A Edição Quinzenal Ilustrada (1897-1898): a experiência ... - IEL
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A Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong> (<strong>1897</strong>-<strong>1898</strong>):<br />
a experiência editorial do Jornal do Brasil em Portugal.<br />
I – O Jornal do Brasil<br />
No século XIX, os jornais e as revistas ilustradas tiveram uma importância decisiva<br />
no intercâmbio cultural luso-brasileiro, funcionando como mediadores entre realidades<br />
diferentes. Os periódicos eram essenciais no processo de descoberta dos dois povos,<br />
viabilizando a circulação de múltiplos conhecimentos entre os dois lados do Atlântico.<br />
Existiam meios alternativos, aptos para assegurar a transmissão de informações, mas<br />
não tinham a vantagem de alcançar um universo de leitores tão vasto. A imprensa era<br />
fundamental na explicitação dos conteúdos políticos e culturais, descodificando o<br />
significado de cada notícia para o grande público. A percepção do “outro” podia ser<br />
realizada sem o peso dos preconceitos nacionais capazes de distorcer a imagem dos<br />
outros povos. As falsas representações colectivas seriam desmitificadas, permitindo à<br />
comunicação social desfazer os estereótipos culturais geralmente determinantes na<br />
percepção do “outro”. A imprensa era o grande veículo de transmissão das ideias entre<br />
os dois países, enformando a visão de cada um. Nos finais de oitocentos o processo<br />
ganhou nova consistência apesar, ou devido aos acontecimentos dramáticos vividos<br />
pelos dois povos: o Ultimato de 1890 em Portugal, a proclamação da República no<br />
Brasil em 1889 e a revolta da marinha brasileira em 1893. A ruptura das relações<br />
diplomáticas entre 1893 e 1895 suscitou em Portugal o aparecimento de várias<br />
publicações vocacionadas para a reconciliação entre os dois estados.<br />
No ano de <strong>1897</strong>, Fernando Mendes de Almeida (1845-1921) e Cândido Mendes de<br />
Almeida Filho (1866-1939), proprietários e editores do Jornal do Brasil (1891-2012),<br />
criam em Portugal uma revista ilustrada intitulada: o Jornal do Brasil: Edição<br />
<strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong> (<strong>1897</strong>-<strong>1898</strong>). Nos periódicos, até aí existentes, os editores,<br />
directores, redactores e colaboradores, eram predominantemente portugueses. Os irmãos<br />
Mendes de Almeida procuram criar numa alternativa a este modelo, assegurando uma<br />
representação mais equilibrada e dois países e apostando na divulgação da literatura, da<br />
arte e do teatro do Brasil pouco conhecidos em Portugal 1 . Em <strong>1897</strong> Fernando Mendes<br />
de Almeida desloca-se a Lisboa tendo sido objecto de excelente recepção por parte das<br />
1 Cf. Almeida, Fernando Mendes de, Jornal do Brasil: Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong>, Lisboa, Mendes & Cia, <strong>1897</strong>-<br />
<strong>1898</strong>. Editado entre 27/12/<strong>1897</strong> e 09/03/<strong>1898</strong> só se publicaram seis números.
