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O trabalho infantil no quadro da Revista Nova Escola (RNE).

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VI SEMINÁRIO DE PESQUISA DA REGIÃO SUL<br />

PESQUISADORA RESPONSÁVEl: Maria dos Anjos Lopes Viella<br />

TÍTULO: O <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> <strong>no</strong> <strong>quadro</strong> <strong>da</strong> <strong>Revista</strong> <strong>Nova</strong> <strong>Escola</strong> (<strong>RNE</strong>).<br />

Resumo:<br />

Este <strong>trabalho</strong> tem como objetivo apreender como o <strong>trabalho</strong>, especialmente o <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> se apresenta <strong>no</strong><br />

contexto <strong>da</strong> <strong>Revista</strong> <strong>Nova</strong> <strong>Escola</strong> (<strong>RNE</strong>). Elegeu-se este periódico considerando que é um dos poucos que chega<br />

regularmente às escolas e bibliotecas públicas, sendo instrumento de fácil acesso para muitos professores. A análise<br />

<strong>da</strong> forma de como o <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> comparece <strong>no</strong> contexto <strong>da</strong> revista será feita partindo-se do seu primeiro número<br />

(mar. /86) ao número 190 (mar./2006), perfazendo um total de 20 a<strong>no</strong>s de <strong>Nova</strong> <strong>Escola</strong>. O estopim que acendeu a<br />

idéia, além de pesquisas já feitas anteriormente sobre esta temática, foi um título provocador estampado numa <strong>da</strong>s<br />

páginas <strong>da</strong> revista em maio de 1994: “A infância perdi<strong>da</strong>” mostrando a exploração <strong>da</strong> infância nas carvoarias,<br />

canaviais e lavouras de café de vários Estados do Brasil. Com isto, pretende-se focalizar o olhar para outros tempos<br />

e espaços de (de)formação <strong>da</strong> infância muito além do espaço escolar: o espaço do <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>.<br />

Palavras-chave: Trabalho, <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>, educação.<br />

Alguns <strong>trabalho</strong>s (Ferretti e Madeira, 1992; Bonami<strong>no</strong>, Mata e Dauster, 1993; Trein e Ciavatta, 2003) que<br />

fazem o “Estado <strong>da</strong> arte” em Trabalho e educação mostram que o diálogo <strong>da</strong> educação com o mundo do <strong>trabalho</strong> e<br />

especificamente do <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>, tem sido tímido, embora um breve acompanhar <strong>da</strong> trajetória <strong>da</strong>s pesquisas em<br />

educação sinalize que a área avançou bastante, principalmente <strong>no</strong>s últimos 15 a<strong>no</strong>s. Foram muitas as contribuições<br />

em relação à didática, à educação <strong>da</strong> criança de 0 a 6 a<strong>no</strong>s, à educação especial, à educação fun<strong>da</strong>mental, à<br />

formação de professores, ao currículo, aos estudos de gênero, às políticas <strong>da</strong> educação superior entre tantas outras.<br />

Num momento em que mutações intensas ocorrem <strong>no</strong> mundo do <strong>trabalho</strong> e que evidências empíricas, presentes em<br />

vários documentos nacionais e internacionais, sobre a inclusão precoce e crimi<strong>no</strong>sa de crianças <strong>no</strong> mercado de<br />

<strong>trabalho</strong>, explode em todo o mundo e onde também se percebe um leque diferenciado que compõe a classe<br />

trabalhadora, impõe-se a necessi<strong>da</strong>de de entender a forma de ser do <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> <strong>no</strong> capitalismo contemporâneo.<br />

Ao percorrer as páginas <strong>da</strong> <strong>RNE</strong> um título provocador estampado numa <strong>da</strong>s páginas <strong>da</strong> <strong>Revista</strong> (<strong>Nova</strong><br />

