Poesia - Academia Brasileira de Letras
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Igor Fagun<strong>de</strong>s<br />
re<strong>de</strong>scoberto no percurso algum cortejo<br />
<strong>de</strong> um frágil título inda forte sob o peito<br />
a procurar nas prateleiras já lotadas<br />
um vão para o repouso ao rés das folhas gastas<br />
<strong>de</strong> outra obra cuja história não termina: mora<br />
nas horas em que <strong>de</strong>ixo flores sobre a cova<br />
em dia <strong>de</strong> finados, que, afinal, são todos:<br />
às vozes em memória, nunca o ouvido mouco<br />
até o silêncio insiste em bagunçar o quieto<br />
em <strong>de</strong>safio estoura o tímpano mais cético<br />
– nos cemitérios quem (sem fé?) não se atordoa<br />
a cada vez que um cala-frio a paz lhe rouba? –<br />
assim frequento os corredores <strong>de</strong> meus livros:<br />
pneumotóraxes com tangos argentinos<br />
para embalar o horror <strong>de</strong> uma barata-Kafka<br />
que na babel <strong>de</strong> Borges nem Quixote esmaga<br />
talvez sejamos nós, leitores, os cadáveres<br />
ressuscitados pelos signos literários<br />
permanecidos virgens quando o achamos rotos:<br />
ao prenhe suscetíveis, parem livros outros<br />
como se houvesse algum zigoto congelado<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rreter-se em fogo imaginário<br />
e nele gerar fetos no lugar <strong>de</strong> féretros –<br />
rebatizado <strong>de</strong> berçário o cemitério<br />
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