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PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
27<br />
#08<br />
O Caderno de Teatro é uma seleção de artigos<br />
e entrevistas com artistas que nos últimos anos<br />
participaram do Festival Palco Giratório no Arte Sesc<br />
– Cultura por toda parte. Sua edição desempenha<br />
um papel fundamental na difusão de conhecimento.<br />
Nas páginas que seguem, apresentamos um<br />
artigo repleto de depoimentos sobre os inúmeros<br />
encontros do <strong>Odin</strong> Teatret com artistas de<br />
Porto Alegre ao longo de 25 anos, além de um<br />
quadro completo sobre a passagem do grupo pelo<br />
7º Festival Palco Giratório, realizado em maio.<br />
Por Patricia Furtado de Mendonça<br />
atriz, professora, tradutora e consultora de projetos teatrais<br />
<strong>Odin</strong> Teatret<br />
e Porto Alegre<br />
histórias, influências e reflexões<br />
sobre o fazer teatral<br />
1987-2012<br />
Fotos: Claudio Etges
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
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1 As entrevistas filmadas foram feitas por mim com Irion Nolasco e Alexandre Vargas em maio de 2012, durante o 7º Palco<br />
Giratório. Os outros depoimentos me foram enviados por email por todos os outros artistas e estudiosos acima citados, entre<br />
maio e junho de 2012.<br />
2 Richard Fowler, Ulrik Skeel, Lena Bjerregård e César Brie (Iben Nagel Rasmussen não pôde participar das atividades do Rio de<br />
Janeiro, pois estava com hepatite).<br />
trabalho do ator, a qual era orientada<br />
que conduziria, no Rio, um seminário para direto-<br />
pelos professores Irion Nolasco e Maria<br />
res, em outubro de 1987 ele faz as malas e volta<br />
Lúcia Raymundo. Barba estava desem-<br />
à cidade, buscando uma maior aproximação com<br />
barcando no Brasil e, segundo Irion, era<br />
o criador da Antropologia Teatral. De Porto Alegre<br />
preciso que fôssemos ao seu encontro,<br />
também parte Maria Helena Lopes, fundadora do<br />
pois sua pedagogia seria fundamental.<br />
grupo TEAR e que também foi professora do DAD<br />
Naquela época, eu havia estabelecido<br />
da UFGRS. Os dois participam deste seminário<br />
com Irion e Maria Lúcia uma relação<br />
histórico, frequentado não só por diretores, mas<br />
de mestre e discípulo e, como um bom<br />
também por atores e críticos teatrais de vários<br />
aprendiz, aceitei a indicação sem ques-<br />
estados do Brasil. O seminário desperta opiniões<br />
tionar, pois acreditava que um mestre<br />
muito contraditórias, como nos conta Irion:<br />
vem a você com um barco e lhe diz,<br />
Premissa<br />
É possível narrar uma história sem ser parcial?<br />
Acho que não. Por isso, na tentativa de ser o mais<br />
imparcial possível, tento aqui dar voz a diferentes<br />
estudiosos e artistas do Rio Grande do Sul, mais<br />
especificamente de Porto Alegre, que ao longo<br />
desses 25 anos encontram o <strong>Odin</strong> Teatret em<br />
diferentes geografias, no Brasil e no exterior.<br />
Os territórios, por si só, não determinam a<br />
História, nem as histórias. Digo isso porque a relação<br />
entre o <strong>Odin</strong> Teatret e Porto Alegre é toda feita de<br />
atravessamentos, de viagens. É puro movimento.<br />
Uma história que vai se construindo sobretudo<br />
fora dos próprios confins: uma professora que vai<br />
encontrar o grupo em São Paulo, outros professores<br />
e alunos que os seguem no Rio, artistas que partem<br />
para Londrina ou Holstebro. Muita gente foi ao<br />
encontro do <strong>Odin</strong> fora de casa, mas para depois<br />
voltar e compartilhar conhecimentos, saber. Para<br />
transmitir. E é assim que tem início a história entre<br />
o <strong>Odin</strong> e Porto Alegre – “fora de casa” – até que<br />
fossem criadas as condições para receber o grupo<br />
na cidade e assim multiplicar a possibilidade dos<br />
encontros. Afinal, “encontros” e “reencontros” não<br />
estão entre as maiores alegrias que o mundo do<br />
teatro pode nos proporcionar?<br />
Tentarei aqui alinhavar vivências, opiniões,<br />
influências e sentimentos plurais com relação ao<br />
<strong>Odin</strong>, buscando restituir, a quem lerá o texto até<br />
o fim, um pouco do que me foi contado até agora.<br />
E, o que é mais importante, considerando que a<br />
junção destes vários fatos e lembranças tem o<br />
poder de despertar como reflexão sobre o valor e o<br />
sentido do teatro (e do “teatro de grupo”) hoje, em<br />
Porto Alegre e no mundo.<br />
Insisto: meu objetivo aqui não é fazer análises<br />
ou críticas, mas simplesmente costurar memórias.<br />
São apenas os tijolos de base.<br />
Agradeço profundamente a disponibilidade e<br />
a generosidade de todos os que estão aqui comigo<br />
para “contar essa história”, escondidos ou revelados<br />
nestas entrelaçadas linhas: Irion Nolasco, Maria<br />
Lúcia Raymundo (in memorian), Nair D’Agostini,<br />
Jezebel de Carli, Tatiana Cardoso, Gilberto Icle,<br />
Alexandre Vargas, Jane Schöninger, Lucas Sampaio<br />
e Álvaro Rosa Costa. Ao fim deste artigo, também<br />
encontraremos uma carta-depoimento de Priscila<br />
Duarte, que não é de Porto Alegre, mas participou<br />
da residência artística com o <strong>Odin</strong> no último Palco<br />
Giratório da cidade. Um destaque especial vai para<br />
a contribuição da atriz do <strong>Odin</strong> Julia Varley, que nos<br />
presenteia com uma lúcida reflexão sobre os desafios<br />
encontrados pelo jovem de hoje para adquirir as<br />
ferramentas necessárias ao ofício do ator, para fazer<br />
teatro e para manter-se em um grupo.<br />
Participei, a convite do <strong>Odin</strong> Teatret e do<br />
Sesc/RS, deste 7º Palco Giratório de Porto Alegre.<br />
Foi ali que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente<br />
quase todas as pessoas citadas acima.<br />
As informações contidas neste texto foram-me<br />
fornecidas, em sua maioria, através de entrevistas<br />
filmadas e inúmeras trocas de e-mails [1] .<br />
Fica aberto o espaço para futuras contribuições<br />
e discussões. Para novos encontros, e reencontros.<br />
Para novas histórias, influências e reflexões<br />
sobre o fazer teatral.<br />
Primeiros contatos<br />
O <strong>Odin</strong> Teatret, grupo dinamarquês fundado por<br />
Eugenio Barba em 1964, após ter percorrido<br />
diversos países europeus e latino-americanos,<br />
chega ao Brasil pela primeira vez em 1978, quando<br />
os atores Roberta Carreri e Francis Pardeilhan<br />
passam dois meses em Salvador estudando<br />
capoeira e dança dos orixás: preparam-se para o<br />
espetáculo O Milhão.<br />
Em 1987, Barba vem duas vezes ao Brasil em<br />
turnê. Da primeira vez, entre maio e junho, passa<br />
por Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Professores<br />
e artistas do Rio Grande do Sul partem para<br />
o Sudeste para seguir as atividades do Nordisk<br />
Teaterlaboratorium. Nair D’Agostini, que na época<br />
era professora da Universidade Federal de Santa<br />
Maria (UFSM), participa das atividades de São<br />
Paulo e Campinas: segue um workshop com o ator<br />
Richard Fowler e um curso sobre a Antropologia<br />
Teatral conduzido por Barba, além de assistir aos<br />
espetáculos Matrimônio com Deus, com César Brie<br />
e Iben Nagel Rasmussen, e Esperando o Amanhecer,<br />
com R. Fowler.<br />
Logo em seguida, outros estudiosos e artistas<br />
de Porto Alegre partem para o Rio de Janeiro<br />
com vontade de saber mais sobre o <strong>Odin</strong>. A iniciativa<br />
foi de Irion Nolasco e Maria Lúcia Raymundo,<br />
sua esposa, ambos professores do Departamento<br />
de Arte Dramática (DAD) da Universidade Federal<br />
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Eles estimulam<br />
seus alunos a partirem com eles para o Rio. Lá,<br />
assistem ao espetáculo Esperando o Amanhecer<br />
e seguem a Parada de Rua com alguns dos atores<br />
do Nordisk Teaterlaboratorium [2] . Jezebel de Carli<br />
– atriz, professora e diretora da Santa Estação Cia.<br />
de Teatro –, que faz parte da caravana, em um<br />
texto intitulado Contaminação Sorrateira: Encontros<br />
com o <strong>Odin</strong>, nos conta:<br />
Era o ano de 1987. Eu era uma jovem estudante<br />
de teatro. Tinha vinte e poucos<br />
anos e uma vontade imensa de mudar,<br />
mover. Acreditava no teatro como uma<br />
possibilidade de transformação. Estava<br />
nesse ano envolvida com uma pesquisa<br />
sobre as energias corporais e vocais do<br />
“Vem! Se deseja ir para a Costa Dourada,<br />
eu o levarei. Além disto, uma vez no<br />
meu barco, você poderá cantar, dançar<br />
e até dormir, mas eu o levarei à meta<br />
em segurança”. Bárbaro!!!! Vamos nos<br />
inscrever nas oficinas. É claro que não<br />
fomos selecionados, pois éramos, talvez<br />
muito jovens, inexperientes e ainda<br />
imaturos. Mas, mesmo assim, fomos, de<br />
ônibus, rumo ao Rio de Janeiro, em busca<br />
de algo. Sim, encontramos algo, muito<br />
maior do que a nossa expectativa pudesse<br />
supor. O encontro com a tradição do<br />
<strong>Odin</strong> foi como um presente que comoveu<br />
a alma e provocou um pensamento.<br />
Assim, pensei: é dessa forma que quero<br />
fazer teatro!!!! Com ética, treinamento,<br />
coragem, entrega, disciplina, pelo corpo,<br />
com continuidade, curiosidade, perseverança<br />
e apaixonamento.<br />
Para Irion, essa ida ao Rio não basta. Sabendo<br />
que Barba voltaria ao Brasil meses depois e<br />
Sim, foi um momento muito crítico. [...]<br />
Eu me comovo com o Barba. Ele procedeu<br />
de uma maneira que só poderia ser<br />
de um mestre, só poderia ser dele. Lá<br />
estavam vários astros de TV, artistas do<br />
Rio que já trabalhavam há anos dentro<br />
daquele mesmo “esquemão” e com uma<br />
modéstia mínima. Eles chegavam, abriam<br />
a porta e iam entrando. Então, um dia,<br />
o Barba disse: “Não, não é assim. Vocês<br />
não podem ir chegando. Sabem que existe<br />
um horário de chegada. Então vocês<br />
têm que obedecer a este horário”. Foi uma<br />
revolta geral. [...] Criticavam a firmeza, a<br />
exigência e a disciplina. Muitas daquelas<br />
pessoas não se davam bem com isso, não<br />
sabiam como fazer. Porque no teatro brasileiro,<br />
você sabe, parece que você nasceu<br />
ungido por alguma entidade, e aí isso te<br />
dá o dom do teatro. E não é isso. É um<br />
trabalho como outro qualquer, um trabalho<br />
de anos e anos. Você pode constatar<br />
isso vendo os atores do <strong>Odin</strong>.