<strong>Escola</strong>, maio/1994, p.13), chama a atenção: “A infância perdi<strong>da</strong>” e na mesma página, um fragmento de entrevista<br />

com uma criança que trabalha <strong>no</strong> carvão.<br />

Quantos a<strong>no</strong>s você tem<br />

-9.<br />

-Você vai à escola<br />

-Nunca fui.<br />

-Por quê<br />

-Não dá. Se nós não fizer carvão, nós não come.<br />

-Qual é o seu maior desejo


-Não tossir de <strong>no</strong>ite por causa <strong>da</strong> fumaça do for<strong>no</strong>. Aí dá para dormir.<br />

Considerando que a <strong>RNE</strong> é um dos poucos periódicos que chega regularmente às escolas e bibliotecas<br />

públicas do país, sendo instrumento de fácil acesso para muitos professores, inclusive através de assinaturas pessoais,<br />

esse <strong>trabalho</strong> busca acompanhar o seu percurso <strong>no</strong> tocante às formas de abor<strong>da</strong>r o mundo do <strong>trabalho</strong> e<br />

especificamente do <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>.<br />

As estatísticas sobre <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> mostram as crianças espalha<strong>da</strong>s de Norte a Sul pelo mundo amargo <strong>da</strong><br />

cana-de-açúcar (Silva, 2000), <strong>no</strong> corte de palmas de sisal, nas carvoarias onde os for<strong>no</strong>s atingem a temperatura de<br />

60° C, <strong>no</strong>s garimpos, nas fábricas , nas pedreiras, <strong>no</strong> tráfico de drogas, na indústria do fumo, <strong>no</strong> mundo inteiro. E<br />

muito perto de nós, fazendo protesto contra o <strong>trabalho</strong> doméstico <strong>infantil</strong> que, de acordo com o IBGE, afeta pelo<br />

me<strong>no</strong>s 494 mil me<strong>no</strong>res.<br />

Garimpar que imagens do mundo do <strong>trabalho</strong> estão sendo estampa<strong>da</strong>s num periódico voltado<br />

especificamente para aqueles que li<strong>da</strong>m com as crianças em situação escolar, pode ser instrumento que amplie o<br />

olhar sobre a criança revelando a existência de “infâncias” e testemunhando que a dinâmica do seu desenvolvimento<br />

acontece em muitos outros tempos e espaços de formação, que extrapola os muros escolares. O ser huma<strong>no</strong> não é<br />

só um escolar e muito me<strong>no</strong>s se forma só na escola. É preciso melhor compreender a plurali<strong>da</strong>de de processos de<br />

formação dos sujeitos sociais e este projeto propõe que o começo <strong>da</strong> viagem se dê pelo mundo do <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong><br />

estampado nas páginas <strong>da</strong> <strong>RNE</strong>.<br />

Um rápido passar de olhos pelos periódicos fornece as mais varia<strong>da</strong>s imagens a respeito <strong>da</strong> situação <strong>da</strong><br />

infância <strong>no</strong> Brasil e <strong>no</strong> mundo. Manchetes como as seguintes, não param de surgir: “Parto lidera ranking de<br />

internações juvenis”: em 2002, foram realizados cerca de 1.700 partos por dia, de meninas de dez a 19 a<strong>no</strong>s”;<br />

“Começa ofensiva anti-prostituição <strong>infantil</strong>”; “Conselho denuncia embriaguez de crianças”; “Trabalho <strong>infantil</strong> persiste<br />

em regiões ricas”; “Infância rouba<strong>da</strong>: <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>”; “A expansão <strong>da</strong> infância”; “Berlim tem portinhola para mãe<br />

deixar bebê”; “Quem trabalha, não brinca” e “Lá em casa ninguém estu<strong>da</strong>.”<br />

Tudo isto deixa a mostra que a infância pede passagem erguendo bandeiras sinalizando a difícil travessia nas<br />

“artes de ser gente”. As repeti<strong>da</strong>s imagens romantiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> criança, carrega<strong>da</strong>s de pureza, ternura e i<strong>no</strong>cência,<br />

mesclam-se com outras e assim vão sendo esculpi<strong>da</strong>s cotidianamente outras imagens, outro real, pelos mais diversos<br />

pe<strong>da</strong>gogos.<br />

Com que lentes a <strong>RNE</strong> aju<strong>da</strong> os professores a enxergar o <strong>trabalho</strong> na infância Conseguimos ver a infância<br />

