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A figura caricatural do gorila nos discursos da esquerda - ArtCultura

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Em outra charge <strong>do</strong> mesmo autor (<strong>figura</strong> 8), de novo a presença<br />

<strong>da</strong>s duas <strong>figura</strong>s-chave nas disputas trava<strong>da</strong>s no interior <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s,<br />

o sargento e o oficial “<strong>gorila</strong>”. Mais uma vez, os sargentos são<br />

apresenta<strong>do</strong>s como o grupo mais forte na disputa, com a novi<strong>da</strong>de de<br />

que agora a sua superiori<strong>da</strong>de em relação aos “<strong>gorila</strong>s” é mais explícita.<br />

Numa mensagem cheia de otimismo para os simpatizantes <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

o sargento politiza<strong>do</strong> <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s é retrata<strong>do</strong> <strong>do</strong>man<strong>do</strong> a fera,<br />

no caso, o <strong>gorila</strong>, não deixan<strong>do</strong> dúvi<strong>da</strong>s quanto ao resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> eventual<br />

confronto. A charge é uma interessante ilustração <strong>da</strong> imaginação política<br />

<strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s no perío<strong>do</strong> pré-golpe de 1964, que iria se chocar contra<br />

a dura reali<strong>da</strong>de em 31 de março.<br />

Recepção<br />

Um <strong>do</strong>s maiores desafios que se colocam ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s representações<br />

políticas é o problema <strong>da</strong> recepção. Já há algum tempo, historia<strong>do</strong>res<br />

e cientistas sociais estão cientes que não basta analisar o discurso, a<br />

propagan<strong>da</strong>, o imaginário, a iconografia produzi<strong>da</strong> pelos diferentes atores<br />

políticos. Compreender como as imagens são elabora<strong>da</strong>s e desven<strong>da</strong>r<br />

seus senti<strong>do</strong>s é fun<strong>da</strong>mental, mas permanece o problema de saber como<br />

elas são recebi<strong>da</strong>s pelo público a que são dirigi<strong>da</strong>s. A mera existência e a<br />

publicação <strong>da</strong>s imagens visuais não são garantias de que tenham impacta<strong>do</strong><br />

significativamente o público, tampouco que sua mensagem tenha<br />

si<strong>do</strong> interpreta<strong>da</strong> pelos receptores <strong>da</strong> maneira deseja<strong>da</strong>.<br />

No caso <strong>do</strong> <strong>gorila</strong>, há possibili<strong>da</strong>des interessantes de estu<strong>da</strong>r as<br />

maneiras como a imagem foi recebi<strong>da</strong>, problema teórico e meto<strong>do</strong>lógico<br />

mais fácil de enunciar <strong>do</strong> que de enfrentar. Penso que uma estratégia<br />

váli<strong>da</strong> para dimensionar a recepção <strong>da</strong>s caricaturas é analisar a reação<br />

de quem era objeto <strong>da</strong> crítica, sobretu<strong>do</strong> porque as representações visuais<br />

em foco são de natureza política. Se o alvo <strong>do</strong>s ataques esboça alguma<br />

reação, isso é indício de que elas tiveram repercussão, causaram incômo<strong>do</strong>.<br />

No caso <strong>do</strong>s militares brasileiros, não há dúvi<strong>da</strong>, sua representação<br />

como <strong>gorila</strong> causou mal-estar e desagra<strong>do</strong>, como no episódio <strong>da</strong>s<br />

críticas ao general Muricy em Natal.<br />

A construção <strong>caricatural</strong> <strong>do</strong> <strong>gorila</strong> produziu resulta<strong>do</strong>s efetivos e<br />

dura<strong>do</strong>uros, ao ponto de os grupos atingi<strong>do</strong>s pela zombaria terem se<br />

mobiliza<strong>do</strong> para <strong>da</strong>r resposta aos atacantes. Alguns militares reagiram<br />

com mau humor à galhofa “gorilesca” e ameaçaram responder com violência<br />

à zombaria considera<strong>da</strong> intolerável. Entretanto, outros grupos<br />

a<strong>do</strong>taram estratégia mais sofistica<strong>da</strong> e inteligente para reagir aos ataques.<br />

Resolveram tentar se apropriar <strong>da</strong> representação <strong>do</strong> <strong>gorila</strong>, aceitan<strong>do</strong><br />

o adjetivo, mas com a intenção de diluir ou anular seu conteú<strong>do</strong><br />

crítico. Se eles pudessem se apropriar <strong>da</strong> imagem, poderiam mu<strong>da</strong>r sua<br />

conotação original, liga<strong>da</strong> a reacionarismo e golpismo, e atribuir-lhe senti<strong>do</strong>s<br />

mais favoráveis e positivos.<br />

Em mea<strong>do</strong>s de 1963, alguns oficiais <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s começaram<br />

a declarar-se <strong>gorila</strong>s e com isso tentavam usar a imagem em benefício<br />

<strong>da</strong> sua luta contra as esquer<strong>da</strong>s. Um grupo de militares criou um<br />

boletim intitula<strong>do</strong> O Gorila, em que registraram: “Eles já <strong>nos</strong> chamam de<br />

‘<strong>gorila</strong>s’. Gorila é to<strong>do</strong> oficial ou praça que não se presta às manobras<br />

comunistas. (...) Gorila é por tanto, (sic) um galhardão que deve honrar a<br />

208<br />

<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 195-212, jul.-dez. 2007

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