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Os signos linguísticos e a semiologia das imagens - Unisul

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OS SIGNOS LINGUISTICOS E A SEMIOLOGIA DAS IMAGENS:<br />

AS CONTRIBUIÇÕES DE SAUSSURE E DE BARTHES NA<br />

ANÁLISE DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS<br />

.<br />

Mario Abel Bressan Junior 1<br />

RESUMO<br />

O presente artigo expõe uma análise <strong>das</strong> concepções de Roland Barthes e Ferdinand de<br />

Saussure acerca dos <strong>signos</strong> <strong>linguísticos</strong>, linguagem e <strong>imagens</strong>. A investigação é focada<br />

nas obras "Elementos de Semiologia" e "O Óbvio e o Obtuso", de Barthes; e "Curso de<br />

Linguística Geral", de Saussure. Apresenta como objetivo averiguar as ideias destes<br />

autores e como estas podem ser relaciona<strong>das</strong> e aplica<strong>das</strong> em uma análise semiológica de<br />

dois anúncios publicitários. Seus objetos de estudo são um anúncio da marca "O<br />

Boticário", veiculado em 2005, e outro da marca "Volkswagen", veiculado em 2008.<br />

Ambos são de autoria da agência de propaganda ALMAP/BBDO e possuem como<br />

figura central personagens de histórias infantis, mais precisamente de contos de fa<strong>das</strong>.<br />

Através desta análise, será possível verificar a aplicação dos conceitos atribuídos aos<br />

autores anteriormente mencionados.<br />

Palavras-chave: Signo linguístico. Semiologia. Roland Barthes. Ferdinand de Saussure.<br />

ABSTRACT<br />

The current essay shows an analysis of the conception by Roland Barthes and Ferdinand<br />

de Saussure about linguistic signs, language and images. The investigation is focused on<br />

the books "Elements of Semiology" and "The Obvious and the Obtuse", by Barthes; and<br />

"Course of General Linguistics", by Saussure. It has a goal to verify the ideas oh these<br />

authors and how they can related and applied in a semiological analysis of two<br />

commercial ads. Its study objects are an adversiting commercial by the brand "O<br />

Boticário", which was run in the year 2005, and the other brand one "Volkswagen",<br />

aired in 2008. Both are from the adversiting agency ALMAP/BBDO and have as a main<br />

theme children stories characters, more precisely of fairy tales. Trough this analysis, it<br />

will be possible to verify the use of concepts created by the authors who have abready<br />

been mentioned.<br />

Key-words: Linguistic sign. Semiology. Roland Barthes. Ferdinand de Saussure.<br />

UMA BREVE INTRODUÇÃO<br />

As personagens de histórias infantis, principalmente as de contos de fa<strong>das</strong>,<br />

sempre permaneceram no imaginário popular, estabelecendo um contato fantasioso com<br />

princesas, príncipes, bruxas, lobos etc. São enredos conhecidos desde muito cedo. As<br />

1 Professor universitário e publicitário. Mestrando em Ciências da Linguagem.


primeiras histórias são ouvi<strong>das</strong> ainda quando crianças. <strong>Os</strong> livros são produções em série<br />

que possibilitam a inclusão do inverossímil no imaginário infantil.<br />

Da mesma forma, a propaganda utiliza como recurso persuasivo vários<br />

elementos para se “contar” uma ideia. <strong>Os</strong> anúncios publicitários são rodeados de textos<br />

e <strong>imagens</strong> para que a leitura possa acontecer e convencer o leitor. A ideia criativa tende<br />

a ser embasada em algo já conhecido, mas talvez não explorado. Assim, o contexto<br />

linguístico e imagético faz parte da publicidade para transmitir uma mensagem.<br />

Neste artigo serão estudados os <strong>signos</strong> linguístico e imagético nos anúncios<br />

publicitários que utilizam como signo icônico duas personagens de contos de fa<strong>das</strong>,<br />

avaliando a força do texto para o entendimento conotativo da peça. Tem-se como<br />

objetos observados um anúncio da marca O Boticário e outro da Volkswagen (Carro<br />

Fox). As principais contextualizações são embasa<strong>das</strong> nas obras Elementos de<br />

Semiologia e O Óbvio e o Obtuso, de Barthes; e Curso de Linguística Geral de<br />