<strong>no</strong>s estreitos limites de uma sala de aula ou mesmo na escola A imagem de infância confina<strong>da</strong> na escola e <strong>da</strong> criança<br />

que nela vive precisa ser revela<strong>da</strong> sobre outros ângulos e é esse o caminho que o presente <strong>trabalho</strong> de pesquisa tem<br />

trilhado. É preciso acrescentar às imagens de infância tão certinhas que temos, outras imagens. ARROYO<br />

(1998:148) afirma<br />

Que os cursos de formação têm dificul<strong>da</strong>de de cultivar a sensibili<strong>da</strong>de para a compreensão do que<br />

acontece fora <strong>da</strong> escola. Os professores não aprendem a vincular os saberes escolares com os saberes<br />

sociais, a cultura escolar com a cultura dos educandos, a socialização na escola com a socialização em<br />

outros tempos e espaços sociais como a rua, a casa, a igreja, o culto, o terreiro, o pe<strong>da</strong>ço, a ci<strong>da</strong>de, o<br />

<strong>trabalho</strong> e os movimentos sociais.<br />

A teoria pe<strong>da</strong>gógica precisa <strong>da</strong>r conta dos fenôme<strong>no</strong>s educativos que acontecem em todos os tempos e


espaços. Seu olhar precisa centrar-se não apenas <strong>no</strong>s estreitos limites <strong>da</strong> escola, <strong>no</strong>s currículos, grades, leis,<br />

reformas, mas <strong>no</strong> curso dos jogos e forças sociais e <strong>da</strong>s formas de sociabili<strong>da</strong>de que acontecem em seu interior, onde<br />

os sujeitos se formam, conformam e transformam.<br />

Para compreender o <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> e avaliar sua atual configuração é preciso reunir elementos dispersos<br />

mundo afora e registrados na sua história de modo a se obter uma visão mais inteira<strong>da</strong> do <strong>quadro</strong> e <strong>da</strong> problemática<br />

do <strong>trabalho</strong> <strong>no</strong> mundo. Um primeiro percurso é analisar o <strong>quadro</strong> do ponto de vista <strong>da</strong> Confederação Mundial do<br />

Trabalho (CMT).<br />

Segundo a CMT (2004/2),<br />

Las estimaciones de la Oficina Internacional del Trabajo <strong>no</strong> son para na<strong>da</strong> alentadoras. Hoy<br />

en día, existen más de 246 millones de niños trabajadores de 5 a 14 años de e<strong>da</strong>d en el<br />

mundo. U<strong>no</strong> de ca<strong>da</strong> ocho de estos niños es víctima de las peores formas de trabajo y por<br />

consiguiente, su salud física, mental y moral están en peligro. Por razones sociales o<br />

económicas por ahora inevitables, la mayoría de estos niños son explotados en todos los<br />

sectores (agrícola, industria y comercio). Al número de niños explotados debemos agregar,<br />

por supuesto, el número de niños que trabajan en la eco<strong>no</strong>mía informal y la gran canti<strong>da</strong>d de<br />

niños sol<strong>da</strong>dos que participan en los conflictos armados. (Mathieu Debroux,<br />

CMT,31/05/2005)<br />

El Convenio 182 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT) fue ratificado y<br />

aplicado. Sin embargo, to<strong>da</strong>vía que<strong>da</strong> mucho por hacer: a pesar de su ratificación masiva, la<br />

aplicación del Convenio 182 deja mucho que desear en un gran número de países. Es<br />

importante destacar que el Convenio sobre las peores formas de trabajo <strong>infantil</strong> fue<br />

adoptado por la OIT en junio de 1999, y que su principal objetivo consiste en prohibir estas<br />

formas de trabajo y tomar medi<strong>da</strong>s inmediatas para erradicarlas. Si bien la educación es una<br />

de las herramientas esenciales para luchar contra la pobreza y la miseria, el número de niños<br />

(y sobre todo niñas) que permanecen al margen de los sistemas de escolarización y que se<br />

ven obligados a trabajar <strong>no</strong> deja de aumentar, a pesar de los esfuerzos realizados en<br />