2<br />
elites sociais do país. A presença na capital coincide com o lançamento desta revista<br />
ilustrada, reforçando as hipóteses de êxito da nova publicação. Sendo o Jornal do Brasil<br />
o exemplo de uma moderna empresa capitalista, a chancela de qualidade projectava-se<br />
no novo periódico dando-lhe uma acrescida credibilidade 2 . A Edição <strong>Quinzenal</strong><br />
<strong>Ilustrada</strong> era de facto uma extensão lusa do referido diário inserindo-se na estratégia de<br />
expansão do grupo editorial Mendes & Cia, propriedade dos irmãos Fernando Mendes<br />
de Almeida e Cândido Mendes de Almeida Filho.<br />
2. O projecto inicial<br />
O redactor-chefe, Fernando Mendes de Almeida garantia o empenho da editora<br />
brasileira e a seriedade do empreendimento, pelo menos de forma simbólica. No<br />
entanto, a gestão quotidiana da revista recaía nos directores portugueses: Jaime Vítor<br />
(1855-?) e Visconde de São Boaventura (1855-1910). Os dois jornalistas estavam<br />
emocional e profissionalmente ligados ao Brasil tendo conhecido e trabalhado no país,<br />
embora com itinerários pessoais diferentes.<br />
Jaime Vítor foi editor e redactor, com Ernesto Bartolomeu, dos Perfis<br />
contemporâneos: retractos, biografias e literatura (1895-1901) e trabalhou, com<br />
Pinheiro Chagas e Gervásio Lobato, no Diário da Manhã. Além disso, traduziu e foi<br />
responsável, com Gervásio Lobato e David Corazzi, de romances populares que tiveram<br />
grande êxito na época. Colaborou em várias revistas ilustradas ao longo das últimas<br />
décadas do século XIX, das quais se destacou o Brasil-Portugal (1899-1914), de que,<br />
assumiu a direcção juntamente com Lorjó Tavares e Augusto de Castilho entre 1899 e<br />
1912, tendo emigrado para o Brasil em 1913 e passando a integrar os quadros do Jornal<br />
do Brasil. Na sequência das Comemorações do Tricentenário de Camões (1880), nas<br />
quais participou, realizou uma edição manuscrita dos Lusíadas contando com a<br />
participação das principais figuras da cultura portuguesa e brasileira. Com o intuito de<br />
completar a recolha das contribuições das personalidades do Brasil viajou, em 1883,<br />
para o Rio de Janeiro, tendo sido bem recebido pelo imperador e a família imperial.<br />
2 Cf. Castilho, Augusto de, Vítor, Jaime e Tavares, Lorjó, O Dr. Fernando Mendes de Almeida. O «Jornal do Brasil»<br />
- A festa do Maranhão, Castilho, Augusto de, Vítor, Jaime e Tavares, Lorjó, Brasil-Portugal: revista quinzenal<br />
ilustrada, Lisboa, Empresa do Brasil-Portugal, N.º 328, 16/09/1912, p.629.
3<br />
Aliás, a colaboração de D. Pedro II, da princesa D. Isabel, do conde de Eu e das elites<br />
brasileiras, ou luso-brasileiras, foram fundamentais para o sucesso da iniciativa. 3 .<br />
O Visconde de São Boaventura, Boaventura Gaspar da Silva com uma formação<br />
académica inacabada na Universidade de Coimbra, colaborou na redacção de diversos<br />
periódicos brasileiros. Foi, ainda, fundador da República das Letras (1876) e do Diário<br />
Mercantil de S. Paulo (1884). Participou activamente na campanha abolicionista, sendo<br />
partidário da monarquia brasileira e crítico da República Velha (1899-1930) nos seus<br />
primeiros anos 4 . Embora os directores fossem monárquicos, em <strong>1897</strong> adoptaram uma<br />
posição de neutralidade política face ao Brasil, apoiando o presidente Prudente de<br />
Morais (1841-1902) e, posteriormente, a eleição de M. F. de Campos Sales (1841-<br />
1913).<br />
O projecto inicial da revista resultava do equilíbrio entre as perspectivas dos editores<br />
brasileiros e as expectativas dos directores portugueses face à reacção do público lusobrasileiro.<br />
Os objectivos da publicação consistiam na divulgação numa posição de<br />
paridade da respectiva cultura entre os dois povos. A realização era assegurada pela<br />
colaboração dos poetas, escritores, humoristas, ilustradores e demais “nomes ilustres”,<br />
do Brasil e de Portugal 5 . A “Apresentação” não refere à partida o tipo de informação a<br />
divulgar nem o contributo de autores não portugueses nem brasileiros. Todavia, os<br />
textos e autores franceses estão sempre presentes nos sucessivos números da revista,<br />
sendo desta maneira também um meio de difusão da cultura gaulesa em Portugal e no<br />
Brasil.<br />
