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RoMA coNtRA-AtAcA - CNM/CUT

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Carta do Leitorwww.revistadobrasil.netConselho editorialAdi Santos Lima (FEM/SP); ArturHenrique da Silva Santos (<strong>CUT</strong>-Nacional); Carlos Alberto Grana(<strong>CNM</strong>-<strong>CUT</strong>); Carlos Ramiro de Castro(Apeoesp); Djalma de Oliveira (Sinergia<strong>CUT</strong>/SP); Eduardo Alencar (Sindicatodos Bancários do Mato Grosso);Edílson de Paula Oliveira (<strong>CUT</strong>-SP);Edson Cardoso de Sá (Sindicatodos Metalúrgicos de Jaguariúna);Ivan Gomes Caetano (Sindicato dosBancários de Patos de Minas e Região);Izidio de Brito Correia (Sindicato dosMetalúrgicos de Sorocaba); Jacy Afonsode Melo (Sindicato dos Bancários deBrasília); José Carlos Bortolato (Sindicatodos Trabalhadores em EmpresasEditoras de Livros); José Lopez Feijóo(Sindicato dos Metalúrgicos doABC); Laercio Alencar (Sindicato dosBancários do Ceará); Luiz CláudioMarcolino (Sindicato dos Bancários deSão Paulo, Osasco e Região); MarcosBenedito da Silva (Afubesp); Paulo Lage(Sindicato dos Químicos e Plásticosdo ABC); Renato Zulato (Sindicato dosQuímicos e Plásticos de São Paulo);Rita Serrano (Sindicato dos Bancáriosdo ABC); Rui Batista Alves (Sindicatodas Bebidas de São Paulo); SebastiãoCardozo (Fetec/<strong>CUT</strong>/SP); Silvia M. deLima (SindSaúde/SP); Vagner Freitas deMoraes (Contraf-<strong>CUT</strong>); Valmir Marques(Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté);Vinícius de Assumpção Silva (Sindicatodos Bancários do Rio de Janeiro); WilsonMarques (Sindicato dos Eletricitáriosde Campinas)Diretores responsáveisJosé Lopez FeijóoLuiz Cláudio MarcolinoDiretores financeirosIvone Maria da SilvaTarcísio SecoliNúcleo de planejamento editorialCláudia Motta, Flávio Aguiar,José Eduardo Souza, Krishma Carreirae Paulo SalvadorEditoresPaulo Donizetti de SouzaVander FornazieriAssistente editorialXandra StefanelRevisãoMárcia MeloRedaçãoRua São Bento, 365, 19º andar,Centro, São Paulo, CEP 01011-100Tel. (11) 3241-0008CapaFoto de Wolfgang Rattay/REUTERSDepartamento comercialM.Giora (11) 3527-9483Adesão ao projeto(11) 3241-0008ImpressãoBangraf (11) 6947-0265Simetal (11) 4341-5810DistribuiçãoGratuita aos associadosdas entidades participantesTiragem360 mil exemplares.A tiragem desta edição é comprovadapela BDO TrevisanAuditores Independentes. Anossa carta-relatório encontra-seem poder da editora. ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Para todosAmei a entrevistacom o jornalistaPaulo HenriqueAmorim(edição 10). Elefalou tudo aquiloque pensamos.Sou sindicalizada,mas as reportagensda revistasão úteis para todos em casa – para meufilho, que é professor universitário, minhaneta, que está na 4ª série, minha filha e meumarido. Meus parabéns pela idéia fantásticade um jornalismo ousado e livre.Maria de Lourdes Parra, Jales (SP)lurdinhaparra@hotmail.comAdorei a entrevista com o jornalista PauloHenrique Amorim. Eu já o admiravaquando ele estava em “outro” canal. Muitopertinente o que ele disse. Verbalizoutudo o que penso sobre a Globo. Corajosaa revista.Regina T. Katayama, São Paulo (SP)rtaeko@usp.brExemplo de coragemA entrevista com a Maria da Penha (“ONome da Lei”, edição 10) revela um exemplode coragem para todas as mulheres ehomens que acreditam que lutar por ummundo mais justo vale a pena.Neiva M.R. dos Santos, São Paulo (SP)neiva@spbancarios.com.brSistema $Sobre a reportagem “Pressão no Sesi” (Resumo,edição 10), relativa à cobrança peloscursos, quero salientar que o Senac jávem fazendo isso há mais de 20 anos. Eninguém conseguiu fazer nada.Nestor Marques, Paraná (PR)marques@irapida.com.brO fator previdenciárioAchei interessante a reportagem “BenditaPrevidência”, da revista de janeiro, porémnão se falou no fator previdenciário,que é muito cruel com quem sempre contribuiu,reduzindo significativamente osbenefícios.Valdemir A. Bergamaschi, Catanduva (SP)ViagemFiquei fascinado pela reportagem sobreos paredões de Urubici, Santa Catarina(“Cria da Montanha”, edição 8). Acreditoque, se as pessoas tivessem a capacidadede valorizar cada momento junto ànatureza, elas estariam mais tranqüilas eviveriam mais felizes.Marcio Lorence, Gravataí (RS)TerapiaSimplesmente viajei com a riqueza de detalhesda reportagem sobre Foz do Iguaçu(“Para refrescar as idéias”, edição 10).Cheguei em meu trabalho péssima, muitoantes do início do expediente, e comeceia ler. Foi como uma terapia.Lúcia Décia, SP, luciadecia@hotmail.comCoisa de cinemaParabéns pela revista de fevereiro. A capaestá belíssima, com Camila Pitanga. Vocêsderam um show com a beleza da capae das matérias.Wagner da Costa, Taubaté (SP)Vidas marcadasFiquei impressionada com a reportagem“Vidas marcadas” (edição 9). Nãoimaginava que antigamente internavamos doentes e ateavam fogo a seuspertences para matar a transmissão dobacilo da hanseníase. Ainda bem que osr. Nivaldo está vivo para contar paranós os tempos difíceis.Arlete Cardozo, São Paulo (SP)teka_leka@yahoo.com.brNa internetParabéns por colocar na internet as reportagensda revista, que a cada número sesupera. Agora repasso os conteúdos parameus contatos, além de “arquivá-los”.Vitor Benda, São Paulo (SP)vbenda@uol.com.brrevista@revistadobrasil.netAs mensagens para a Revista do Brasilpodem ser enviadas para o e-mail acima oupara Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro,São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que asmensagens venham acompanhadas denome completo, telefone, endereço e e-mailpara contato.


Resumo PorPaulo Donizetti (paulo@revistadobrasil.net)Guerra no rushÁguas de marçoLuiz:bala deborrachaMauricio MoraisO mês foi animado. Nos dias que se seguiram para fecharo primeiro verão do segundo mandato, Lula iriachamar usineiros de heróis. Receberia o senador Collorde Mello, na data em que cancelou a ida a um ato daSecretaria da Igualdade Racial – 21 de março, Dia Internacionalde Luta pela Eliminação da DiscriminaçãoRacial. Para fechar a tormenta, às vésperas do 31 demarço e enquanto explodia nova crise aérea, o presidenteestaria nos EUA para reafirmar “compromissos decooperação bilateral, baseada em valores compartilhadosnos planos da democracia, dos direitos humanos,da diversidade cultural, da liberalização do comércio,da proteção do meio ambiente, da defesa da paz e dasegurança internacionais e da promoção do desenvolvimentocom justiça social”, como dizia a nota oficialdivulgada junto com ele, Bush, aquele do rush.Conduzindo Mr. Silva: Bush passeiacom Lula em Camp DavidRicardo stuckert/prAlguns manifestantes contraa visita do presidente norteamericanoGeorge W. Bush,em pleno Dia Internacionalda Mulher, podiam nãosaber por que batiam. “Nemsei o que estou fazendo aqui.Minhas amigas passaramem casa e vim junto. Estouachando da hora”, dizia aestudante Vanessa de Morais,20 anos. Mas Bush deviasaber por que apanhava.“Não podia ficar quieto. Ficofeliz em ver os jovens dizendoque ele não é bem-vindo”,afirmava o palhaço Fábiodos Santos. Do carro de som,a representante da MarchaMundial das Mulheresbradava: “O imperialismoé tio do machismo. Fora,Bush!” Uma missionáriapresbiteriana, do interior deNova York, observava, numportuguês arrastado: “Nãogosto do senhor Bush, elesó veio atrapalhar o trânsito.O estudante Luiz Vieira deSouza, 22 anos, mostravaa perna ferida: “A PM pôsem risco a integridade daspessoas”. ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Desafios de abrilAlém de torcer para que a negociação dacrise aérea comece a trazer resultados rápidos,o governo terá de ser criativo paraaparar arestas com um setor vital tanto notrato da segurança pública como em operaçõesde combate a fraudes, corrupção, crimesambientais e trabalho escravo: a PolíciaFederal, que deve acirrar a pressão porpendências salariais. Os agentes teriam recebidoaté agora metade dos 60% prometidoshá um ano pelo então ministro da Justiça,Márcio Thomaz Bastos. Desatar os nósda Emenda 3, da crise aérea, da PF e aindadas manifestações do “Abril Vermelho”,anunciadas pelos movimentos sociais, estãono amargo cardápio do mês.Acertos a calharCrise aérea: enfimações concretasEm meio às esquisitices da agenda, Lula colheuacertos. Um deles, o veto à Emenda 3, que impediriaa fiscalização de autuar empresa que contratapessoa jurídica com quem mantém relaçãopatrão–empregado. Outro, a determinação deque em vez de confronto, em resposta ao motimdos controladores de vôo militares, fosse abertoprocesso efetivo de negociação. No primeirocaso, o governo constrói projeto alternativo paraevitar que o veto à Emenda 3 vá a voto, gerandodesgastes na recém-costurada base “aliada”. Nocaso aéreo, ainda que a decisão tenha suscitadocrise com o comando militar, não havia alternativa.Por linhas tortas, foram dados passos definitivospara, enfim, mexer com a estrutura domonitoramento do tráfego aéreo.antonio Cruz/abr


