

onde adorar a D<strong>eu</strong>s? Ela procura o Messias, como todos os samaritanos, <strong>que</strong> esperam um Messias<br />

restaurador de todas as coisas: "Sei <strong>que</strong> deve vir o Messias (isto é o Cristo): quando Ele vier, nos anunciará<br />

todas as coisas". Mais uma vez procura esquivar-se, introduzindo uma pergunta de caráter religioso; é a<br />

extrema defesa da Samaritana, a ultima tentativa de se subtrair a <strong>Jesus</strong>.<br />

- O caminho de fé da samaritana.<br />

A partir esta pergunta, <strong>Jesus</strong> a faz progredir ainda mais e de forma decisiva, levando-a a<br />

compreender o conteúdo do dom de D<strong>eu</strong>s: <strong>que</strong> o Pai agora pode ser adorado em Espírito e Verdade.<br />

Conhecer o dom de D<strong>eu</strong>s significa, substancialmente, conhecer <strong>que</strong> o homem <strong>que</strong> está diante dela não é<br />

somente uma pessoa com <strong>que</strong>m <strong>fala</strong>r de assuntos religiosos. O passo decisivo será compreender "<strong>que</strong>m é"<br />

<strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>Jesus</strong> <strong>que</strong> está diante dela e <strong>que</strong> a ela se dirige com a<strong>que</strong>las palavras. Ele parece não <strong>fala</strong>r<br />

diretamente de si mesmo, mas nós <strong>que</strong> estamos lendo conhecemos uma palavra sucessiva de <strong>Jesus</strong>: "Eu<br />

sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). <strong>Jesus</strong> <strong>fala</strong> à Samaritana da<strong>que</strong>la Verdade pela qual é<br />

preciso adorar a D<strong>eu</strong>s: Ele mesmo é a Verdade, por<strong>que</strong> é D<strong>eu</strong>s <strong>que</strong> se manifesta como homem. Portanto<br />

não se adora a D<strong>eu</strong>s num lugar, nem si adora a D<strong>eu</strong>s apenas dizendo umas orações ou praticando atos de<br />

culto. Adora-se a D<strong>eu</strong>s entrando no próprio movimento de <strong>Jesus</strong>, <strong>que</strong> vai em direção ao Pai, encontrando<br />

<strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>Jesus</strong> <strong>que</strong> é a Verdade de D<strong>eu</strong>s presente no mundo, entrando com Ele na condição de filhos e<br />

seguindo-o. Agora a mu<strong>lhe</strong>r aprende a dar um nome à<strong>que</strong>le dom do qual havia intuído a beleza e a<br />

grandeza.<br />

Adoradores também "em Espírito": isto não significa simplesmente "espiritualmente" (isto é uma<br />

adoração puramente interior), mas <strong>que</strong>r dizer: no Espírito <strong>que</strong> <strong>Jesus</strong> doará com a Páscoa. <strong>Jesus</strong> nos remete<br />

ao momento em <strong>que</strong> Ele, a Verdade, com o dom do Espírito tornará realmente accessível o Pai. Não só<br />

entende <strong>que</strong>m é <strong>Jesus</strong>, ma também <strong>que</strong>m é D<strong>eu</strong>s, por<strong>que</strong> <strong>Jesus</strong> o chama "Pai" e <strong>lhe</strong> diz <strong>que</strong> o Pai "procura<br />

estes adoradores" em espírito e verdade. Revela-se o rosto do Pai <strong>que</strong> deseja encontrar o homem; nos é<br />

dito algo grandioso: o encontro entre D<strong>eu</strong>s e o homem, encontro realizado na adoração, não movido apenas<br />

pelo desejo do homem por alguma coisa maior <strong>que</strong> possa acalmar a sua sede, mas movido também, e em<br />

primeiro lugar, pelo mesmo desejo de D<strong>eu</strong>s: D<strong>eu</strong>s deseja se fazer encontrar pelo homem, se fazer<br />

reconhecer por ele como Pai, se doar a ele como vida, torná-lo capaz de uma adoração em Espírito e<br />

Verdade.<br />

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- “Eu sou”<br />

A resposta: "<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>, <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> <strong>fala</strong> <strong>contigo</strong>", não significa simplesmente: <strong>eu</strong> sou o Messias,<br />

por<strong>que</strong> nós sabemos <strong>que</strong> na Bíblia o nome "Eu sou" é o nome de D<strong>eu</strong>s. É na profundidade do s<strong>eu</strong> mistério,<br />

<strong>que</strong> <strong>Jesus</strong> se apresenta: ele está no mesmo plano de D<strong>eu</strong>s. O dom <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> promet<strong>eu</strong>, portanto, não é uma<br />

"coisa"; a água viva não é uma coisa, mas é <strong>Jesus</strong> Cristo revelador do Pai; <strong>a<strong>que</strong>le</strong> “Eu sou" <strong>que</strong> no Éxodo<br />

tinha se manifestado no fogo, agora está aqui, tornado visível no rosto de <strong>Jesus</strong>.<br />

É uma solene proclamação messiânica, uma explicita auto-revelação de <strong>Jesus</strong>, <strong>que</strong> ousa fazer sua<br />

uma expressão com a qual JHWH se revelava a Israel. <strong>Jesus</strong> declara ser <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> cumpre as<br />

expectativas dos samaritanos. Eles se inspiravam em modo particular no D<strong>eu</strong>teronômio (18, 15-18): «Um<br />

profeta dos t<strong>eu</strong>s, dentre t<strong>eu</strong>s irmãos, como <strong>eu</strong>, o Senhor t<strong>eu</strong> D<strong>eu</strong>s suscitará para ti; vós o escutareis. O<br />

Senhor me disse: suscitarei um profeta como tu, dentre s<strong>eu</strong>s irmãos. Porei minhas palavras em sua boca,<br />

ele <strong>lhe</strong>s dirá o <strong>que</strong> <strong>eu</strong> <strong>lhe</strong> mandar». Eles esperam o Messias como o novo Moisés: será profeta, indicará a<br />

verdade, revelará cada coisa <strong>que</strong> agora está escondida, ensinará a lei aos jud<strong>eu</strong>s e a todo o mundo. E o<br />

esperavam como um líder político, o restaurador do estado de Israel.<br />

«<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>», não é, portanto, uma simples declaração de identidade, é uma declaração teológica. Ela<br />

deve ser compreendida à luz de Éxodo 3,13ss. «Quando fores ao faraó, ao t<strong>eu</strong> povo, dirás: "Eu sou o <strong>que</strong><br />

sou, Eu sou». Deve ser entendida também à luz dos acontecimentos no Jardim das Oliveiras quando os<br />

soldados do templo estão para prender <strong>Jesus</strong>: «<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>», responde. Os soldados caem por terra; estão na<br />

presença de D<strong>eu</strong>s. (Jo 18,5). «Eu sou», «<strong>Sou</strong> <strong>eu</strong>» é o nome de D<strong>eu</strong>s.<br />

É a identidade profunda de <strong>Jesus</strong>, <strong>Jesus</strong> filho de D<strong>eu</strong>s, <strong>Jesus</strong> D<strong>eu</strong>s, isto é diz à mu<strong>lhe</strong>r de Samaria:<br />