Saussure. A obra A relevância social da língua de Maria do Rosário Gregolin, também<br />

contribui com a discussão, apresentando alguns aspectos sociais da língua, da<br />

linguagem e do discurso.<br />

O SIGNO SAUSSURIANO E A SEMIOLOGIA DE BARTHES<br />

Primeiramente, é importante pensar e recordar a importância de Saussure<br />

(2004) e de Barthes (1988) para a análise semiológica. Mesmo antes de Saussure o<br />

signo já era avaliado e percebido por alguns teóricos e filósofos. Podemos até mesmo<br />

recorrer a Platão, para quem o signo apresentava-se como uma relação social, mesmo<br />

num contexto no qual ainda não havia a denominação que conhecemos hoje de<br />

semiótica ou <strong>semiologia</strong>.<br />

A partir da obra póstuma de Saussure, Curso de Linguística Geral, vários<br />

pesquisadores, posteriormente, identificaram a força da linguística no contexto social. O<br />

signo linguístico para Saussure se tornara extremamente necessário ao conhecimento e<br />

aquisição da mensagem e da linguagem. Para ele “a matéria da linguística é constituída<br />

inicialmente por to<strong>das</strong> as manifestações da linguagem humana”. (SAUSSURE, 2004, p.<br />

13) 2 . É após o estudo <strong>das</strong> concepções de Saussure, que Barthes (1988) estuda a<br />

<strong>semiologia</strong>. Para o último autor, a <strong>semiologia</strong><br />

2 A primeira edição da obra Curso de Lingüística Geral de Saussure é de 1916. Para este artigo, serviu<br />

como base de consulta a 26ª edição, do ano de 2004.


manteve um diálogo constante e transformador com: o estruturalismo<br />

etnológico (Lévi-Strauss), a análise <strong>das</strong> formas literárias (os formalistas<br />

russos, Propp), a psicanálise (Lacan), a filosofia (Derrida), o marxismo<br />

(Altusser), a teoria do Texto (Sollers, Julia Kristeva) (BARTHES, 1988, p.<br />

8).<br />

A <strong>semiologia</strong> tem por objeto qualquer sistema de <strong>signos</strong>. Saussure (2004)<br />

postulava em sua obra uma ciência geral dos <strong>signos</strong>, mais especificamente o signo<br />

linguístico: “o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e<br />

uma imagem acústica”. (SAUSSURE, 2004, p. 80). É a apresentação psíquica de duas<br />

faces, dois lados. Barthes (1988) destacava que, mesmo tendo as compreensões de<br />

Saussure avançado muito, o estudo da <strong>semiologia</strong> progredia lentamente.<br />

A razão disto talvez seja porque Saussure retomado pelos principais<br />

semiólogos, pensava a linguística como uma parte da ciência geral dos<br />

<strong>signos</strong>. Limitando-se a outros sistemas de <strong>signos</strong>. [...] é preciso em suma,<br />

admitir desde agora a possibilidade de revirar um dia a proposição de<br />

Saussure: a linguística não é uma parte, menos privilegiada, da ciência geral<br />

dos <strong>signos</strong>: a <strong>semiologia</strong> é que é uma parte da linguística; mais<br />

precisamente, a parte que se encarregaria <strong>das</strong> grandes unidades significantes<br />

do discurso (BARTHES, 1988, p. 13).<br />

Na linguística de Saussure há a abordagem de pares dicotômicos: língua e<br />

fala; sintagma e paradigma; denotação e conotação. <strong>Os</strong> conceitos de língua e fala são o<br />

centro <strong>das</strong> observações do autor, quando ele apresenta Língua como instituição social e<br />

um sistema de valores e Fala como um ato individual. Barthes (1988, p. 22) levanta<br />

alguns questionamentos sobre tais conceitos: “Será que se pode identificar a língua<br />

como código e a fala como mensagem” Para o autor, “esta identificação é impossível<br />

segundo a teoria hjelmsleviana 3 ; Pierre Guiraud a recusa, porque, segundo ele, as<br />

convenções do código são explícitas e as da língua são implícitas [...]”. (BARTHES,<br />

1988, p. 22).<br />

Dessa forma, pode-se prever, de acordo com Barthes (1988), que algumas<br />

classes de fato caberão à categoria língua e outras à categoria fala, destacando que nesse<br />

caminho semiológico, a observação de Saussure apresenta modificações, que deverão<br />

3 Hjelmslev (1973) expõe, a partir de Saussure, que o signo lingüístico possa ser agrupado através do<br />

Plano da Expressão e do Plano do Conteúdo, sendo estes ordenados em dois níveis: uma forma e uma<br />

substância. A forma compreende ao que Saussure denomina de valor, isto é, o conjunto <strong>das</strong> diferenças. As<br />

diferenças fônicas e regras de combinação fazem parte da forma da expressão, enquanto as diferenças<br />

semânticas e suas regras combinatórias competem a forma do conteúdo. To<strong>das</strong> geram substância. <strong>Os</strong><br />

sons, por exemplo, são substância da expressão, a substância do conteúdo são os conceitos.