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3 Barba, Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes, Ed. Hucitec, São Paulo, 1991. Tradução: Luis Otávio Burnier.<br />
Mas para mim foi uma coisa espetacular,<br />
foi maravilhoso. [...] Esse workshop<br />
no Rio de Janeiro foi a experiência mais<br />
marcante da minha vida.<br />
Podemos afirmar que é a partir desses encontros<br />
de 1987 que os princípios da Antropologia<br />
Teatral de Barba começam a entranhar realmente<br />
nos departamentos de teatro da UFRGS<br />
e da UFSM, assim como em núcleos de pesquisa<br />
locais sobre o trabalho do ator. Um dos mais<br />
representativos é o núcleo dirigido pelo próprio<br />
Irion e por Maria Lúcia: As Energias Corporais no<br />
Treinamento do Ator – citado por Jezebel anteriormente<br />
– que além de trazer os ensinamentos<br />
de Arthur Lessac, também trata dos princípios da<br />
Antropologia Teatral. Deste núcleo, também vem<br />
a fazer parte a atriz Tatiana Cardoso, hoje também<br />
professora da UERGS.<br />
Quem nos oferece uma leitura específica sobre<br />
o interesse pelo <strong>Odin</strong> e pela Antropologia Teatral<br />
em Porto Alegre, no meio acadêmico e artístico<br />
daqueles anos, é Gilberto Icle, criador da UTA (Usina<br />
do Trabalho do Ator) e hoje professor da UFRGS:<br />
O teatro de Porto Alegre foi bastante<br />
sensível ao trabalho de Eugenio Barba,<br />
pois a cidade tem uma tradição de teatro<br />
de grupo que remonta à década de<br />
1950. Além disso, as universidades que<br />
ofereciam formação teatral no Estado<br />
do RS sempre potencializaram a ideia<br />
de teatro laboratório, ou seja, há um<br />
ambiente propício para a pesquisa da<br />
linguagem e a formação do ator. Assim,<br />
alguns grupos e artistas da cena gaúcha<br />
se interessaram pelo trabalho do <strong>Odin</strong><br />
a partir da sua primeira visita ao Brasil,<br />
em 1987. Mas foi a década de 1990<br />
que tornou a influência uma parceria.<br />
Nesses anos, alguns de nós trabalhamos<br />
intensamente com o grupo dinamarquês<br />
e assistimos a muitos de seus trabalhos.<br />
Escreveu-se e trabalhou-se a partir das<br />
ideias da Antropologia Teatral. Eu diria<br />
que a principal influência tenha sido uma<br />
certa ética do trabalho grupal que tem na<br />
palavra "pesquisa" um catalisador. O teatro<br />
em Porto Alegre notadamente mudou<br />
de cara nos últimos 20 anos e aquilo que<br />
era exótico e estranho – o treinamento, a<br />
investigação – passou a ser moeda corrente<br />
e sinônimo de qualidade artística.<br />
Essa forma de organização do trabalho,<br />
com ênfase no processo e na formação<br />
do ator, tem, sem dúvida, um atravessamento<br />
do trabalho pedagógico do <strong>Odin</strong>,<br />
seja pelo trabalho direto com o grupo,<br />
seja via o trabalho de Luiz Otávio Burnier<br />
e do LUME de Campinas.<br />
Início dos Anos 90<br />
Nos anos 1990, de fato, diferentes artistas e estudiosos<br />
do Rio Grande do Sul têm a oportunidade<br />
de se aproximar ainda mais do <strong>Odin</strong> Teatret.<br />
Em 1991, incansáveis, Irion e Maria Lúcia vão até<br />
Holstebro e ali permanecem em imersão durante<br />
cerca de 10 dias, assistindo a todos os espetáculos<br />
do grupo e participando de várias outras atividades.<br />
Irion recorda:<br />
Fiquei maravilhado, com tão pouco fazer<br />
tanto. Era mais que uma ousadia.<br />
(...) Quando vi Casamento com Deus, me<br />
emocionei demais. (...) E claro, o trabalho<br />
deles, extraordinário, inesquecível. Ainda<br />
mais ao vivo e a cores. Porque se você vir<br />
no vídeo, não causa este impacto. Há um<br />
distanciamento. E ali não, eles vinham<br />
perto de você. Também vi a Roberta com<br />
Judith, outro arraso. Era tudo um arraso,<br />
eu dizia: meu deus do céu, o que é isso?<br />
No mesmo ano, Tatiana Cardoso segue para<br />
Londrina – cidade para onde o <strong>Odin</strong> retorna inúmeras<br />
vezes – e participa da Mostra <strong>Odin</strong> Teatret,<br />
organizada por Nitis Jacon por meio do FILO (Festival<br />
Internacional de Teatro de Londrina). Ainda<br />
em 1991, é publicado o primeiro livro de Barba<br />
no Brasil, Além das Ilhas Flutuantes [3] , com tradução<br />
de Luis Otávio Burnier (1956-1995), ator e<br />
fundador do LUME, grupo teatral que há alguns<br />
anos mantinha uma relação muito estreita com<br />
o <strong>Odin</strong> e que, por sua vez, sempre teve uma forte<br />
proximidade com inúmeros grupos teatrais de<br />
Porto Alegre, sobretudo através de seminários e<br />
oficinas – como já nos disse Gilberto Icle.<br />
Em maio de 1993, Gilberto assiste ao espetáculo<br />
Kaosmos e a outras demonstrações de trabalho<br />
do <strong>Odin</strong> em Córdoba, na Argentina. Alguns<br />
meses antes, em janeiro, Tatiana Cardoso e Maria<br />
Helena Lopes participam de um seminário de três<br />
semanas conduzido por Iben Nagel Rasmussen<br />
em Londrina, que culmina com a apresentação do<br />
espetáculo Pontes sobre o Vento. Tatiana nos conta:<br />
Coreografia para atores e bailarinos interessados<br />
em trabalho de voz. Este era<br />
o título do seminário que Iben realizou<br />
através do FILO, em 1993. Um seminário<br />
em regime de imersão na chácara São<br />
José com muito verde, silêncio e uma piscina<br />
bem oportuna. Eu havia conhecido o<br />
trabalho do <strong>Odin</strong> em 1991 e tinha ficado<br />
particularmente tocada pelo trabalho de<br />
Iben. Era um período em que estava buscando<br />
cursos de aperfeiçoamento, e esta<br />
proposta, naquela época, já apresentava<br />
um atravessamento de técnicas que acreditava<br />
serem fundamentais para o artista:<br />
um ator que dança, um bailarino que canta,<br />
ou seja, artistas empenhados em olhar<br />
para si mesmos, em treinar seu ofício além<br />
do que previamente já está estabelecido.<br />
Tive certeza de que seria uma ótima experiência<br />
para mim e foi muito mais que<br />
isso. Me inscrevi no seminário a convite<br />
de Carlos Simioni, que já trabalhava com a<br />
Iben na época. Fui selecionada através de<br />
carta de intenção e currículo. [...]<br />
Eram mais ou menos 10 horas diárias de<br />
trabalho, com um intenso treinamento<br />
físico pela manhã. Foi uma experiência<br />
riquíssima, profunda, radical. Sempre que<br />
tenho que escrever ou refletir sobre esse<br />
tipo de processo, me vem em mente que<br />
é através do teatro que a vida me coloca<br />
melhor diante de mim mesma. É nestas<br />
ocasiões, quando treino, mergulho e pratico<br />
a arte que amo, que minha integridade<br />
física, psicológica, mental, crítica<br />
diante do mundo e dos outros é exercitada,<br />
lapidada, transformada. Naquele<br />
seminário, me sentia viva como nunca,<br />
desperta, consciente que minha tarefa<br />
era um tesouro, algo sagrado.<br />
No ano seguinte, em 1994, sempre em Londrina,<br />
Nitis Jacon organiza a 8ª sessão da ISTA<br />
(International School of Theatre Anthropology),<br />
“aldeia teatral” fundada em 1979, onde atores e<br />
dançarinos de diversas culturas – Oriente e Ocidente–<br />
encontram estudiosos para investigar,<br />
confrontar e aprimorar os fundamentos técnicos<br />
de sua presença cênica. Dela participam diversos<br />
artistas e estudiosos de Porto Alegre: Tatiana Cardoso,<br />
Irion Nolasco, Maria Lúcia Raymundo, Nair<br />
D’Agostini, Paulo Maurício Guzinski e Alice Padilha<br />
Guimarães, que hoje faz parte do grupo Teatro<br />
de los Andes, sediado em Sucre, na Bolívia, e fundado<br />
em 1991 por César Brie, ator que integrou<br />
o Nordisk Teaterlaboratorium entre 1980 e 1990.<br />
Irion Nolasco e Nair D’Agostini conseguem,<br />
por meio de suas universidades e da Secretaria<br />
do Estado, um apoio econômico para a realização<br />
da ISTA de Londrina. Com isso, montam um<br />
seminário “pós-ISTA” que tem desdobramentos<br />
na UFRGS e na UFSM. Chama-se Seminário Internacional<br />
Teatro em Fim de Milênio e conta<br />
com a presença de alguns artistas e intelectuais,<br />
inclusive aqueles do staff científico da ISTA: Patrice<br />
Pavis, Jean Marie Pradier, Nicola Savarese,<br />
Franco Ruffini, Ian Watson e Rafael Mandressi,<br />
além da dançarina indiana Sanjukta Panigrahi<br />
(1944-1997) e sua orquestra. Eles conduzem<br />
palestras e espetáculos em Porto Alegre, lotando<br />
o teatro com cerca de 300 pessoas. Para<br />
Santa Maria, seguem Jean Marie Pradier, Franco<br />
Ruffini e Sanjukta Panigrahi, que ali apresenta<br />
dois espetáculos. Vários alunos da UFSM acompanham<br />
as apresentações nas duas cidades.<br />
Com relação ao impacto daquelas palestras e da<br />
apresentação de Sanjukta em Santa Maria, Nair<br />
D’Agostini comenta:<br />
No Curso de Artes Cênicas da UFSM,<br />
alguns professores já trabalhavam em<br />
aula os princípios e algumas técnicas<br />
da Antropologia Teatral, tanto na investigação<br />
prática quanto na teoria.<br />
Havia projetos de investigação científica<br />
e artística a partir da cultura gaúcha –<br />
financiados pelo CNPQ, pela FAPERGS<br />
e outros órgãos financiadores da universidade<br />
– em que eram utilizados os<br />
conceitos e princípios da Antropologia<br />
Teatral. Os conteúdos sobre o <strong>Odin</strong>, Barba<br />
e a Antropologia Teatral eram desen-
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4 Barba, Eugenio. A Canoa de Papel: Tratado de Antropologia Teatral. Publicado pela primeira vez em 1994 pela Ed. Hucitec, de São<br />
Paulo, com tradução de Patricia Braga Alves. O livro foi reeditado em 2009, com a mesma tradução, pelo Teatro Caleidoscópio-<br />
Editora Dulcina, de Brasília.<br />
5 Barba, Eugenio e Savarese, Nicola, A Arte Secreta do Ator: um Dicionário de Antropologia Teatral, publicado em 1995, pela<br />
Editora Hucitec, São Paulo, com Tradução dos integrantes do LUME Teatro. Uma nova edição sairá em dezembro de 2012, pela<br />
Editora É Realizações, São Paulo, com tradução de Patricia Furtado de Mendonça.<br />
33<br />
volvidos na disciplina “Ética e Estética”,<br />
projeto, sobretudo porque o espectador<br />
era só teórico. Depois dos encontros de<br />
na do Trabalho do Ator (UTA). Também<br />
impressionou bastante. E também me<br />
que haja um distanciamento ou uma falta de<br />
em que, além de material bibliográfico,<br />
gaúcho não conhecia os espetáculos do<br />
1994 e 1995, a tradição do <strong>Odin</strong> ficou<br />
cito o trabalho de Tatiana Cardoso, de<br />
estimulava na minha preparação. Então,<br />