«Não só esperas o Messias <strong>que</strong> revelará tudo, mas "Eu sou o Messias", "<strong>Sou</strong> D<strong>eu</strong>s"». Estamos na mesma<br />

revelação da sarça ardente. Assim <strong>que</strong> vai se abrindo ao Espírito, a Samaritana descobre no jud<strong>eu</strong> <strong>que</strong> <strong>lhe</strong><br />

pede água, um personagem misterioso maior <strong>que</strong> o Pai Abraão, um profeta capaz de ler em s<strong>eu</strong> coração e<br />

na sua vida, o Messias <strong>que</strong> deve vir. E fica claro, então, <strong>que</strong> a esta altura a Samaritana não tem mais saída,<br />

por<strong>que</strong> está diante da Verdade absoluta. Ou aceita a pessoa de <strong>Jesus</strong> Cristo por aquilo <strong>que</strong> é ou a recusa.<br />

Deve rever toda a sua vida à luz do encontro feito. <strong>Jesus</strong> não aceita as meias medidas. Ao fim do encontro<br />

se proclamará o Salvador do mundo. Portanto, <strong>Jesus</strong> não é somente <strong>a<strong>que</strong>le</strong> através do qual D<strong>eu</strong>s salva,<br />

mas é ele mesmo o Salvador do mundo. E revela à Samaritana <strong>que</strong> não só D<strong>eu</strong>s dá a vida por meio dele,<br />

mas <strong>que</strong> a dá ele mesmo. É ele <strong>que</strong> dá a vida, é a água viva <strong>que</strong> mata a sede, <strong>que</strong> tira toda sede. Isto é<br />

muito importante também para nós por<strong>que</strong> o Senhor nos coloca diante de uma pergunta <strong>que</strong> o próprio<br />

<strong>Jesus</strong> foi o primeiro a fazer aos s<strong>eu</strong>s apóstolos. Em Cesaréia de Felipe, um dia perguntou: «Quem dizem os<br />

homens <strong>que</strong> <strong>eu</strong> sou?». E logo depois: «E vós, <strong>que</strong>m dizeis <strong>que</strong> <strong>eu</strong> sou?». Eis a profissão de fé de Pedro:<br />

«Tu és o Cristo, o filho de D<strong>eu</strong>s» (Mt 16,13-20).<br />

- Encontrar <strong>Jesus</strong> Cristo.<br />

O encontro pessoal com <strong>Jesus</strong> muda a vida da mu<strong>lhe</strong>r de Samaria. A pergunta: “E vós, <strong>que</strong>m dizeis<br />

<strong>que</strong> <strong>eu</strong> sou?”, é a<strong>que</strong>la <strong>que</strong> todos os cristãos devem necessariamente se pôr, para poder viver a própria<br />

experiência de fé, isto é: <strong>que</strong>m é <strong>Jesus</strong> Cristo para mim, por<strong>que</strong> devo recebê-lo em minha vida? Por<strong>que</strong> a<br />

Samaritana deve aco<strong>lhe</strong>r a revelação <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> faz <strong>Jesus</strong>? «Quem é este <strong>Jesus</strong>?»: é a pergunta fundamental<br />

da nossa experiência de fé. Se não a enfrentarmos, será difícil levar adiante uma experiência significativa<br />

de fé. A nossa experiência nas equipes, escreve p. Caffarel, nos deve conduzir ao encontro pessoal com<br />

<strong>Jesus</strong>. “Contentar-se em permanecer na multidão <strong>que</strong> rodeia Cristo sem procurar ter um contato pessoal<br />

com Ele, sem tecer relações pessoais com Ele, seria mostrar muita indiferença (carta de maio de 1954)”.<br />

O cristianismo não é só uma religião, mas é o encontro com uma pessoa. A religião é o esforço do<br />

homem para alcançar D<strong>eu</strong>s, um caminho <strong>que</strong> vai do homem até D<strong>eu</strong>s. O cristianismo é D<strong>eu</strong>s <strong>que</strong> alcança o<br />

homem, é D<strong>eu</strong>s <strong>que</strong> encontra o homem. E não é possível viver a experiência de fé a não ser realizando um<br />

encontro. Muitas vezes também a nossa preparação catequística e catequética, o nosso conhecimento da<br />

fé, chega ao ponto de não dizer mais nada: por<strong>que</strong> o cristianismo não pode ser reduzido a uma doutrina. O<br />

cristianismo é um encontro, é o encontro entre <strong>eu</strong> e <strong>Jesus</strong>, pessoalmente.<br />

Muitas vezes o nosso ser equipe pára na aplicação de um método como se fosse um remédio da<br />

vida. É Cristo a curar, confortar, dar força à nossa vida! A respeito de uma fé superficial, escreve p. Caffarel:<br />

« Este sintoma inquietante estará em sua vida cristã – <strong>que</strong> é, <strong>que</strong> deve ser união com Cristo ? O Cristo <strong>lhe</strong>s<br />

<strong>fala</strong>, Estão escutando? Lêem e relêem o Evangelho, a sua mensagem, para entrar em comunicação com<br />

Ele? O essencial de uma mensagem é tornar praticável um percurso rumo aos sentimentos e aos<br />

pensamentos profundos do s<strong>eu</strong> autor: É assim <strong>que</strong> vocês lêem o Evangelho? Para além das palavras e dos<br />

exemplos, descobrem o pensamento vivo do Filho de D<strong>eu</strong>s, percebem as batidas do Coração eterno,<br />

estabelecem uma relação pessoal com <strong>Jesus</strong> Cristo? A<strong>que</strong>le <strong>que</strong> freqüenta o Evangelho não apenas com o<br />

s<strong>eu</strong> raciocínio, mas com uma atenção particular do espírito, no silêncio interior, não demora para encontrar<br />

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o Cristo. … Espero <strong>que</strong> cada um de vocês experimente a fome do Evangelho o dia em <strong>que</strong> não o ler”.<br />

(LETTRE MENSUELLE DES ÉQUIPES NOTRE-DAME VIème année, n° 3 - Décembre 1952).<br />

A leitura de p. Caffarel nos fornesce algumas indicações para redescobrir, valorizar ou aperfeiçoar.<br />

Com certeza a Palavra de D<strong>eu</strong>s, e <strong>fala</strong>remos logo, mas também:<br />

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O silêncio. “Fazer silêncio é difícil no nosso mundo terrivelmente baru<strong>lhe</strong>nto. Não falo só dos<br />

barulhos materiais, mas de todos <strong>a<strong>que</strong>le</strong>s elementos, novidades sensacionais, … Todavia o<br />

silêncio interior é possível. Para chegar, é necessário exercitar-se com paciência e delicadeza.<br />

Os meios violentos nunca foram bons meios de pacificação. Trata-se, sem dúvida, da<br />

pacificação com a qual todas as nossas faculdades se tornam disponíveis a D<strong>eu</strong>s, prontas à<br />

escuta. Este último termo evoca uma qualidade típica do silêncio: o recolhimento. É uma<br />

atenção vigilante pronta a co<strong>lhe</strong>r a voz interior”. L’Anneau d’Or ; Mai–Août 1957; Seign<strong>eu</strong>r,<br />

apprends-nous à prier ; Lettres sur l’Oraison, La légende du chevrotin, page 227.<br />