ser observa<strong>das</strong>. Em outro contexto, Barthes (1988, p. 26) destaca a relação dos<br />

conceitos de língua e fala no âmbito sociológico definido por alguns teóricos.<br />

O alcance sociológico do conceito língua/fala é evidente. Cedo se sublinhou a<br />

afinidade manifesta entre a língua saussuriana e a concepção durkheimiana da<br />

consciência coletiva, independente de suas manifestações individuais;<br />

postulou-se até uma influência direta de Durkheim sobre Saussure. Saussure<br />

teria seguido de perto o debate entre Durkheim e Tarde. Sua concepção da<br />

língua viria de Durkheim e sua concepção de fala seria uma forma de<br />

concessão às ideias de Tarde acerca do individual.<br />

A seguir, utilizando-se outras concepções acerca do signo, será desenvolvida<br />

uma análise, observando-se a relação e aplicação dos significantes e significados para<br />

Barthes e Saussure.<br />

LEITURA SEMIOLÓGICA DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS: CONTRIBUIÇÕES<br />

DE BARTHES E SAUSSURE<br />

Após a exposição <strong>das</strong> percepções de Saussure e de Barthes sobre a função do<br />

signo, parte-se agora a um estudo aplicativo dos conceitos e teorias propostas por ambos<br />

os autores. É possível perceber que Barthes utiliza alguns dados saussurianos para<br />

explicar alguns pontos da <strong>semiologia</strong> estudada por ele. Apresenta também outros<br />

desdobramentos para se entender o sentido da imagem, especialmente no contexto<br />

publicitário. Um ponto importante destacado por Barthes (1988, p. 22) é que a fala<br />

“pode ser definida, além <strong>das</strong> suas amplitudes da fonação, como uma combinação<br />

variada de <strong>signos</strong>”. E que na língua presenciam-se alguns “sintagmas cristalizados”.<br />

Saussure (2004) define sintagma como uma composição de duas ou mais unidades<br />

consecutivas, ou seja, termos que estabelecem relação entre si, um encadeamento linear.<br />

Portanto, não é possível pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. É a “cadeia” da<br />

fala. Cada grupo forma uma série de “memória virtual”, um tesouro de memória.<br />

No conjunto de mensagens transmiti<strong>das</strong> pela publicidade, o que se percebe é<br />

a relação sintagmática do texto para que então se possa alcançar a mensagem desejada.<br />

Nos anúncios publicitários, as palavras tendem a expressar um sentido que muitas vezes<br />

é complementado pelas <strong>imagens</strong>. Outras vezes, é o texto que dá sentido à imagem.<br />

Surge então o que Saussure (2004), e depois Barthes (1988), descrevem sobre<br />

significante e significado. Em uma redação publicitária há vários significantes para


produzir um significado, ou até mais de um, dependendo dos <strong>signos</strong> utilizados. Barthes<br />

(1988, p. 39) destaca que “o significado e o significante são, na terminologia<br />

saussuriana, os componentes do signo”. Nesse sentido, Barthes destaca:<br />

Pode-se dizer que a substância do significante é material (sons, objetos,<br />

<strong>imagens</strong>). Em <strong>semiologia</strong>, em que vamos tratar de sistemas mistos que<br />

envolvem diferentes matérias (som e imagem, objeto e escrita etc.), seria bom<br />

reunir todos os <strong>signos</strong>. [...] o signo é uma fatia (bifacial) de sonoridade e<br />

visualidade. A significação pode ser concebida como um processo; é o ato que<br />

une significante e significado, ato cujo produto é o signo (BARTHES, 1988, p.<br />

50)<br />

Assim, Barthes (1988), baseado nas concepções saussurianas, considera<br />

descreve que na lingüística, significado não é uma “coisa”, mas sim uma representação<br />

psíquica da “coisa”. Desta forma, “Saussure notou bem a natureza psíquica do<br />

significado ao denominá-lo conceito: o significado da palavra boi não é o animal boi,<br />

mas sua imagem psíquica” (BARTHES, 1988, p. 46). O autor observa ainda que, “para<br />

Saussure, as relações que unem os termos <strong>linguísticos</strong> podem desenvolver-se em dois<br />

planos, cada um dos quais engendra seus próprios valores” (1988, p. 63).<br />

Nos anúncios analisados a seguir, tende-se a avaliar a relação dos<br />

significantes e significados, observando se a imagem psíquica é construída através do<br />

entendimento da mensagem persuasiva.