ECA em quadrinhosO Conselho Municipal dos Direitos da Criançae do Adolescente de São Paulo e a FundaçãoProjeto Travessia, que realiza trabalho com meninose meninas em situação de risco nas ruasda capital, estão trabalhando com mais uma ferramentacom a finalidade de popularizar o Estatutoda Criança e do Adolescente. Os gibisdo personagem Descolado, do cartunista EdsonPelicer, discutem de maneira didática e arejadadireitos e cidadania. Quem quiser conhecero trabalho, fazer pedidos e sugestões pode contatarecaemquadrinhos@travessia.org.br.Greenpeace X GreenpeaceO Greenpeace estacionouum “calhambequenuclear” em frente aoPalácio do Planalto, noúltimo dia 27 de março,para protestar contraa possível retomada,pelo governo, da construçãoda usina nuclearde Angra 3. “É possívelimaginar alguém em sã consciência oferecendo uma fortuna por ele (ocarro velho, inseguro, poluente e desnecessário)? Pois o governo brasileiropode gastar bilhões de reais em algo muito parecido”, diz o siteda ONG. No mesmo dia, Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace,afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que “a resistência dosambientalistas à energia nuclear é motivada por uma mentalidade típicada Guerra Fria” e que, se o mundo quer reduzir o consumo de combustíveisfósseis, precisa de “um programa agressivo de energias renováveiscombinado à energia nuclear”.A causa de TimóteoDo vereador Agnaldo Timóteo (PFL), em discurso recente na CâmaraMunicipal de São Paulo, sobre a prioridade declarada por Marta Suplicyde combater o turismo sexual: “Pelo amor de Deus, vai prender um turistaque levou pro motel uma menina de 16 anos? As meninas com umpopozão e os peitos desse tamanho, rodando bolsinha na rua, aí o turistapassa a ripa. Tenha piedade!” No dia seguinte, ele tentou consertar:“Houve uma repercussão desnecessária. Não defendi, nem defenderei,o turismo sexual. O que acho absurdo é prender um homem por ter idopara a cama com uma menina de 16 anos que estava rodando bolsinhaem qualquer lugar”. Ah, bom.antonio Cruz/abrEquipe: resistênciaCarta Maior continua no arjailton GarciaA equipe da Carta Maior vai manter o portal, apesar de a forte crise financeiratê-lo posto na iminência de parar – risco este, aliás, que pairasobre toda a imprensa alternativa do país. Os profissionais que tocam aagência decidiram resistir no projeto, no qual apostam também comocidadãos desde 2001. O grande volume de manifestações de apoio nasúltimas semanas reacendeu perspectivas de patrocínio e publicidade. Apágina tem centenas de milhares de visitas/mês. Para o editor-chefe, FlávioAguiar, o pedido de cadastro – pelo site www.cartamaior.com.br – éuma boa forma de os leitores fortalecerem a audiência e a atratividade.“Também o poder público, se estiver efetivamente preocupado com ademocratização do acesso à informação, precisa estipular critérios justosde distribuição de verbas publicitárias que viabilizem os veículos alternativose populares, sem os quais não há democracia”, diz Aguiar.2007 ) abril ) Revista do Brasil (


capaA fé que move RomaO Brasil prepara-se para a visita dopapa, que quer uma Igreja Católicalatino-americana mais alinhadacom o Vaticano do que com osmovimentos sociaisPor Leandro SiqueiraDepois de George W. Bush, o Brasil prepara-separa receber outro líder mundial. Na pautanão estarão assuntos econômicos ou políticos.O papa Bento XVI vem ao Brasil, de 9a 14 de maio, para tratar (do negócio) da fédos latino-americanos. De reuniões com jovens a grandeseventos de massa, como a canonização do primeiro santonascido no país, frei Galvão, a agenda inclui a abertura da5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano edo Caribe. Em Aparecida, no interior paulista, o encontroreunirá bispos de toda a América do Sul e do Caribe, doConselho Episcopal Latino-Americano (Celam). ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


Kai Pfaffenbach/REUTERS2007 ) abril ) Revista do Brasil (


igreja dos pobres Genival e Sebastiana, ligados às CEBs: “Temos de aprender a olharpara o outro, pensar no excluído, no sem-terra, no favelado. É assim que Deus gosta”últimos pontificados, o tornaram maisconservador. “Não temos mais um domPaulo (Arns), um dom Hélder (Câmara)”,lamenta.A sucessão na Arquidiocese de SãoPaulo, para a qual foi nomeado o atualsecretário-geral da CNBB, dom OdiloScherer, alinhado a Roma, é um exemplo.O novo arcebispo substituiu o cardealdom Cláudio Hummes, que deixou ogoverno da Igreja em São Paulo para ficarmais próximo ao papa, na Congregaçãopara o Clero, no Vaticano.anos, está ansiosa. Depois de ter visto JoãoPaulo II durante visita ao Rio de Janeiro,agora quer chegar bem perto de BentoXVI, “quem sabe até tocar no papa”. Elaacredita que a presença de Bento XVI vairenovar a fé do povo. “A palavra do papavai trazer esperança”, afirma. Dona Mariamauricio moraisé muito atuante na Igreja e no movimentoCaminho Neocatecumenal, surgido naEspanha na década de 60 e reconhecidocomo apostolado da Igreja em 1990. Ela écatequista, visita doentes e freqüenta gruposde oração. Há 20 anos participa dacomunidade Santa Bernadete, no ParqueSão Lucas, em São Paulo, que se preparapara acolher peregrinos que virão deBrasília. Dona Maria vai abrigar em suacasa um casal de peregrinos.Nem todas as comunidades católicasestão em efervescência. O casal Sebastianae Genival de Farias não vai a nenhumevento e nem pensa em enfrentara multidão para ver o papa de longe.“Se der, vejo pela televisão”, diz Sebastiana.Casados há 35 anos, chegaram aSão Paulo na década de 70 e logo descobriramuma Igreja diferente da que freqüentavamem Pernambuco. Conheceramas CEBs, que misturavam religiãocom política. Por meio delas o casal seenvolveu em diversas lutas por melhoriasno bairro onde mora, Jardim Ricardo,na zona leste – por luz elétrica, água,posto de saúde, sempre com o apoio daIgreja. “Temos de aprender a olhar parao outro, pensar no excluído, no sem-terra,no favelado. É assim que Deus gosta”,explica Genival.Se pudesse dizer algo a Bento XVI, Sebastianapediria a ele que “visse com ternurao Jesus libertador que está nos evangelhos”e apoiasse mais os movimentosque lutam pelas causas do povo.Perto e longeA nomeação de dom Odilo ocorreuentre os eventos de preparação da Igrejapara receber o papa. O Mosteiro de SãoBento, no centro de São Paulo, onde ficaráhospedado, foi reformado, assim como oSantuário Nacional de Aparecida. Palcosespeciais serão construídos para as celebrações,vestimentas foram encomendadas.Mas não é só em relação à infraestruturaque o país se prepara para achegada de Bento XVI. Os fiéis tambémse organizam.Dona Maria Aparecida Aquino, de 73Infidelidade perdoada Para o teólogo Fernando Altemeyer, a visita do papa podetrazer de volta ao catolicismo quem se desencantou com experiências em outras igrejasjailton Garcia12 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


Opinião PorFaustino TeixeiraO catolicismo no BrasilOcatolicismo continua sendoa religião majoritária noBrasil. O número de brasileirosque se declaram católicosgira em torno de 125milhões, três quartos da população brasileira.Em termos relativos, o declínio émoderado e constante se comparado aoscensos anteriores, de 1940 (95,2%), 1950(93,7%) e 1960 (93,1%). A partir dos anos80, a porcentagem de católicos foi declinandocada vez mais: 89,2% em 1980,83,3% em 1991 e 73,8% em 2000. Algumasprojeções indicam que pode chegar a65% no próximo censo do IBGE.O crescimento do catolicismo no Brasilocorre de forma mais lenta que o ritmode ampliação da população do país.O catolicismo apresenta uma taxa médiade crescimento anual em torno de 1,3%,enquanto a taxa da população total chegaa 2%. O censo de 2000 revelou aindao significativo crescimento do númerode declarantes evangélicos (15,4%) e dos“sem religião” (7,3%).Causa inquietação nas instânciaseclesiásticas o fato de o catolicismo firmar-secomo o “doador universal” de fiéisàs fileiras do pentecostalismo e dossem-religião; bem como a situação crescentedaqueles que mantêm sua crençadesvinculada de qualquer instância religiosatradicional: daqueles que crêemsem pertencer.O atual revigoramento religioso noBrasil se dá em detrimento do catolicismo.Na avaliação dos antropólogos Ronaldode Almeida e Paula Montero, “ocatolicismo tornou-se o principal celeirono qual outros credos arregimentamadeptos”. Daí a efetiva preocupação desegmentos do catolicismo oficial, que seO catolicismo firma-secomo o doador universalde fiéis às fileiras dopentecostalismo e dossem-religião e inquietaas instâncias eclesiásticaslançam com vigor em projetos de recatolicizaçãoda sociedade. Vale registraras campanhas de evangelização promovidaspela Conferência Nacional dosBispos do Brasil nos últimos anos e, emparticular, o projeto nacional de evangelização“Queremos ver Jesus”. A ConferênciaGeral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que ocorrerá emmaio, visa enfatizar uma “ação missionáriamais incisiva, organizada e constante”,no sentido da reconquista do “substratocatólico” latino-americano.Em sintonia com essa preocupação devander fornazieri“readesão” ao catolicismo, atuam novosmovimentos eclesiais, como a RenovaçãoCarismática Católica (RCC). São movimentosque agem numa linha distintade outros núcleos eclesiais ativos nas décadasde 70 e 80, como as ComunidadesEclesiais de Base e as pastorais sociais. ARCC foca sua vida religiosa na “esfera daintimidade”, no incremento a grupos deoração centrados na emotividade. Mastambém organiza e promove eventos litúrgicosem massa, apresentando um catolicismomais sedutor e atraente para apopulação. É visível o crescimento do númerode católicos carismáticos no Brasil,ou das pessoas que estão envolvidas comatividades relacionadas ao movimento.Fala-se em 12,6% da população.A estratégia evangelizadora carismáticavem corroborada pelo crescimentodas comunidades de Aliança e Vida,como Canção Nova, Shalom e Toca deAssis, e também pela intensificação desua proposta evangelizadora nos meiosde comunicação de massa, sobretudo rádioe TV. Trata-se da emergência de um“catolicismo midiático”, que traduz umnovo estilo de atuação missionária.O catolicismo no Brasil revela complexidade,diversidade e pluralidade.Mas verifica-se nas últimas décadasuma acentuada tendência de alinhamentoda Igreja Católica com a dinâmicarestauradora vigente na conjunturaeclesiástica mais ampla. A lógica da açãoevangelizadora vem agora concentradano anúncio explícito de Jesus Cristo eda Igreja. Não há lugar destacado, nessecontexto, para pastorais mais críticas oupara a experiência das CEBs, que enfatizama centralidade do testemunho proféticoe transformador.Faustino Teixeira é professor associado do programa de pós-graduação em Ciência da Religião da UniversidadeFederal de Juiz de Fora (UFJF), consultor do Iser/Assessoria (RJ) e pesquisador do CNPq. Publicou, como organizador,Sociologia da Religião: Enfoques Teóricos (Vozes, 2003), Nas Teias da Delicadeza: Itinerários Místicos (Paulinas, 2006)2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 13