Superar o formalismo. « Também <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> dá todos os s<strong>eu</strong>s bens aos pobres pode ser um<br />

tambor, vazio e baru<strong>lhe</strong>nto, nos diz S. Paulo. Para ser justos aos olhos de D<strong>eu</strong>s não basta<br />

conformar-se a alguns mandamentos, é preciso ter dentro de si o Espírito Santo e a caridade<br />

<strong>que</strong> se encontra nos nossos corações. Ai do homem virtuoso, zeloso, austero, heróico, se se<br />

compraz de si mesmo, se não se reconhece pecador… se não se abre ao Salvador”.<br />

A oração. Após algumas considerações sobre o publicano e o faris<strong>eu</strong> no templo diz: “A sua<br />

segurança é ilusória se não houver D<strong>eu</strong>s como fundamento. Estou convidando a deixar as<br />

<strong>Equipes</strong>? Certamente não, porém estou convidando a recorrer ao meio <strong>que</strong> pode salvar do<br />

farisaísmo: a oração. A oração autêntica é o único contraveneno conhecido. Eis por<strong>que</strong> um<br />

grupo religioso <strong>que</strong> não é uma escola de oração é terrivelmente perigoso: nada mais é do <strong>que</strong><br />

uma fábrica de faris<strong>eu</strong>s. …Na verdade, se depois de dois ou três anos de vida em equipe não<br />

aprenderam a rezar e não dão à oração um lugar de desta<strong>que</strong> na sua vida, vocês não se<br />

livrarão do farisaísmo. … Eu falo da oração verdadeira, prolongada, ela tem uma magnífica<br />

virtude para guiar-nos na descoberta de D<strong>eu</strong>s e de nós mesmos, da santidade de D<strong>eu</strong>s e da<br />

nossa necessidade de ser salvos”. (LETTRE MENSUELLE DES ÉQUIPES NOTRE-DAME 11°<br />

Année N° 4 – Janvier 1958).<br />

O seguimento de <strong>Jesus</strong>. « O ideal evangélico não è, unicamente e antes de tudo, um conjunto<br />

de doutrinas a serem adotadas, mas Alguém para seguir. Seguir, isto é aprender a pensar, agir,<br />

viver com Ele e como Ele. Este Alguém não é um homem de meias medidas, nem de<br />

compromissos. É o homem de um único amor e pede o mesmo aos s<strong>eu</strong>s discípulos… Sim, o<br />

Cristo pede tudo… entre ele e o discípulo a intimidade se estabelece no nível de um dom total<br />

recíproco. Mas <strong>que</strong>m diz dom total diz, ao mesmo tempo, renúncia. …Eis o ideal evangélico. Ele<br />

se impõe em todos os estágios da vida. Às pessoas casadas assim como aos demais. Não<br />

existe uma vida cristã com um desconto para as pessoas fracas. … No e para o s<strong>eu</strong> amor, o<br />

homem e a mu<strong>lhe</strong>r podem e devem chegar ao dom total a <strong>Jesus</strong> Cristo. É para <strong>que</strong> eles<br />

realizem este ideal <strong>que</strong> o Senhor fez do matrimônio um sacramento, isto é una realidade<br />

humana habitada e entrelaçada pela Caridade divina, a qual – como um potente fermento<br />

permite ao casal realizar aquilo <strong>que</strong> parece impossível ao homem, mas é possível a D<strong>eu</strong>s».<br />

(LETTRE MENSUELLE DES ÉQUIPES NOTRE-DAME XVI° année – n. 2 – novembre 1962).<br />

- Os percursos da fé.<br />

O percurso da mu<strong>lhe</strong>r desemboca numa nova situação relacional e, contagiada pelo movimento de<br />

<strong>Jesus</strong>, alarga o círculo de aproximação. A Samaritana aparece como «uma mu<strong>lhe</strong>r de Samaria » e sai como<br />

conhecedora da fonte de « água viva », ciente de ser procurada pelo Pai <strong>que</strong> <strong>que</strong>r fazer dela uma<br />

adoradora. A sua identidade transformada faz dela uma evangelizadora <strong>que</strong>, através de s<strong>eu</strong> testemunho,<br />

consegue fazer com <strong>que</strong> muitos se aproximem de <strong>Jesus</strong> e creiam nEle. A<strong>que</strong>la <strong>que</strong> <strong>fala</strong>va em « tirar a água<br />

» como uma tarefa <strong>que</strong> re<strong>que</strong>r esforço e trabalho, abandona agora o s<strong>eu</strong> pote: <strong>Jesus</strong> <strong>lhe</strong> revelou um dom<br />

<strong>que</strong> não re<strong>que</strong>r nenhuma troca e <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> é dado gratuitamente. Como uma água « <strong>que</strong> jorra pela vida<br />

eterna », uma corrente de gratuidade percorre o texto e transfigura os personagens: a mu<strong>lhe</strong>r, depois de<br />

sua tentativa de levar a <strong>Jesus</strong> o s<strong>eu</strong> povo, os s<strong>eu</strong>s familiares, se retira e deixa <strong>que</strong> sejam eles mesmos a<br />

descobri-lo e a crer sozinhos e não pelo s<strong>eu</strong> testemunho. Foi guiada até a sua própria interioridade, através<br />

de um percurso paciente <strong>que</strong> a fez passar da dispersão à unificação e ela, discípula deste Mestre, atrai e<br />

conduz a ele as pessoas de s<strong>eu</strong> povo.<br />

A mu<strong>lhe</strong>r, ao deixar o pote no poço, por<strong>que</strong> da<strong>que</strong>la água não precisa mais, por<strong>que</strong> o dom é um<br />

"Outro", agora não tem nenhum temor em ir contar sobre o <strong>que</strong> <strong>Jesus</strong> <strong>lhe</strong> falou: sinal de uma real mudança.<br />

Indo até os concidadãos, ela os convida a ir a <strong>Jesus</strong>: os Samaritanos deverão fazer, por sua vez, a sua<br />

escolha, e a cumprirão não apenas pela intervenção da mu<strong>lhe</strong>r, mas por ter conhecido pessoalmente <strong>Jesus</strong>.<br />

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COLLEGE ROMA<br />

indicações:<br />

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21 de janeiro de 2009<br />

P.Angelo Epis<br />

Remetendo-nos à mensagem de Lourdes 2006 nos perguntamos se procuramos realizar algumas<br />

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Devemos tomar todas as iniciativas necessárias para ajudar os equipistas e o Movimento a ficar<br />

na escuta dos sinais dos tempos, a aprender a comunicar e a dialogar sobre a espiritualidade<br />

conjugal e familiar.<br />

Os ouvidos e os olhos abertos para tudo o <strong>que</strong> acontece no mundo, atentos para aquilo <strong>que</strong><br />

alguns chamam “a profecia do mundo”, receptivos a tudo aquilo <strong>que</strong> vem de D<strong>eu</strong>s para<br />

perceber e valorizar o <strong>que</strong> é bom: estas são as <strong>Equipes</strong> de Nossa Senhora. Elas perseguem e<br />

intensificam as pesquisas sobre todos os aspectos inerentes ao matrimônio e, em particular,<br />

sobre o s<strong>eu</strong> caráter sacramental. Sejamos aco<strong>lhe</strong>dores com a realidade de vida dos irmãos e<br />

irmãs viúvos e viúvas.<br />

Procuremos também o modo de estar perto d<strong>a<strong>que</strong>le</strong>s <strong>que</strong> enfrentam a crise, com a falência do<br />

casal; abramos o nosso coração e tomemos iniciativas para <strong>que</strong> nasçam e se desenvolvam<br />

grupos ou movimentos específicos <strong>que</strong> respondam às novas situações destes casais.<br />