Anúncio 1 – O Boticário, veiculado em 2005. Agência ALMAP.<br />

Fonte: www.almapbbdo.com.br, acesso em 2005.<br />

Anúncio 2 – Volkswagen, veiculado em 2008. Agência ALMAP.<br />

Fonte: www.almapbbdo.com.br, acesso em 2008.


Em ambas as peças nota-se, uma pequena sequência de palavras para dar o<br />

contexto e sentido da ideia criativa. As <strong>imagens</strong> apresentam duas personagens míticas<br />

<strong>das</strong> histórias infantis, mais precisamente dos contos de fa<strong>das</strong>. O que é observado é um<br />

sentido conotativo destas figuras, mas que é entendido com a presença dos <strong>signos</strong><br />

<strong>linguísticos</strong> adequados, em uma posição esteticamente respeitada pelos padrões da<br />

direção de arte. Se retomarmos os sentidos de Saussure ao afirmar que o signo<br />

linguístico é a imagem acústica do significado, logo há a percepção de que na peça a<br />

relação sintagmática determinada pelo autor se faz presente e essencial.<br />

Nas fotografias expostas há uma relação icônica com objetos e personagens.<br />

Barthes (1988) contextualiza dizendo que pode ser encontrado em uma imagem<br />

fotográfica uma forma de mensagem em que há um emissor, um canal e um receptor.<br />

Um ponto importante em sua observação sobre a transmissão da mensagem por uma<br />

imagem também é ela estar acompanhada por <strong>signos</strong> <strong>linguísticos</strong>. Em seu livro<br />

“Elementos de Semiologia”, o autor observa a relação entre imagem e texto nas<br />

mensagens jornalísticas e publicitárias: “a estrutura da fotografia não é uma estrutura<br />

isolada; comunica, pelo menos, com uma outra estrutura, que é o texto”. (1988, p. 14).<br />

Diante disto, pode-se perceber que os anúncios acima dependem de ambas as estruturas,<br />

tanto verbais quanto não-verbais.<br />

Sobre a fala observada nos textos e <strong>imagens</strong> acima organizados para a<br />

produção da mensagem, Gregolin (2007), destaca que a linguagem é constituída por<br />

sujeitos em interações sociocomunicativas. Com isso, toda a produção do discurso tende<br />

a delinear as condições da fala, do dizer. Para Bakhtin, mencionado por Gregolin (2007,<br />

p. 72), “os gêneros são formas relativamente estáveis de enunciados que se caracterizam<br />

por um conteúdo temático, uma certa configuração formal, um certo estilo verbal”. O<br />

que pode ser percebido com estas reflexões é que a publicidade pode apresentar sentidos<br />

denotativos e conotativos, dependendo também da leitura do significante e da<br />

reprodução da mensagem.<br />

Para Barthes (1984, p. 14) a imagem fotográfica apresenta um regulamento<br />

particular: é uma mensagem sem código. “A mensagem fotográfica é uma mensagem<br />

contínua”. Ele aponta ainda outras mensagens sem código, que são precisamente to<strong>das</strong><br />

as reproduções analógicas da realidade: desenhos, pintura, cinema e teatro. Cada uma<br />

destas mensagens apresenta, além do conteúdo analógico (cena, objeto, paisagem), uma<br />

mensagem complementar, por Barthes denominada “o estilo da reprodução”.


Sintetizando, to<strong>das</strong> as “artes” imitativas compreendem duas mensagens: uma denotada e<br />

outra conotada. Sobre isso, o autor esclarece:<br />

Trata-se, então, de um sentido cujo significante é um certo “tratamento” da<br />

imagem sob a ação do criador, e cujo significado, quer estético, quer<br />

ideológico, remete para uma certa cultura da sociedade que recebe a<br />

mensagem. Em suma, to<strong>das</strong> estas “artes” imitativas comportam duas<br />

mensagens: uma denotada, que é o próprio analogon, e uma mensagem<br />

conotada que é o modo como a sociedade dá a ler, em certa medida, o que<br />

pensa dela. Esta dualidade <strong>das</strong> mensagens é evidente em to<strong>das</strong> as reproduções<br />

que não são fotográficas (BARTHES, 1984, p. 15)<br />

Há um entendimento talvez denotado de cada signo apresentado. Um carro é<br />

um carro no sentido denotado. Uma moça é uma moça em seu sentido real. A partir do<br />