entrevistaaugusto coelho14 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


Crescer,necessário como a vidaPara Marina Silva, o desafio do Brasil é tornar-se marca mundial deprodutos que promovem preservação ambiental e inclusão socialPor Paulo Donizetti de SouzaQuando Marina Silva nasceu, há 49 anos,o Acre era território. Só virou estadoem 1962, quando o presidente era JoãoGoulart. Marina tinha 4 anos e, até aadolescência, viveu num seringal a 70quilômetros de Rio Branco, para onde se mudou com16. Foi empregada doméstica, alfabetizou-se, cursousupletivos, participou de movimentos sociais ao ladode Chico Mendes e formou-se, aos 26 anos, em História,pela Universidade Federal. Aos 30 anos, foi campeãde votos para a Câmara dos Vereadores em RioBranco. Dois anos depois, foi a deputada estadualmais votada. Em 1994, liderou a votação para se tornara mais jovem senadora do país, com 36 anos, reeleitaem 2002. A essa altura, essa brasileira premiadapela ONU tem duas biografias publicadas – uma pelacoleção Fé e Política, da Salesiana, outra pela EditoraThe Feminist Press, de Nova York. No dia 20 de março,a ministra recebeu a Revista do Brasil em seu gabineteno Ministério do Meio Ambiente (MMA), ondeestá desde 2003. Falou sobre os desafios do Brasil decrescer e se tornar marca de sustentabilidade. Quantoao risco de questões ambientais se imporem a obrasprevistas no PAC, ou frustrarem seu ritmo, Marinanão tergiversa: a frustração tem de ser também coma destruição.A senhora era militante, sabe bem como é ocombate de quem defende a floresta, o direitoao trabalho. Agora, como encara aquelesdesafios todos na posição de ministra?É importante ter uma trajetória de envolvimentocom uma causa e assumir uma função pública. Aliás,a função pública é uma forma de viabilizar aquilo emque acredito. O Estado não acolhia a idéia das reservasextrativistas, do acesso aos recursos genéticos comajuste na partilha de seus benefícios, da escola parao seringueiro, do crédito para comunidades tradicionais.Diante de tanta falta de acolhimento, uma dassaídas é procurar participação nessa estrutura.A estrutura do ministério dá conta do queele tem a desempenhar do ponto de vista defiscalização e de formulação de políticas decurto, médio e longo prazo?O MMA é jovem, existe há 13 anos e foi uma demandada sociedade brasileira. A estrutura vai semontando concomitantemente ao estabelecimentoda lei. Você cria a lei, tem de criar estrutura. O MMAtem muita interface com vários outros setores de governo.Por exemplo, na parte de resíduos sólidos, como Ministério das Cidades; na parte de saneamento básico,com o da Saúde; na parte de comunidades, como do Desenvolvimento Social e o do DesenvolvimentoAgrário. Nos últimos quatro anos, tivemos um avançosignificativo da estrutura, o que não significa que sejaa ideal. Mas o quadro de pessoal até 2002, quando chegamos,era de 976 servidores, e hoje são 1.127. Mais de900 eram contratos temporários e de cooperação internacional.Fizemos um concurso emergencial, queinternalizou 652 servidores, depois outro concurso,já permanente, para mais 150 servidores e agora estamoschamando mais 82 servidores, também para aestrutura definitiva do ministério. No Ibama, saímosde cerca de 7 mil servidores para cerca de 8 mil, mesmocontando as aposentadorias. Houve aumentos, nocaso do Ibama, de 105% a 150%. A situação nunca vaiser ideal, sou servidora pública e sei que é da naturezado movimento sindical sempre colocar suas demandas,mas tivemos melhorias significativas.Parece que alguns nunca estão satisfeitos.Recentemente houve afastamentos por suspeitade corrupção, não é isso?Aí não é questão de salário. É de caráter. Eu possoganhar absolutamente nada, zero, e nem por isso sejustifica qualquer envolvimento com atividade ilícita.Há pessoas que ganham menos ou igual e não fazemisso. Mas a melhoria é significativa. É um processocumulativo. Temos hoje um trabalho que é muitopotencializado pela parceria com a Polícia Federal,que criou 27 delegacias especializadas de combate acrimes ambientais. O plano de combate ao desmata-O piordos mundosé ficarfazendoguerra entrequem já fezmais danos equem aindanão fez. Nãoteremos odireito defazer o quefoi feito poramericanose europeus.Queremostecnologia,recursos emeios paraque nãodestruamosnossasflorestascomo elesdestruíramas deles2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 15


Não vai ser como a Belém–Brasília?Isso. O planejamento é para que a estrada seja construídanuma situação de governança ambiental, semo que, como vinha acontecendo historicamente, oimpacto vinha sendo avassalador. Quando o governoanterior assinou o asfaltamento da BR com umconsórcio privado, só o anúncio deslocou uma massaenorme de pessoas para a região, sobretudo atravésda grilagem de terras, e isso levou a um aumentode 500% do desmatamento. Em 2005 houve reduçãode 91% do desmatamento na mesma região (da BR-163). Antes as Unidades de Conservação eram criadassempre em áreas remotas da Amazônia, onde nãotinha conflito pela terra. Hoje elas estão na frente daexpansão predatória.Megausinas como Santo Antônio e Jirau (Madeira)e Belo Monte (Xingu) não andaram porcausa do impacto ambiental.São processos diferentes. Belo Monte é delicadodo ponto de vista ambiental, social, político, tudoo que você puder imaginar de tensionamento tem.Está em suspenso. Madeira está em processo de licenciamento.Também é um empreendimento complexo.Houve mudanças de solução tecnológica – fazercom uma tecnologia de fio d’água, que não requerum grande barramento, levou à diminuição da áreaalagada em oito vezes em relação ao projeto original,que previa ainda três empreendimentos, ficaramdois. O projeto anterior previa eclusas, para perenizaçãodo rio. Para não facilitar acesso a uma área altamentepreservada, a opção foi não fazer eclusas.O Estado consegue conciliar os interesses dosnegócios agrícolas com os do cerrado?Eu nem gosto do termo “conciliar”. É: como fazercom que as atividades econômicas viabilizem aconservação, e como fazer com que a prática da conservaçãoviabilize também o desenvolvimento econômico.Criamos um espaço no MMA para o desenvolvimentode políticas voltadas para o cerrado, queantes não se tinha. Hoje já temos o plano de políticaspara o cerrado, o programa de conservação e foiaprovada a emenda que torna o cerrado patrimônionacional, como a Amazônia. Há questionamentosem relação ao resultado, que alguns classificam deotimista, mas ainda há cerca de 61% de área preservada.É em cima desse espaço que a gente tem de fazernossa política de preservação, e nas áreas convertidashá a proposta da Embrapa de que se faça umaespécie de integração lavoura e pecuária para quenão se expanda mais sobre áreas florestais.Como fica o Brasil nesse cenário de pânicoem relação ao aquecimento global, o futuro?O Brasil tem uma tripla participação nesse processo.Nenhum país do mundo possui a base energéticaque o Brasil tem: 45% da matriz energética élimpa e 81% da matriz elétrica, renovável. O Brasilconta com essas credenciais para ter inserção políticae fazer um constrangimento ético para que ospaíses que dispõem de mais recursos, tecnologia epoluíram e poluem mais do que nós façam sua parte.Outra coisa: o Brasil pode promover a disseminaçãode tecnologia sobre todos os biocombustíveis para asvárias regiões do mundo. Não queremos que nossassoluções tecnológicas sejam vistas apenas pelo viéseconômico. É também. Mas o que deve nos mover éa busca para que os biocombustíveis possam se tornaralternativa ambiental, social e econômica viávelna África, em alguns países da Ásia, da América doSul, no Caribe.E aqui dentro?Uma terceira frente é seu trabalho interno. O Brasiltem um plano nacional de combate ao desmatamento,que é um dos maiores vetores de emissão.Nos últimos anos conseguimos uma redução de maisde 50%, que evitou lançar na atmosfera cerca de 430milhões de toneladas de CO2. O uso do etanol e dosbiocombustíveis promove uma redução de cerca de25 milhões de toneladas de CO2 por ano. O pior dosmundos é ficar fazendo guerra entre os países desenvolvidose em desenvolvimento, de quem já fezmais danos e quem ainda não fez. Nós não teremoso direito de fazer o que foi feito por americanos eeuropeus ao longo dos séculos. Queremos tecnologia,recursos e meios para que não destruamos nossasflorestas como eles destruíram as deles. Produziretanol tem de ser sinônimo de conservação denascentes, de mata auxiliar, de geração de empregodigno e correto.De qualidade de vida para os cortadores decana...E de qualidade de vida para os cortadores de cana.Tem de ser sinônimo de tudo isso até para que nãosoframos barreiras não-tarifárias. Muitos advogamisso por uma visão de mundo, uma visão civilizatória.Mas os que não se mobilizam pelo coração terão dese mobilizar pela razão. É uma grande oportunidade.Os países ricos têm as suas marcas – Nike, Nokia, Microsoft,Toshiba... São produzidas em qualquer partedo mundo, mas são eles que ganham com essas marcas.O que está posto hoje para a humanidade podenos fazer ter a marca que todos vão querer: os biocombustíveisdo Brasil. Por quê? Porque promovempreservação ambiental e inclusão social. As pessoastêm de querer comprar a madeira do Brasil porqueela é feita em bases sustentáveis, protege a biodiversidadee as florestas. Têm de buscar os nossos produtosagrícolas porque eles foram feitos sem precisardestruir florestas e nascentes. Este é o nosso desafio:a marca da sustentabilidade ambiental.Corrupçãode fiscais nãoé questão desalário. É decaráter.Pode-seganhar nada,zero, e nempor issose justificaatividadeilícita. Hápessoasque ganhammenos e nãofazem issofotos:augusto coelho2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 17


trabalhoPior que o soO caso da Emenda 3:entenda como o paísquase teve uma reformatrabalhista neste início deano, e os trabalhadoresforam informados dissono telejornal da noitenPor Spensy PimentelNo último dia 27 de marçoa Câmara dos Deputadosaprovou a Medida Provisória350, enviada pelo governoao Congresso paraalterar regras do Programa de ArrendamentoResidencial (PAR). A versão finaldo projeto incluiu uma emenda que modificao alerta nas embalagens de leite sobreos riscos de servi-lo a crianças commenos de 1 ano no lugar do aleitamentomaterno. A explicação dos que apoiarama inclusão é que produtores de leite sesentiam ofendidos porque o antigo avisotinha texto semelhante ao que se vê emgarrafas de bebidas alcoólicas: “O Ministérioda Saúde adverte”.O episódio pode parecer pitoresco,mas não é sempre que o mingau legislativooferecido pelo Congresso à sociedadecai tão bem. No último dia 13de fevereiro, apenas uma semana apóso início da nova legislatura, a Câmaraaprovou, por 304 votos a 146, o que,na avaliação de diversos sindicalistas,especialistas e autoridades da área dotrabalho, constituía um forte golpe nalegislação trabalhista brasileira: a chamada“Emenda 3”, que altera regrasaplicadas à fiscalização nas empresas.A surpresa chegou escondida em meioao projeto que criava a Super Receita,unificação da Receita Federal com a ReceitaPrevidenciária.A Emenda 3 foi vetada pelo presidenteLuís Inácio Lula da Silva no dia 16 demarço. O governo já enviou um proje-18 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007to de lei para substituí-la. Mesmo assim,setores do Congresso ainda alimentam aintenção de derrubar o veto presidencialno plenário, o que poderia abrir nova disputajurídica, desta vez no Supremo TribunalFederal.Mas o que envolve a medida a ponto decausar tamanha disputa? “É uma espéciede reforma trabalhista, mas feita de formasorrateira”, responde a presidente interinada Central Única dos Trabalhadores,Carmen Helena Foro. “O engajamento detodos os setores conservadores mostrouque ela é algo muito maior do que se imaginavainicialmente”, completa o deputadoTarcísio Zimmermann (PT-RS).De autoria do ex-senador Ney Suassuna(PMDB-PB), a Emenda 3 foi agregadaao projeto de lei que criou a Super Receita.Parece simples. Pede apenas a inclusãodo seguinte parágrafo: “No exercíciodas atribuições da autoridade fiscal deque trata esta lei, a desconsideração dapessoa, ato ou negócio jurídico que impliquereconhecimento de relação de trabalho,com ou sem vínculo empregatício,deverá sempre ser precedida de decisãojudicial”.