comunicação entre o grupo dinamarquês e os<br />
os alunos tinham acesso a vídeos de de-<br />
<strong>Odin</strong>, e considerávamos que, além da<br />
bem mais conhecida aqui. As pessoas já<br />
Jezebel de Carli e a pesquisa sobre o ator<br />
eu passava a ter uma referência que eu<br />
artistas e estudiosos da capital do Rio Grande<br />
monstrações técnicas de atores do <strong>Odin</strong><br />
oportunidade de poder fruir de sua ino-<br />
usavam termos do <strong>Odin</strong>, falavam em sats,<br />
de Irion Nolasco. Cito também a tese de<br />
não tinha. (...)<br />
do Sul. Isso pode ser constatado pelas inúmeras<br />
e espetáculos. O curso também tinha um<br />
vadora estética, também o espetáculo, as<br />
coisas assim.<br />
Inês Marocco sobre a espetacularidade<br />
Na época, já existia muito fortemente a<br />
viagens de gente de teatro local para outros<br />
intercâmbio intenso com o LUME e promovia<br />
oficinas e espetáculos. Portanto, já<br />
havia uma certa familiaridade com esse<br />
conhecimento e tradição.<br />
Quanto ao impacto produzido pelos espetáculos<br />
de Sanjukta, foi algo inimagi-<br />
demonstrações técnicas, a oficina e as<br />
conferências trariam um aporte importante<br />
aos profissionais de teatro, como<br />
também para a pedagogia teatral. Essa<br />
parceria nos levou a organizar e concretizar<br />
outros importantes projetos, que, de<br />
Em relação ao impacto causado pela presença<br />
e pelas atividades de Barba e Julia Varley, assim<br />
como em relação à influência dos estudos da<br />
Antropologia Teatral sobre grupos gaúchos, Nair<br />
D’Agostini afirma:<br />
da cultura gaúcha. (...)<br />
No curso de Artes Cênicas da UFSM, foram<br />
geradas inúmeras pesquisas práticas<br />
e teóricas a partir dos princípios da<br />
Antropologia Teatral. Hoje, acredito ser<br />
difícil ignorar, quer nas investigações<br />
antropologia aqui em Porto Alegre através<br />
dos discursos e das práticas. Duas<br />
pessoas fundamentais, Irion Nolasco e<br />
Maria Lúcia Raymundo, faziam um trabalho<br />
sensacional e nos passavam bastante<br />
coisa do trabalho da Antropologia Tea-<br />
estados ou países. Além disso, a busca de contato<br />
com a tradição do <strong>Odin</strong> também é facilitada pela<br />
publicação dos livros de Barba em português,<br />
pois eles se tornam referência fundamental para<br />
inúmeras teses nacionais de graduação e pósgraduação<br />
em Dança e em Artes Cênicas.<br />
nável, sobretudo no Caixa Preta, Teatro<br />
certa forma, estavam interligados e fo-<br />
teóricas quer nas práticas, os princípios<br />
tral. Mas, por outro lado, chegava uma<br />
Em 1995, é publicado o livro A Arte Secreta<br />
do Centro de Artes e Letras da UFSM. Ali,<br />
ram frutos do contato com a Antropolo-<br />
É bastante difícil ter uma ideia precisa<br />
da Antropologia Teatral revelados por<br />
disciplina, quase que uma onda de dis-<br />
do Ator: um Dicionário de Antropologia Teatral<br />
alunos e professores puderam vivenciar,<br />
gia Teatral, como o curso "Poética e Gra-<br />
sobre uma experiência estética, já que<br />
Barba. Seu aporte teórico e artístico já se<br />
ciplina extremamente grande que você<br />
, de Barba e Savarese. Este livro, junto de A Ca-<br />
além da magia da dança Odissi, a eficá-<br />
mática do Mimo Corpóreo", ministrado<br />
é muito subjetiva. Mas pelo que pude<br />
constitui uma tradição das mais signifi-<br />
tinha que ter com o trabalho, que era<br />
noa de Papel e Além das Ilhas Flutuantes, vai<br />
cia expressiva de seus princípios para a<br />
por Thomas Leabhart, do Pomona College<br />
perceber, foi despertado interesse pela<br />
cativas de nossos tempos e tornou-se um<br />
muito dura. E isso gerava trabalhos mui-<br />
nutrindo o estudo de vários artistas e estudan-<br />
arte do ator. Um espectador não ligado às<br />
University of Califórnia – USA, realizado<br />
Antropologia Teatral nos profissionais de<br />
referencial de suma importância para as<br />
to frios, mecânicos. Então tinha aquele<br />
tes de Porto Alegre, muitos dos quais alunos de<br />
artes cênicas fez o seguinte comentário:<br />
na UFSM e na UFRGS, ainda em 1995.<br />
teatro mais inquietos e sempre ávidos de<br />
investigações teóricas, práticas, artísticas<br />
viés de um trabalho que era demandado<br />
Irion, Maria Lúcia e Nair D’Agostini, e também<br />
“Saíam raios luminosos de seus pés, tão<br />
intensa era a energia que ela emanava”.<br />
1995: Eugenio Barba e Julia Varley<br />
chegam a Porto Alegre<br />
As sementes lançadas no seminário Teatro em<br />
Fim de Milênio começam a criar raízes. É preciso<br />
adubar a terra. Irion, Maria Lúcia e Nair reúnem<br />
forças mais uma vez e conseguem organizar<br />
outro encontro: em 1995, Eugenio Barba e Julia<br />
Varley chegam pela primeira vez a Porto Alegre.<br />
Sobre este projeto, nos conta Nair D’Agostini:<br />
Irion e Maria Lúcia tinham sido professores<br />
do Curso de Artes Cênicas da UFSM,<br />
Foram apenas três dias de evento em Porto<br />
Alegre: 6, 7 e 8 de dezembro. Mas a programação<br />
foi intensa e, mais uma vez, lotou todos os espaços<br />
que acolheram as atividades do <strong>Odin</strong> Teatret: Casa<br />
de Cultura Mario Quintana, Teatro Carlos Carvalho<br />
e Salão de Atos, onde Julia Varley apresentou seu<br />
espetáculo solo O Castelo de Holstebro e suas demonstrações<br />
de trabalho O Irmão Morto e O Eco do<br />
Silêncio. Eugenio Barba conduziu uma palestra e,<br />
junto de Julia Varley, um seminário para estudantes<br />
e artistas. Lembra Irion Nolasco:<br />
A palestra de Barba aqui, em 1995, despertou<br />
uma tremenda curiosidade da-<br />
novos conhecimentos e aquisições técnicas<br />
e artísticas. Muitos grupos iniciaram<br />
uma investigação prática, no sentido de<br />
se aproximarem dessa tendência estética.<br />
Quanto aos meus alunos, foi uma experiência<br />
forte em que os mais afoitos e imbuídos<br />
de força de vontade foram levados<br />
a organizar e realizar treinos intensos<br />
e sistemáticos sobre o corpo e, também,<br />
pesquisas de ações e aprimoramento de<br />
partituras de ações que os tornassem eficazes<br />
na pré-expressividade exigida por<br />
essa forma de linguagem expressiva. Na<br />
minha avaliação, houve, nessa nova tendência<br />
estética (se assim podemos nos<br />
e pedagógicas atuais.<br />
É em 1995, durante estes encontros, que<br />
Alexandre Vargas – ator, diretor, fundador do<br />
Falos & Stercus e organizador do Festival de<br />
Teatro de Rua de Porto Alegre – também entra<br />
em contato direto com o <strong>Odin</strong>, grupo do qual<br />
ouve falar pela primeira vez em 1992, quando<br />
Luis Otávio Burnier e Carlos Simioni fazem uma<br />
turnê em Porto Alegre. Curioso e interessado<br />
pelo que lhe contam, Alexandre vai buscar mais<br />
informações sobre a cultura do <strong>Odin</strong> nos livros de<br />
Barba, no Além das Ilhas Flutuantes e no Canoa<br />
de Papel [4] . Mas o impacto de estar frente a frente<br />
com Barba é ainda maior. Ele lembra:<br />
dessa forma, e quando você via o resultado<br />
artístico era de uma frieza que, e eu<br />
intuía que... mas não pode ser isso, não<br />
deve ser isso. O grande impacto que fica<br />
é o desmoronamento de quem já trabalhava<br />
com isso, tem o contato com o Eugenio<br />
e percebe que não era aquilo que<br />
ele vinha fazendo. E quando você ouve o<br />
Eugenio dizer: “Não é nada disso”... Isso<br />
foi importante demais.<br />
Tatiana Cardoso também nos fala sobre este<br />
encontro de 1995:<br />
Recordo que, para mim e meus colegas<br />
de outros professores que, apesar de não terem<br />
tido um contato mais estreito com o <strong>Odin</strong>, são<br />
igualmente influenciados pelo pensamento e<br />
pela cultura de Barba e seu grupo.<br />
Entre 7 e 18 de agosto de 1995, a convite<br />
da EITALC (Escuela Internacional de Teatro de<br />
América Latina y el Caribe), Gilberto Icle permanece<br />
na sede do <strong>Odin</strong>, em Holstebro, e participa<br />
do encontro Trabalhando e Convivendo<br />
com o <strong>Odin</strong> Teatret. Ali, ele tem a possibilidade<br />
de assistir a uma série de espetáculos, demonstrações<br />
e vídeos do grupo. Com relação aos<br />
reflexos da cultura do <strong>Odin</strong> e da Antropologia<br />
Teatral [5] sobre seu grupo, a Usina do Trabalho<br />
do Ator (UTA), e sobre sua visão relativa ao fa-<br />
e o projeto Teatro em Fim de Milênio<br />
queles que falavam sem conhecer. Eles<br />
referir), produções artísticas inovadoras<br />
da área, na época, era um acontecimen-<br />
zer teatral, Icle afirma:<br />
foi uma continuidade da parceria entre<br />
encheram o plenário da universidade,<br />
e com qualidade técnica, mas também<br />
Eu gostava demais da postura do Barba,<br />
to poder estar ouvindo os ensinamentos<br />
UFSM e UFRGS para a vinda do Potlach,<br />
o “Plenarinho”. Veio gente que nunca<br />
muitas produções que não alcançaram<br />
de alguém que tem um espaço no teatro.<br />
de Barba. E lembro especialmente a de-<br />
São tantos reflexos que eu não saberia<br />
da Itália, para Porto Alegre e Santa Maria,<br />
imaginei que viria. Estavam todos lá,<br />
o nível artístico e técnico desejável, pró-<br />
Ele chegava aqui falando, e tinha uma<br />
dicação do Irion para que a organização<br />
enumerá-los. A UTA trabalhava, nos pri-<br />
com espetáculos, parada de rua, oficinas,<br />
impactados. O seminário foi histórico.<br />
prio da imaturidade artística e da falta de<br />
postura de defender este espaço. Não es-<br />
ocorresse de forma impecável, sempre a<br />
meiros anos, a partir de boa parte dos<br />
apresentações técnicas e conferência.<br />
Era aberto para todos os que quisessem<br />
aprimoramento técnico.<br />
tava pedindo licença. E isso contrastava<br />
contento de Eugenio e Julia.<br />
exercícios do <strong>Odin</strong>, seja aprendidos dos<br />
Dessa forma, Teatro em Fim de Milênio<br />
foi uma produção, coordenação e organização<br />
conjunta, sendo que o sucesso<br />
e o resultado desse evento, assim como<br />
dos precedentes, nos levou a dar continuidade<br />
e unir forças para esse novo<br />
participar. Havia não só alunos e gente<br />
de teatro, mas, inclusive, professores<br />
de Letras. E a abertura foi tal que até<br />
as pessoas que falavam mal estavam lá<br />
também. Isso foi muito legal. Devia haver<br />
umas 200 pessoas no seminário, já que<br />
(...)<br />
Sei de grupos que tiveram uma forte<br />
influência e se orientaram em suas<br />