3. Política e literatura<br />
Nas páginas da “Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong>” existe uma preocupação constante em<br />
noticiar os principais acontecimentos de Portugal, do Brasil e da França, de comentários<br />
críticos ou de simples observações. No entanto, o “tempo” político dos eventos não é o<br />
mesmo nos três países, sendo perceptíveis significativas décalages que obedecem aos<br />
ritmos específicos de cada um. Na prática, tornam visível a existência de diferentes<br />
3 Cf. Vítor, Jaime, Cartas do Rio de Janeiro – XVIII – Aquém e Além-Mar, Vasconcelos, João de, Vítor, Jaime e<br />
Tavares, Lorjó, Brasil-Portugal: revista quinzenal ilustrada, Lisboa, Empresa do Brasil-Portugal, 16/01/1914,<br />
N.º 360, p.373-374.<br />
4 Cf. Botelho, Abel, Antelóquio, Boaventura, Visconde de S., A pasta de um jornalista (escritos políticos, literários e<br />
biográficos), Lisboa, Parceria António Maria Pereira, Livraria Editora, p.9-14.<br />
5 Cf. Vítor, Jaime, Apresentação, Almeida, Fernando Mendes de, Lisboa, Jornal do Brasil: Edição <strong>Quinzenal</strong><br />
<strong>Ilustrada</strong>, Lisboa, Mendes & Cia, 27/12/<strong>1897</strong>, N.º 1, p.2
4<br />
formas da evolução de cada sociedade, não redutível a uma única história definida por<br />
uma bitola europeia. A conjuntura politica portuguesa de <strong>1897</strong> e <strong>1898</strong> é marcada por um<br />
forte pendor nacionalista propiciado pelo culto de Mousinho de Albuquerque (<strong>1897</strong>) e<br />
pela Comemoração do Centenário da Índia (<strong>1898</strong>) 6 . O primeiro traduz o renovar da<br />
epopeia colonial em África e o segundo o reavivar da época de ouro dos descobrimentos<br />
portugueses do século XV. Nas zonas urbanas estas iniciativas tiveram um forte<br />
impacto no mundo popular, tendo contribuído decisivamente para a reconstrução da<br />
identidade nacional. O processo era especialmente importante, pois permitia superar o<br />
traumatismo colectivo provocado pelo Ultimato inglês de 1890. A disputa dos<br />
republicanos e dos monárquicos pelo poder implicava a redefinição do imaginário<br />
colectivo sem a qual era impossível inventar o futuro. O patriotismo redentor de<br />
Mousinho de Albuquerque será celebrado por todos desde o primeiro número do<br />
periódico. Assim será o caso do jornalista e dramaturgo Carlos de Moura Cabral (1852-<br />
1922) ao sair em sua defesa num artigo intitulado “O Herói de Chaimite”, onde se apela<br />
ao patriotismo nacional 7 .A unanimidade em torno da sua figura explica o facto de que<br />
a publicação, embora contando com muitos colaboradores ligados ao partido<br />
regenerador, abra as suas páginas ao republicano Sebastião de Magalhães Lima (1850-<br />
Lisboa). Com efeito, presidindo à Comissão do Centenário da Índia é a pessoa mais<br />
indicada para fazer a síntese entre os dois “factos” num artigo significativamente<br />
intitulado “Pro Pátria” 8 . O entusiasmo patriótico pelas epopeias do passado e do<br />
presente contrasta com a visão pessimista de um país condenado à nulidade mais<br />
absoluta. O artigo de fundo geralmente escrito por Jaime Vítor, o texto de análise<br />
política assinado por José Azevedo Castelo Branco (1852-1923) e as contribuições<br />
esporádicas de Luciano Baptista Cordeiro de Sousa (1844-1900) ou Carneiro de Moura<br />
(1868-1900) atestam o desespero perante a perspectiva da decadência irremediável de<br />
Portugal. As análises oriundas destes membros da classe política ligadas ao partido<br />
regenerador testemunham o esgotamento do rotativismo monárquico e a incapacidade<br />
de passar da crítica à construção de uma alternativa credível dentro do sistema.<br />
6 Joaquim Augusto de Mouzinho de Albuquerque (1855-1902),oficial de cavalaria que se destacou nas campanhas<br />
coloniais de Moçambique (1894-1895) e foi governador-geral de Moçambique até <strong>1898</strong>. Trata-se do Quarto<br />
Centenário da Descoberta do caminho marítimo da Índia, assinalando a chegada da armada de Vasco da Gama a<br />
Calecute em 1498.<br />
7 Cf. Cabral, Carlos de Moura, O Herói de Chaimite, Almeida, Fernando Mendes de, Lisboa, Jornal do Brasil:<br />
Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong>, Lisboa, Mendes & Cia, 27/12/<strong>1897</strong>, N.º 1, p.2.<br />