Forneçamos o nosso apoio aos casais <strong>que</strong> a crise ainda não separou totalmente e <strong>que</strong> podem<br />

comprometer-se em trilhar um caminho para “reencontrar-se”.<br />

Nossa preocupação constante é uma atenção particular aos jovens: atenção à<strong>que</strong>les <strong>que</strong> estão<br />

longe da Igreja, à<strong>que</strong>les <strong>que</strong> recomeçam, à<strong>que</strong>les <strong>que</strong> não conhecem Cristo e o Evangelho,<br />

à<strong>que</strong>les para os quais o matrimônio não tem um significado claro e essencial; isto indica <strong>que</strong><br />

estamos a serviço da Boa Nova do amor entre o homem e a mu<strong>lhe</strong>r e encarregados de levá-la<br />

ao mundo.<br />

Façamos agora uma síntese à luz do capítulo 4 de João:<br />

A fé dos discípulos: "Quando ressuscitou da morte, os discípulos recordaram <strong>que</strong> ele havia dito<br />

isso e creram na Escritura e nas palavras de <strong>Jesus</strong>" (2,22). O nosso percurso na história está<br />

sujeito ao trabalho da pesquisa, feita com esperança, mas é só diante do dom de <strong>Jesus</strong> na cruz<br />

e na ressurreição, centro do plano de D<strong>eu</strong>s testemunhado pelas Escrituras, <strong>que</strong> nasce<br />

realmente a fé do discípulo.<br />

O caminho da fé comporta realmente a instauração de uma vida nova, sob a ação do Espírito<br />

<strong>que</strong> sopra onde <strong>que</strong>r. Eis os s<strong>eu</strong>s três passos: ver os sinais, escutar a Palavra, contemplar e<br />

aco<strong>lhe</strong>r o amor de <strong>Jesus</strong>.<br />

Ter fé em <strong>Jesus</strong> não é apenas uma <strong>que</strong>stão teórica, mas significa atuar a Verdade, fazer a<br />

Verdade, isto é estar disponíveis para permitir <strong>que</strong> a vida se torne "verdadeira" da Verdade de<br />

<strong>Jesus</strong>. A fé cresce e se torna madura se a Verdade de Cristo transforma a nossa existência a tal<br />

ponto <strong>que</strong> nela se faça verdade. Se houver os fechamentos radicais e profundos <strong>que</strong> às vezes<br />

blo<strong>que</strong>iam o coração, não se chega à luz de Cristo.<br />

2. Na escuta de D<strong>eu</strong>s: Como Maria, palavra e oração.<br />

Um tema caro ao p. Caffarel era a devoção a Maria. Nos chamamos Nossa-Senhora não por acaso.<br />

Henri Caffarel mostrou a sua confiança na sua intercessão. Num editorial (citação de p. Fleischmann), onde<br />

ele parte do fato <strong>que</strong> o próprio Cristo ama sua Mãe, “entre todas as criaturas, de um amor de predileção:<br />

antes depois do Pai. Este amor da virgem não pode não estar em mim se estou unido a Cristo? …Mas<br />

atenção! Este amor por Maria não é um sentimento fraco: é admiração diante da radiosa e mais santa das<br />

criaturas, é reconhecimento filial para a mais Mãe de todas as mães, é vontade ativa de <strong>lhe</strong> agradar, de<br />

ajudá-la na sua tarefa, <strong>que</strong> é precisamente de maternidade perto de todos os homens. …”(carta de maio de<br />

1952). Maria é de qual<strong>que</strong>r forma o ícone mais adequado para o <strong>que</strong> foi descrito até aqui. Ela vive o<br />

Mistério no esforço constante de co<strong>lhe</strong>r o s<strong>eu</strong> significado na variedade das experiências em <strong>que</strong> está<br />

envolvida e <strong>que</strong> constituem a sua história. «Maria, porém, conservava todas estas coisas meditando-as em<br />

s<strong>eu</strong> coração» (Lc 2,19).<br />

A de Maria é antes de tudo uma memória: «conservava». Maria guarda com cuidado os fatos concretos <strong>que</strong><br />

<strong>lhe</strong> acontecem no tempo e no espaço determinados onde está vivendo, por<strong>que</strong> é aqui <strong>que</strong>, para ela, se<br />

manifesta a vontade divina. Mas não se limita a conservá-los: medita-os. O verbo grego <strong>que</strong> o evangelista<br />

utilizou para indicar esta mediação é symballein, <strong>que</strong> literalmente <strong>que</strong>r dizer unir, ligar. É a obra da razão,<br />

<strong>que</strong> de uma multiplicidade de elementos extrai um único fio, estabelecendo nexos causais, captando analogias,<br />

identificando constantes. Maria, na sua fé, refletia. E, nesta reflexão, também ela, como s<strong>eu</strong> filho,<br />

crescia. O episódio da perda de <strong>Jesus</strong> em Jerusalém e de s<strong>eu</strong> reencontro no Templo, com o relato da<br />

reação dos pais, nos adverte <strong>que</strong> este crescimento foi gradativo e marcado, como convém a um ser<br />

humano, por pausas, voltas, incertezas: « Mas eles não compreenderam as suas palavras» (Lc 2,50).<br />

São Tomás escrevia <strong>que</strong> «a felicidade plena do homem consiste de uma visão sobrenatural de D<strong>eu</strong>s. A ela,<br />

porém, o homem não pode chegar a não ser da mesma forma de um discípulo <strong>que</strong> aprende de D<strong>eu</strong>s. (...)<br />

Ora, o homem não assimila este ensinamento imediatamente, ma gradativamente, de acordo com a sua<br />

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P.Angelo Epis<br />

natureza». A vida espiritual - como ensinaram os grandes mestres do passado - não é um estado, adquirido<br />

de uma só vez, ma um procedimento, um caminho, marcado por etapas significativas porém nunca<br />

exaustivas. Maria percorr<strong>eu</strong> este caminho. A mu<strong>lhe</strong>r <strong>que</strong> estava aos pés da cruz, no ato de unir o supremo<br />

sacrifício de si à<strong>que</strong>le de s<strong>eu</strong> Filho, não era a mesma <strong>que</strong> muitos anos antes ficou turbada à simples<br />

saudação do anjo. Cada cristão é chamado a percorrer este caminho de despojamento e de graça. Na<br />

consciência de <strong>que</strong> o Mistério não torna vã a sua história, mas a acompanha e a recebe com a sua infinita<br />

misericórdia. (Savagnone obra cit. pp. 81-82).<br />

- Bem-aventurados os <strong>que</strong> escutam a Palavra. Numa época em <strong>que</strong> domina a Palavra, a<br />

comunicação, a imagem, somos bombardeados de mensagem de todos os lados. Elas pedem<br />

espaço à nossa escuta e à nossa atenção. É uma das tarefas urgentes para o crente, num<br />

mundo <strong>que</strong> quase perd<strong>eu</strong> a capacidade de comunicar. O título de «Virgem na escuta», o<br />

primeiro dos quatro <strong>que</strong> a Marialis Cultus tributa à Virgem Maria, me parece cheio de atualidade<br />

e de significado. É necessário escutar o homem, mas é ainda mais necessário colocar-se na<br />

escuta de D<strong>eu</strong>s. O princípio religioso fundamental, na Escritura, é o seguinte: «Escuta a Palavra<br />

do Senhor » (Is 1,10; Ger 2,4; Am 7,16). A revelação bíblica se nos manifestou essencialmente<br />

sob a forma de Palavra. A D<strong>eu</strong>s <strong>que</strong> <strong>fala</strong> se deve a «obediência da fé» (cfr. Rm 1,5; 16, 26; 2<br />