experimentações teatrais a partir dos<br />
princípios da Antropologia Teatral. Posso<br />
citar, em Porto Alegre, o grupo Usi-<br />
com o comportamento de pedir licença<br />
no meio teatral que eu estava acostumado.<br />
É uma convicção na postura, no dizer,<br />
e ao mesmo tempo um cara muito bem<br />
preparado para falar de seu argumento,<br />
na construção de seu discurso. Isso me<br />
Entre 1995 e 2010: amadurecendo<br />
o aprendizado<br />
Um hiato de 15 anos vem a separar fisicamente<br />
o <strong>Odin</strong> de Porto Alegre, já que, depois de 1995, só<br />
voltarão à cidade em 2010. Mas isso não significa<br />
próprios atores, seja legados via LUME.<br />
A organização e a forma de trabalho,<br />
tanto no treinamento diário quanto nas<br />
montagens, eram bastante inspiradas<br />
nos procedimentos tomados do grupo.<br />
Só muitos anos depois que conseguimos
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
34<br />
6 Exercício no qual se praticava a “resistência”, mas assim chamado porque era feito com o auxílio de faixas que, casualmente,<br />
tinham a cor verde.<br />
7 “O paradoxo pedagógico: aprender a aprender”, em “Laboratório: teatro-escola”, segundo capítulo do livro de Eugenio Barba<br />
Teatro. Solidão, Ofício, Revolta, publicado em 2009 pelo Teatro Caleidoscópio/Editora Dulcina, Brasília, com tradução de Patricia<br />
Furtado de Mendonça.<br />
35<br />
transformar esses exercícios e criarmos,<br />
a partir deles, coisas novas e completamente<br />
nossas. Como professor universitário,<br />
tomei o tema da "presença" como<br />
um grande tema de pesquisa, e todo meu<br />
trabalho tem girado em torno dele. Esse<br />
tema, primeiro, encontrei desenvolvido<br />
no trabalho do Barba e, a partir dele, se<br />
criou pra mim toda uma forma de entender,<br />
falar e fazer teatro. (...)<br />
A Antropologia Teatral permite um olhar<br />
sobre o espetáculo, uma interferência<br />
na formação e um pensar sobre as poéticas<br />
teatrais. Ela oferece ferramentas<br />
concretas para fazer isso. Ela organiza,<br />
sistematiza um raciocínio sobre o fazer<br />
teatral só equiparado ao que fizeram<br />
Stanislavski, Zeami, Grotowski, Decroux<br />
e muito poucos outros. Ela faz uma passagem,<br />
embora não tenha pretensões<br />
científicas, entre a teoria e a prática, de<br />
forma harmoniosa e bela.<br />
Em dezembro de 1995, em Salvador, Tatiana<br />
Cardoso reencontra Iben e o grupo A Ponte<br />
dos Ventos. É a oportunidade para se confrontar<br />
novamente com os ensinamentos de sua mestra.<br />
Ela nos conta:<br />
Depois do seminário de 1993, segui treinando<br />
sozinha, convencida de que tinha<br />
encontrado uma base sólida para mim.<br />
Em 1995, participei de outro seminário<br />
de Iben, desta vez, em Salvador, Bahia.<br />
Mesma coisa, carta de intenção e currículo.<br />
Fui selecionada. Quando comecei<br />
a trabalhar com o grupo, parecia que eu<br />
nunca tinha me separado de Iben, pois<br />
havia continuado o trabalho. Ao final<br />
daquela experiência, na festa de encerramento,<br />
Iben me chamou para um canto<br />
e me convidou para integrar o grupo<br />
oficial, o Ponte dos Ventos, cujo próximo<br />
encontro seria naquele mesmo ano,<br />
em Scilla, no sul da Itália. Desde então,<br />
participei de todos os encontros do grupo,<br />
que aconteceram até agora na Dinamarca,<br />
na Itália, no Brasil e na Colômbia.<br />
A Iben e o grupo Ponte dos Ventos são<br />
meu porto seguro, são como a casa da<br />
família para onde sei que sempre poderei<br />
voltar. É um lugar de irmãos, de pessoas<br />
que sabem que nossos encontros vão mais<br />
além de nós mesmos, que estar com Iben e<br />
continuar junto é como um pacto de honra<br />
com uma espécie de desejo original de<br />
manter nossa arte, aproximando o mundo<br />
dos deuses e dos homens pra sempre.<br />
Os encontros anuais do Ponte dos Ventos<br />
(Vindenes Bro, em dinamarquês) costumam durar<br />
três semanas e são em regime de imersão. Deles<br />
participam artistas de diferentes países. Nessas<br />
ocasiões, Tatiana pratica várias técnicas usadas<br />
pelos atores do <strong>Odin</strong>, além de entrar em profundo<br />
contato com exercícios desenvolvidos particularmente<br />
por Iben, como: samurai, fora de equilíbrio,<br />
verde [6] , dança do vento, entre outros. Por sua vez,<br />
através de suas próprias aulas, segue transmitindo<br />
os ensinamentos recebidos pela mestra:<br />
Sou professora da Universidade Estadual<br />
do Rio Grande do Sul e eventualmente<br />
dou oficinas para atores dentro ou fora<br />
do Brasil. Os princípios da Antropologia<br />
Teatral são a base da minha técnica de<br />
atriz e fazem parte do vocabulário do<br />
conteúdo que ensino. Como dediquei<br />
minha formação ao treinamento físico,<br />
toda essa experiência embasa minhas<br />
aulas, independente do foco da aula.<br />
Esses princípios são extremamente úteis<br />
justamente porque perpassam qualquer<br />
tema, qualquer nível, qualquer gênero ou<br />
estilo teatral. Eles são universais e dizem<br />
respeito ao corpo, à dinâmica da ação, à<br />
presença, à vida geral da cena. Conhecê-<br />
-los e saber como manipulá-los é como<br />
um segredo que traz uma base muito sólida<br />
pra qualquer tipo de ator.<br />
No meio tempo, Alexandre Vargas também<br />
busca uma maior aproximação com a tradição do<br />
<strong>Odin</strong>. Em outubro de 1996, durante uma turnê do<br />
Falos & Stercus no Rio de Janeiro, aproveita para<br />
ver o espetáculo Kaosmos, que naquele período<br />
estava em cartaz na cidade:<br />
Vi Kaosmos no Rio, no Teatro Carlos Gomes.<br />
Isso era importante para mim, porque<br />
aí pude ver os atores, ver a presença<br />
cênica. Isso dava todo um outro valor ao<br />
que tinha lido, e aquilo me interessava.<br />
Eu mirava coisas, queria objetivamente<br />
coisas no meu trabalho de ator. Queria<br />
a questão da presença cênica e aqueles<br />
atores tinham uma presença cênica tremenda,<br />
que não se dava pelo viés psicológico,<br />
e isso me interessava muito.<br />
Quem também não perde o contato com o<br />
<strong>Odin</strong> no final dos anos 1990 é Nair D’Agostini<br />
que, em junho de 1998, parte para Belo Horizonte<br />
e segue as atividades do <strong>Odin</strong> na 1ª edição do<br />
ECUM (Encontro Mundial das Artes Cênicas). Ali,<br />
pode assistir ao espetáculo Ode ao Progresso e a<br />
algumas outras apresentações do grupo.<br />
Ainda em 1998, em Porto Alegre, Alexandre<br />
Vargas participa de uma oficina com o ator<br />
e diretor paraibano Luiz Carlos Vasconcelos e,<br />
também, passa a trabalhar com Tatiana Cardoso.<br />
Ele nos conta:<br />
(...) E aí tive contato com o Luiz Carlos,<br />
que veio pra cá para ministrar uma oficina.<br />
Ele trabalhava muito sobre os princípios<br />
da Antropologia Teatral. (...) Nessa<br />
oficina, fiz um trabalho grande de partituras,<br />
e isso me despertava mais ainda<br />
para o trabalho da antropologia. Depois<br />
fui trabalhar com a Tatiana Cardoso. Ela<br />
vinha do trabalho da Iben, etc. Mas eu<br />
não queria só trabalhar tecnicamente os<br />
fundamentos, eu queria me aproximar<br />
também da ousadia, da arrogância necessária<br />
que eu percebia ali no Eugenio,<br />
no discurso dele. Eu gostava daquele<br />
pensamento bélico, estrategista, para<br />
compor a minha estratégia também:<br />
“como é que eu me acho nesse campo,<br />
como é que me coloco nesse campo?”.<br />
Fora isso, entre 1996 e 2010, o contato<br />
foi mais através dos livros. Sempre que<br />
meu grupo passava por alguma crise,<br />
por exemplo, eu buscava na biblioteca<br />
um livro do Eugenio para tentar perceber<br />
se isso estava ali também, se ele<br />
mencionava algo no Canoa, no Arte<br />
Secreta, no Teatro Pobre do Grotowski,<br />
em artigos.<br />
Com Gilberto Icle não é diferente. Entre<br />
1995 e 2010, sua relação com o <strong>Odin</strong> Teatret se<br />
dá principalmente através dos livros, ainda que<br />
ele tenha sempre tentado alcançar o grupo em<br />
algum festival fora de Porto Alegre. Em 2008,<br />
por exemplo, ele assiste ao espetáculo O Sonho<br />
de Andersen em São José do Rio Preto, por estar<br />
em turnê no mesmo festival. Ele acrescenta:<br />
Não me encontrei com eles muitas vezes,<br />
mas o trabalho continuou sendo<br />
uma referência para mim tanto no que<br />
diz respeito à poética teatral quanto à<br />
ética grupal. Certamente, os escritos de<br />
Barba me influenciaram, em certa medida,<br />
muito mais que seus espetáculos.<br />
Li toda a produção trazida no Brasil e<br />
estudei nos originais em italiano textos<br />
que passaram a ser objeto de meus seminários<br />
na pós-graduação. Utilizei-os<br />
desde meus próprios estudos de mestrado<br />
e doutorado até minhas pesquisas<br />
mais recentes.<br />
As sementes haviam sido plantadas. As raízes<br />
cresciam subterraneamente. A terra tinha sido<br />
adubada e as árvores já davam seus frutos, uma<br />
estação após a outra. A influência do <strong>Odin</strong> sobre a<br />
cultura de estudiosos, artistas e grupos de teatro do<br />
Rio Grande do Sul vai se firmando cada vez mais<br />
no arco destes 15 anos, motivada, principalmente,<br />
pela necessidade que eles têm de se confrontar e<br />
de dialogar com uma tradição teatral sólida – e de<br />
valor – que lhes ajude a construir a própria identidade<br />
profissional. Isso vai acontecendo, como foi visto,<br />
através de viagens para fora de Porto Alegre, da<br />
leitura dos livros de Barba e também por meio das<br />
diversas trocas acadêmicas e artísticas. Para muitos,<br />
o <strong>Odin</strong> vira de fato uma referência fundamental, até<br />
mesmo um modelo a seguir. Mas o afastamento, por<br />
um período, também é necessário.<br />
No livro Teatro. Solidão, Ofício, Revolta [7] ,<br />
de Eugenio Barba, há um capítulo composto de
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
36<br />
37<br />
uma série de entrevistas em que ele responde à<br />
seguinte pergunta, feita por Maria Grazia Gregori:<br />
“Então não deve haver modelos? No entanto,<br />
o <strong>Odin</strong> é um modelo para muita gente”. E assim<br />
Barba responde:<br />
Hoje há um estranho mito de autismo,<br />
que cada um pode se autogerar. É essencial<br />
ter um ponto de referência com o<br />
qual se confrontar e sobre o qual voltar a<br />
refletir. Tem realmente muita sorte a pessoa<br />
que é obrigada a se definir diante de<br />
outra que tem uma personalidade fora do<br />