8 Cf. Lima, Sebastião de, Pró Pátria, ob. cit., p.4.
5<br />
No caso do Brasil a situação é diferente, pois encontramos um período de<br />
estabilização política da República Velha (1889-1930), coincidente com as presidências<br />
de José de Morais e Barros Prudente (1894-<strong>1898</strong>) e de Manuel Ferraz de Campos Sales<br />
(<strong>1898</strong>-1902). Os directores da Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong> estão preocupados em<br />
transmitir aos leitores a imagem de um país onde as instituições funcionam<br />
normalmente. O tempo da guerra civil, da ingerência militar e do governo ditatorial de<br />
Floriano Peixoto (1891-1894), pertencia definitivamente ao passado 9 . A tentativa<br />
falhada do assassínio de Prudente de Morais (05/11/<strong>1897</strong>) permite a Tomás Ribeiro<br />
(1831-1901) elogiar o governo consensual e pacífico do presidente. O escritor, tendo<br />
sido embaixador no Rio de Janeiro em 1895, no momento difícil do restabelecimento<br />
das relações diplomáticas, interrompidas em 1893, era uma testemunha directa das suas<br />
qualidades como homem e governante 10 .O caso mais relevante é de Joaquim Francisco<br />
Assis Brasil (1857-1938) embaixador brasileiro em Lisboa (1895-<strong>1898</strong>). O antigo<br />
governador do Rio Grande do Sul é alvo de constantes elogios por parte dos escritores<br />
portugueses devido ao facto de ter sido um dos artífices do reatamento, diplomático em<br />
1895. No entanto, as suas obras no campo da teoria política sobre o sistema democrático<br />
e republicano são especialmente valorizadas. Ramalhão Ortigão, uma das figuras mais<br />
carismáticas da Geração de 70, analisa esta vertente da sua actividade política,<br />
salientando a explicitação das instituições políticas brasileiras 11 . No fim de contas<br />
trata-se de fazer o elogio da evolução do regime republicano num sentido liberal,<br />
identificando-se positivamente com as suas principais figuras. A França dos anos 90 do<br />
século XIX é marcada do ponto de vista político pelo Caso Dreyfus e pelo processo de<br />
Émile Zola, largamente noticiados. A redacção do periódico alinha com os dreyfusards<br />
na defesa dos direitos dos homens, na condenação da perseguição aos judeus e na recusa<br />
de todo e qualquer militarismo 12 .<br />
A acção de Assis Brasil, o Caso de Dreyfus, o processo de Zola, a figura de<br />
Mousinho de Albuquerque, demonstram como é ténue a linha de separação entre<br />
política e literatura. No entanto, a literatura por si só tem o seu espaço assegurado nas<br />
páginas desta revista ilustrada, embora de forma desigual no referente a cada país. A<br />
presença de escritores portugueses é avassaladora face aos contributos dos seus<br />