Cor 10,5) <strong>que</strong> sozinha pode salvar. O povo messiânico é a comunidade <strong>que</strong> escuta a voz do<br />

Senhor. Maria, <strong>que</strong> na obediência da fé se abre à Palavra de D<strong>eu</strong>s, é a primeira entre os<br />

crentes, a Virgem na escuta. Segundo a Marialis Cultus, a escuta, e portanto a fé de Maria, foi<br />

«premissa e caminho à maternidade divina » (Mc 17). É a fé <strong>que</strong> torna fecunda a existência (cfr.<br />

Eb 11). A Palavra, para Maria, não é simplesmente o livro da Escritura, mas é o dom de D<strong>eu</strong>s, o<br />

Verbo do Pai por ela gerado no tempo: Cristo Senhor, do qual foi humilde e fiel discípula. Gerar<br />

Cristo não é só tarefa de Maria: ele deve nascer no coração e na vida de cada crente. Todos os<br />

<strong>que</strong> aco<strong>lhe</strong>m a Palavra de D<strong>eu</strong>s, Cristo, estabelece com ele vínculos muito estreitos: « Minha<br />

mãe e m<strong>eu</strong>s irmãos são os <strong>que</strong> ouvem a Palavra de D<strong>eu</strong>s e a cumprem» (Lc 8,21).<br />

- Virgem na escuta. A Palavra de D<strong>eu</strong>s, recebida por Maria, trouxe a felicidade ao mundo todo.<br />

Neste sentido ela é a causa da nossa alegria, fonte de júbilo da Igreja de Cristo. «... fé com a<br />

qual ela, protagonista e testemunha singular da Encarnação, reconsiderava os acontecimentos<br />

da infância de Cristo, confrontando-os entre si no íntimo do s<strong>eu</strong> coração » (Mc 17). A fé cristã<br />

ama a história, à qual está estritamente ligada. Ela se funda nos fatos, nas intervenções de<br />

D<strong>eu</strong>s no tempo dos homens. A fé se apóia sobretudo sobre o acontecimento central da história<br />

do mundo, sobre o evento Cristo, <strong>que</strong> dá sentido a tudo <strong>que</strong> precede e segue a sua vinda. O<br />

crente é <strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> escuta a Palavra e, à sua luz, perscruta os sinais dos tempos. A revelação<br />

de D<strong>eu</strong>s se compõe, de fato, de « eventos e palavras intimamente ligadas», <strong>que</strong> reciprocamente<br />

se iluminam (cfr. DV 2). Maria, « protagonista e testemunha singular da Encarnação », medita<br />

com amor, reflete com atitude sapiencial, reexamina este evento e tudo aquilo <strong>que</strong> a ele se<br />

refere. À luz de Cristo se <strong>lhe</strong> revela lentamente, gradativamente, o sentido da história do povo<br />

de D<strong>eu</strong>s e de s<strong>eu</strong> destino de graça; se <strong>lhe</strong> abre o sentido dos fatos passados e presentes e o<br />

próprio significado da sua existência consagrada ao Senhor. Por ela, cada crente, a Igreja toda,<br />

deve aprender a atitude à escuta, à reflexão sobre os eventos, cujo sentido profundo se revela<br />

em Cristo. Como Maria, a Igreja está na escuta da Palavra de D<strong>eu</strong>s, de Cristo, <strong>que</strong> a introduz<br />

nos mistérios do Reino. A comunidade de fé, r<strong>eu</strong>nida ao redor de Cristo Senhor, sentada atentamente<br />

aos pés do Mestre, aco<strong>lhe</strong> a sua Palavra <strong>que</strong>, por sua vez, proclama e «oferece aos<br />

fiéis como pão da vida » (MC 17). A Igreja, após ter concebido a Palavra, como Maria, por obra<br />

do Espírito Santo, a doa ao mundo como mensagem e proposta de salvação; «e à sua luz<br />

perscruta os sinais dos tempos, interpreta e vive os eventos da história » (MC 17). A partir do<br />

exemplo da Virgem a comunidade dos crentes deve viver em atitude sapiencial. Cheia de<br />

admiração deve « confrontar » o <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> é dado « ver e ouvir » em relação a Cristo e ao s<strong>eu</strong><br />

mistério. Nesta meditação, sublime e dramática ao mesmo tempo, se <strong>lhe</strong> revela o mistério da<br />

Palavra de D<strong>eu</strong>s feita carne para a nossa salvação; da existência humana, marcada pela prova<br />

e destinada à glória; do tempo, no qual vai se cumprindo a obra da salvação. Maria, virgem na<br />

escuta, é uma provocação para o crente e para o homem contemporâneo, fre<strong>que</strong>ntemente<br />

distraídos e transtornados. É um convite à reflexão, à contemplação; a dar espaço à Palavra de<br />

D<strong>eu</strong>s e à palavra humana na nossa existência, para viver com responsabilidade no meio do<br />

mundo.<br />

A oração do Magnificat não é para nós um ato de devoção; é, de alguma forma, o esboço<br />

no qual lemos a vida diária. Maria, enquanto com ela louvamos a D<strong>eu</strong>s, nos ensina a meditar e<br />

conservar no coração os eventos da vida.<br />

3. “N<strong>a<strong>que</strong>le</strong> momento chegaram os s<strong>eu</strong>s discípulos e ficaram admirados, pois ele estava<br />

conversando com una mu<strong>lhe</strong>r”.<br />

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P.Angelo Epis<br />

O encontro com o Cristo nos leva agora a verificar se a nossa experiência de equipe tem dentro de<br />

si ainda a água viva para anunciar o Evangelho do matrimônio. Como os discípulos, somos fre<strong>que</strong>ntemente<br />

incapazes de compreender os percursos <strong>que</strong> o Senhor vai traçando.<br />

- A humanidade atual: Qual a formação cristã e no movimento?<br />

Parece <strong>que</strong> os textos mencionados até aqui e as solicitações de p. Caffarel nos levam a perguntar<br />

como os nossos percursos respondam às perguntas do mundo. É suficiente a preocupação por uma difusão<br />

mais ampla ou não é preciso também <strong>que</strong> haja uma consolidação das nossas equipes? O texto de João 4<br />

nos faz refletir: Não bastam os conhecimentos, é necessária a experiência verdadeira, profunda e pessoal.<br />