comum. Por um período, a sombra dessa<br />
pessoa mais madura e mais experiente<br />
cobrirá suas ações. Foi assim quando<br />
Meyerhold começou sua relação com<br />
Stanislavski, ou quando Grotowski começou<br />
a se relacionar com a sombra de Stanislavski,<br />
e também quando comecei minha<br />
relação com Grotowski. Essa relação<br />
pode durar muito ou pouco tempo. A duração<br />
depende do tempo necessário para<br />
despertar as próprias energias. Depois, é<br />
preciso se afastar. Então é a ausência que<br />
te acompanha. É o momento em que a<br />
pessoa que ficou sozinha, personalizando<br />
a herança recebida, deve inventar o próprio<br />
caminho. Tanto na tradição oriental<br />
como naquela ocidental, é assim que se<br />
descreve essa descoberta das próprias<br />
forças: superar o mestre subindo por<br />
suas costas. E fazendo isso, manifestar<br />
ou negar o ethos que aprendeu.<br />
2010: Eugenio Barba e Julia Varley<br />
voltam a Porto Alegre 15 anos depois<br />
Mas era chegada a hora de organizar um novo<br />
encontro, para que os percursos artísticos de<br />
cada um, amadurecidos e transformados, pudessem<br />
ser confrontados sob novas perspectivas.<br />
Em 2009, Alexandre Vargas começa a organizar<br />
o Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre. Busca<br />
uma maneira de trazer Barba e o <strong>Odin</strong> para<br />
sua cidade novamente, para estreitar relações e<br />
se aproximar de suas técnicas de trabalho. Mas o<br />
festival ainda é muito pequeno e não dispõe das<br />
condições necessárias para isso. Ele não desiste.<br />
Então procura Jane Schöninger e Silvio Bento, do<br />
Sesc/RS e já parceiros de seu festival, para propor<br />
alguma atividade com o <strong>Odin</strong> para 2010. É aí que<br />
se confirma esta possibilidade: Eugenio Barba e<br />
Julia Varley são convidados pelo Sesc/RS para<br />
participar do 5º Festival Palco Giratório de POA.<br />
Falando sobre sua motivação para articular esta<br />
turnê com o Sesc, Alexandre diz:<br />
Nessa época, me interessava demais conversar<br />
com o Eugenio, pois era o momento<br />
em que eu estava sofrendo bastante<br />
com a questão do grupo. Já não encontrava<br />
as respostas nos livros para buscar<br />
uma solução, aí eu pensava: tenho que<br />
conversar com alguém e não pode ser<br />
qualquer pessoa.<br />
E Jane Schöninger, por sua vez, nos fala do<br />
interesse do Sesc/RS em estabelecer esta parceria:<br />
O projeto Palco Giratório existe praticamente<br />
há 10 anos, com o desenvolvimento<br />
de circuitos pelo interior do Estado. E,<br />
há sete anos, o Festival acontece em Porto<br />
Alegre, com uma característica bastante<br />
forte que é apresentar grupos, coletivos,<br />
profissionais que possuam um trabalho<br />
contínuo. O Festival é um “território de<br />
pouso”, um espaço onde esses coletivos<br />
possam fortalecer o intercâmbio, o fluxo<br />
das trocas e dos usos, da produção e do<br />
consumo dos bens culturais. E entendemos<br />
que o <strong>Odin</strong> vem para celebrar e legitimar<br />
esse objetivo do projeto, sendo<br />
a referência mundial que é. É o exemplo<br />
maior de generosidade, de possibilidades<br />
de intercâmbio, de trocas, de arte.<br />
Sendo assim, em maio de 2010, Eugenio<br />
Barba e Julia Varley voltam a Porto Alegre com
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
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2012<br />
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8 Estiveram em Porto Alegre: Eugenio Barba, Roberta Carreri, Julia Varley, Iben Nagel Rasmussen, Elena Flores, Jan Ferslev, Kai<br />
Bredholt, Tage Larsen, Augusto Omolú, Donald Kitt, Fausto Pro e Anne Savage, a tour manager do grupo.<br />
39<br />
algumas atividades: Julia Varley apresenta uma<br />
muito valoradas e outras decepcionan-<br />
mo teatral, se perdeu aqui. E a sensação,<br />
e aí o Eugenio está aqui e eles não pergun-<br />
nova demonstração de trabalho, O Tapete Voador,<br />
tes. No meu caso, Barba me comoveu<br />
às vezes, é de o que fazer, como fazer. Aí,<br />
tam, não falam, não trocam?<br />
e Barba conduz a palestra “Princípios da Antropo-<br />
profundamente. Para mim, ele se revelou<br />
quando esse homem chega aqui, relatan-<br />
Talvez fosse timidez deles mesmos por<br />
logia Teatral”, ao mesmo tempo que apresenta a<br />
naquilo que há de mais valioso, na sua<br />
do essa experiência de uma forma mais<br />
estarem diante de alguém que eles tam-<br />
nova edição de seu livro A Canoa de Papel: Trata-<br />
humanidade. Ele alcançou a simplicidade,<br />
clara, eu acho que isso desperta outros<br />
bém consideravam um mito, mais do que<br />
do de Antropologia Teatral.<br />
a sabedoria.<br />
horizontes. Esse é o meu ponto de vista<br />
a falta de interesse ou curiosidade. Isso é<br />
Nair D’Agostini está presente nesses encon-<br />
sobre o impacto que o <strong>Odin</strong> teve dentro<br />
extremamente incoerente, já que usam a<br />
tros. No relato abaixo, ela nos conta sua impres-<br />
Alexandre Vargas também traz algumas<br />
da cidade. Outro, sem dúvida, é a presen-<br />
antropologia teatral, o discurso do Euge-<br />
são sobre as diferenças que encontrou em Barba<br />
reflexões próximas às de Nair com relação às<br />
ça física dele e um monte de jovens que<br />
nio, da Julia, da Roberta. E num momento<br />
e Julia Varley e, também, sobre a diferença do<br />
mudanças nas atitudes de Barba, causadas, em<br />
está na plateia vendo-o falar. Há um con-<br />
em que você pode estar ali presencialmen-<br />
impacto causado pela presença dos dois artistas<br />
sua opinião, pelo amadurecimento e pelo saber<br />
traste entre o que o Eugenio fala e o que<br />
te com eles, você não troca? Então, o uso<br />
em Porto Alegre, sempre comparando os anos de<br />
acumulado na experiência do grupo. Ele também<br />
o jovem está idealizando através de um<br />
da antropologia, o uso da teoria, é muitas<br />
1995 e 2010.<br />
nos fala do impacto causado pelo <strong>Odin</strong> nos jovens<br />
livro ou do que chegou a ele através de<br />
vezes uma bengala. Isso gera uma segu-<br />
e nos professores presentes, ao se defrontarem<br />
um professor que não teve uma aproxi-<br />
rança nesses professores, uma segurança<br />
É bem difícil falar dessas diferenças, so-<br />
com um grupo de tamanha importância no cená-<br />
mação tão direta com o Eugenio ou com<br />
teórica, mas que distorce uma prática.<br />
bretudo em Julia. No que diz respeito à<br />
qualidade técnica, ela apresentou maior<br />
nível e me pareceu que, metodológica<br />
e pedagogicamente, está mais madura,<br />
generosa e segura em sua apresentação.<br />
Em Barba, senti mais abertura, uma<br />
disponibilidade integradora e generosa.<br />
Impressionou-me em Barba, nesta ocasião,<br />
a transparência, o despojamento e,<br />
porque não dizer, a humildade com que<br />
generosamente falou de sua arte, de seu<br />
grupo e de sua vida. Parecia que já não<br />
possuía mais pretensões, mas só queria<br />
estar ali para uma missão: compartilhar<br />
um saber ao qual dedicou uma vida.<br />
Com certeza, a recepção do público de<br />
1995 e de 2010 foi muito diferente, pois<br />
hoje o <strong>Odin</strong> e o Barba já não são mais<br />
“desconhecidos” da classe teatral, e isso<br />
rio internacional do teatro. Ele analisa:<br />
Foi um impacto monstruoso, porque o<br />
Eugenio vem com toda essa mudança<br />
de vida, mas uma pessoa ainda bastante<br />
convicta no que faz. Só que chega entregando<br />
sua fala de outra maneira. Então<br />
a recepção também foi muito diferente.<br />
Me impressionou demais e acho que impressionou<br />
muita gente também a sua<br />
transparência em revelar coisas que geralmente<br />
não são reveladas. Por exemplo,<br />
dizer que somos um grupo de indivíduos,<br />
de individualistas. Isso é muito forte, porque<br />
tem uma luta muito grande para se<br />
construir grupos de teatro no Brasil. (...)<br />
Existe um arco de convivência muito<br />
grande entre o <strong>Odin</strong> e o Eugenio, 48 anos<br />
trabalhando juntos. E quando ele volta<br />
o trabalho do <strong>Odin</strong>.<br />
Às vezes, os jovens têm no Eugenio e no<br />
<strong>Odin</strong> a imagem de um mito, e isso contrasta<br />
com o modo tão simples em que<br />
eles se colocam. Mas a construção desse<br />
mito também pode ser um argumento<br />
forte de um professor, pode ser a segurança<br />
de um professor que distorce uma prática.<br />
Então, foi comum, eu recebi alguns<br />
relatos de alunos que se diziam surpresos<br />
com aquilo que viam e ouviam, comparando<br />
com o que tinham aprendido com<br />
algum professor. E esse atrito era muito<br />
importante. Em 2010, havia muitos estudantes<br />
seguindo, sempre há. A classe artística<br />
também participou bastante: indo,<br />
assistindo. Sempre me impressiona a falta<br />
de perguntas. (...) Eu fico pensando, puxa,<br />
esses professores falam tanto, usam tanto,<br />
2012: Chegada de todos os<br />
integrantes do <strong>Odin</strong> Teatret<br />
a Porto Alegre<br />
Desta vez, o intervalo de tempo é breve: em vez<br />
de 15, só dois anos. A pequena turnê de 2010 deixa<br />
aquele gostinho de quero mais, e o Sesc/RS<br />
consegue novamente criar as condições – sempre<br />
através de Jane Schöninger e do Festival Palco Giratório<br />
– para trazer, agora, todos os artistas do<br />
<strong>Odin</strong> Teatret [8] para Porto Alegre.<br />
Foi um grande esforço, mas os resultados<br />
provam que valeu a pena, basta lembrar os teatros<br />
lotados durante as várias apresentações do<br />
<strong>Odin</strong> em Porto Alegre. Uma plateia marcada pela<br />
mistura de gerações: desde os velhos seguidores<br />
do <strong>Odin</strong> até centenas de jovens estudantes e teatrantes<br />
que encontram o grupo pessoalmente<br />
pela primeira vez.<br />
faz uma grande diferença na recepção.<br />
pra cá, com esse hiato de tempo de 15<br />
Os novos que o viam pela primeira vez<br />
anos, a gente vê nele uma pessoa mais<br />
tiveram, penso eu, o contato com um<br />
velha, mais conhecedora do que está fa-<br />
ícone, quase um Deus, pois estudam suas<br />
zendo e sem tantas barreiras para falar,<br />
teorias, trabalham na prática a partir de<br />
sem tantos muros. A simplicidade chega<br />
seus princípios (acredito que a maioria<br />
de uma forma mais direta, a clareza de<br />
das escolas teatrais conhece as teorias e<br />
que o que ele faz é um ofício, que tem<br />