Cumbres como la de Dubai. (Mathieu Debroux, CMT,31/05/2005)<br />

Um passar de olhos pelo Mapa de Indicativos do Trabalho <strong>da</strong> Criança e do Adolescente <strong>no</strong> Brasil (1999),<br />

deixa a mostra as mais varia<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des econômicas exerci<strong>da</strong>s pelas crianças Brasil afora. A obra traz relação <strong>da</strong><br />

ativi<strong>da</strong>de econômica desenvolvi<strong>da</strong>, os municípios onde ela acontece, as tarefas geralmente executa<strong>da</strong>s, as condições<br />

de <strong>trabalho</strong> a que estão submetidos adultos, adolescentes e crianças e municípios com indicativos de redução do<br />

<strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong>. Há uma cobertura de to<strong>da</strong>s as regiões do país e as ativi<strong>da</strong>des na agricultura passam pela cultura de<br />

feijão, tomate, maçã, alho, erva-mate, cebola batata, algodão, polinização do maracujá, cafeicultura, fumicultura,<br />

serviços em cerâmicas e olarias, serviços em pedreiras, extração e beneficiamento de pedras semipreciosas,<br />

avicultura, comércio ambulante, indústria calçadista, ven<strong>da</strong> de jornais e distribuição de panfletos, serviços de


montagem de prendedores de roupas, plantio e corte de pinus, isto mencionando-se apenas a Região Sul.<br />

Percorrendo as páginas <strong>da</strong> <strong>RNE</strong> , percebe-se que em 13, desses 20 a<strong>no</strong>s de publicação, o tema em pauta<br />

teve seu espaço garantido. O <strong>trabalho</strong> <strong>infantil</strong> aparece nas marcenarias, na pesca, na agricultura (lavouras de milho,<br />

feijão, cana-de-açúcar, café, soja, horta, pomares),na construção civil, carvoarias, nas ruas entre outros e escorre<br />

por praticamente todo o mapa do Brasil : PA, MS, BA, PE, CE,SP, MG, RJ, SC e RS.<br />

Alguns números apresentam tentativas de conciliação escola e <strong>trabalho</strong>, através <strong>da</strong>s escolas-produção,<br />

escola- fazen<strong>da</strong> (n.15 set./87 e n.57, maio/92), escolas para crianças trabalhadoras (n. 22, jun/88), escola rural com<br />

ensi<strong>no</strong> por módulos, para filhos de agricultores (n.36, dez/89), escolas técnicas com introdução a algumas profissões<br />

para atrair alu<strong>no</strong>s de famílias de baixa ren<strong>da</strong> (n.53, <strong>no</strong>v. 91), propostas de educação pelo <strong>trabalho</strong> (n.60,set./92) e ao<br />

mesmo tempo que mostram estas iniciativas para tirar as crianças do <strong>trabalho</strong>, apresenta seus equívocos e desvios,<br />

entre tantos de quem formula as políticas educacionais. Nesta direção apresenta sugestões de obras que podem<br />

aju<strong>da</strong>r a melhor compreender a relação educação e <strong>trabalho</strong>, assim como entrevistam intelectuais <strong>da</strong> área para<br />

sinalizar as fragili<strong>da</strong>des destas propostas, conforme entrevista feita a Luiz Antonio de Carvalho Franco (<strong>RNE</strong> ,n.15,<br />

set./87, p.31) que adverte:<br />

Em <strong>no</strong>me <strong>da</strong> preparação para o <strong>trabalho</strong> elas oferecem um ensi<strong>no</strong> básico de péssima quali<strong>da</strong>de[...] e em<br />

na<strong>da</strong> contribuem para alterar a reali<strong>da</strong>de do ensi<strong>no</strong> de 1º grau: evasão e repetência (e) surgem <strong>no</strong> Brasil<br />

<strong>no</strong> início do século XIX [...] destina<strong>da</strong>s a recuperar socialmente por meio <strong>da</strong> educação e do <strong>trabalho</strong>,<br />

massas de desvalidos, desempregados e negros libertos que incomo<strong>da</strong>vam as classes dominantes.<br />