O saber, sozinho, mostra-se como algo estéril: a Samaritana se dirige a <strong>Jesus</strong> de forma interrogativa,<br />

esperando dele um progresso no terreno do conhecimento («Por<strong>que</strong> me perguntas...?», «Onde, pois,<br />

tens...? », « És tu, porventura, maior...? ». As palavras da mu<strong>lhe</strong>r, <strong>que</strong> refletem as convicções do s<strong>eu</strong> povo,<br />

afirmam as diferenças entre etnias, convicções ou teologias, dividem as pessoas e <strong>lhe</strong>s fecham a<br />

possibilidade de se relacionar, reduzem as expectativas sobre o Messias, <strong>que</strong> <strong>lhe</strong>s permita ter acesso a um<br />

saber (« nos anunciará todas as coisas»).<br />

<strong>Jesus</strong> oferece um "saber alternativo" e convida a abandonar os "múltiplos saberes" para entrar<br />

numa verdade à qual não se chega seguindo o caminho do genérico, mas através da realidade tangível e<br />

concreta. As suas palavras não visam ampliar os conhecimentos, mas provocar uma mudança de vida.<br />

Tanto o « poço de Jacó », símbolo da sabedoria <strong>que</strong> dá a lei, como « o <strong>que</strong> está escrito na lei » (Lc 10,26)<br />

perdem a sua validade, substituídos pela « água viva » e pelo convite não a ler, mas a olhar as pessoas e<br />

os s<strong>eu</strong>s comportamentos reais. É fazendo e não sabendo <strong>que</strong> se obtém a vida. Um saber definitivo substitui<br />

os provisórios, e não é no futuro mas agora e graças à Palavra de <strong>Jesus</strong>, <strong>que</strong> se tem acesso à novidade<br />

deste conhecimento. Os papeis e os estereótipos de gênero parecem também superados: a mu<strong>lhe</strong>r,<br />

surpreendentemente, toma a palavra e se transforma em testemunha e evangelizadora dos s<strong>eu</strong>s<br />

concidadãos, executando um papel reservado aos homens. A isso solicita o nosso carisma na Igreja e na<br />

sociedade.<br />

Alguns pontos nos interpelam de forma particular:<br />

A teologia do matrimônio. P. Caffarel, na sua reflexão sobre o matrimônio oferece percursos de<br />

grande desta<strong>que</strong>. A sua herança espiritual encontra aqui um campo para uma pesquisa aprofundada. Na<br />

escola de S. Paulo ele aprofunda cada vez mais a realidade da vida conjugal à luz da união com o Cristo.<br />

Não surpreende aprender na Bíblia <strong>que</strong> o amor ente homem e mu<strong>lhe</strong>r è um dos grandes símbolos do amor<br />

<strong>que</strong> D<strong>eu</strong>s tem pelo homem. Na concepção bíblica a sexualidade não é sagrada; mas é chamada a exprimir<br />

e a aprofundar a relação do casal com o Senhor. É esta a afirmação específica dos cristãos: a relação entre<br />

fé e sexualidade. Os cristãos devem se unir «no Senhor» (1 Coríntios 7,39). O amor <strong>que</strong> dois cristãos<br />

devem ter um pelo outro em Cristo, não se substitui ao amor sexual, não se sobrepõe; <strong>lhe</strong> dá o s<strong>eu</strong> pleno<br />

significado. Eros é assunto do ágape. O amor vivido na fé é o sentido último da sexualidade.<br />

O percurso nas equipes deve se tornar também procura atenta da teologia do matrimônio. Muito foi<br />

feito, mas muito resta ainda para fazer para nos colocarmos efetivamente a serviço do mundo.<br />

A sexualidade. A sexualidade é expressão simbólica do amor de Cristo e da Igreja, não pode ser<br />

compreendida a não ser a partir da visão total do homem trazida pelo Novo Testamento: o homem é um ser<br />

de relação, horizontalmente com os outros, verticalmente com D<strong>eu</strong>s. O verdadeiro sentido, o valore sobre o<br />

qual deve se medir a sexualidade é o homem criado por D<strong>eu</strong>s, libertado em <strong>Jesus</strong> Cristo, colocado diante<br />

do próximo. O homem, libertado por Cristo, é chamado a viver também a sua sexualidade na liberdade;<br />

liberdade responsável; em Cristo a sexualidade é libertada como sexualidade absoluta: ela se torna relativa<br />

ao próximo e a D<strong>eu</strong>s: ela é chamada a se tornar linguagem de amor, de comunhão e de vida. Muitas vezes,<br />

como um novo sinédrio, paramos para julgar e condenar os desvios no campo da sexualidade. Seria como<br />

se <strong>Jesus</strong>, diante da samaritana tivesse se contentado de evidenciar e condenar a sua desordem afetiva. Ele<br />

a alivia e a transforma mediante um encontro verdadeiro e pessoal.<br />

Compreende-se então, <strong>que</strong>, na Bíblia, a união conjugal tem servido aos escritores sagrados para<br />

simbolizar as relações de D<strong>eu</strong>s com o s<strong>eu</strong> povo. O Velho Testamento compara constantemente as relações<br />

de D<strong>eu</strong>s e do s<strong>eu</strong> povo eleito com as relações do casal, e o traço dominante deste confronto simbólico é a<br />

fidelidade. Este tema foi inaugurado pelo profeta Oséias e foi retomado depois por Isaias, por Ezequiel e por<br />

várias passagens dos salmos e da sabedoria. O desenvolvimento deste tema desemboca em Paulo e na<br />

carta aos Efésios, <strong>que</strong> revela o sentido mais profundo da união do casal: a realidade completa do casal e da<br />

sexualidade remete ao mistério conjugal do amor de Cristo e da sua Igreja. A união conjugal inteira, até na<br />

sua consumação física, simboliza o mistério.<br />

Em cada pesquisa conduzida com honestidade se chega, no fundo, a certos valores permanentes <strong>que</strong><br />

pertencem ao homem de sempre. E é bonito observar como a pesquisa humana se encontra aqui com a<br />

revelação cristã. Es<strong>que</strong>maticamente me parece útil indicar três pólos nos quais conduzir a nossa pesquisa:<br />

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P.Angelo Epis<br />

Dimensão existencial e relativa. A sexualidade é una dimensão radical da existência<br />

pessoal e social; não existe realização da pessoa sem realização sexual. No entanto a<br />

sexualidade não è o todo do homem: é relativa à construção do mundo e da justiça.<br />

O amor lei da sexualidade. Para se humanizar a sexualidade deve seguir as regras do<br />

amor: promover as diferenças, aceitar o sacrifício necessário, construir uma aliança na<br />

duração.<br />

As três funções da sexualidade. No casal se articulam as três funções da sexualidade:<br />

a função relação, a função prazer, a função fecundidade.<br />

Parece evidente come também este campo nos solicita colocar-nos em estado de pesquisa.<br />

A sexualidade, como apresentada na Bíblia, é um caminho fascinante e arriscado. É uma dimensão<br />

constitutiva da criatura de D<strong>eu</strong>s: «D<strong>eu</strong>s criou o homem à sua imagem: homem e mu<strong>lhe</strong>r ele os criou»<br />

(Gênesis 1,27). Ela não é, portanto, uma realidade banal, secundária, um excesso de una natureza humana<br />

assexuada; é uma dimensão radical da existência pessoal e social. Por isso o modo de regular a vida<br />

sexual é muito importante per a humanização do homem; a sexualidade bem vivida pode contribuir para<br />

construir o homem e a mu<strong>lhe</strong>r, mal vivida pode arruinar a vida e a humanidade dos dois. Portanto a<br />

sexualidade é um lugar obrigatório da fidelidade ao plano de D<strong>eu</strong>s, é uma passagem decisiva da relação<br />

com D<strong>eu</strong>s. Esta valorização da sexualidade se contrapõe a determinadas correntes atuais <strong>que</strong> gostariam de<br />

banalizar a sexualidade e o exercício genital e declarar indiferentes os comportamentos sexuais. A<br />

sexualidade, pelo contrário, ocupa toda a pessoa: São Paulo repreende alguns Coríntios por <strong>que</strong>rer reduzir<br />

a atividade sexual a um gesto indiferente como comer e beber, enquanto a sexualidade é uma função do<br />