práticas do <strong>Odin</strong>), e isso gera muitas ex-<br />
que trabalhar. A história chega menos ro-<br />
pectativas. Para os que já o conheciam,<br />
mântica em um momento que é oportu-<br />
acredito que também deve produzir sen-<br />
no que chegue menos romântica. Porque<br />
timentos e impressões diversas, umas<br />
o romantismo da existência, o romantis-
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
40<br />
9 Grupos selecionados que participaram da residência: Teatro Sarcáustico (RS); Cooperativa Alegretense de Teatro (RS); Usina do<br />
Trabalho do Ator (RS), Santa Estação Companhia de Teatro (RS); Grupo Ritornelo (RS); Circo Girassol (RS); Companhia Bananeira<br />
(RJ); Teatro Diadokai (MG); Tao Filmes (DF); Teatro del Arca (Uruguai). Não estiveram presentes todos os integrantes de cada<br />
grupo, mas apenas alguns artistas para representá-los, já que o número de participantes era limitado.<br />
10 A programação completa compreendeu:<br />
Teatro de Câmara Júlio Piva: a residência artística A Cumplicidade Artística entre o Ator e o Diretor (3 dias), conduzida por<br />
Barba e alguns de seus atores, incluindo uma oficina de Dança dos Orixás com Augusto Omolú; as demonstrações de trabalho<br />
O Irmão Morto e O Eco do Silêncio, com Julia Varley, e Branca como o Jasmin, com Iben Nagel Rasmussen; Teatro SESC Centro:<br />
os espetáculos coletivos As Grandes Cidades sob a Lua e Ode ao Progresso; a palestra de Eugenio Barba 50 anos de trabalho: a<br />
luta contra a natureza do teatro; a demonstração de trabalho Antropologia Teatral; o encontro público dedicado à finalização<br />
da residência artística, do qual participaram todos os membros do <strong>Odin</strong> Teatret; lançamento e venda de vários livros de Barba e<br />
das atrizes do <strong>Odin</strong>; Casa do Teatro: sessões dos vídeos A Conquista da Diferença, Nas Duas Margens do Rio, O Teatro encontra<br />
o Ritual, Em Princípio era a Ideia; Teatro do Museu: o encontro A Ponte dos Ventos com Iben Nagel Rasmussen, Elena Floris<br />
e Tatiana Cardoso; a palestra A Organização e a Cultura do <strong>Odin</strong> Teatret com Base em Experiências desde 2004, com a tour<br />
manager do grupo Anne Savage. Espaço Circo Teatro Girassol: oficina de perna de pau com o ator Donald Kitt.<br />
41<br />
ODIN TEATRET NORDISK TEATERLABORATORIUM<br />
O <strong>Odin</strong> Teatret foi fundado em 1964 em Oslo, na<br />
Noruega. Em 1966, transferiu-se para Holstebro,<br />
na Dinamarca, e se transformou em Nordisk Teaterlaboratorium.<br />
Atualmente, os 25 membros que<br />
compõem o staff artístico e administrativo do <strong>Odin</strong><br />
são provenientes de 10 países e três continentes.<br />
Desde a sua origem, o <strong>Odin</strong> Teatret se concentrou<br />
no treinamento dos atores, em sua capacidade<br />
de estabelecer novas relações com os espectadores<br />
e nas diferentes dramaturgias que compõem um<br />
espetáculo. O autodidatismo dos atores do <strong>Odin</strong>,<br />
com a consequente elaboração de um treinamento<br />
individual e o ensino aos membros mais jovens<br />
do grupo, determinou o constante interesse pela<br />
aprendizagem e pela transmissão dos conhecimentos<br />
técnicos.<br />
Os 48 anos do <strong>Odin</strong> Teatret como laboratório<br />
favoreceram o crescimento de um ambiente profissional<br />
e de estudo, caracterizado por diversas atividades<br />
interdisciplinares e colaborações internacionais.<br />
Hoje, as principais atividades do Laboratório<br />
incluem: espetáculos, demonstrações de trabalho e<br />
workshops para atores e diretores; “trocas” feitas<br />
em diversos contextos, na Dinamarca e no exterior;<br />
A programação é farta e bastante articulada.<br />
Mas o que acontece exatamente naqueles dias?<br />
Uma residência artística para atores e diretores [9] ,<br />
espetáculos, demonstrações de trabalho, palestras,<br />
sessões de vídeo, lançamento e venda de<br />
livros, oficinas, etc [10] . Há longas listas de espera<br />
para assistir aos espetáculos, filas para ver as demonstrações<br />
de trabalho, alguns livros do <strong>Odin</strong><br />
esgotam-se já no primeiro dia, e uma multidão de<br />
jovens luta por um ingresso para ouvir Eugenio<br />
Barba e seus atores durante as palestras e os encontros.<br />
Chegam pessoas não só de várias cidades<br />
do Rio Grande do Sul, mas também de outros<br />
estados do Brasil, inclusive do Uruguai.<br />
Após cada palestra ou demonstração de trabalho,<br />
incansavelmente, Barba e seus atores permanecem<br />
nos teatros para responder a todas as<br />
perguntas dos espectadores, abrindo espaço para<br />
o diálogo e a troca de experiências, em coerência<br />
com a tradição do <strong>Odin</strong>. Reflete-se sobre: o artesanato<br />
do ator, suas técnicas e seu treinamento;<br />
organização de encontros internacionais de grupos<br />
de teatro; hospitalidade para companhias e grupos<br />
de teatro e dança; <strong>Odin</strong> Week Festival anual; publicação<br />
de revistas e livros (<strong>Odin</strong> Teatret Forlag e<br />
Icarus Publishing Enterprise); produção de filmes e<br />
vídeos didáticos; pesquisas no campo da Antropologia<br />
Teatral durante as sessões da ISTA (International<br />
School of Theatre Anthropology), que desde 1979<br />
se tornou uma aldeia teatral onde atores e dançarinos<br />
de diversas culturas encontram estudiosos para<br />
investigar, confrontar e aprimorar os fundamentos<br />
técnicos de sua presença cênica; Universidade do<br />
Teatro Eurasiano; espetáculos do Theatrum Mundi;<br />
colaboração com o CTLS (Centre for Theatre Laboratory<br />
Studies) da Universidade de Arhus, que regularmente<br />
organiza a The Midsummer Dream School;<br />
Festuge (Semana de Festa) de Holstebro; Festival<br />
trienal Transit, dedicado às mulheres que trabalham<br />
no teatro; OTA (<strong>Odin</strong> Teatret Archives), arquivos<br />
vivos da memória do <strong>Odin</strong>; WIN, Prática para Navegantes<br />
Interculturais; espetáculos para crianças;<br />
exposições; concertos; mesas-redondas; ações culturais<br />
e projetos especiais para a comunidade de<br />
Holstebro e de seu entorno, etc.<br />
os vários níveis de dramaturgia que compõem um<br />
espetáculo; a cumplicidade entre ator e diretor; os<br />
desafios do ofício do ator nos dias atuais; a sobrevivência<br />
dos grupos de teatro no Brasil e no<br />
mundo; a perseverança do <strong>Odin</strong> através do teatro<br />
e a transmissão da experiência.<br />
Neste festival, estão presentes Irion Nolasco,<br />
Jane Schöninger, Gilberto Icle, Alexandre Vargas,<br />
Tatiana Cardoso, Jezebel de Carli, entre tantos outros.<br />
Nada mais justo do que dar-lhes novamente<br />
voz para que nos falem de mais este contato com<br />
o grupo dinamarquês em Porto Alegre. Nesses<br />
novos depoimentos, eles nos contam sobre o impacto<br />
que a presença integral do <strong>Odin</strong> causa nos<br />
espectadores que seguem suas atividades neste 7º<br />
Palco Giratório, sobretudo em relação ao ano de<br />
2010. Ainda que os vários textos tenham – inevitavelmente<br />
– algumas informações ou impressões<br />
repetidas, decidi deixá-los aqui na íntegra, pelas<br />
reflexões que podem despertar, inclusive a partir<br />
dessas repetições.<br />
O <strong>Odin</strong> Teatret criou 74 espetáculos que viajaram<br />
por 63 países em contextos sociais diferentes.<br />
Durante essas experiências, desenvolveu-se uma<br />
cultura específica do <strong>Odin</strong>, baseada na diversidade<br />
e na prática da “troca”: os atores do grupo se<br />
apresentam à comunidade que os recebe com o seu<br />
trabalho artístico e, em troca, ela responde com<br />
cantos, músicas e danças que pertencem a sua própria<br />
tradição. A “troca” é uma espécie de permuta,<br />
ou escambo, de manifestações culturais, e não só<br />
oferece uma compreensão das formas expressivas<br />
alheias como também dá início a uma interação<br />
social que desafia preconceitos, dificuldades linguísticas<br />
e divergências de pensamento, juízo e<br />
comportamento.<br />
Nenhum outro grupo de teatro no mundo, até<br />
os dias de hoje, desenvolveu um leque de atividades<br />
tão diversificado quanto o <strong>Odin</strong> Teatret, criando e<br />
transmitindo incansavelmente sua própria tradição<br />
entre Ocidente e Oriente, alcançando um raio de<br />
milhares de artistas, estudantes e estudiosos – de<br />
diferentes campos do saber – que encontram nele<br />
matéria de inspiração e referência para suas próprias<br />
buscas.<br />
Depois dos depoimentos de alguns dos amigos<br />
gaúchos mais antigos do <strong>Odin</strong>, seguem também<br />
os de dois amigos gaúchos mais novos: Lucas<br />
Sampaio e Álvaro Rosa Costa. Lucas é ator do<br />
Grupo Geográfico e professor do Teatro Escola de<br />
Porto Alegre (TEPA); além disso, também deu um<br />
grande suporte ao <strong>Odin</strong> Teatret neste Palco Giratório<br />
de 2012. Álvaro, que hoje integra a Cia. Incomode-te,<br />
participou da residência artística com o <strong>Odin</strong><br />
como ator convidado do Circo Girassol.<br />
Compõem este artigo mais dois importantes<br />
depoimentos: o de Priscila Duarte e o de Julia<br />
Varley. Priscila é uma atriz do Teatro Diadokai que<br />
conheceu o <strong>Odin</strong> em 1986, tendo dialogado com o<br />
grupo em diferentes países e em diversos contextos<br />
desde então. Aqui, através de seu depoimento<br />
sobre a residência de Porto Alegre, ela nos traz<br />
um olhar “cruelmente sincero” sobre o sentido de<br />
continuar fazendo teatro nos dias de hoje. Fecha o<br />
artigo o texto de Julia Varley já citado na Premissa.<br />
Alexandre Vargas<br />
Tem uma diferença entre 2010 e 2012 até<br />
pelo formato de trabalho. O que mais me<br />
chama atenção, como espectador disso tudo,<br />
é perceber uma aproximação que foi se dando<br />
gradualmente. Com isso, não estou mirando o<br />
meio cênico, pois os artistas, os atores, foram<br />
chegando aos poucos. Eles não vieram todos<br />
de uma vez só, foram se aproximando. Acho<br />
que o Eugenio também fala dessa questão da<br />
“comunidade”. É difícil chegar numa comunidade:<br />
tem lutas, tem territórios, tem espaços<br />
aí. Muitas vezes, é difícil para os grupos locais<br />
se defrontarem com certas coisas, sobretudo<br />
com certas coisas que o Eugenio fala, por<br />
exemplo: coerência, trabalho diário, a questão<br />
do ofício. Basta lembrar o que ele falou<br />
ontem, como ir contra as leis do teatro, lutar<br />