momento em que um signo linguístico interfere para conotar um sentido, têm-se outros<br />

significados. Neste sentido, segundo Gregolin (2007, p. 73), a propaganda, para atingir<br />

seu objetivo, “agencia valores ideológicos de uma sociedade”, e isso pode estar<br />

materialmente marcado na linguagem utilizada. Em relação à produção e efeitos de<br />

sentido, Gregolin discute que “todo discurso é polissêmico e, atravessado pela polifonia,<br />

liga-se a um certo lugar ideológico. Ao enunciar, o sujeito se coloca em uma posição<br />

ideologicamente marcada”. (2007, p. 73).<br />

Barthes (2004), ao observar a evolução <strong>das</strong> comunicações de massa,<br />

evidencia a força da mensagem linguística presente em to<strong>das</strong> as <strong>imagens</strong>. Títulos,<br />

legen<strong>das</strong> e códigos estão por toda parte estabelecendo vínculo interpretativo. Para o<br />

autor, hoje, “não é muito justo falar de uma civilização da imagem: somos ainda e mais<br />

do que nunca uma civilização da escrita, porque a escrita e a fala são sempre termos<br />

plenos da estrutura informativa”. (2004, p. 31). É o signo linguístico e o icônico<br />

imagético criando efeitos de interpretação. O texto e a imagem são os principais<br />

componentes para um processo de conotação, segundo Barthes.<br />

No anúncio número 1 (um), cujo anunciante é “O Boticário”, percebe-se<br />

claramente a função do texto para a compreensão da mensagem. A imagem denotada de<br />

uma mulher com um capuz vermelho é atribuída a um significado real, não polissemia.<br />

A conotação ocorre quando os significantes, neste caso, <strong>linguísticos</strong>, oferecem um novo<br />

significado. Apresentando, assim, a figura da personagem Chapeuzinho Vermelho, com<br />

o texto verbal: “a história sempre se repete, todo chapeuzinho vermelho que se preze,<br />

um belo dia, coloca o lobo mau na coleira”, tem-se uma nova relação sintagmática que


oferece suporte à imagem. Quem é o lobo mau nesta história Em nenhum momento há<br />

evidência deste personagem. Em um sentido conotativo, há a percepção de este lobo ser<br />

o próprio homem, evidenciando assim a submissão masculina diante da mulher que<br />

utiliza os produtos da marca “O Boticário”.<br />

Assim, nas concepções de Barthes (1984), naturalmente, a significação só é<br />

possível na medida em que há reserva de <strong>signos</strong>, esboço de códigos. Registram-se aqui<br />

alguns significantes, como a mulher vestindo vermelho, olhar sensual, batom vermelho,<br />

céu como paisagem e os códigos verbais complementando o contexto. Outro ponto da<br />

mensagem linguística que merece destaque é a sequência “um belo dia”. Em todos os<br />

contos de fa<strong>das</strong> (ou praticamente todos) sempre há esta expressão identificando a<br />

fantasia da narrativa, um lugar onde não há receios. É uma identificação temporal da<br />

história. Há também nesta fala uma constatação polissêmica, abrindo-se para novos<br />

significados. O anúncio não teria o mesmo sentido somente com a imagem. O texto<br />

supre a necessidade conotativa.<br />

Barthes (2004, p. 16) conclui:<br />

Estruturalmente, o paradoxo não é evidentemente o concluído de uma<br />

mensagem denotada e de uma mensagem conotada: é este o estatuto<br />

provavelmente fatal de to<strong>das</strong> as comunicações de massa; pois a mensagem<br />

conotada (ou codificada) desenvolve-se aqui a partir de uma mensagem sem<br />

código.<br />

Observando o anúncio número 2 (dois), no qual o produto anunciado trata-se<br />

do carro Fox (marca Volkswagen), tem-se também uma leitura estrutural de texto e<br />

imagem. Diferentemente da peça anterior, este apresenta o produto em exposição<br />

fotográfica. É um retrato de um automóvel com uma modelo, neste caso, representando<br />

a personagem Rapunzel. Um signo evidente para a codificação da personagem são as<br />

suas tranças. Ela, ao contrário da análise anterior, não apresenta uma sensualidade<br />

explícita, mas sim de forma delicada. As princesas, em sua iconicidade, projetam-se sob<br />

este significado. Percebe-se, na imagem analisada, pela sua expressão, o toque no<br />

automóvel, o sorriso um pouco escondido. Até aí, tem-se to<strong>das</strong> estas identificações. Mas<br />