Outras experiências trazi<strong>da</strong>s pela revista como o Projeto Axé em Salvador (BA) (<strong>RNE</strong>, n.79, out./1994)<br />

destinado a tirar as crianças <strong>da</strong> rua, embora coloque na ordem do dia o debate <strong>da</strong>s contradições sociais expressas na<br />

multiplicação <strong>da</strong> miséria, representa muito pouco, considerando a leva de meni<strong>no</strong>s e meninas que chegam às ruas<br />

cotidianamente e como coloca Forrester, (1997, p.15)<br />

Tantas vi<strong>da</strong>s encurrala<strong>da</strong>s, manieta<strong>da</strong>s, tortura<strong>da</strong>s, que se desfazem, tangentes a uma socie<strong>da</strong>de que se<br />

retrai.[...] E como são [...] mais apagados, riscados, escamoteados dessa socie<strong>da</strong>de, eles são chamados<br />

de excluídos. Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, (incluídos até a medula!)Eles são<br />

absorvidos, devorados, relegados para sempre, deportados, repudiados, banidos, submissos e<br />

decaídos, mas tão incômodos:uns chatos! [...]Incluídos, demasiado incluídos, e em descrédito.<br />

É essa reali<strong>da</strong>de que a <strong>RNE</strong> acaba por trazer aos seus leitores. A reportagem “Meninas prostituí<strong>da</strong>s”<br />

(<strong>RNE</strong>, n. 62, <strong>no</strong>v.1992, p.33) mostra muito bem a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> troca de sexo por dinheiro, assim como outras<br />

crianças que habitam “O vale <strong>da</strong> miséria” (<strong>RNE</strong>, n.63, dez.92)<strong>no</strong> Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha, uma <strong>da</strong>s mais<br />

pobres do mundo e de onde extraem-se por a<strong>no</strong> 250 mil quilates de diamante, sem deixar outros rastros na região<br />

além <strong>da</strong> miséria e devastação. Esses menininhos que se espalham mapa afora <strong>no</strong> mundo do <strong>trabalho</strong>, nas carvoarias,<br />

ruas, becos e vielas também são assim fotografados por Ronald Claver (1988,p.3) em “Os menininhos do Brasil”<br />

São milhares. Milhões. Multidão que escorre pelo mapa do Brasil.<br />

Habitam o <strong>no</strong>rtedocentro, o suldo<strong>no</strong>rte, o <strong>no</strong>rdestedoleste,o oestedosudoeste, o altodoplanalto, o<br />

liso<strong>da</strong>planície, o buracodoabismo, lonjuras, vielas,becos, viadutos, marquises, esquinas, favelas.<br />

Não dormem cedo. Nem tarde. Ficam na rua. Não fazem o ‘para casa’, não decoram tabua<strong>da</strong>s. Não<br />

precisam comer de boca fecha<strong>da</strong>, tomar banho, escovar dentes, calçar sapatos apertados.


Exemplos diversos, vindos de diferentes campos, mostram como esse “projeto” de gente, protesta,<br />

questiona, avalia, analisa:<br />

Vai você na escola e te falam: respeitar os mais velhos. e se não te deram mais velhos, ou se deram são<br />

tão esmolambados... nem vale a pena. Depois você ouve: amor...! porra, não gosto de sacanagem. eles<br />

vem e te falam : ler, escrever contar. Pra quê [...] e falam falam. Naquilo que chamam escola, falam muito.<br />