contra um teatro rentável, não só na questão<br />
financeira, mas na questão da ideologia.<br />
Sendo que às vezes você é obrigado a ter um<br />
trabalho dentro do sistema em que vivemos,<br />
onde você cede a isso. Hoje, acho que tem<br />
uma mistura de gerações também.<br />
Naquela plateia tem essa mistura: você vê<br />
um Irion, que inicia um movimento forte,<br />
que traz o Eugenio, vê alunos que o Irion<br />
formou, tendo como base muito desse trabalho,<br />
e aí tem a Tatiana Cardoso, o Gilberto<br />
Icle, o UTA. O UTA, Usina do Trabalho do Ator,<br />
é gerado tendo como base esse movimento<br />
do <strong>Odin</strong> e do Burnier. Aí você pega também<br />
grupos mais jovens que tem um preconceito<br />
em relação a esse trabalho. Pode ser até um<br />
preconceito juvenil, como dizer “não quero<br />
fazer isso, não me interessa”. São coisas<br />
que eu já ouvi, tem gente que acha que os<br />
espetáculos são sisudos demais. Mas aí se<br />
surpreendem quando percebem o humor<br />
dos espetáculos. Uma coisa que eu também<br />
achava legal desses dois espetáculos é o formalismo<br />
de um [As Grandes Cidades sob a<br />
Lua] e o não formalismo do outro [Ode ao<br />
Progresso]. Achava que isso podia dar um<br />
insight no público que podia ser bacana.<br />
Eu também me percebi em algumas perguntas<br />
que foram feitas, como: “E a questão<br />
do amor, como é que fica, com os atores, e<br />
tal?”. E na pergunta, estava a sombra de seu<br />
grupo, ou seja, a sombra de seus problemas.<br />
O André Carreira fala que o <strong>Odin</strong> seria uma<br />
experiência, uma nova célula de sociabilidade<br />
possível para a América Latina. Então, a<br />
América Latina se encanta com essa ideia e<br />
vai buscar isso. Eu acho que ainda tem esse<br />
referencial nos grupos. Quando perguntam,<br />
perguntam coisas que não são só “como o<br />
diretor faz”. E acho que o Eugenio é muito<br />
coerente quando diz “essa é a minha maneira<br />
de fazer, funciona para mim, pode não<br />
ser eficaz para você”. Ele não está dando receitas.<br />
Mas o que as pessoas querem saber,<br />
às vezes não pode ser respondido, pois não<br />
há respostas, tipo “como eu dirijo? como eu<br />
mantenho um ator?".<br />
Tatiana Cardoso<br />
Olha, foi muito interessante ver o <strong>Odin</strong> na<br />
minha cidade, depois de já passados 18 anos<br />
da minha relação com o grupo fora do Brasil,<br />
através do Ponte dos Ventos.<br />
Me senti honrada, feliz, orgulhosa de fazer<br />
parte de um trabalho tão profundo, tão revolucionário<br />
para a história do teatro como<br />
é o do <strong>Odin</strong>. Há 15 anos, a vinda de Eugenio<br />
tinha um ar de novidade, de curiosidade por<br />
parte dos jovens estudantes de teatro da época.<br />
E é surpreendente constatar que agora,<br />
em 2012, ainda tem! Eu não conhecia muitos<br />
daqueles jovens atores ou estudantes de teatro<br />
da plateia aqui de Porto Alegre, mas podia<br />
ver o impacto que causava naquela plateia,<br />
aquele grupo longevo, experiente e maduro.<br />
Antes, eles nos chocavam com sua precisão,<br />
com suas habilidades corpóreas, com suas<br />
imagens herméticas e cheias de profundidade,<br />
com seu trabalho vocal primoroso. Hoje,<br />
eles nos chocam pelos mesmos motivos, mas<br />
com um sabor a mais: jovens velhos homens<br />
e mulheres gigantes, profundos, monstruosamente<br />
humanos, inspirando profissionalismo,<br />
ética, coragem, disciplina e inquietude. Eles<br />
nos inspiram, diria até dolorosamente por ser<br />
tão difícil, que vale a pena manter-se unido.<br />
Quando se considera as diferenças e se coloca<br />
o teatro como um ideal, “manter-se unido”<br />
– mesmo parecendo impossível – porta um<br />
significado que vai além do próprio ofício, da<br />
própria arte. (...) Mas o que fica depois que<br />
eles partiram é, sobretudo, essa vontade de<br />
fazer igual, de apostar em parcerias fecundas,<br />
de olhar o teatro como algo que vai além de<br />
uma produção eventual ou comercial.<br />
Gilberto Icle<br />
Este encontro foi fundamental, pois as novas<br />
gerações não conhecem o trabalho do<br />
<strong>Odin</strong>, senão pela narrativa dos mais velhos<br />
e pelos livros. Ainda que os espetáculos que<br />
estiveram em POA não sejam os espetáculos<br />
exemplares do grupo, a presença do <strong>Odin</strong> ajuda<br />
a dar conhecimento sobre sua produção<br />
e mobiliza a discussão sobre a cena contemporânea,<br />
tão desestabilizada nas discussões
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
42<br />
43<br />
entre pós-dramático, performance, presença,<br />
etc. Certamente há desdobramentos no que<br />
tange à curiosidade de saber mais sobre o<br />
grupo, mas, sobretudo, em relação à formação<br />
de novos atores, pois boa parte da pedagogia<br />
desenvolvida no RS tem relação com o<br />
trabalho do grupo.<br />
Jezebel de Carli<br />
Correram os anos e em todos os momentos<br />
em que me foi possível procurei estar<br />
novamente entre o <strong>Odin</strong>, mesmo sem eles<br />
saberem. Estar sorrateiramente em 94, 95,<br />
2010 e, finalmente, em 2012 na residência<br />
entre grupos. Já não sou jovem nem consegui<br />
manter-me ao lado dos meus primeiros<br />
pares, àqueles que “se levantaram na ponta<br />
dos pés para que um dia pudessem voar”<br />
(referência ao texto de Eugenio Barba). Hoje,<br />
em 2012, estou ao lado de outros, tentando<br />
desesperadamente guiar um grupo. Ouvir as<br />
palavras de Barba, perceber as marcas no corpo<br />
da Iben, ouvir que uma atriz entregou sua<br />
vida ao teatro, ver Roberta pela primeira vez<br />
e seu corpo impregnado de trabalho, ouvir da<br />
Julia dizer “mas você tem um grupo...” e após<br />
receber um sorriso, chorar muitas vezes pela<br />
beleza, generosidade, devoção e respeito pelo<br />
teatro que esses homens e mulheres nos demonstram<br />
me fez, mais uma vez, ter vontade<br />
de seguir adiante, força para criar terremotos,<br />
querer que os que se foram retornem, tratar<br />
o outro com ternura e gratidão e, crer novamente<br />
que o teatro pode mudar o humano.<br />
Irion Nolasco<br />
Agora também está sendo um feedback de<br />
coisas, é emocionante. Eu me emociono sempre<br />
com o Barba. Ele não precisa fazer nada,<br />
ele simplesmente existe e espero que ele dure<br />
120 anos. (...) O grande lance do Barba é a eficácia.<br />
Aqui no sul dizemos: mata a cobra e<br />
mostra o pau. Ele fala e ele mostra, aí você<br />
fica olhando pra ele como se fosse mágica,<br />
magia. Para mim, ele é um mestre. E mestre,<br />
para mim, não é só a pessoa que sabe as coisas,<br />
é uma pessoa que ama o que faz, que tem<br />
paixão pelo que faz, que se incendeia pelo que<br />
faz. E assim é ele, o dia inteiro. Você vê ele<br />
assim, aqui, o tempo todo, rondando, vagando,<br />
preocupado com os detalhes. (...) Eu acho<br />
que o que atrai e toca todas as pessoas é que<br />
eles são verdadeiros. São de verdade, não são<br />
fake. Você pode ver o passar dos anos. Fiquei<br />
muito comovido com o primeiro trabalho que<br />
eles mostraram aqui, As Grandes Cidades sob<br />
a Lua. Você pode ver, eles envelheceram, mas<br />
com dignidade e verdade. É uma maravilha<br />
poder ver isso. Nem dá para falar muito. Eu<br />
fico tão emocionado que... Eu amo o <strong>Odin</strong>,<br />
sou suspeito para entrevistas.<br />
Jane Schöninger<br />
Foi uma overdose de ações, em tão pouco<br />
tempo. Queríamos mais tempo e mais e mais.<br />
A cidade, o Estado, o país esteve “em movimento”<br />
com essa passagem por aqui. O movimento<br />
de pessoas, o movimento das cabeças,<br />
o movimento dos sentimentos. Penso que,<br />
com esse movimento, há uma possibilidade<br />
de novas articulações entre grupos, entre<br />
profissionais. Podemos arriscar a colocar em<br />
poucas palavras o retorno que tivemos sobre<br />
esses dias: um “novo” oxigênio para o teatro.<br />
Lucas Sampaio<br />
Tive o primeiro contato com o <strong>Odin</strong> Teatret<br />
em Holstebro, durante o <strong>Odin</strong> Week Festival<br />
2011. Lá, entendi o significado do ator<br />
profissional, possuidor de ferramentas, virtudes,<br />
treinamento. Trata-se de uma união<br />
de artistas que prova a todos os colegas<br />
de profissão espalhados pelo mundo que<br />
o trabalho em conjunto alça voos inimagináveis.<br />
Neste momento, em Porto Alegre, o<br />
<strong>Odin</strong> faz-se necessário justamente na troca,<br />
mostrando que o teatro de grupo ainda<br />
é um caminho de forte identidade e de<br />
progresso artístico. É como se a existência<br />
deles se refletisse, em sua constância, na<br />
frase: “Acredite, acredite, acredite”.<br />
Álvaro Rosa Costa<br />
Esta experiência, residência, reverência ou<br />
seja lá o que for, com o <strong>Odin</strong> Teatret, explodiu<br />
na minha cabeça, conectou muitos, muitos<br />
pontos. Me colocou em estado de alerta, Marco<br />
Zero, Espiral, em movimento. Trabalho há<br />
muito tempo com música, apesar de ser Bacharel<br />
em Gravura. Muitas das questões que<br />
me instigavam no Instituto de Artes da UFGRS<br />
estão presentes nas palavras e nas ações dos<br />
integrantes do <strong>Odin</strong>. Após 24 anos, consigo<br />
entender a magia que estes jovens senhores,<br />
alquimistas, exercem sobre os artistas. Não<br />
só atores, mas vários artistas de vários segmentos.<br />
Eles dialogam com os princípios da<br />
criação, encontram ecos em Fayga Ostrower,<br />
Jung, no marceneiro da esquina. Eles "fazem".<br />
Se o resultado é brilhante, bom, ruim, a mim<br />
não interessa. Aquela massa submersa do<br />
iceberg, chamado <strong>Odin</strong>, é que me desafia. O<br />
que mais me pergunto: “E agora!?”. Só sei que<br />
vou "encontrar" várias possibilidades. E como<br />
disse Roberta Carreri: "Há uma vontade que<br />
me habita". Simples, sem fórmulas... trabalho,<br />
cumplicidade... possibilidades.<br />
PRISCILA DUARTE<br />
Teatro Diadokai<br />
Belo Horizonte, 4 de junho de 2012.<br />
Dinossauros em Porto Alegre<br />
A residência artística com o <strong>Odin</strong> Teatret<br />
Conheci o <strong>Odin</strong> Teatret como espectadora,<br />
durante um festival de teatro em Montevidéu<br />
(Uruguai) em 1986, quando eu ainda era<br />
uma estudante da graduação em teatro da<br />
UniRio. Lembro-me bem da minha impressão:<br />
foi como se eu visse a materialização de<br />
minhas aspirações juvenis, tão indefiníveis e,<br />
subitamente, tão reconhecíveis naquele grupo<br />
de artistas. Foi avassalador.
