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ABSOLLUT Crônica<br />
Ludmila Saharovsky<br />
Escritora, poeta, folclorista. Filha de família russa, nasceu num<br />
campo de refugiados na Áustria. Mora em Jacareí desde 1965.<br />
Publica desde 1974 em diversos jornais e revistas nacionais.<br />
Tem seis livros publicados e outros tantos a publicar.<br />
Receita de escrever<br />
Tão bom seria se houvesse receita de escrever! E não é que tem<br />
Vou lhes revelar a minha!<br />
Fotos: Divulgação<br />
*Ter sempre à mão um lápis e um papel,<br />
porque o fermento da escrita cresce e transborda<br />
da gente a qualquer hora e em qualquer<br />
lugar. Então, prevenir é sempre o melhor caminho!<br />
*Ter a certeza absoluta de que há muitos<br />
enredos dentro da gente. Escrever é apenas<br />
abrir a porta e permitir que eles saiam livres,<br />
selvagens, indomados. Postos para fora, aí sim,<br />
caberá a nós colocá-los em ordem sobre os trilhos<br />
da história.<br />
*Um escritor precisa desenvolver também<br />
outros ofícios que lhe permitirão trafegar com<br />
maior segurança pelo mundo das ideias. Por<br />
exemplo: tem que saber ouvir o mar. O mar fala<br />
o “oceanez”, um dialeto dominado pelas gaivotas<br />
e pelas sereias. Não sei se os tubarões o<br />
compreendem, mas, os golfinhos, com certeza!<br />
*Conversar com as violetas também ajuda.<br />
Sabiam que as violetas, assim como todas as<br />
flores miúdas são poliglotas Meu avô conversava<br />
com elas em russo. Agnes, minha amiga<br />
de infância, em francês. Eu converso mesmo<br />
no bom português, e elas respondem com buquês<br />
cada vez mais coloridos. Aprendi com as<br />
violetas que o cravo nunca brigou com a rosa!<br />
Isso é intriga dos humanos e dá uma bela crônica!<br />
*Um bom escritor precisa também, e sempre,<br />
olhar para o céu diurno e ler as histórias<br />
que as nuvens sabem contar como ninguém!<br />
Pegue a criança mais próxima a você (pode ser,<br />
inclusive, a sua criança interna) deite-se num<br />
gramado próximo, ou na praia, ou no quintal<br />
mesmo, e deixe a nuvem guia-lo por castelos,<br />
florestas, celestes labirintos...A nuvem entra na<br />
cabeça da gente e nos deixa prontinhos para<br />
criar!<br />
*Ah! Numa receita de bem escrever não<br />
pode faltar nunca a magia. Magia de capturar<br />
o cheiro da terra molhada após a chuva de verão,<br />
do salto do grilo trapezista, da organização<br />
das formigas em fila indiana, levando gravetos<br />
para construir suas muralhas subterrâneas, do<br />
raio de sol anunciando o alvorecer (ou o anoitecer,<br />
tanto faz, desde que a gente o capture com<br />
o olhar) Nossa! Quantas histórias podem ser<br />
escritas observando o céu tinto de rosa e lilás!<br />
*E, um bom escritor precisará, urgentemente,<br />
abrir seu coração e alma para a poesia.<br />
Poemas usam metáforas, usam uma linguagem<br />
que modifica as palavras e nos permitem transgredir.<br />
Citando Rubem Alves (aqui faço uma<br />
observação: ter a companhia de escritores que<br />
nos inspiram é um ingrediente importantíssimo<br />
nesse processo, pois são eles que, generosamente,<br />
deixam-nos entrar em suas criações<br />
e ter acesso à sua visão de mundo, o que nos<br />
fornece subsídios para criar a nossa própria<br />
receita), mas, voltando a Rubem Alves: “meu<br />
rio de pensamentos foi surpreendido por um<br />
peixe dourado que repentinamente saltou de<br />
dentro de suas águas e falou um poema – os<br />
poemas moram sempre no fundo das águas...”<br />
eu complementarei que, não só os poemas mas<br />
todos os escritos “moram sempre no fundo das<br />
águas”!. Das águas de nosso oceano interno,<br />
tão rico, único, diverso e inexplorado.<br />
*Então, terminando essa receita eu direi a<br />
vocês: Um bom escritor precisa, com a máxima<br />
urgência, aprender a mergulhar!<br />
(Ludmila Saharovsky)<br />
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