«corpo», isto é, da pessoa na sua totalidade concreta: a relação sexual não é um gesto superficial <strong>que</strong><br />

ficaria periférico na pessoa, mas ocupa o homem inteiro (1 Coríntios 6,16 ss.). Por outro lado a sexualidade<br />

tem também a função de unir profundamente as pessoas, de fazer delas uma só «carne» (Gênesis 2,24).<br />

Nota-se, portanto, como deve ser entendida a sexualidade conforme as perspectivas bíblicas: ela é uma<br />

força <strong>que</strong> abrange todos os aspectos do nosso ser. Enquanto a genitalidade é a<strong>que</strong>la esfera de nós<br />

mesmos <strong>que</strong> está orientada para o prazer e para a procriação, a sexualidade é toda a afetividade humana,<br />

é todo o ser-homem e o ser-mu<strong>lhe</strong>r como seres diferentes e complementares. A sexualidade è a<strong>que</strong>la<br />

dimensão rica e profunda da nossa personalidade, <strong>que</strong> nos permite realizar-nos entrando em comunhão uns<br />

com os outros. É uma afirmação central da Bíblia e é convicção radical do cristianismo: a sexualidade, o<br />

casal e a família não são o todo da vida do homem e da mu<strong>lhe</strong>r. Como todas as outras realidades<br />

terrestres, como o dinheiro, como o poder, como a vida nesta terra, o casal é marcado pela relatividade<br />

criatural e evangélica. A sexualidade é, pela criação, relativa ao cultivo do jardim, à construção do mundo<br />

(poderíamos dizer à moral entendida como amor de tudo o <strong>que</strong> é humano do homem?); e a sexualidade é,<br />

no encontro com <strong>Jesus</strong> Cristo, relativa à procura do Reino.<br />

Esta relatividade explica duas afirmações só aparentemente surpreendentes do Novo Testamento: o<br />

reconhecimento do celibato como uma outra maneira de viver a vida sexual; e a chamada a abandonar, em<br />

vista do Reino, o Pai e a mãe e a não absolutizar os laços com o cônjuge e os filhos.<br />

A família não é secundária, mas é segunda em relação à solidariedade <strong>que</strong> o Evangelho exige com o<br />

Senhor e, portanto, com os pobres e os oprimidos. A realidade sexual é uma realidade aberta sobre algo<br />

mais amplo em relação à família: o Reino de D<strong>eu</strong>s e a justiça ou o s<strong>eu</strong> plano no mundo. O sonho de um<br />

casal abrigo, de um casal ninho, tão radicado na nossa época, é eliminado na raiz pela chamada de Cristo e<br />

pela luz <strong>que</strong> ela lança sobre a sexualidade humana. Prazer, fecundidade, relação interpessoal são<br />

realmente humanos e humanizadores somente se visam a procura de um mundo em conformidade com o<br />

plano de D<strong>eu</strong>s, isto é um mundo <strong>que</strong> ama.<br />

“Levantai os vossos olhos e observai os campos clareando para a co<strong>lhe</strong>ita”. Uma dimensão <strong>que</strong> ainda<br />

nos exige é a<strong>que</strong>la da difusão e da missão. “Levantai os vossos olhos” ressoa as palavras de Javé a<br />

Abraão: «Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz» (Gn 15, 5). <strong>Jesus</strong> convida a olhar<br />

os campos já prontos para a ceifa. A messe está pronta, é preciso ceifá-la. É ele <strong>que</strong> semeou e graças à<br />

sua ação agora a multidão está chegando.<br />

A observação da vida da natureza pode nos ajudar a adquirir o sentido de um otimismo positivo <strong>que</strong><br />

estimula a agir sem nos cansar, na certeza <strong>que</strong> o Pai trabalha sempre e cria as coisas para a nossa alegria.<br />

Levante os olhos e o<strong>lhe</strong> para longe. Não conseguimos fazer isso se não sairmos das nossas casas,<br />

dos confortos, se não sairmos do nosso pe<strong>que</strong>no mundo <strong>que</strong> muitas vezes tem os limites de uma equipe ou<br />

de uma cultura. O próprio Javé conduz Abraão para fora da tenda para <strong>lhe</strong> mostrar o céu estrelado e <strong>lhe</strong> dar<br />

a certeza da sua paternidade.<br />

O desenvolvimento da espiritualidade das ENS no mundo é obra de D<strong>eu</strong>s, mas re<strong>que</strong>r de todos um<br />

compromisso pessoal para co<strong>lhe</strong>r as ri<strong>que</strong>zas de outras pessoas e culturas. Claro, não é fácil levantar os<br />

olhos. Mas deveríamos medir mais o nosso otimismo sobre a Palavra de <strong>Jesus</strong>: «um semeia e outro ceifa».<br />

Deveríamos, em outras palavras, aprender a aproveitar a nossa história, mas também compreender as<br />

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P.Angelo Epis<br />

dinâmicas da colaboração e da colegialidade. Cada um de nós, naquilo <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> compete para o serviço de<br />

responsável, é promotor de esperança e alegria.<br />

Com paciência <strong>Jesus</strong>, te pede para esperar todo o tempo <strong>que</strong> o Senhor determinou para o t<strong>eu</strong> crescimento,<br />

de ser capaz de deixar <strong>que</strong> outros ceifem onde você semeou, na convicção <strong>que</strong> o fruto vem de D<strong>eu</strong>s e a Ele<br />

pertence, <strong>que</strong> o campo é de todos e não é um nosso f<strong>eu</strong>do. A alegria será compartilhada: a<strong>que</strong>la de <strong>que</strong>m<br />

semeia se encontra com a<strong>que</strong>la de <strong>que</strong>m fará a co<strong>lhe</strong>ita. Estamos tendo uma experiência agora mesmo. De<br />

fato, o sacrifício, os trabalhos, os sofrimentos, a fé de <strong>que</strong>m nos preced<strong>eu</strong>, serviram de preparação para<br />

aquilo <strong>que</strong> nós agora podemos co<strong>lhe</strong>r com alegria e reconhecimento. E isto nos é possível por<strong>que</strong> outros<br />

trabalharam e nós os substituímos em s<strong>eu</strong> trabalho.<br />

4. «Já agora não é pelo <strong>que</strong> disseste <strong>que</strong> nós cremos; mas por<strong>que</strong> nós mesmos temos ouvido e<br />

sabemos <strong>que</strong> este é verdadeiramente o Salvador do mundo» (Jo 4, 39-42).<br />