o que ela está fazendo em um automóvel Que narrativa é esta A resposta é obtida com<br />

a leitura da frase que acompanha a imagem: “Você se sente no alto em um Fox”. Com a<br />

mensagem verbal é estabelecido um novo significado. São novamente novos<br />

significantes produzindo outros significados. O texto acrescenta sentido à Rapunzel<br />

dentro do automóvel. O estudo de Barthes (1984, p. 19) esclarece que os objetos podem


ser elementos de associações de ideias, para ele, “o objeto talvez já não possua uma<br />

força, mas possui, seguramente, um sentido”.<br />

O carro vem aqui, em uma relação paradigmática, substituir o significante<br />

“torre” (altura). É como se a personagem estivesse vivendo novamente nas alturas,<br />

signo este pertencente à sua história. Há a conotação do automóvel e suas qualidades,<br />

mas em nenhum momento no anúncio isso é descrito de maneira denotada. Nesse<br />

sentido, Barthes (1984, p. 17) destaca que a conotação nasce então dos objetos<br />

fotográficos e analisa: “a conotação, isto é, a imposição de um segundo sentido à<br />

mensagem fotográfica propriamente dita, elabora-se nos diferentes níveis de produção<br />

da fotografia”.<br />

APLICAÇÕES DE BARTHES ACERCA DA IMAGEM<br />

Barthes em seu livro O Óbvio e o Obtuso (1984), estabelece uma sequência<br />

que pode ser aplicada na análise de uma imagem. Primeiramente, ele contextualiza a<br />

grande relação da imagem denotada como instrumento da imprensa. Para ele,<br />

em suma, de to<strong>das</strong> as estruturas de informação, a fotografia seria a única a ser<br />

exclusivamente constituída e ocupada por uma mensagem denotada, que<br />

absorveria completamente o seu ser; perante uma fotografia, o sentimento de<br />

denotação, ou se preferirmos, de plenitude analógica, é tão intenso que a<br />

descrição de uma fotografia é literalmente impossível; porque descrever<br />

consiste precisamente em acrescentar à mensagem denotada um suporte ou<br />

uma mensagem segunda, extraída de um código que é a língua, e que constitui<br />

fatalmente, faça-se o que se fizer para se ser exato, uma conotação em relação<br />

ao análogo fotográfico: descrever não é, pois, somente ser exato ou<br />

incompleto, é mudar de estrutura, é significar outra coisa, diferente do que se<br />

mostrou. (BARTHES, 2004, p. 15)<br />

Aos poucos o autor vai visualizando a conotação na mensagem fotográfica e<br />

aplicando algumas técnicas de análise que serão relaciona<strong>das</strong> aos anúncios abordados<br />

neste artigo.<br />

Trucagem:<br />

A primeira delas diz respeito à trucagem da imagem fotográfica. Barthes<br />

(1984, p. 17) diz: a trucagem interfere no plano de denotação, utilizando a credibilidade<br />

da fotografia. “O interesse metódico da trucagem reside no fato de intervir mesmo no<br />

seio do plano de denotação, sem prevenir”. A fotografia expõe seu poder denotativo,<br />

mas que é fortemente conotada pelas reservas de <strong>signos</strong> que a compõe.


Pose:<br />

A pose é o segundo elemento utilizado pelo autor para a observação de uma<br />

imagem. Esta técnica consiste na leitura dos significados de denotação adquiridos com a<br />

pose do indivíduo fotografado. São as reservas de atitudes estereotipa<strong>das</strong> que<br />

possibilitam a interpretação. Nos dois anúncios há a percepção de poses diferentes. No<br />

primeiro (O Boticário) a modelo está com o rosto levemente voltado para cima,<br />

representando a submissão masculina, conforme já observado. Está com um dos olhos<br />

tapados pelos cabelos, representando o “escondido”, o mistério. O olhar é provocante,<br />

situa-se em um simbolismo mais sensual.<br />

No segundo anúncio (Fox) a modelo já apresenta o rosto voltado<br />

delicadamente para baixo. É perceptível a sua beleza, mas há maior suavidade no olhar<br />

e na expressão facial. Faz também um “convite” à sedução, mas não de submissão.<br />

