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Paula Maria de Godoi Parente<br />

Franck Thibaud Köchig<br />

TESTAMENTO<br />

TESTAMENTO<br />

Papai sempre foi um ser humano diferente. Lembro como se<br />

fosse ontem dos dias que ele me buscava no colégio. Eram nesse<br />

momentos que sua singularidade ficava ainda mais evidente.<br />

De botas de couro e calça de algodão, era da Kombi azul e<br />

branca, 1967, que ele saia. Sempre de braços abertos, com uma<br />

expressão tranqüila e um sorriso emoldurado pela barba, que<br />

iluminava meus piores dias.<br />

Era o inicio de Brasília e papai havia sido nomeado a diretor do<br />

Zoológico por Juscelino K.<br />

E foi de um desses dias, que ficou a lembrança mais bonita que<br />

guardo do papai. Eu era uma criança curiosa, e na ânsia de<br />

descobrir a mim e ao mundo, por algumas horas o importunei<br />

questionando-o sobre o tamanho do meu rosto. Mais pai, qual o<br />

tamanho?<br />

Então, papai estacionou a Kombi, desceu e depois de alguns<br />

minutos voltou de dentro do viveiro dos pássaros com uma flor de<br />

girassol na mão.<br />

Gentilmente ele encostou a flor em meu rosto e disse: Pronto filha,<br />

esse é o tamanho do seu rosto.<br />

Nasci na França, na cidade de Brest. Em 2005, fui estudar na<br />

Argentina e conheci a Iris. Não teve jeito, me apaixonei. Outra<br />

paixão começou logo depois, quando ela me contou as histórias<br />

de quando rodou pela Argentina com os pais, à bordo de uma<br />

Kombi. Resolvemos viajar juntos, da mesma maneira.<br />

Foi quando a Renata entrou nas nossas vidas. Calma, não é o<br />

que você está pensando. Renata é o nome da Kombi que a gente<br />

comprou. Uma belezinha ano 82, mas com corpinho de... De 82<br />

mesmo. Depois de uma ampla e necessária reforma, que incluiu<br />

até uma cama, ela estava pronta, perfeita. Agora era só pegar a<br />

estrada e ir de Mar Del Plata, na Argentina, até Nova Iorque e<br />

depois voltar. Só? Era uma meta ousada, sabíamos, mas a gente<br />

tinha certeza que a Kombi daria conta do recado. Nascia o projeto<br />

Amerikando.<br />

Partimos no fim de março. No caminho, fazíamos fotos e camisetas,<br />

que vendíamos para ajudar no orçamento. Conhecemos lugares<br />

incríveis, recebemos apoio de desconhecidos, famílias nos<br />

ofereceram hospedagem. Tenho que admitir que o carisma da<br />

Kombi ajudou bastante.<br />

Atravessamos o Brasil. Eu, a Iris e a Renata. Porto Alegre,<br />

Florianópolis, Rio de Janeiro, Salvador, Belém. À noite, a Iris<br />

cozinhava, víamos as fotos tiradas durante o dia e preparávamos<br />

o trajeto do dia seguinte. Se me permite dizer, é bom demais<br />

conviver assim com quem se ama.<br />

Saindo do Brasil - pegue um mapa para acompanhar - passamos<br />

pela Venezuela, Colômbia, cruzamos a América Central inteira e<br />

chegamos ao México. Sempre maravilhados com a exuberância<br />

da natureza e a simpatia das pessoas. Tem muita gente boa por<br />

esse mundo afora. Em muitas cidades, fomos recebidos de braços<br />

abertos por membros de clubes Volkswagen e fãs da Kombi. Certa<br />

vez, o presidente de um desses clubes nos abraçou, dizendo: “a<br />

Volkswagen não é uma marca, é uma família”. Ficamos arrepiados.<br />

Nove meses depois da partida, comemoramos o Ano Novo em<br />

Nova York. Demorou o dobro do tempo planejado, mas chegamos<br />

lá. Missão cumprida? Mais ou menos. A gente tinha tomado gosto<br />

pela coisa.<br />

Decidimos seguir para Brest, na França, minha cidade natal. Sim,<br />

ir até a Europa de Kombi!<br />

Atravessamos os Estados Unidos até São Francisco e pegamos<br />

um navio. (Você não achou que colocaríamos a Kombi na água,<br />

achou?) Mas não fomos direto para a Europa, desembarcamos<br />

no Japão. A Renata tem fome de asfalto, sabe? E se você ficou<br />

impressionado, os japoneses ficaram mais ainda. Fomos até<br />

entrevistados num programa de TV. Para variar, muito bem<br />

recebidos. De lá para a Rússia, depois Mongólia. Aí vieram os<br />

“ão”: Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão e o Irã (que, em<br />

Portugal, se chama “Irão”). E, posso dizer com conhecimento de<br />

causa: a Kombi tem admiradores em todos esses lugares.<br />

Percorremos a Turquia e a Grécia. De navio para a Itália, de onde<br />

seguimos para a França. Chegamos a Brest, minha cidade natal,<br />

no dia 26 de fevereiro de 2011 e fomos recebidos com festa pela<br />

família, amigos e membros dos clubes Volkswagen da região. Foi<br />

inesquecível. Mas você não precisa acreditar na minha palavra.<br />

Está tudo registrado no nosso site: amerikando.com.<br />

Dá para dizer que somos um casal de sorte. Conhecemos 25<br />

países, rodamos 75 mil km e a nossa lua de mel durou dois anos.<br />

Em junho, nasceu Louis, nosso filho, concebido durante a viagem.<br />

A Kombi continua conosco, faz parte dafamília. E, apesar da<br />

idade, ainda nos leva para viajar nas férias e finais de semana.<br />

Se bobear, um dia desses você ainda vai ver a Renata passando<br />

na porta da sua casa. Onde quer que ela seja.<br />

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