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A figura caricatural do gorila nos discursos da esquerda - ArtCultura

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10<br />

Matérias referentes às seguintes<br />

edições: 20 mar. 1962,<br />

p. 1; 21 mar. 1962, p. 1; 22<br />

mar. 1962, p. 1, e 25 abr. 1962,<br />

p. 1, respectivamente. LOC.<br />

Durante aqueles dias, em fins de março de 1962, as manchetes de<br />

UH repetiram o mote: “Frondizi pressiona<strong>do</strong> pelos ‘<strong>gorila</strong>s’”; “Frondizi<br />

prisioneiro <strong>do</strong>s ‘<strong>gorila</strong>s’”; “600 mil operários fazem greve contra ditadura<br />

<strong>do</strong>s ‘<strong>gorila</strong>s’”; “Ditadura militar implanta<strong>da</strong> na Argentina: ‘<strong>gorila</strong>s’<br />

decretam anulação <strong>da</strong>s eleições” 10 .<br />

Fig. 2. Augusto Bandeira. Correio <strong>da</strong> Manhã. 22 set. 1962.<br />

A crise Argentina se arrastou ao longo de 1962 e por isso os “<strong>gorila</strong>s”<br />

portenhos continuaram a povoar o noticiário <strong>do</strong>s jornais brasileiros<br />

durante os meses seguintes. Augusto Bandeira, um <strong>do</strong>s mais criativos<br />

caricaturistas <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> e colabora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> influente Correio <strong>da</strong> Manhã,<br />

dedicou uma charge ao tema (<strong>figura</strong> 2). No traço de Bandeira, os <strong>gorila</strong>s<br />

(alguns são mais propriamente chimpanzés), trajan<strong>do</strong> far<strong>da</strong> militar, atacam<br />

a democracia Argentina que, seguin<strong>do</strong> a tradição <strong>da</strong> iconografia<br />

republicana, é representa<strong>da</strong> como <strong>figura</strong> feminina. A cena, apesar <strong>do</strong><br />

viés cômico expressa<strong>do</strong> nas <strong>figura</strong>s simiescas, tem toque acentua<strong>da</strong>mente<br />

sombrio. Afinal, trata-se de uma violação, uma vez que os <strong>gorila</strong>s estão<br />

arrancan<strong>do</strong> as roupas <strong>da</strong> moça. É uma construção metafórica que<br />

procura associar o estupro sexual ao estupro político.<br />

O novo termo rapi<strong>da</strong>mente caiu nas boas graças <strong>da</strong> imprensa brasileira,<br />

que o incorporou ao vocabulário político em uso no conturba<strong>do</strong><br />

contexto nacional, marca<strong>do</strong> por radicalização e polarização crescentes.<br />

Vivia-se momento de grandes esperanças e crença na possibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

novo, mas também de me<strong>do</strong> e incertezas quanto ao futuro. Era hora de<br />

criativi<strong>da</strong>de e experimentação, e, naturalmente, o vocabulário (verbal e<br />

iconográfico) político estava aberto à incorporação de novos conceitos.<br />

Como se viu na <strong>figura</strong> anterior, o <strong>gorila</strong> foi apropria<strong>do</strong> também<br />

pela grande imprensa. No entanto, os mais entusiásticos divulga<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> novo conceito foram jornais simpáticos à esquer<strong>da</strong>, que a<strong>do</strong>taram o<br />

<strong>gorila</strong> para representar não somente os militares de direita, mas também<br />

outros grupos e indivíduos conserva<strong>do</strong>res. Nesse campo, teve papel de-<br />

202<br />

<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 195-212, jul.-dez. 2007

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