9 Cf. Ribeiro, Tomás, Prudente de Morais, ob. cit. p.5 e Vítor, Jaime e Boaventura, Visconde de S., Dr. M. F. de<br />
Campos Sales, ob, cit., 17/01/<strong>1898</strong>, N.º 3, p.4.<br />
10 Cf. Ribeiro, Tomás, Prudente de Morais, ob. cit., N.º 1, 27/12/<strong>1897</strong> N.º 1, p.<br />
11 Cf. Ortigão, José Duarte Ramalho, Assis Brasil, ob. cit., 17/01/<strong>1898</strong>, N.º 3, p.5.5<br />
12 Cf. Anónimo (correspondente de Paris), ob. cit., 09/03/<strong>1898</strong>, N.º 6, p.6.
6<br />
homónimos brasileiros e franceses. Os colaboradores portugueses da Edição <strong>Quinzenal</strong><br />
<strong>Ilustrada</strong> representavam as mais variadas correntes da literatura nacional, mas os poetas<br />
eram os mais numerosos. Os mais importantes foram João de Deus, Gomes Leal, Eça<br />
Leal, Guerra Junqueiro eram os mais importantes, embora se tenha de considerar a<br />
relevância de Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931) ou de Júlio Dantas. No caso<br />
de João Deus não se tratava de uma colaboração directa, mas da publicação de uma<br />
carta tirada de um livro de prosas. No campo da prosa os mais salientes relevantes eram<br />
D. João da Câmara, A. M. Cunha Belém, Maria Amália Vaz de Carvalho e Malheiro<br />
Dias. O caso do primeiro era semelhante a João de Deus, pois publicava-se um excerto<br />
da peça “A triste viuvinha” que estava a ser representada no teatro D. Maria II. A. M. da<br />
Cunha Belém destaca-se pelas críticas teatrais, Maria Amália Vaz de Carvalho pelo<br />
elogio de Assis da Silva e das filhas e, Malheiro Dias, pela secção “Os Novos” onde ao<br />
lado da crítica literária, procuravam lançar jovens escritores. Torna-se assim patente a<br />
ausência dos contos, novelas, ou narrativas destes autores o que deixava esta área,<br />
sobretudo, aberta para as análises e elogios políticos.<br />
No caso brasileiro a questão coloca-se de maneira diferente, porque os textos<br />
publicados são essencialmente alguns poemas da autoria de Luís Guimarães, de Luís<br />
Guimarães Filho e de Assis Brasil. A divulgação de autores brasileiros tem algum eco,<br />
como o poeta romântico Bernardo Guimarães cujo elogio é feito pelo Visconde de S.<br />
Boaventura. O jornalista Francisco José Teixeira Bastos (1857-1902) crítica o<br />
desconhecimento nacional da literatura brasileira, num comentário ao livro do poeta e<br />
jurista José Isidoro Martins Júnior (1860-1904), intitulado: “História do Direito<br />
Natural” (1895). O idioma partilhado era o ponto de partida ideal para a unidade<br />
literária dos dois povos, embora constituindo ramos separados. A opinião expressa<br />
sobre este assunto por Joaquim Nabuco, na Academia Brasileira de Letras, é utilizada<br />
para justificar esta posição, pois refere as origens comuns e os futuros destinos<br />
separados das duas literaturas 13 .<br />
A Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong> tem uma especial predilecção pela divulgação dos<br />
autores, textos e notícias da França. Considerada, então, um dos expoentes culturais da<br />
época a literatura francesa era uma referência obrigatória para as produções literárias<br />
europeias e americanas. Naturalmente a revista ilustrada incorporava, nas suas páginas,<br />
textos e informações sobre a vida social, política e cultura gaulesa, apesar a sua<br />
13 Cf. Bastos, Francisco José Teixeira, Um livro brasileiro, ob. cit., p.2
7<br />
presença fosse minoritária perante os contributos portugueses e brasileiros. Os textos<br />