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
CADERNO DE TEATRO<br />
PRIMEIRO<br />
SEMESTRE<br />
2012<br />
44<br />
45<br />
Minha crescente inquietação em torno do fazer<br />
teatral, alimentada pelo contato com o <strong>Odin</strong><br />
Teatret, me levou ao encontro de outro grupo<br />
identificado com o Terceiro Teatro: o Teatro Tascabile<br />
di Bergamo. Em 1987, um mesmo evento<br />
trouxe ao Rio de Janeiro o Nordisk Teaterlaboratorium<br />
e o grupo italiano Tascabile, que me proporcionaram<br />
outras experiências impactantes,<br />
com suas oficinas, conferências e espetáculos.<br />
Em 1989, eu e Ricardo Gomes (companheiro<br />
de trabalho desde então) partimos para a Itália.<br />
Foi o início de uma longa relação profissional<br />
com o Tascabile. Com eles, trabalhamos como<br />
atores estáveis de 1989 à 1994 e, depois, como<br />
colaboradores em projetos específicos, de 2003<br />
à 2007. Foi durante este período que a relação<br />
com o <strong>Odin</strong> se deu de forma mais estreita. Renzo<br />
Vescovi, diretor do Tascabile, considerava<br />
Barba como um de seus mestres. Diversas foram<br />
as ocasiões de encontro de trabalho entre<br />
os dois grupos, durante aqueles anos na Europa.<br />
A experiência europeia foi decisiva na criação<br />
de nosso grupo no Brasil – o Teatro Diadokai<br />
– fundado em 1996, em parceria com o diretor<br />
Ricardo Gomes. Desde então, o Teatro Diadokai<br />
desenvolveu diversos projetos, envolvendo também<br />
outros artistas e grupos. Há quatro anos,<br />
nos transferimos do Rio de Janeiro para Minas<br />
Gerais onde somos professores (eu, substituta e<br />
Ricardo, efetivo) no Curso de Artes Cênicas da<br />
Universidade Federal de Ouro Preto. A partir daí,<br />
o Teatro Diadokai entrou em um período de latência,<br />
enquanto buscamos um equilíbrio entre<br />
vida acadêmica e artística.<br />
Foi então que surgiu a oportunidade da residência<br />
artística com o <strong>Odin</strong> Teatret, em Porto Alegre.<br />
O reencontro com aqueles que considero como<br />
uma das mais fortes referências em minha formação<br />
artística, mestres dos meus mestres (os<br />
artistas do Tascabile), foi, de novo, provocador.<br />
A maturidade (minha e deles) temperou este encontro<br />
com novos sabores. Não foi uma reedição<br />
do Uruguai nem de outras ocasiões que tivemos<br />
na Europa. As questões hoje (para mim e para<br />
eles) são outras. Nos dias que antecederam a residência,<br />
me perguntei: por que estou indo<br />
para esse encontro? Que sentido tem, a estas<br />
alturas do campeonato (tenho 46 anos),<br />
participar de uma oficina de apenas quatro<br />
dias de trabalho? Por um lado, a expectativa<br />
obviamente confirmou-se: não se aprende<br />
nada em quatro dias de oficina. Mas, o que<br />
estava em jogo ali era uma outra coisa. Não<br />
se tratava de aprender nada. No final das<br />
contas, tratou-se de questionar tudo: para<br />
onde mesmo estamos indo? Que teatro é este<br />
que queremos fazer? Por quê? Como? Para<br />
quem? Com quem?<br />
A residência em Porto Alegre poderia ser redimensionada<br />
a um retorno fantasioso ao<br />
período cretáceo (ou seria jurássico, como<br />
naquele filme?). Seja como for, serve como<br />
metáfora: Barba e seus atores como dinossauros,<br />
que, contrariando todas as certezas<br />
da ciência, não estão extintos. Muito pelo<br />
contrário, esbanjam uma vitalidade destilada<br />
pelos anos, pela maturidade. Estes estranhos<br />
seres mantêm sua força contrariando a<br />
ameaça de extinção. Ora, mas todos sabemos<br />
que não existem mais grupos de teatro: este<br />
movimento já passou. E no entanto, do outro<br />
lado do oceano, na fria Dinamarca, ainda<br />
existe um grupo de artistas que acredita<br />
na ética e na dignidade do trabalho. Como<br />
eles, existem alguns poucos no mundo. Eu<br />
também me vejo como uma espécie de dinossauro,<br />
que insiste em trabalhar em uma<br />
profissão em extinção, que não interessa<br />
mais a quase ninguém. Além de sua experiência<br />
artística, os dinossauros da Dinamarca<br />
dividiram conosco, em Porto Alegre, suas inquietações<br />
quanto à efemeridade e à finitude<br />
das coisas, preocupações naturais em sua<br />
surpreendente longevidade.<br />
Da residência, participamos eu e Ricardo – o<br />
Teatro Diadokai –, além de representantes de<br />
grupos do sul e de outros estados brasileiros.<br />
Na viagem, nos acompanharam um grupo de<br />
jovens alunos do curso de Artes Cênicas da<br />
Universidade Federal de Ouro Preto que assistiram<br />
a demonstrações de trabalho, filmes,<br />
espetáculos e conferências. Apesar das opiniões<br />
elogiosas sobre o que viram naqueles dias, não<br />
percebi neles um impacto tão devastador quanto<br />
aquele que me atingiu durante o festival no<br />
Uruguai. Será que há algo que possa puxar o<br />
tapete das novas gerações? O que mudou? Os<br />
jovens? O tapete?<br />
Não creio mais em grupos de teatro. Não sei<br />
nem se creio mais no teatro. Estranhamente,<br />
estes dias em Porto Alegre reascenderam uma<br />
chama tênue. Será o fim do período de latência<br />
do Teatro Diadokai? Só há uma forma de<br />
saber: encontrando forças para alimentar a<br />
chama. E perseverar.<br />
JULIA VARLEY – ODIN TEATRET<br />
Holstebro, 13 de junho de 2012<br />
Existem dois temas que me interessam quando<br />
penso na relação entre o <strong>Odin</strong> Teatret e as<br />
gerações mais jovens que, como nós, fazem<br />
teatro hoje: o significado do grupo em relação<br />
à produção artística e cultural, e a capacidade<br />
de suportar uma carga de trabalho que vai<br />
além do normal. Voltamos a Porto Alegre pela<br />
terceira vez: isso nos permite continuar encontrando<br />
espectadores e gente de teatro do lugar.<br />
A continuidade e a residência que o Eugenio e<br />
eu conduzimos para grupos de teatro durante<br />
a última visita também me deram a chance de<br />
refletir novamente sobre temas que me interessam.<br />
Um dos aspectos fundamentais do <strong>Odin</strong><br />
Teatret, como grupo e como teatro laboratório,<br />
é a cotidianidade ao compartilhar atividades<br />
que não estão diretamente ligadas ao resultado<br />
(espetáculo), como, por exemplo, fazer o treinamento<br />
todo dia. Acho que hoje ficou muito<br />
mais difícil manter essa cotidianidade. A impaciência<br />
para alcançar resultados, a instabilidade<br />
econômica e o profundo desenraizamento geográfico<br />
fazem com que muita gente se contente<br />
em colaborar com projetos e, dessa maneira, o<br />
“senso de pertencimento” acaba sendo encontrado<br />
mais dentro das “redes”, e não dos grupos.<br />
O <strong>Odin</strong> soube conquistar o tempo para deixar<br />
que os resultados brotassem do trabalho, sem<br />
ter em mãos, desde o início, um texto ou uma<br />
história a seguir e sem saber em qual porto se<br />
desejava chegar. E foi assim que aprendemos<br />
como proceder. Concentrar-se nos impulsos físicos<br />
e vocais, em sua simultaneidade, inclusive<br />
em oposição à narração, é uma técnica que<br />
se baseia na capacidade de reconhecer os sinais<br />
que o próprio trabalho indica, e cuja qualidade<br />
pode ser identificada depois de muitas<br />
representações. Todos os atores do <strong>Odin</strong> Teatret<br />
passaram por um longo período de aprendizagem<br />
durante o qual colocaram à prova<br />
sua própria capacidade de resistência, e assim<br />
descobriram energias que ultrapassam o limiar<br />
do cansaço. Como é que um jovem encontra<br />
hoje um mestre, uma mestra ou uma situação<br />
qualquer que o obrigue a ultrapassar os limites<br />
conhecidos para que ele dê o máximo de si?<br />
A técnica teatral é incorporada, é um pensamento<br />
que é ação, é a inteligência dos pés, é<br />
algo que não pode ser aprendido nos livros.<br />
É uma técnica que deve ser assimilada e defendida<br />
dia após dia, praticando o ofício durante<br />
anos. Em uma era tecnológica, talvez o teatro<br />
seja anacrônico, mas eu quero defendê-lo exatamente<br />
porque ele mantém a necessidade de<br />
um conhecimento incorporado. Em Porto Alegre,<br />
tive a confirmação que muitos grupos de<br />
teatro ainda compartilham essa necessidade e<br />
a vivenciam através de sua prática.<br />
Conclusão<br />
Para concluir, volto ao início da Premissa, como<br />
um uróboro que morde o próprio rabo: “É possível<br />
narrar uma história sem ser parcial?”. Este texto se<br />
encerra cheio de frestas, por mais que eu e meus<br />
“companheiros de viagem” tenhamos tentado restituir<br />
alguns pontos de vista desta história que ainda<br />
se move dentro de cada um, que ainda se faz a cada<br />
instante, sobretudo quando a memória traz à tona<br />
um fato inesperadamente relembrado ou quando<br />
um mesmo fato é reinterpretado sob nova luz.<br />
Se dentro deste grande caleidoscópio de palavras<br />
e histórias faltam ainda tantas outras palavras<br />
e histórias, significa que há espaço para muito<br />
mais: mais lembranças, mais relatos e, o que é mais<br />
importante, mais encontros.<br />
Aqui, todavia, a parcialidade não está apenas<br />
na história contada. Está também em um arco de<br />
tempo que ainda não se encerrou. Com certeza,<br />
não foi a última vez que gente de teatro de Porto<br />
Alegre foi ao encontro do <strong>Odin</strong>, assim como também<br />
não foi a última vez que o <strong>Odin</strong> pôs os pés em<br />
Porto Alegre. Certamente Barba e seus atores ainda<br />
voltarão, até mesmo porque – como disse antes<br />
Gilberto Icle – “os espetáculos que estiveram em<br />
POA não foram os espetáculos exemplares do grupo...”.<br />
É verdade, Porto Alegre ainda não recebeu os<br />
“grandes” espetáculos do <strong>Odin</strong>. Quem sabe eles não<br />
voltam nos próximos anos com seu novo e último<br />
espetáculo A Vida Crônica?<br />
Teremos mais histórias para contar.<br />
E para finalmente fechar este artigo falando<br />
de “influências e reflexões sobre o fazer teatral”,<br />
deixo ecoando em vocês mais algumas palavras de<br />
Eugenio Barba:<br />
É através da troca, e não no isolamento,<br />
que uma cultura pode crescer e se transformar<br />
organicamente. O que vale para os<br />
indivíduos também vale para quem trabalha<br />
no teatro. Mas para que a troca aconteça,<br />
é preciso oferecer algo de volta. Nesse<br />
sentido, a identidade histórico-biográfica é<br />
fundamental para se confrontar com o polo<br />
oposto, o encontro com a “alteridade”, com<br />
o que é diferente. Isso não significa impor<br />
o próprio horizonte e o próprio modo de<br />
ver, mas permitir um deslocamento e vislumbrar<br />
um novo território que fique além<br />
do universo conhecido.<br />
(...)<br />
A meta a ser alcançada não é se identificar<br />
numa tradição, mas construir para<br />
si mesmo um núcleo de valores, uma<br />
identidade pessoal, seja ela rebelde ou leal<br />
com as próprias raízes. O único caminho<br />
para alcançar essa meta é uma prática<br />
minuciosa que constitui a nossa identidade<br />
profissional. É a competência no ofício<br />
que transforma uma condição numa<br />
vocação pessoal e, aos olhos dos outros,<br />
num destino que é, ao mesmo tempo,<br />
herança e tradição. Somos nós que decidimos,<br />
profissionalmente, a qual história<br />
pertencemos, quem são nossos antepassados,<br />
aqueles valores nos quais nos reconhecemos.<br />
Eles podem ser de épocas e<br />
culturas distantes, mas o sentido de seu<br />
trabalho é a herança que deve ser tutelada<br />
e transmitida. Cada um de nós é filho do<br />
trabalho de alguém. Cada um de nós se<br />
orienta afastando-se de um passado que<br />
escolheu para si.<br />
...<br />
A história do <strong>Odin</strong> Teatret em Porto Alegre<br />
atravessa fronteiras e gerações, e continuará atravessando.<br />
...<br />
Patricia Furtado de Mendonça<br />
É atriz, professora, tradutora e consultora de projetos teatrais. É também<br />
mestre em Teatro pela UNIRIO e graduada em “Disciplinas das Artes, da<br />
Música e do Espetáculo” pela Universidade de Bolonha (Itália). Em 1998, a<br />
convite de Eugenio Barba, passa a traduzir seus livros do italiano ao português.<br />
Atualmente, conduz uma pesquisa sistemática sobre a relação do <strong>Odin</strong><br />
Teatret com o Brasil, colaborando com as investigações do Centre of Theatre<br />
Laboratory Studies (CTLS) e do <strong>Odin</strong> Teatret Archives (OTA), Dinamarca.