etounidos contra a emenda 3Manifestação das centrais sindicais emBrasília: em bom português, “seria umliberou geral” para as empresasEm bom português: se um fiscal encontraruma situação numa empresa emque reconheça uma relação de trabalhoirregular, não pode autuá-la imediatamente:tem de esperar uma decisão daJustiça do Trabalho – ou seja, meses, ouaté anos de discussão nos tribunais. “Seriaum ‘liberou geral’ para os empresáriosmal-intencionados”, resume a dirigenteda <strong>CUT</strong>.augusto coelhoPerigos à vistaA medida poderia afetar trabalhadoresdas áreas mais variadas. Nas cidades,estimularia a situação precária já vividapelos que são obrigados a receber comofalsas cooperativas ou como pessoas jurídicas,individualmente – aqueles quetiveram de trocar a carteira de trabalhopela nota fiscal, mesmo mantendo a relaçãopatrão–empregado. No campo, tememespecialistas, poderia facilitar avida de quem emprega trabalho escravoou degradante.Suassuna diz que procurou dialogarcom diversos setores empresariais pararedigir a emenda. Mas a grande quantidadede reportagens destacando aspectosteoricamente favoráveis daEmenda 3, especialmentena maior empresa de comunicaçãodo país, levouparlamentares e sindicalistasdesconfiados a apelidálade “Emenda Globo”.A rede de TV admiteque tem se esforçado emnoticiar o caso, mas negater lado. “A Globo tem estimuladoo debate a respeitodesse tema, mas entendeque não deve se manifestarantes de uma decisão finalsobre o assunto”, comunicoua empresa, por meio denota, à Revista do Brasil.“Naturalmente, os órgãosde imprensa estãodefendendo seus interesses”, diz o deputadoJosé Eduardo Cardozo (PT-SP).“Todas as TVs e todos os jornais têmo mesmo problema: jornalistas, atores,vários profissionais contratados comopessoas jurídicas”, explica Suassuna, queassume ter dialogado com o setor, incluindoa Globo, para redigir a emenda.As empresas, sob permanente risco deser autuadas por fiscais, querem mudara lei, em vez de se adequar a ela.Cardozo reconhece que existe interessedos empresários no tema e um problemareal a ser enfrentado: hoje, há reclamaçõessobre excessos de fiscais, quese aproveitam das irregularidades encontradaspara achacar empresas. “Mas, daforma como estava, a lei viraria sinônimode impunidade. Espero que, com debate,encontremos a fórmula mais justa.”A grandequantidade dereportagensdestacandoaspectosteoricamentefavoráveis daEmenda 3,especialmentena maiorempresa decomunicaçãodo país, levouparlamentarese sindicalistasdesconfiadosa apelidá-la de“Emenda Globo”A disputa promete ser dura. O deputadoMilton Monti (PR-SP) foi entrevistadopela RdB no dia em que recebeua incumbência de relatar o PL 536,que substitui a emenda. E adiantou que,aparentemente, será necessário procuraruma “terceira alternativa” para afastar apossibilidade de derrubada do veto presidencial:“Parece que (o texto alternativo)não está satisfazendo as demandas todassobre essa questão”.Monti afirma que vai procurar ouvir“todos os segmentos” envolvidos nadiscussão, mas não se preocupa como fato de que as mudanças propostaspossam constituir uma espécie de reformatrabalhista branca. “O Congressoprecisa mesmo votaruma reforma trabalhista.Não pode haver perda dedireitos, mas é necessáriofazer uma adequaçãodas relações trabalhistas,porque estamos emum novo momento econômico.”Quer dizer: pode tervalor relativo o compromissoque as centrais sindicais,em audiências emBrasília, obtiveram dospresidentes da Câmara edo Senado no sentido demanter o diálogo antes deaprovar as mudanças nalei ou pôr o veto em votação,porque outras iniciativascontra a legislação trabalhistajá estariam sendo analisadas por váriosparlamentares.O deputado Zimmermann alerta:“Já há várias idéias sendo discutidasno Congresso que, a conta-gotas, propõemmudanças estruturais. Esse casoda Emenda 3 é só uma evidência da durezado novo tempo que está chegando”.O parlamentar lembra que o placar de304 a 146 na votação de fevereiro dá amedida do desafio, porque, para outrosprojetos, a base governista tem obtidomais que o dobro de apoios. “A base dogoverno, como um todo, não tem compromissocom a preservação dos direitostrabalhistas. Será preciso muito maispressão política do movimento sindicalaqui dentro. O próximo período prometeser perigoso.”2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 19


especialQuando o trabalhoSonhos perdidosNo meio urbano, a situação tambémé preocupante. Segundo o documendanificao homemAntes de você virar a página, uma pessoa poderá ter sido vítimade um acidente de trabalho, que no Brasil atinge meio milhãode pessoas por ano e mata quase 3 milPor Norian Segatto e Leonardo SeveroOtrabalho dignifica, diz obordão, mas também danifica.Quando você tiveracabado de ler este parágrafo,alguém pode ter sidovítima da própria atividade profissional.O meio milhão de acidentes de trabalhoou no trajeto registrados no Brasil correspondeà média de uma ocorrência porminuto. Os afastamentos por incapacidadetemporária superiores a 15 dias atingem155 mil trabalhadores; outros 13,6mil não conseguem mais voltar à atividade.Os dados, do INSS, são de 2005 erepresentam um aumento de 5,6% em relaçãoao ano anterior, no que se refere aototal de acidentes.Neste instante, pessoas podem estarsendo mutiladas, soterradas, levandochoques de alta voltagem, caindo de andaimes,sentindo dores intensas nos braçose ombros ou, literalmente, morrendode cansaço num canavial. O aumento daprodução dos álcoois anidro e hidratadotem gerado fabulosos lucros para osusineiros – alguns deles heróis, segundoo presidente. O setor é o terceiro em exportaçõesdo agronegócio.Mas tem provocado doenças e mortes20 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007entre os trabalhadores. Em 2004 o agenteda Pastoral dos Migrantes Jadir Ribeirodenunciou a morte de três cortadores decana em usinas paulistas. Em 2005 maisdez mortes foram registradas: todas depoisde fortes dores de cabeça, cãibras,desmaios e parada cardiorrespiratória. Acausa: esforço excessivo, “birola”, entre ostrabalhadores da região.De acordo com relatório do Núcleo deEstudos da Reforma Agrária (Nera) doDepartamento de Geografia da UniversidadeEstadual Paulista, os trabalhadoresHorrorNúmeros da Previdência Socialreferentes a acidentes detrabalho registrados em 2005491.711Total de acidentes comunicados2.708Mortos13.614Incapacitados permanentementeestão submetidos a condições precárias:“Desferem intensos golpes com o facão,exigindo-lhes um movimento do corpotodo. (...) O trabalhador que corta emmédia 10 toneladas de cana por dia desferecerca de 9.700 golpes de facão, o que,muitas vezes, provoca acidentes comocortes profundos nos dedos, lesões pormovimentos repetitivos, graves problemasna coluna. (...) Os corpos ficam desidratados;no entanto, além de não disporemde água fresca no eito – como exige alei –, mal podem interromper a atividadepara descanso, uma vez que isso prejudicariao rendimento do trabalho”.Numa audiência presidida pelo procuradorgeral da República de São Paulodos Direitos do Cidadão, Sérgio GardenghiSuyama, foi realizada uma visitaao alojamento da usina Bonfim, na cidadede Guariba, onde se constatou que “ascondições do alojamento se aproximam àde uma prisão. (...) O turno de trabalhocomeça às 5h30, sem hora prevista paraterminar. (...) Os trabalhadores chegam acortar até 600 metros de cana por dia, oequivalente a 30 reais diários”.


dor em famíliaClaudinei dos Santos com aesposa, Vanessa, grávida de 8meses, e o filho Kevin: quatrodedos decepados por umaserra elétricaMarcelo Min/Agência Fotogarrafa2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 21


to Trabalho Decente – Trabalho Seguro,da Organização Internacional do Trabalho(OIT), cerca de 5 mil pessoas morremdiariamente no mundo vitimadaspor acidentes ou doenças de trabalho.No Brasil, as mortes atingiram 2.708 pessoasem 2005, com redução de 4,6% emrelação ao ano anterior.Claudinei dos Santos Ferreira é umrosto dessa estatística. Aos 28 anos, respondelacônico à pergunta sobre o queespera do futuro: “Nada”. Ele viu seu destinomudar na tarde de 29 de março de2004, quatro anos depois de ter começadoa trabalhar em uma indústria demóveis em Poá (SP). “O encarregado mecolocou em uma serra que eu não conhecia”,explica. Perdeu, além dos quatrodedos da mão direita, sonhos. “Eugostava de desenhar, queria ser arquiteto”,relembra o trabalhador, que cursouaté a 7ª série.Recebe 585 reais do INSS. Paga aluguel,a pensão da ex-mulher e pouco sobrapara sustentar os filhos de 2, 5 e 7anos com a atual companheira, grávidade 8 meses. Complementa o orçamentovendendo DVDs nas ruas da cidade. Embreve ele passará por perícia para avaliarse, com apenas um dedo na mão direita,pode retornar ao trabalho. Caso tenhaPara lembrarEm 28 de abril de 1969 a explosãode uma mina no estado daVirgínia (Estados Unidos) matou 78trabalhadores. A tragédia marcaa data como o Dia Mundial emMemória às Vítimas de Acidentesdo Trabalho. Em 2003 a OIT adotouo 28 de abril como o dia oficial dasegurança e saúde nos locais detrabalho. Em maio de 2005, no Brasil,a data foi instituída nacionalmentepela Lei nº 11.121/2005, do entãodeputado federal Roberto Gouveia(PT-SP). A causa é lembrada todo ano,no país, por eventos e manifestaçõesorganizados por entidades sindicais eligadas ao mundo do trabalho.alta, Claudinei volta para a empresa comestabilidade de um ano. Depois, sua vidaé uma incógnita: “Meu futuro acabou. Devez em quando ainda sinto os dedos, massei que eles não estão aí”.O número de acidentes no Brasil vemcaindo ao longo das décadas, mas aindaé alarmante e muitos questionam sua veracidade.Segundo o INSS, nos anos 1970,para uma população de 12,4 milhões detrabalhadores, foram registrados 1,57milhão de acidentes; esse número passoupara 1,1 milhão na década seguinte,para um contingente de 21 milhõesde trabalhadores, e caiu para 470 mil nosanos 1990.Entre os ramos mais afetados por acidentesencontra-se o da construção civil.Para Waldemar de Oliveira, presidente daConfederação Nacional dos Trabalhadoresda Indústria de Construção e Madeira(Conticom-<strong>CUT</strong>), o alto grau de informalidadeno segmento é uma prova deque os números do INSS são subdimensionados:“Os próprios empresários admitemque a informalidade atinge maisde 70% da categoria, isso nos leva a acreditarque a subnotificação é grande e oproblema, muito maior”.Cuidados com a pressãoHá dois anos, quando o pedreiro Beneditode Fátima Sant’Ana trabalhava naobra de um posto de gasolina em SantaIsabel (SP), próximo a Guarulhos, umdeslocamento de terra o deixou soterradopor cerca de uma hora. “Desmaiei e só fuiacordar quando os bombeiros me resgataram”,conta. Levado de helicóptero parao Hospital Santa Marcelina, em São Paulo,Benedito berrava de dor e pronunciavatodos os palavrões que seus 20 anos depeão, e 44 de vida, ensinaram. Sofreu fra-Responsabilidade social?É Valdirene João Gonçalvesda Silva quem conta: “Quandoentrei na empresa, desossavaduas coxas e meia por minuto.Com o passar dos anos, onúmero foi aumentando,assim como o de colegas comlesão. Há cinco anos comeceia sentir tremores, um repuxono braço. O médico dizia queera dor muscular. Até eu sentirque o braço estava podrepelo esforço repetitivo. Todosos meus colegas reclamam etêm medo de ir atrás porquea empresa costuma mandarembora”.Quando a funcionáriaafirmou que não tinhacondições, que necessitava detratamento médico, os patrõespropuseram afastamento porauxílio-doença, em vez deacidente de trabalho. “Assim aempresa perde menos”, teriasido o argumento. “Fui levada22 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Valdirene perdeu os movimentosda mão esquerda desossandofrangos num frigoríficoa outro médico. De lá pra cájá foram inúmeras anestesiasgerais, cirurgia de nervo,infiltração, tudo sem resultado.Entrei no tratamento com trêsdedos paralisados e hoje estousem movimentar os cincodedos. Além disso, o punhoestá afetado, encostado noantebraço. A dor é constante,não tem remédio que alivie. Sólevanto para tomar banho e irao banheiro porque a morfiname dá uma parada.”Valdirene, inválida aos 35anos, pesa 45 quilos. Paraajudá-la, o marido e as duasfilhas revezam-se em casa.Alimenta-se de água e bolacha,pois tudo o que come “volta”.Seu rosto está em panfletos,cartazes e outdoors emForquilinha (SC). A estamparasga, segundo ela, qualquerfantasia de responsabilidadesocial da multinacional norteamericanaCargill. Após aaquisição da fábrica da Searana cidade, o complexo quepossui 1.100 fábricas em61 países e faturamentosuperior a 70 bilhões deFabiano Patríciodólares vem imprimindo umritmo de produção que temmultiplicado acidentes detrabalho entre seus 2.300empregados. Desossadora defrango, funcionária exemplar,sem uma única falta durante11 anos na mesma unidade,Valdirene enfrenta uma lutatenaz para que a empresaassuma a responsabilidadepela sua enfermidade egaranta o tratamento. No dia 15de março, três meses depoisde ter realizado vários examespara uma possível cirurgiano cérebro que lhe devolva omovimento do braço esquerdo,a direção comunicou que seresponsabilizará pela operação,que pode custar 300 mil reais.A decisão veio depois que osindicato dos trabalhadores daalimentação local organizoumanifestações e o casoganhou repercussão nacional.


