Fig. 9. Jaguar. Última Hora. 09 jul. 1963. Fig. 10. Jaguar. Última Hora. 15 jul. 1963. 210 <strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 195-212, jul.-dez. 2007
A vitória <strong>do</strong>s “<strong>gorila</strong>s” Introduzi<strong>da</strong> no Brasil no início de 1962, a <strong>figura</strong> <strong>do</strong> <strong>gorila</strong> entrou para o vocabulário político <strong>do</strong> país e foi usa<strong>da</strong> com intensi<strong>da</strong>de crescente durante 1963 e 1964. Utiliza<strong>da</strong> principalmente pelas esquer<strong>da</strong>s, a imagem serviu ao propósito de popularizar os argumentos críticos dirigi<strong>do</strong>s às forças de direita. Ao la<strong>do</strong> de representações como Tio Sam, o corvo Lacer<strong>da</strong>, os tubarões (comerciantes “explora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> povo”) e o capitalista gor<strong>do</strong>, entre outras, o <strong>gorila</strong> povoou o imaginário político <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s em ação no perío<strong>do</strong>, aju<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a fixar a imagem <strong>do</strong>s inimigos <strong>da</strong>s reformas sociais e <strong>do</strong>s projetos de “emancipação <strong>do</strong> povo brasileiro”. Sobretu<strong>do</strong> entre fins de 1963 e 31 de março de 1964, o <strong>gorila</strong> apareceu em dezenas de reportagens, charges, <strong>discursos</strong> e cartazes <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, sempre significan<strong>do</strong> a ameaça de golpe direitista contra as transformações sociais. Nas semanas antecedentes ao 31 de março, por várias vezes a imprensa esquerdista denunciou que um “golpe <strong>gorila</strong>” contra o governo Goulart estava em an<strong>da</strong>mento. O volume é tão grande que seria enfa<strong>do</strong>nho e repetitivo reproduzir to<strong>do</strong> o material, além de desnecessário. Basta referir que na principal manifestação pública <strong>do</strong> campo nacional-reformista, o comício <strong>da</strong> Central <strong>do</strong> Brasil em 13 de março de 1964, a <strong>figura</strong> teve presença de destaque, a começar pelo material de publici<strong>da</strong>de, que convocava o povo a comparecer para manifestar-se contra os “<strong>gorila</strong>s”. Diversos manifestantes presentes ao evento levaram cartazes alusivos à <strong>figura</strong>, além <strong>da</strong> já menciona<strong>da</strong> caricatura gigante de Lacer<strong>da</strong> como <strong>gorila</strong>-vampiro (<strong>figura</strong> 5). Um <strong>do</strong>s manifestantes, por exemplo, empunhava cartaz que chamou a atenção. Nele aparecia boneco pendura<strong>do</strong> numa forca, acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong>s dizeres: “Este é o destino <strong>do</strong>s <strong>gorila</strong>s” 27 . Para desgosto <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s, o destino <strong>do</strong>s “<strong>gorila</strong>s” não foi a forca, mas o poder. Eles venceram a disputa e instalaram uma ditadura militar que duraria duas déca<strong>da</strong>s. Apesar <strong>da</strong> derrota <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, ou melhor, sobretu<strong>do</strong> por causa dela, a imagem <strong>do</strong> <strong>gorila</strong> continuou a ser usa<strong>da</strong> durante o regime militar. Agora não se tratava mais de denunciar os propósitos golpistas <strong>da</strong> direita, mas de protestar contra as arbitrarie<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s novos ocupantes <strong>do</strong> poder. Exemplo curioso e engraça<strong>do</strong> ocorreu em Porto Alegre em novembro de 1964, numa operação galhofeira executa<strong>da</strong> por grupo de militantes <strong>do</strong> PCB. O episódio foi registra<strong>do</strong> no boletim interno <strong>do</strong> consula<strong>do</strong> americano e, recentemente, relata<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s autores <strong>da</strong> brincadeira 28 . Em 9 de novembro de 1964, o grupo soltou <strong>do</strong>is macacos 29 no centro de Porto Alegre, que causaram alvoroço nas praças <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Um deles em particular deu bastante trabalho ao corpo de bombeiros, que levou horas para capturar o animal. A cena inusita<strong>da</strong>, inevitavelmente, atraiu a atenção de uma pequena multidão na capital gaúcha, entreti<strong>da</strong> pelas estripulias <strong>do</strong> macaco persegui<strong>do</strong> pelas forças <strong>da</strong> repressão. O pessoal <strong>do</strong> consula<strong>do</strong> americano se deixou contaminar pelo espírito brincalhão e intitulou o texto “Macacos subversivos captura<strong>do</strong>s pelo corpo de bombeiros”. Os <strong>do</strong>is animais traziam no pescoço cartazes conten<strong>do</strong> crítica ao presidente-general, com os dizeres: “Castelo Branco diz que o custo de vi<strong>da</strong> vai cair. Eu digo que o custo de vi<strong>da</strong> vai cair”. Para completar o caráter derrisório <strong>da</strong> cena, os bombeiros tomaram uma decisão 27 Correio <strong>da</strong> Manhã, 14 mar. 1964, p. 8. LOC. 28 Ver AVELINE, João Batista. Por que os comunistas disseram não à luta arma<strong>da</strong>. Política Democrática: Revista de política e cultura. Brasília, no10, 2004. O relato <strong>do</strong> Consula<strong>do</strong> <strong>do</strong>s EUA em Porto Alegre encontra-se em Weekly Summary 19, 10-11-1964. RG59, 250-06-29, caixa 1929, pasta 1. NARA II. É interessante mencionar que os <strong>do</strong>is relatos são praticamente coincidentes, com a diferença que Aveline oferece detalhes sobre a logística <strong>da</strong> operação (a compra <strong>do</strong>s bichos, o transporte) que nem o consula<strong>do</strong> norte-americano ou a polícia conseguiram obter. 29 O fato de terem usa<strong>do</strong> macacos no lugar de <strong>gorila</strong>s deve ser atribuí<strong>do</strong> ao fato <strong>da</strong>queles serem mais fáceis para conseguir e me<strong>nos</strong> perigosos para li<strong>da</strong>r. Em seu relato, Aveline afirma que a intenção era de fato chamar os militares de <strong>gorila</strong>s. história & riso <strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 195-212, jul.-dez. 2007 211