Só que a língua é outra. Que a linguagem que eu levo não serve pra na<strong>da</strong> e as coisas que me dão eu não<br />

sei pra que servem.[...] (LACERDA, 1996, p.26)<br />

O que parece é que a imagem de infância confina<strong>da</strong> na escola e <strong>da</strong> criança que nela vive precisa ser revela<strong>da</strong><br />

sobre outros ângulos. Conforme Perre<strong>no</strong>ud (1993, p.196)<br />

O mundo <strong>da</strong> educação conserva uma imagem muito mítica <strong>da</strong> infância e <strong>da</strong> adolescência. Por que tanto<br />

afinco em acreditar que as crianças e os adolescentes são desprovidos de mal<strong>da</strong>de, sexuali<strong>da</strong>de,<br />

egoísmo, preguiça, vontade de poder, violência, astúcia, duplici<strong>da</strong>de Esta cegueira faz com que se<br />

pense na formação para alu<strong>no</strong>s “de sonho”, curiosos, ativos, cooperantes, pacíficos, que se sentem<br />

bem na sua pele e <strong>no</strong>s quais pode ler-se como num “livro aberto”. Ninguém ig<strong>no</strong>ra que a reali<strong>da</strong>de não é<br />

assim tão cor-de-rosa. Mas faz-se de conta que sim, talvez porque o pe<strong>da</strong>gogo só consegue “amar as<br />

crianças” que percepciona como amáveis. Durante a formação dos professores fala-se pouco <strong>da</strong><br />

resistência, do conflito, do aborrecimento, dos mecanismos de defesa e de fuga.<br />

A infância pede passagem, faz-se <strong>no</strong>tar em outros espaços, e muitas vezes na marra. Invade a cena e faz-se<br />

<strong>no</strong>tar muitas vezes, na marra. Entope o mercado.<br />

Ela já não cabe <strong>no</strong>s depósitos que criamos para armazená-las. Superlota<strong>da</strong>s, as jaulas transbor<strong>da</strong>m.<br />

Mais de mil me<strong>no</strong>res infratores vazaram <strong>da</strong> Febem nas últimas semanas. Eles inun<strong>da</strong>m de pânico<br />

dionisíaco as ruas de São Paulo. Agem como se quisessem promover a distribuição de ren<strong>da</strong> na<br />

porra<strong>da</strong>. A crise brasileira está migrando rapi<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> fase de “me dá uma esmola”, para o período do<br />

“isto é um assalto”. (Souza,1999)<br />

E vale encerrar com uma frase de Werner Market (<strong>RNE</strong>,n. 60, set/1992): “Não estamos formando os<br />

vencedores, mas os perdedores de amanhã” se deixarmos nas mãos de “outros pe<strong>da</strong>gogos” a condução dos rumos<br />

<strong>da</strong> infância.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BONAMINO, Alicia, MATA, M. Lutgar<strong>da</strong> e DAUSTER, Tânia. Educação-<strong>trabalho</strong>: uma revisão de literatura<br />

brasileira <strong>da</strong>s duas últimas déca<strong>da</strong>s. In: Cader<strong>no</strong>s de Pesquisa, São Paulo, n. 84, p.50-62, fev. 1993.<br />

CLAVER, Ronald. Os menininhos do Brasil. In: Minas Gerais: Suplemento Literário, nº1.111,03/dez/1988, p.3.<br />

FERRETTI, Celso J. e MADEIRA, Felícia R. Educação/<strong>trabalho</strong>: reinventando o passado Cader<strong>no</strong>s de Pesquisa,<br />

nº 80, p. 75-86, fev.1996.<br />

FORRESTER, Viviane. O Horror econômico. São Paulo: Editora <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista, 1997.<br />

LACERDA, Nilma Gonçalves. Manual de Tapeçaria. Rio de Janeiro: Philobiblion/ Fun<strong>da</strong>ção Rio, 1986.<br />

MINISTÈRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Mapa de indicativos do <strong>trabalho</strong> <strong>da</strong> criança e do<br />

adolescente. Brasília, MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), 1999.<br />

PERRENOUD, Philippe. Práticas pe<strong>da</strong>gógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas.


Lisboa : Dom Quixote,1993.<br />

SOUZA, Josias de. Mãos ao alto.In: Folha de São Paulo, 27/set/1999.<br />

TREIN, Eunice e CIAVATTA, Maria. O percurso teórico e empírico do GT Trabalho e Educação: uma análise para<br />

debate. <strong>Revista</strong> Brasileira de Educação, n. 24, p. 140-164, set./out./<strong>no</strong>v./dez. 2003.

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