turas múltiplas nas pernas e nos quadris,ficou de cama por mais de um ano. Aindase movimenta com dificuldade, apoiadoem muletas, mas já consegue subir os 42degraus que separam da rua sua casa detrês cômodos.Sem o registro na carteira de trabalho,Benedito não podia ser atendidopelo INSS. Pressionado pelo Sindicatoda Construção Civil de Guarulhos,o empregador efetuou o registro retroativoe recolheu os encargos devidos.“Muitos operários até hoje não sabemao certo para que serve um sindicato e,infelizmente, só descobrem nessas horasa importância de ter uma entidade pararepresentá-los”, afirma Edmilson Girão,presidente da entidade. “Eles me ajudaramem tudo”, diz Benedito, que afirmater nascido de novo.Muitas são as causas de acidentes naconstrução civil. A Norma Regulamentadora(NR) nº 18 define diretrizes administrativaspara evitá-las. Para JófiloMoreira Lima, técnico da FundaçãoJorge Duprat Figueiredo de Segurançae Medicina no Trabalho (Fundacentro),órgão vinculado ao Ministério do Trabalhoe Emprego, a implantação ainda queparcial da NR-18 tem contribuído para aRenascidoBenedito teve fraturas múltiplasnas pernas quando foi soterradopor um deslizamento de terradurante a construção de umposto de gasolinaMarcelo Min/Agência Fotogarrafaqueda no número de acidentes na construção.“Para prevenir um acidente é necessárioatuar em todo o processo, desdeo planejamento até a execução finalde uma obra”, afirma. Segundo ele, umimportante trabalho tem sido desenvolvidopelo Comitê Permanente Nacional,órgão que reúne representantes do governo,dos empresários e trabalhadores nabusca de sugestões e soluções para as situaçõesde risco.“A NR-18 traz avanços significativos,mas muita coisa ainda está só no papel.Também temos problemas em relação àfiscalização, porque quando detectamosuma irregularidade em uma obra, se ofiscal não agir com rapidez, pode acontecerde aquele trabalho já ter terminado”,diz Luiz Carlos de Queiroz, do Sindicatodos Trabalhadores da Construçãode Suzano.O operador de máquina Eriton Batistade Oliveira exerce a profissão há cerca dedez anos. Sua experiência em obras nãobastou, no entanto, para evitar a quedade uma máquina (calandra) que lhe fra-2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 23


turaria um dedo e deceparia a ponta deoutro. “Nunca tinha trabalhado naquelamáquina, falei pro meu chefe que eracomplicado, mas ele disse que o clientequeria o pedido para o dia seguinte...Por sorte consegui travar a máquinacom a outra mão”, conta ele, exibindo amão enfaixada. “Tentamos conscientizaros trabalhadores dos riscos de acidentes,mas sabemos da pressão que ospatrões fazem”, explica Antonio Telles,diretor do Sindicato da Construção Civilde Guarulhos.O Sindicato dos Químicos e Plásticosde São Paulo há anos tenta incluirnos acordos coletivos cláusulas de saúdee segurança com o objetivo de buscaranular os principais fatores que levam aacidentes e doenças, das condições dosequipamentos de trabalho à pressão porprodutividade. O diretor Lourival BatistaPereira destaca como um dos marcoso acordo feito com o setor plástico paraas prensas injetoras. “Em 1995 firmamoso primeiro acordo com o sindicato patronalsobre prensas injetoras. Renovadoa cada dois anos, ele garantiuuma significativa quedano número de acidentes”,Prevenção: alguns avançosA regulamentação da nova lei quetrata do Nexo Técnico Epidemiológico(NTE) e do Fator Acidentário dePrevenção (FAP) traz alguns avançosreclamados há muitos anos porsindicatos e movimentos de saúde dostrabalhadores. O assunto foi abordadona edição de outubro da Revista doBrasil – www.revistadobrasil.net/rdb5/trabalho.htm.A lei dá como caracterizada aincapacidade acidentária quandoestabelecida a ligação entre o trabalhoe o dano à saúde do empregado,“decorrente da relação entre aatividade da empresa e a entidademórbida motivadora da incapacidade”.É transferida para o empregador aavalia. “Este ano estamos negociando aextensão do acordo para fechar todo ociclo da produção.”Lourival considera o setor plástico maissuscetível às negociações que o ramo químico.No ano passado o sindicato registrouoito mortes em sua base, quatro emuma única fábrica, a Cromeação Xavier,por vazamento de um produto tóxico.necessidade de comprovar que nãofoi seu ambiente de trabalho o quedeterminou a doença ou incapacitaçãodo funcionário.O FAP modifica as alíquotas.Atualmente, as empresas recolhempara a seguridade social de 1% a 3%de sua folha de pagamentos, conformeo risco da atividade. O grau de riscoserá determinado pelo número epelas características das ocorrênciasregistradas. A alíquota deve aumentarpara 2% a 6%, nas atividades maisinseguras, e diminuir para 0,5% a1,5% onde houver menos acidentes edoenças. O trabalhador e os sindicatosdevem estar sintonizados paracombater a subnotificação.Guerra invisívelAté serviços aparentemente segurosescondem armadilhas. Maria BernadeteSousa era passadeira em uma empresade confecções. Trabalhava em uma mesaa vapor, com três pedais e um ferro depassar que pesava seis quilos. “Chegavaa passar 800 peças por dia, tinha doisminutos para cada peça e trabalhava porRitmo sobrehumanoBernadete chegavaa passar 800 peçasde roupa por dianuma confecção.Dois anos depoisconquistou bursitee lesão no joelhoGerardo lazzari24 )


o cliente tem pressa Eriton teve parte da mão esmagada porque foi “solicitado” pelochefe a usar uma máquina que não conhecia. A empresa precisava cumprir um prazoprodução; começava às 6 horas e ia às vezesaté as 22”, conta. Após dois anos nesseritmo, as dores na perna direita e no antebraçose tornaram insuportáveis. Os médicosdiagnosticaram bursite e lesão graveno joelho. “Fiz a primeira cirurgia nodia 10 de junho de 2004; dois meses depoisprecisei operar novamente porquea perna ficou sem dobrar.” Bernadete foiaposentada pelo INSS, mas terá de convivercom uma prótese no joelho e com arotina de hospitais por pelo menos maisdez anos.Se a desinformação engana, a falta deproteção pode ser fatal. Empregado dosetor de higienização do frigorífico daSeara/Cargill de Sidrolândia (MS), MarcosAntônio Pedro, indígena de 29 anos eMarcelo Min/Agência Fotogarrafapai de três filhos, é a mais nova vítima deacidente fatal de trabalho na multinacionalnorte-americana. Na manhã do dia 28de março Marcos caiu dentro de um tanquede resfriamento de frangos (chiller).De acordo com o vice-presidente do Sindicatodos Trabalhadores da Indústria daAlimentação de Sidrolândia, ClodoaldoFernandes Alves, Marcos estava fazendochecagem de resíduos do chiller quandocaiu e começou a ser sugado pela espiralque puxa os frangos para a água. “Os mecânicosqueriam cortar o tanque e tirálopor baixo. O controle de qualidade daempresa determinou que se invertesse omovimento de rotação das espirais. Nãodeu certo”, relata.“Precisamos adotar ações mais unificadase de âmbito nacional para ter umdiagnóstico de todos os riscos que envolvemos ramos produtivos”, afirma RemigioTodeschini, presidente da Fundacentro.Ele defende, por parte do IBGE, aincorporação de questões sobre o tema e,por parte do governo, uma atuação alémda formalidade para buscar informaçõesque permitam agir em todos os ambientesde trabalho.Segundo dados do Relatório Anual deInformações Sociais (Rais) do ministério,o país conta com 5.174 engenheirosde segurança, 6.640 médicos do trabalhoe 38.253 técnicos de segurança. “Isso dáuma média de um profissional para cada553 trabalhadores, é muito pouco”, avaliaTodeschini, para quem os cursos profissionalizantesdo país deveriam ter a disciplinade saúde e segurança. “Se isso acontecesse,a pessoa entraria no mercado detrabalho mais ciente de seus direitos, decomo se proteger. Ajudaria muito, desdeo trabalho das Cipas até na formulação deacordos coletivos”, complementa.O governo gasta cerca de 4 bilhões dereais por ano com pagamento de benefíciosacidentários, valor que poderia diminuirmuito à medida que ações preventivasfossem adotadas. Mas pior quea perda de recursos são vidas danificadas.Todos os dias Bernadetes, Claudineis eBeneditos deixam parte delas nas engrenagensde um sistema em que o lucro émais valioso que o ser humano. As soluçõesnão são individuais. Dependem dea sociedade não aceitar passivamente asdestruições promovidas por essa guerrainvisível.2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 25


trabalhoNeide:sabedoriae uniãoPassos para aliberdadeMulheres do campo conquistam por meio de atividades econômicas aauto-estima necessária para uma luta mais ampla pela igualdadePor Alceu Luís CastilhoEm sete municípios na regiãode Feira de Santana (BA),grupos de mulheres gerem aprodução de alimentos (boloscom frutas tropicais, geléias) ede artesanato. E apostam também na reciclagem.“A gente trabalha com o reaproveitamentoda natureza”, conta a coordenadorada Rede de Produtores da Bahia,Neide Alves dos Santos Silva. “Casca deovos, sementes, areia, pedra. Nem pó decafé a gente perde. Em nossos quadros,com casca de ovos ou de madeira a gentefaz uma favela. Com pó de cupim, amontanha atrás da favelinha.”A sabedoria das mulheres do campo edas periferias tem conseguido uma aliadade peso na luta pela igualdade de gênero:a economia. Por meio da produção,em conjunto, elas afirmam a auto-estimae vão aos poucos movendo montanhashistóricas do machismo. “As mulheresprecisam estar em alguma coisa para sefortalecer”, avalia Neide. “Vou aos municípiose vejo a mulher deprimida, e aí vejona Rede a mulher mudando, sinto o pesoda nossa responsabilidade.”Para Verônica Ferreira, do SOS Corpo,organização não-governamental noRecife dedicada a questões de gênero, asmulheres precisam fazer mudar a culturae um dos caminhos para isso é conquistarautonomia econômica: “Fala-sesó do comportamento, dos valores, dasrelações de gênero, mas a administraçãodo dinheiro é um dos pontos centrais nadefinição do poder”.“Antes as mulheres eram só para cozinhar”,afirma Jussara Dantas de Souza, da26 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Cooperativa Agropecuária Familiar deCanudos, Uauá e Curaçá, no sertão baiano.Hoje o faturamento anual de 800 milreais com a produção de umbu deve-seprincipalmente ao trabalho de mulheres,70% do total de trabalhadores. “Foramelas que começaram o beneficiamento”,lembra Jussara. “Depois que os homensvieram chegando.”Segundo Jussara, o hábito das mulheresdo sertão de ficar em casa vem sendoalterado nos últimos anos. “Mudou umpouco a cabeça das mulheres”, diz a gerenteda cooperativa. “Elas têm a visãode que precisam sair para vender. Antesera difícil elas saírem até para participarde uma reunião – os maridos não deixavam.”E agora, deixam? “Os maridos tambémmudaram seus conceitos.”