Neste caso, são os estereótipos descritos por Barthes, elementos que constituem uma<br />

significação.<br />

Fotogenia:<br />

Pode-se dizer que é na fotogenia, segundo Barthes, que a conotação da<br />

imagem está presente na própria imagem “embelezada” por recursos de iluminação e<br />

impressão. Esses recursos ou técnicas devem ser investigados, pois cada um pode<br />

corresponder a um significado de conotação “suficientemente constante para ser<br />

incorporada num léxico cultural” (1984, p. 19).<br />

Em ambos os anúncios estudados há uma série de recursos propostos por<br />

Barthes que podem estabelecer laços de conotação. A iluminação se faz presente na<br />

fotografia, realçando o brilho existente nos objetos, neste caso, o capuz da Chapeuzinho<br />

e o automóvel Fox. Um ponto interessante é que no anúncio do Fox há uma luz<br />

direcionada de cima para baixo, formando sombras na parte inferior do carro, remetendo<br />

à idéia de que o automóvel está no chão, possui uma base. Visto que se trata de um<br />

fundo totalmente branco, destacando apenas a cor preta do carro e os tons suaves da<br />

modelo (cor de pele, cabelo, roupa e laço de fita), a sombra vem fornecer uma base para<br />

o objeto retratado. São recursos utilizados para a produção de significados. Tem-se uma<br />

apresentação estética da peça, tornando-se fácil e agradável a contemplação.<br />

A RELAÇÃO DE TEXTO E IMAGEM


Após a observação e análise do signo linguístico e sua importância para<br />

contexto publicitário, como ligação de sentidos, Barthes elenca alguns pontos sobre a<br />

relação de texto e imagem: “o texto constitui uma mensagem parasita, destinada a<br />

conotar a imagem, isto é, a „insuflar-lhe‟ um ou vários significados segundos”. (1984, p.<br />

21). Complementa afirmando que a palavra já não é mais ilustrada pela imagem, mas<br />

sim “é a palavra que, estruturalmente, é parasita da imagem”. (1984, p. 21). O signo<br />

linguístico vem “patetizar”, exaltar, racionalizar a imagem. Estas concepções são<br />

percebi<strong>das</strong> nos anúncios analisados. Se não houvesse a palavra, as <strong>imagens</strong> teriam<br />

outros sentidos, podendo não ser os desejados.<br />

Antigamente, a imagem ilustrava o texto (tornava-o mais claro); hoje, o texto<br />

sobrecarrega a imagem, confere-lhe uma cultura, uma moral, uma imaginação<br />

[...] antigamente, havia redução do texto à imagem, hoje há ampliação da<br />

imagem ao texto: a conotação já não é vivida senão como ressonância natural<br />

da denotação fundamental constituída pela analogia fotográfica. (BARTHES,<br />

1984, p. 21)<br />

Na propaganda observam-se alguns elementos discursivos, como a<br />

linguagem verbal-visual, os quais são primordiais para a mensagem persuasiva. <strong>Os</strong><br />

textos são elementos <strong>linguísticos</strong> associados à imagem para formar um sentido<br />

(conteúdo temático). Gregolin (2007) destaca que alguns textos são transparentes,<br />

outros possibilitam uma significação plural. <strong>Os</strong> jornais, para a autora, em suas<br />

manchetes, devem ser neutros e transparentes, diferentemente do discurso literário, que<br />

é polissêmico. Para a autora (2007, p. 74), tudo isso “são jogos discursivos que criam<br />

esses efeitos, pois nunca há evidência absoluta nos sentidos: é essa ambiguidade que<br />

cria o humor no final do texto da propaganda”. É o que pode ser evidenciado nos<br />

enunciados <strong>das</strong> peças publicitárias destaca<strong>das</strong> acima. Há um jogo de palavras, uma<br />

relação sintagmática que possibilita essa estrutura da linguagem. A esse respeito,<br />

Gregolin se manifesta:<br />

<strong>Os</strong> sentidos nascem de relações entre textos e discursos; há uma regularidade<br />

própria dessa circulação, no interior da qual a memória retoma textos e<br />

discursos e cria aquilo que se pode e se deve dizer em um certo momento<br />

histórico. [...] todos os textos que circulam em uma sociedade dialogam entre<br />

si por meio da intertextualidade. Por isso, a produção e a interpretação textual<br />

exigem o recurso à memória discursiva, à retomada de outros textos que já<br />

foram enunciados antes, em outros lugares (GREGOLIN, 2007, p. 75).