são da autoria de Alphonse Daudet (1840-<strong>1897</strong>) e de Charles Pierre Monselet (1825-<br />
1880) 14 . O anúncio da tradução do Rei de Paris pelo Visconde de São Boaventura, de<br />
Georges Ohnet (1848-1918), no último número da revista insere-se no mesmo<br />
complexo de preocupações. Neste grupo de escritores é dada especial relevância a Jules<br />
Verne (1828-1905), e a Émile Zola (1840-1902), valorizado politicamente pela<br />
actuação, moralmente exemplar, no Caso Dreyfus, sem que qualquer obra ou excerto de<br />
ambos tenha sido publicado. Assim sendo, a presença da literatura francesa, embora<br />
importante, tende a centrar-se em autores de maior impacto popular como Daudet,<br />
Ohnet ou Zola, mesmo que qualidade literária não fosse a mesma.<br />
4. A palavra e a imagem<br />
A Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong> valoriza, em extremo, a palavra escrita como meio<br />
privilegiado de comunicação com os leitores. O seu grande trunfo é porém a imagem<br />
omnipresente, em todos os números sob diversas formas, desde o simples desenho a<br />
carvão até à última novidade tecnológica: a fotografia a preto e branco ou colorida<br />
artificialmente. Os acontecimentos importantes, como o desembarque de Mousinho de<br />
Albuquerque em Lisboa, a execução de Fazzini, ou o incêndio da fábrica Aliança, são<br />
reproduzidos nas páginas desta revista ilustrada. No entanto, os monumentos nacionais,<br />
como a Sé de Braga ou o Castelo de Alvito, são alvo de uma cuidadosa reprodução<br />
inserindo-se numa movimentação mais vasta de valorização do passado nacional. O<br />
Centenário da Índia (<strong>1898</strong>) permite exprimir esta realidade, quer através do cartaz de<br />
lançamento das comemorações, da autoria de Roque Gameiro ou do retrato de Vasco da<br />
Gama oferecido e comentado por um dos seus descendentes: o Conde da Vidigueira. A<br />
imagem tem grande importância na informação fornecida sobre os homens públicos,<br />
escritores, artistas e actores brasileiros e na divulgação do seu trabalho. Esta realidade é<br />
detectável no caso do elogio da obra dos escultores Bernardelli ou do pintor Modesto<br />
Brocos. A posição dominante é, contudo, ocupada pelas actrizes brasileiras, ou de<br />
ascendência brasileira, presentes praticamente em todos os números e ocupando as<br />
14 Cf. Monselet, Charles Pierre, A carta de recomendação, ob. cit., 17/01/<strong>1898</strong>, N.º 3, p.4.e Daudet, Alphonse, A<br />
morte do Delfim, ob. cit., 09/03/<strong>1898</strong>, N.º 6, p.4
8<br />
primeiras páginas da revista 15 . Esta realidade não exclui a reprodução da figura do<br />
autor francês Alphonse Daudet ou dos retratos da família real portuguesa. Assim sendo,<br />
existe uma nítida predominância da cultura brasileira, neste campo, que compensando<br />
largamente as limitações da presença dos escritores brasileiros. Nesta perspectiva e nos<br />
finais do século XIX a imagem teve um papel tão relevante ou eventualmente superior à<br />
palavra no processo de intercâmbio cultural entre Portugal, o Brasil e a França os finais<br />
do século XIX nas páginas da Edição <strong>Quinzenal</strong> <strong>Ilustrada</strong>.<br />
Oeiras, 24 de Julho de 2012<br />
Júlio Rodrigues da Silva<br />
15 A artista portuguesa Lucinda Simões contribui para esta popularidade, pois descreve a simpatia prestada aos<br />
actores portugueses no Brasil. Cf. Simões, Lucinda, Os actores portugueses no Brasil, ob. cit., 11/01/<strong>1898</strong>, N.º 2,<br />
p.2-3.