A história do nosso movimento nos deixou heranças preciosas <strong>que</strong> não podemos perder e nem guardar de<br />

maneira errada. A mu<strong>lhe</strong>r de Samaria passa do relato de tudo o <strong>que</strong> fez ao anúncio de um <strong>Jesus</strong> <strong>que</strong> a<br />

mudou. Vive a sua missão como serviço, sabendo se colocar de lado para <strong>que</strong> seja <strong>Jesus</strong> a <strong>fala</strong>r. Os<br />

samaritanos se encontram com <strong>Jesus</strong> graças a este serviço. São chamados, eles também, a fazer a mesma<br />

experiência de intimidade vivida pela mu<strong>lhe</strong>r.<br />

Acredito <strong>que</strong> a nossa experiência de equipes nos solicite, agora, verificar alguns percursos para <strong>que</strong><br />

estes sejam anúncio para o mundo:<br />

- Os casais e as famílias de hoje; <strong>que</strong> missão e <strong>que</strong> tarefas para a evangelização<br />

esperam as equipes? Penso <strong>que</strong> a maior parte dos equipistas estejam engajados em<br />

numerosos serviços e atividades nas comunidades cristãs. No <strong>que</strong> diz respeito à<br />

reflexão e ao compromisso somos, no entanto, solicitados a tornar mais transparente o<br />

nosso encontro com o Cristo. O amor <strong>que</strong> está na base da escolha precisa de sinais<br />

tangíveis <strong>que</strong> falem com amor, verdade e caridade a todos os <strong>que</strong> estão à procura ou<br />

vivem situações de desordem.<br />

- Todos nós desejamos a unidade do movimento, mas também a sua ri<strong>que</strong>za. Existem<br />

realidades completamente novas e culturas diversas da<strong>que</strong>la <strong>eu</strong>ropéia, como torná-las<br />

protagonistas no movimento e na Igreja?<br />

- Come já foi dito, existe o problema dos jovens e das <strong>Equipes</strong> jovens: a sua formação, a<br />

acolhida. O p. Caffarel já lembrava este aspecto observando como fre<strong>que</strong>ntemente falte<br />

uma formação cristã de base.<br />

Conclusão<br />

- As <strong>Equipes</strong> mais antigas e os idosos: um novo projeto em direção a Cristo para tornar<br />

cada vez mais verdadeiro e presente o objetivo de ser equipistas: Cristo.<br />

- Para esta tarefa é necessário um retorno às origens. A mu<strong>lhe</strong>r de Samaria nos adverte<br />

para não ficarmos como <strong>a<strong>que</strong>le</strong>s <strong>que</strong> procuram satisfazer a própria sede nas tradições<br />

dos antepassados, nos métodos inadequados para propor novidades. <strong>Diz</strong>-nos de nos<br />

abrir a <strong>Jesus</strong> <strong>que</strong> não propõe nenhum ideal exterior, mas convida a mu<strong>lhe</strong>r e depois os<br />

discípulos e a gente da cidade, a aco<strong>lhe</strong>r um dom gratuito e a não se concentrar em si<br />

mesmos e na própria perfeição, mas na relação com os s<strong>eu</strong>s irmãos. P. Caffarel nos<br />

lembrava <strong>que</strong> o objetivo do movimento é o Cristo, para <strong>que</strong> seja realizado devem<br />

contribuir todos os meios: a Eucaristia e a Escritura em particular, mas também a<br />

capacidade de edificar uma escola de formação cristã, de aprofundamento da Sagrada<br />

Escritura à luz da Tradição, a ajuda recíproca, a caridade e os pontos concretos de<br />

esforço.<br />

- Os dois sacramentos, <strong>que</strong> a Igreja chama sacramentos de comunhão: matrimônio e<br />

ordem, nos levam, por fim, a entender a missão dos conse<strong>lhe</strong>iros espirituais nas<br />

équipes. O problema não é a falta, mas o s<strong>eu</strong> papel e a sua formação.<br />

A festa dos samaritanos <strong>que</strong> saem ao encontro de <strong>Jesus</strong> nos contagia. Uma festa não é<br />

uma festa sem um ban<strong>que</strong>te. Eis um dos motivos pelo qual ao longo de todo o texto se faz alusão também<br />

ao tema do alimento, do pão. Os discípulos foram comprar pão, comida e são apresentados assim desde o<br />

começo (vv. 7 e 27). Mas não é do s<strong>eu</strong> pão <strong>que</strong> <strong>Jesus</strong> precisa, aliás é Ele <strong>que</strong> possui um pão novo, <strong>a<strong>que</strong>le</strong><br />

de fazer a vontade do Pai e de executar a sua obra: "O m<strong>eu</strong> alimento è fazer a vontade d<strong>a<strong>que</strong>le</strong> <strong>que</strong> me<br />

enviou e realizar plenamente a sua obra ". As pessoas <strong>que</strong> o encontraram deverão aprender a se alimentar<br />

do s<strong>eu</strong> próprio alimento, confiando nEle <strong>que</strong> é a Verdade de D<strong>eu</strong>s no mundo. Mais uma vez, é a missão <strong>que</strong><br />

nos espera.<br />

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21 de janeiro de 2009<br />

P.Angelo Epis<br />

Enquanto aco<strong>lhe</strong>mos os casais <strong>que</strong> procedem de diferentes realidades culturais e do nosso mundo,<br />

cada um de nós deve dizer: «Nós cremos simplesmente pelas palavras humanas, mas por<strong>que</strong> nós mesmos<br />

escutamos com os nossos ouvidos, ouvimos, vimos». E este é um convite à experiência do encontro<br />

pessoal com o Senhor através da sua Palavra, através dos sacramentos. Quando vivemos a experiência do<br />

encontro com Cristo em nosso meio, onde executamos o serviço, o nosso compromisso, a nossa atividade,<br />

nos nossos paises e de acordo com a nossa vocação, é neste meio <strong>que</strong> vive a Igreja e as equipes<br />

executam a sua missão.<br />

Temos muitas ocasiões para no aproximar do poço do encontro: todas as vezes <strong>que</strong> nos<br />

aproximamos com sede à <strong>eu</strong>caristia, ou meditamos pessoalmente a Palavra de D<strong>eu</strong>s. O evangelista João<br />

está preocupado em nos dizer <strong>que</strong> a salvação é para todos. As barreiras do judaísmo caíram. Esta<br />

conversão e acolhida de <strong>Jesus</strong> é a antecipação da conversão dos não jud<strong>eu</strong>s, dos quais a comunidade fará<br />

depois experiência. João está atento em destacar um conceito <strong>que</strong> <strong>lhe</strong> é muito caro: a fé se torna<br />

contagiosa. Temos necessidade de ver, escutar, tocar.<br />

O encontro com as testemunhas de Cristo é somente o primeiro passo rumo ao conhecimento do<br />

«dom de D<strong>eu</strong>s». A verdadeira fé surge quando encontramos pessoalmente o Cristo. Sim, por<strong>que</strong> o<br />

testemunho predispõe para a fé, mas a fé permanece um fato misterioso, pessoal.<br />

O encontro pessoal com <strong>Jesus</strong> não pode se limitar à leitura do texto, ou à aplicação de um método, mas<br />

deve dizer respeito ao caminho interior de cada um, à sua experiência de fé, à sua experiência de vida.<br />

Para fazer experiência de D<strong>eu</strong>s, os samaritanos, convidados pela Samaritana <strong>que</strong> se faz anunciadora,<br />

devem sair da cidade e permanecer perto de <strong>Jesus</strong>. Somente <strong>que</strong>m se torna viandante pode reconhecer no<br />

homem parado no poço o Salvador do mundo, o único <strong>que</strong> dá a vida.<br />

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