Muitas particularidades podem ser percebidos com as <strong>imagens</strong> destaca<strong>das</strong><br />

em ambos os anúncios. Há um recurso, neste caso a interpretação textual, que vem<br />

ativar a memória discursiva do leitor. Ou seja, a maioria, em algum momento de sua<br />

existência já leram ou visualizaram em histórias infantis as personagens Rapunzel e<br />

Chapeuzinho Vermelho, vistas por outro prisma. A publicidade utiliza muito esta<br />

ferramenta, buscando elementos que possam atingir a memória discursiva do públicoalvo.<br />

Há nesta percepção o que Gregolin (2007) destaca como produção do discurso,<br />

relacionado entre língua e história, história e social na produção de sentidos.<br />

Sendo o signo linguístico uma entidade psíquica de duas faces, na qual o<br />

significante e o significado não se separam, faz-se aqui uma observação quanto ao signo<br />

linguístico na propaganda: nesta, de certa forma, o signo linguístico apresenta um<br />

significante e um significado que é arbitrário, mas há uma formação psíquica elaborada<br />

com a ajuda <strong>das</strong> <strong>imagens</strong>. Em relação a isso, Saussure explica:<br />

O laço que une significante ao significado é arbitrário ou então, visto que<br />

entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com<br />

um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é<br />

arbitrário. (SAUSSURE, 2004, p. 81)<br />

Barthes (1984) destaca que a imagem oferece um valor linguístico para o<br />

leitor. Vem oferecer uma mensagem, cujo valor é linguístico. Há alguns suportes,<br />

também, como as próprias marcas dos anunciantes. Após toda identificação da ideia<br />

criativa, tem-se o entendimento do anunciante e seu propósito conceitual, seu<br />

posicionamento. É uma significação intencional. <strong>Os</strong> elementos que compõe a imagem<br />

não estão postos naturalmente em uma cena, estão em pose.<br />

Em publicidade, a significação da imagem é seguramente intencional: são<br />

certos atributos do produto que formam a priori os significados da mensagem<br />

publicitária e estes significados devem ser transmitidos tão claramente quanto<br />

possível. [...] a imagem publicitária é franca, ou pelo menos enfática.<br />

(BARTHES, 1984, p. 27)<br />

A intenção de uma peça publicitária ao utilizar elementos como texto,<br />

chamada, ilustração e assinatura é persuadir um público alvo desejado. São itens<br />

necessários para a construção do processo persuasivo da mensagem. As <strong>imagens</strong> são<br />

intencionais, são construí<strong>das</strong> para proporcionar efeitos, atribuindo significados ao leitor<br />

do anúncio.


Após a exibição do recorte teórico oferecido neste artigo e analisado os<br />

materiais propostos, têm-se a seguir as considerações finas e apontamentos importantes<br />

a respeito deste.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Após a discussão da relação entre texto e imagem, observa-se que no<br />

discurso publicitário há encadeamento estrutural de <strong>signos</strong> verbais e não-verbais. Não se<br />

pode dizer que somente com a imagem a mensagem é decodificada, pois, conforme a<br />

análise realizada, constatou-se que o signo linguístico apresenta uma função essencial<br />

para o anúncio.<br />

É interessante, hoje, para muitos estudiosos semiológicos e semióticos, o<br />

conceito de signo e seus desdobramentos. Este artigo possibilitou a realização de uma<br />

análise embasada nas considerações saussurianas e também nas observações de Barthes<br />

acerca <strong>das</strong> <strong>imagens</strong>. Em geral, um anúncio publicitário tende a utilizar vários elementos<br />

interpretativos. A imagem e texto são fortes significantes para uma mensagem denotada<br />

e conotada, dependendo do objetivo proposto. Mas o que é extremamente utilitário e<br />

evidenciado é a relação do texto para a produção da conotação, recurso bastante<br />

utilizado pelo discurso publicitário. Barthes (1984, p. 22), conclui: “o texto não faz<br />

senão ampliar um conjunto de conotações já incluí<strong>das</strong> na fotografia; mas, por vezes,<br />

também o texto produz (inventa) um significado inteiramente novo”.<br />

Assim, cabe a estudantes e profissionais da área, a busca constante para a<br />

aplicação e observação de recursos textuais e imagéticos. Afinal, Rapunzel e<br />

Chapeuzinho Vermelho, podem vir a ser protagonistas de novas relações sintagmáticas,<br />

mas certamente estarão presentes na memória discursiva, que será ativada por novos<br />

<strong>signos</strong> <strong>linguísticos</strong> e visuais.


REFERÊNCIAS<br />

BARTHES, Roland. Elementos de <strong>semiologia</strong>. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1988.<br />

______________. O óbvio e o obtuso. Porto: Edições 70, 1984.<br />

GREGOLIN, Maria do Rosário. A relevância social da língua. 2007<br />

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix,<br />

2004.

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