Independência Mulheres da região de Feira de Santana, na Bahia, uniram-se na produção de artesanato e alimentosfotos: reginaldo PereiraA caminhada para a igualdade, porém,é dura. O SOS Corpo fez uma pesquisasobre agricultura familiar e constatouque as mulheres cumprem, no mês, umajornada de trabalho 20 horas superior àdos homens. “Na área urbana elas têmdupla jornada; na agricultura familiar, éjornada contínua”, define Verônica Ferreira.“Ainda não é reconhecido o valorsocial nem econômico desse trabalhoem casa.”Até pouco tempo atrás, segundo Verônica,elas não conseguiam nem a titularidadede terras, no caso de desapropriaçõespara fim de reforma agrária. Isso tem mudado.“Existe também uma linha do ProgramaNacional de Agricultura Familiar(Pronaf Mulher), com aumento derecursos.” São conquistas significativas:“Antes se tinha aidéia de que, beneficiandoos homens, todos seriambeneficiados. Maselas ainda não têm, namaioria das vezes, apossibilidade de lidarcom dinheiro, usufruiro lucro produzidopelo pequenonegócio. Quem faz asnegociações ainda éum corpo eminentemente masculino”.Verônica observa que nem sempre asmulheres estão casadas. “Algumas têmo próprio negócio e precisam ser valorizadas”,diz. Segundo ela, a participaçãoem atividades econômicas é importantepara a afirmação feminina e tem ajudadoa quebrar algumas estruturas. “Mas aquestão da administração do dinheiro éum dos pontos centrais desse poder masculinomuito forte sobre as mulheres.”Na Região Sul, berço das organizaçõesde camponesas, a luta das mulheres temcontornos trabalhistas mais definidos epassa também pelo desenvolvimento doempreendedorismo. Entre os 40 produtoresde ervas aromáticas na região de Medianeira,no oeste do Paraná, que bifurcaramtambém para a agricultura orgânica,as mulheres são maioria. Produzem ervasmedicinais para fitoterapia, chás e infusões,além de temperos. “Contamos coma participação dos maridos, mas a atividadenasceu da organização das mulheres”,atesta Teolide Turcatel, coordenadorados produtores. Segundo ela, a mulhersempre teve esse papel nas atividades econômicas,só que ele não aparecia. No ambienteparanaense, sindicalização e direitostrabalhistas são mais comuns que noNordeste.2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 27


Responsabilidade e envolvimento Para Teolide, que trabalha com o cultivo de ervas medicinais no Paraná, a entrada dasmulheres em associações com fins econômicos influencia diretamente na tomada de consciência em relação aos seus direitosarquivo pessoalDe acordo com Teolide, a entrada dasmulheres em associações com fins econômicosinfluencia diretamente na tomadade consciência em relação aos seus direitos.“Elas começam a se envolver, e esse éum dos nossos objetivos, envolvê-las napolítica, formar lideranças. E a camponesaé menos escrava do relógio que amulher urbana. Chamou para reunião,ela vem. A madame não participa, temseus clubes, e a trabalhadora urbana tema vida mais sofrida.”28 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Construir todo diaA catarinense Noemi Cresta, umadas líderes do Movimento de MulheresCamponesas (MMC), diz que umdos principais desafios da organizaçãoé mostrar a elas o quanto vale “cuidarda casa, preparar alimentos, cuidar dascrianças”. A entrada no movimento mudoua vida de Noemi, que em sua terraproduz milho, arroz, feijão, mandiocae batata para subsistência, além de umpouco para vender. “Você busca conscientizaçãonão só em si mesma, mas nasoutras pessoas. Participa nas decisões doque se vende, como se vende, onde vaiser aplicado o dinheiro.”Noemi lembra que se trata de uma históriade séculos de opressão. “Pelo tempoque se levou para construir o patriarcalismoe o machismo, a gente não vai desconstruirisso em poucos dias”, calcula.A ativista define sua trajetória como a deuma rebelde. “Via a minha mãe, a históriadela, meu pai pegar o dinheiro e ela nãosaber no que ele ia gastar”, conta. Quandoorganizou a própria família, combinoucom o marido construir uma históriajuntos, com recursos e sua administraçãocompartilhados. A agricultora consideraque a emancipação feminina é processo.“A gente tem de construir todo dia. Cadacaso é um caso, e cada mulher tem seutempo de avançar.”E avançar significa muitas vezes darum passo para trás, para dar dois à frente.Neide dos Santos Silva conta que o grupona região de Feira de Santana já teve170 mulheres. “Acontece de elas saírem edepois voltarem, pela questão financeira.Na seca, elas não conseguem produzirnada na região sisaleira, e aí elas vêmno fim do ano produzir as bolsas de sisal.Quando chove, vão plantar.”A Rede de Produtores e Processadoresde Fruta está em 13 municípios. Neidedefende a valorização não só do comérciofamiliar agrícola, mas do artesanato.Quer estímulos à distribuição, ao escoamento– hoje muito dependente de feirasorganizadas pelos governos. “A gente estátentando montar uma cooperativa, masnão tem como escoar a produção. Aí acontecea evasão de mulheres. Em Alagoinhas,parte é da periferia, parte da zona rural.Sem renda, elas vão colher castanhas ouprocurar casa de família para trabalhar.”Ou seja, a arte e o protagonismo econômicolibertam, mas a sociedade e o “mercado”precisam ajudar. “No meu municípioninguém quer comprar, em Salvadortambém não. Através de um padre, conseguirecentemente mandar algumas coisaspara a Alemanha.”Na realidade de Neide, a das montanhasde pó de cupim por trás das favelasde cascas de ovos, a questão mais prementenão é ser feminista, mas ter trabalhopara a mulher marginalizada. Professorade artes, ela já recusou trabalhosfixos para poder continuar mobilizandoas mulheres, que considera a sua missão:“Só vou sossegar no dia em que mostrarpara a minha cidade que é possível trabalharem união. Só vou estar realizadaquando parte das mulheres estiver trabalhando,se sustentando e com uma autoestimalegal”.


internacionalAs mulheres do Sri LankaEla parecia menor do que era de fato. Em meio ao grupo de quatro mulheres comroupas do sudeste da Ásia ou da Índia, ela foi a que primeiro chamou minha atençãoPor Flávio AguiarEu estava no Conjunto EsportivoMoi, no bairro de Kazarani,em Nairóbi, cobrindo osétimo Fórum Social Mundialpara a Carta Maior, com o cinegrafistaMarcelo Theilicke. As quatro mulheres,com a magrinha no meio, vinhamem silêncio. Perguntei de onde eram, procurandoler também os crachás de identificação.“Sri Lanka”, foi a resposta. “SriLanka?”, pensei, vasculhando a memória.Algo me veio, e na frente Os Lusíadas, deCamões: “As armas e os barões assinalados/Que da Ocidental praia lusitana/Por mares nunca dantes navegados/Passaram inda além da Taprobana/e etc.”, se há etc. em poema. Taprobana:uma ilha, enorme, ao sudesteda Índia, antigamente conhecidacomo Ceilão.Perguntei o que elas estavam trazendopara o Fórum, e uma delas merespondeu, em inglês: “A luta contra aesterilização forçada de mulheres no SriLanka”. Eu quis saber se havia uma políticaoficial a esse respeito no Sri Lanka. A mesmamulher respondeu que sim, e que esseproblema atingia sobretudo o povo da “hillcountry”, literalmente, o povo camponês dasterras altas. E ela explicou, mostrando a mulhermagra da etnia tâmil, Rajeswary, umadas vítimas dessa política. Perguntei entãocomo isso era feito, se havia uma política deforça ou uma indução. Resposta: elas são subornadas.Quis saber de Rajeswary por queaceitou fazer a esterilização. A resposta: “Elafoi convencida porque já tinha quatro filhos”e... “money”.O que as mulheres estavam denunciandofaz parte de um quadro dramático emescala mundial, que também atingiu osexo masculino, através de políticas de“eugenia social”, na maior parte das vezessobre populações pobres e minorias.Houve casos dramáticos entre os ciganosna Europa. No Peru de Fujimori, 200 milmulheres indígenas foram esterilizadas.ÁfricaÍndiaSri LankaGrande ilhaExtermíniode pobresRajeswary(vestida deverde) foi“convencida”a fazer aesterilizaçãoO Sri Lanka abriga pouco mais de20 milhões de habitantes. Foi ocupadoe colonizado por portugueses, noséculo 16. Holandeses chegaramno século 17 e ingleses, no 18. Osingleses foram os que perduraramna ocupação. Dividiam para reinar,favorecendo em diferentes momentosdiferentes etnias. A maioria dapopulação é formada pelos sinhalas(antigos cingaleses), budistas.Cerca de 20% são tâmeis, hindus. Aindependência chegou em 1948, ecom ela uma perseguição aos tâmeis,acusados de favorecimento duranteo período colonial. O ambiente deguerra civil vivido desde o final doséculo 20 já matou mais de 65 milpessoas. Uma espécie de armistíciose estabeleceu a partir de 2002, aindaprecário. Muitos dos tâmeis vivemnas montanhas, e são na verdadecamponeses pobres.A esterilização obrigatória mesmo contraa vontade do ou da paciente foi instituídapela primeira vez nos Estados Unidos.Os estados de Indiana, Califórnia eWashington adotaram a medida para “retardados”e “doentes mentais”. No regimenazista, 200 tribunais levaram à esterilização400 mil homens e mulheres. Tambémhouve registros dessas políticas nos paísesescandinavos, na China, Índia e Austrália.Em relação às mulheres, existe uma técnicadifundida de abordagem, que é a daculpabilização pela manutenção da prolejá existente. Esteriliza-se por comida, roupaou dinheiro, acenando para a incapacidadede manter uma vida digna para osque já existem. Foi este o caso de Rajeswary,que declarou ter-se convencido da conveniênciada medida porque ela “já tinhaquatro filhos”. Há também seqüelas nessescasos de esterilização forçada ou induzida,pois o processo se torna irreversível, emuitas vezes as intervenções são feitas emcondições precárias de higiene – e os “interventores”não se responsabilizam pelasconseqüências. Fiquei admirado pela forçadaquelas mulheres, pelo testemunho deRajeswary, pela sua coragem de se expor.Ela era mesmo maior do que parecia.bia barbosa/carta maior2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 29


movimento socialO martelocontra areformaNúmeros e ritmo dareforma agrária no Brasilainda geram protestose controvérsias. Masnuma coisa movimentos,funcionários doIncra, procuradores epromotores concordam:há decisões do Judiciárioque não deixam areforma andarReportagem e fotos de Verena GlassDona Antônia não é de falarmuito. A agricultora, queaparenta ter 60 anos e nãodá o sobrenome, foi umadas vítimas do despejo, emjunho do ano passado, de 200 famílias doassentamento do Incra na Usina Estreliana,em Gameleira (PE). Dona Antônia conheceuo MST há quatro anos. Juntou-se aum acampamento nas cercanias da usinae, em 12 de abril de 2006, recebeu do Incrao título de posse de uma área desapropriadada empresa. Estava oficialmente assentada.“Foi na semana da Quaresma. Ooficial de Justiça leu pra nós o decreto assinadopelo presidente. Começamos a construire plantar. Não deu dois meses, e umdia chega a polícia dizendo que tínhamosque sair”, lembra. “Tinha cachorro, helicóptero.Quando um companheiro mostroucópia do documento de posse do Incra,disseram que era engano. Deram umahora pra tirar tudo de lá, depois passaramveneno nas nossas roças. Eu já tinha plantadomilho, feijão, macaxeira, batata...”30 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Os despejados montaram acampamentopróximo de onde foram retirados. Sobrevivemde cestas básicas. E andam commedo. “Funcionários e pistoleiros passamde carro ou moto; não dizem nada”, contaAntônia. E pede: “Não publique minhafoto. Quando vou na cacimba pegar água,é caminho deles. Quando vou no rio lavarroupa, é caminho deles. Quando vou na cidadefazer compras, é caminho deles”.Para ativistas dos direitos humanos, ocaso da Usina Estreliana se tornou emblemáticode um procedimento que tem caracterizadouma campanha de impedimento,por parte de setores do Poder Judiciário,do processo de reforma agrária. Desde a divulgaçãoem janeiro dos números da reformaagrária referentes aos primeiros quatroanos do governo Lula, o Planalto e os movimentossociais trocam farpas por conta


Jaime: perseguição e criminalizaçãoValdez: desapropriações suspensasMarcos: ruralistas avançam no Congressode desacordos sobre os critérios para mensuraro resultado – 381,4 mil famílias assentadas,segundo o Ministério do DesenvolvimentoAgrário. Independentementeda contabilidade, para o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e aConfederação Nacional dos Trabalhadoresna Agricultura (Contag), o ritmo da reformaestá longe de contemplar as promessasda gestão petista.Muitos creditam essa lentidão a dificuldadesoperacionais do Incra, outrosà aproximação do governo com o agronegócio.Mas no cerne da questão movimentos,funcionários do Incra, procuradorese até promotores do MinistérioPúblico concordam: por trás da lentidãoestá a atuação predominantemente desfavorávelà reforma agrária por parte doPoder Judiciário. Vistoriada pelo Institu-to Nacional de Colonização e ReformaAgrária (Incra) em 2002, uma área de1.880 hectares da Estreliana foi oficialmentedeclarada improdutiva (o grau deaproveitamento era de apenas 17,64%).Em novembro de 2003 um decreto presidencialdeclarou as terras como de interessesocial para fins de reforma agrária.Começa uma batalha jurídica entre oIncra e a usina.Em junho de 2005 os donos da Estrelianaganham uma apelação no Tribunal RegionalFederal (TRF) que, contrariando parecerdo Supremo Tribunal Federal (STF),suspende os efeitos da vistoria da usina peloIncra e, conseqüentemente, o decreto presidencialde desapropriação. O Incra apelanovamente ao STF. Sua presidente, ministraEllen Gracie, derruba a decisão do TRF,e em 12 de abril de 2006 o órgão confirmana posse da área cerca de 200 famílias semterra;entre elas, a de dona Antônia.2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 31


Porém, alguns dias depois a ministraEllen Gracie revê a própria decisão e validaa apelação ganha pela usina. O TRFautoriza o despejo. O caso provocou indignaçãoentre organizações de direitoshumanos, movimentos sociais e o próprioIncra. “Não acredito mais na Justiçaquando o STF garante uma emissão deposse; eu coloco os trabalhadores na áreae depois a decisão é revogada e tenho detirar as famílias da terra debaixo de chicote”,desabafou Maria de Oliveira, superintendentedo órgão em Pernambuco.Nas próximas semanas, o STF deve decidirum processo no qual o TRF da 5ªRegião deferiu, por maioria, uma apelaçãoda usina Estreliana pela anulação deoutros três assentamentos em área desapropriadapor decreto presidencial. Empossadasem 1996, 106 famílias podemser despejadas. O Incra contesta. Afirmaque “o ato expropriatório já foi consumado,não havendo mais possibilidade de sedevolver o respectivo imóvel à usina” eque a expulsão dos assentados significariagrave “lesão à ordem, à segurança e àeconomia pública”, já que os trabalhadoresvivem no local há mais de dez anos.Na avaliação de ativistas ligados aosmovimentos sociais do campo, a atuaçãodo Judiciário é um reflexo da mudança decomportamento do governo com a eleiçãode Lula. Tendo feito da reforma agráriauma das pontas de lança da sua campanha,o atual governo vem conferindo,se não legitimidade, tolerância aos instrumentosde pressão dos movimentossociais, considerados importantes para aaceleração do processo de reordenamentodo campo. A defesa das oligarquias ruraisteria sido assumida, então, pelo PoderJudiciário.Segundo Valdez Farias, procurador-geraldo Incra, essa tendência traz prejuízosà reforma agrária: “No último ano 157ações de desapropriação encaminhadaspelo Incra foram suspensas pela Justiça.Se fossem finalizados esses processos, teríamosassentado cerca de 15 mil famílias”.Em ações de retomada de áreas públicasgriladas, que no norte do país chegam a 7milhões de hectares, o Incra teve grandeparte dos 349 pedidos de liminares negada,com vários casos de retirada de trabalhadoresrurais de terras da União porordem do TRF, em benefício de grandesempresas e fazendeiros.LentidãoAcampamentodo MST emPernambuco,onde famíliascriam seusfilhos e cultivammandioca: paradirigentes doMST e daContag, o ritmoda reformaagrária está longede contemplaras promessas dagestão petista.Enquanto isso,ruralistas queremtransformarocupação emcrime hediondo32 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


CriminalizaçãoPesquisa recente do Instituto Brasileirode Ciências Criminais (IBCCRIM)constatou que o Judiciário com freqüênciaatribui a movimentos de luta pela terracom ações de cunho político – comoas ocupações com objetivo de pressionargovernos – atos criminais comuns. Osmovimentos são acusados de formaçãode quadrilha ou bando. Ainda segundoo IBCCRIM, para boa parte dos magistradosa questão social é irrelevante parao aplicador da lei, não estando os movimentossociais “autorizados a condutasilegais”.Um caso de perseguição explícita peloJudiciário é, segundo os advogados doMST, o último processo contra o coordenadornacional do movimento em Pernambuco,Jaime Amorim. Denunciadoem março do ano passado pelo MinistérioPúblico por ter participado, em 2005, deuma manifestação em frente ao consuladoamericano, “deteriorando coisa alheia,incitando à prática de crime publicamentee desobedecendo a ordem legal da PolíciaMilitar”. Amorim teve prisão preventivadecretada porque não compareceu a umaaudiência, convocada pelo Diário Oficial.A prisão foi efetuada em 21 de agosto, nomomento em que ele deixava o enterro deum membro do MST assassinado no diaanterior. Pedido de habeas corpus, impetradopela defesa no mesmodia no Tribunal deJustiça de Pernambuco,foi negado. A defesa feznovo pedido diretamenteao STJ, que julgou improcedentestodos os argumentosque levaram aopedido de prisão.Analisando as acusaçõescontra o dirigente doMST, o juiz de Direito doRio de Janeiro Rubens Casaro consideraque houve uma criminalização secundária.“Jaime foi caracterizado como incorporaçãodo mal, uma ameaça às ‘pessoasde bem’. Antes de qualquer coisa, porém,houve uma violação básica da lei, já quea Justiça nem poderia pedir a prisão preventiva.Ou seja, a pena pelos crimes imputadosao Jaime, se fosse julgado e condenado,seria alternativa, não a reclusão”,explica.“O Judiciário é conservador em funçãoda origem aristocrática da maioria dosmagistrados. Temos de trabalhar isso culturalmente”,avalia Casaro. Na opinião doprocurador do Ministério Público Estadualde Pernambuco Edson Guerra, a faltade sensibilidade para as questões sociaisadvém principalmente da não capacitaçãodos agentes da Justiça na área de direitoshumanos. “O Direito que temos resolve aquestão agrária. É só aplicar o Estatuto daTerra e a Constituição”, afirma. O regimejurídico da propriedade da terra, instituídopela Constituição de 1988, estabelecevínculo entre o direito de propriedade daterra e sua função social.Falta sensibilidadepara as questõessociais e capacitaçãodos agentes daJustiça na área dedireitos humanos.O Direito resolvea questão agrária.É só aplicar oEstatuto da Terrae a ConstituiçãoNão bastasse essa relação conflituosa como Judiciário, os movimentos sociais devemenfrentar este ano marcação cerrada tambémde dentro do Legislativo. A bancada ruralista– que no ano passado emplacou umrelatório paralelo na Comissão ParlamentarMista de Inquérito (CPMI) da Terra comprojetos de lei que transformam organizaçõesligadas à luta pela terra em terroristas– fortaleceu-se com o apoio de parlamentaresconservadores de outras áreas, comoos evangélicos e empresários, chegandoa um total de 220 nomes só na Câmara.Segundo o advogado Marcos Rogério deSouza, assessor parlamentar do deputadoIran Barbosa (PT-SE), a agenda da bancadaruralista não segue a lógica governoversus oposição: atua transversalmente noCongresso na defesa deseus interesses. Fortalecidoscom o prestígio doagronegócio junto ao presidenteLula, os ruralistastêm cerca de 1.400 projetosde lei em tramitação.Entre os últimos, afirmaSouza, estão propostascomo diminuiçãodas reservas legais previstasno Código Florestal,a atribuição ao Congresso do processodemarcatório de terras indígenas eda fixação dos índices de produtividade,a flexibilização das leis que regulamentamcontratos de trabalho no campo e osdois projetos da CPMI da Terra – um quepropõe dar conotação jurídica de ato terroristaàs ocupações de terra para pressionara realização da reforma agrária eoutro que pede que essa forma de pressãoseja enquadrada como crime hediondo.No Congresso, a primeira iniciativa deparlamentares sensíveis aos movimentos esuas lutas é a criação de uma Frente Parlamentarda Reforma Agrária, explica oadvogado Marcos Rogério Souza. A Frentetrabalhará pautas como a aprovação damudança dos índices de produtividade rural,do projeto que barra a emissão de liminaresa toque de caixa, da proposta deemenda constitucional (PEC) que tornapassível de expropriação terras onde forencontrado trabalho escravo, da PEC quelimita o tamanho de propriedade no Brasil,entre outras. “Os movimentos nunca viramo Parlamento como espaço a ser disputado.Isso terá de mudar”, considera Souza.2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 33


históriaGabo,cigano do imaginárioSão 80 anos de vida e 40 de Cem Anos de Solidão. Mas que importao calendário? Para o artesão do tempo Gabriel García Márquez, ele éapenas um movimento contínuo, fluido e circular esculpido a cada letraREUTERS/Albert GeaPor Maria Angélica FerrasoliJosé Arcadio Buendía, patriarca de Cem Anosde Solidão, acordou bem disposto nessa outraterça-feira, tão diferente daquela equivocadaem que tivera de ser amarrado ao castanheiropor sua lucidez extrema. Era dia 6 de marçode 2007. O escritor Gabriel García Márquez, seucriador, acabara de completar 80 anos. E Macondojá não era uma aldeia de 20 casas de barro e taquaraà beira de um rio de águas diáfanas, mas o povoadoimortalizado de Gabo, a cidade dos espelhos (ou dasmiragens) que o levou ao Prêmio Nobel de Literaturaem 1982 e há quatro décadas continua a fascinar leitoresa partir de um veloz caleidoscópio de históriascujo eixo central não se desgasta, aliás, alimenta-seda luz do tempo.A Macondo de García Márquez se chama Aracataca,na Colômbia, onde ele nasceu e para onde voltoucom a mãe quando foi preciso vender a casa dos avós.É assim, ao menos, que o escritor dá início a Viverpara Contar, o primeiro capítulo da autobiografia,34 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


lançado há cinco anos. Ali estão, para quem quiserreconhecer, os principais personagens de Cem Anosde Solidão na sua forma mortal, habilmente embaralhadosem qualidades e obsessões, mas tão cristalinosquanto os frascos milagrosos de Melquíades, ocigano cuja sabedoria estimulou sem trégua a efervescenteimaginação do primeiro Buendía e acaboupor registrar em pergaminhos cifrados toda a históriada família um século antes de seu final.Ali estão o avô de Gabo com o morto que lhe pesaàs costas, o sábio catalão, os amigos do último Aureliano,a United Fruit Company (a companhia bananeiraque tantas desgraças havia de trazer a Macondo)e, principalmente, a casa eternizada do escritor.“Os quartos eram simples e não se diferenciavam entresi, e só precisei dar uma olhada para perceber queem cada um de seus incontáveis detalhes havia uminstante crucial da minha vida”, relata.Para o crítico literário norte-americano HaroldBloom, um dos mais conhecidos do mundo ocidental,Cem Anos de Solidão é “um milagre que só aconteceuma vez, menos um romance do que uma Escritura,a Bíblia de Macondo”. Em sua avaliação, o livrotraz “uma espécie de fadiga estética: a quantidade devida, em cada página, ultrapassa nossa capacidade deabsorção”. Talvez tenha sido essa sintonia explosivade existência e magia – que se reconhece e expandeno chamado realismo mágico, ou fantástico, florescidoem grande parte da América Latina durante alonga noite das ditaduras – a razão para que tantostenham tentado “explicar” Macondo e sua gente, atéque o próprio García Márquez resolveu pôr os pingosnos is e apresentar sua versão autobiográfica.Até agora não publicou o segundo volume – preferiu,antes, lançar o belo Memórias de Minhas PutasTristes, quase um conto com sabor de poema.Segundo as más línguas do noticiário, o colombianonão quer resgatar os motivos da briga que teve como também escritor Mario Vargas Llosa em 1976, quelhe rendeu um olho roxo e na qual, consta, pelo menosuma senhora estava envolvida.Delicadeza e jornalismoÉ bem verdade que até uma história assim correntedo cotidiano não soaria vulgar ou agressiva na escritaprimorosa de García Márquez. Tanto em sua obraprimaquanto nas dezenas de outras que já assinou,entre contos e romances (muitos deles levados para ocinema), episódios que por si só seriam de revirar oestômago do leitor são narrados com uma delicadezade coronel Aureliano Buendía em tempo de ourives,quase estonteante de tão precisa.É o caso do estupro de Cândida Erêndira (e sua AvóDesalmada), vendida ainda menina para começar apagar os danos que causou à família: o que Erêndiravê não é seu agressor, mas fantásticos peixes multicoloridosboiando à sua volta. Ou a caçada aos 17 filhosdo coronel Aureliano Buendía, numa imensa noitede terror; as famílias de grevistas surpreendidas pelosdisparos da polícia na praça. O que a memória captae registra, em todas essas passagens literárias, não selimita ao que se contou, e sim à forma como foi feito,e o que sobra é apenas deslumbramento.Mas também aos que insistem em deixar bem firmea linha que separa realidade e fantasia, a narrativade García Márquez é surpreendentemente objetiva.Basta ler sua produção jornalística (compilada emTextos do Caribe) ou livros-reportagens como Notíciade um Seqüestro, A Aventura de Miguel LittínClandestino no Chile ou ainda Relato de um Náufrago,a verdade sobre um naufrágio que pôs abaixo ocontrabando feito pela própria Marinha da Colômbiae levou Gabo ao exílio. Publicada em forma denovela pelo jornal El Espectador, de Bogotá, durante14 dias consecutivos no ano de 1955, a tragédia domarinheiro Luís Alejandro Velasco despertou a irado então ditador colombiano Gustavo Rojas Pinilla.Na versão oficial, uma tormenta levara o navio a pique,mas é o excesso de carga que causa o desastrenum dia de céu de brigadeiro.De seus muitos contos, há igualmente para todos os(bons) gostos. A Última Viagem do Navio Fantasmaparece escrito num só fôlego. No apaixonante O Afogadomais Bonito do Mundo, a partir desse morto descomunalque vai dar na praia, o povoado de pescadoresse descobre e passa a se respeitar como comunidade.Instados a ter casas maiores com mesas e cadeirasmais firmes, a se comprometer com o pobre gigantedesconhecido que suscita pena por sua desproporçãoe ciúme por sua imensa beleza, e compaixão, porque éevidente que não queria lhes causar tamanho incômodo,os habitantes locais lhe dão nome e família, de talforma que acabam todos por virar parentes próximos.A vila miserável prepara-se então para ser tão dignae grande quanto seu afogado. Torna-se o povoado deEstevão, como Macondo é território de Gabo.Para comemorar o 80º aniversário do escritor, autores,atores e políticos emprestaram a voz aos personagensde Cem Anos de Solidão. A leitura da obrafoi realizada no mês passado em Madri. Homenagenstambém vieram da terra natal de Gabo, do México,onde vive, da Venezuela, de Cuba, onde a longa amizadecom Fidel Castro levou-o a criar e dirigir a escolainternacional de cinema e TV.Há pouco tempo, um texto atribuído a Gabo na internetdava conta de uma enfermidade grave e umasuposta conversa sua com Deus. Fumante voraz durantemuitos anos, daqueles que acendem um cigarrono outro, García Márquez negou a autoria, masadmitiu o tratamento de um câncer linfático, realizadono final da década de 90, do qual, aparentemente,conseguiu escapar e segue adiante. Debaixo do castanheiro,sob o sol implacável do Caribe, o espectrovivo de José Arcadio Buendía sorri para o futuro.“A quantidadede vida emcada páginade Cem Anosde Solidãoultrapassanossacapacidadede absorção”Harold Bloom2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 35


comportamentoBarry Yee/getty imagesDevagar e sem36 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


dade do alimento e a produçãoagrícola local. O grupoexporta cerca de 12 toneladasde chá-mate orgânico. “Hoje,se me pedem suco de tangerina,não tenho, mas sei quemtem, e com certificado.” Eleressalta a necessidade deunião dos produtores.Entre outros produtosbrasileiros no catálogo mundialde slow food estão o feijão canapu, devários municípios do Piauí (espécie introduzidapor escravos no século 16), o néctarde abelhas dos índios sateré-maué, noAmazonas e Pará, as ostras de Cananéia,no litoral de São Paulo. Alguns produtosestão ameaçados de extinção e compõema chamada Arca do Gosto – são 600 nomundo, 11 no Brasil (como o palmito-juçarapaulista e a farinha de batata-doce doscraós, no Tocantins).Para preservar os produtos, o movimentocriou as Fortalezas. Elas organizamos produtores para conquistar novosmercados. São cerca de 300 no mundo,seis no Brasil. Roberta Marins de Sá,consultora do Ministério do Desenvol-O Brasil já descobriuo sabor da resistênciacultural e econômica doslow food, o movimentoque busca, mais quecomida saudável, umavida com mais prazerprePor Alceu Luís Castilho e Fábio de CastroFast food estressa. Engole-se,para voltar logo à atividade quea refeição “atrapalhou”. Poucoimporta como a comida foi feita.Se derrubou árvores, estragouo solo. Seu símbolo é o McDonald’s.Mas não só. Abra a geladeira, e ela estálá. A comida industrializada. Padronizada.Com cheiro uniformizado. Seu nomeé lucro. O estômago e a cabeça são apenasengrenagens de uma máquina sem sabor– em São Paulo ou no interior do Ceará.O slow food, movimento surgido na Itáliaem 1989, procura o resgate dos hábitosalimentares perdidos. Seu nome não significaapenas a resistência a um estilo alimentarimposto por multinacionais, masa um modelo econômico. É comida paraser saboreada com prazer e sensação deresponsabilidades – social, econômica,cultural. Deglutida aos poucos, humanizao ritmo de vida.“Eu definiria slow food como uma éticado prazer com consciência ambiental. Étambém um tipo de ecogastronomia”, dizMario Ignacio Spada, proprietário de umapousada em Porto das Dunas, no litoralcearense, a 23 quilômetrosde Fortaleza. Às 6 horas,Mario acorda, sem despertador.Capricha no café-damanhãe só depois vai começara servir os hóspedes.“Quero poder comer bem,fazer as coisas sem pressa,ficar fora do caos, viver umavida saudável”, diz o empresário,que já morou em SãoPaulo e Belo Horizonte. A “pousada cultural”é seu subterfúgio para atrair hóspedesafinados com sua filosofia. “Duranteo dia faço trabalho de manutenção, consertocoisas quebradas, construo objetosde madeira, pinto. Faço a decoração. Enão tenho pressa.” Para Mario, seis horasde sono bastam para repor as energias.A rotina desacelerada, no entanto, nãotraduz toda a dimensão do movimento.Aderir ao slow food não alterou a agitadarotina da consultora de restaurantespaulistana Heloísa Mader. “Não se tratade uma doutrina impositiva de desaceleraçãodo ritmo de vida. É muito mais queisso”, defende. Para Heloísa, o slow food éum contraponto ao fast food na medida“Eu definiriaslow food comouma ética doprazer comconsciênciaambiental.É tambémum tipo deecogastronomia”Mario Ignacio Spadaem que se coloca contra a massificação dosabor. Mas o principal aspecto é a consciênciaambiental – incluindo o espaçourbano. “Isso não me impede de ter umavida superacelerada, de até 18 horas detrabalho num dia. Posso ter 15 compromissos,mas paro para comer, e não é emfrente ao computador, ao telefone nemnum drive thru. Basta programar o tempo.Se eu tiver de sair às 5 horas, acordoàs 4. Não existe acordar atrasada e sairsem café-da-manhã”, descreve.IntercâmbioO slow food ganha terreno no Brasil. Acorreia de transmissão do movimento sãoos produtos que preservam as característicasculturais locais, os ciclos ecológicos ea economia popular. Um exemplo é o chimarrão– pela popularidade, pela cultura,pelo ritual de degustação. “A erva-mateera utilizada pelos índios muito antes dacolonização”, conta Luiz Zenaide Gomes,produtor de Santa Maria do Oeste (PR).“É slow food de origem.” Gomes integrauma das 55 comunidades brasileiras doalimento Terra Madre – rede global quereúne mais de 1.600 grupos que compartilhamexperiências para proteger a quali-2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 37


vimento Agrário (MDA), avalia projetose os reúne nos diversos grupos de slowfood. “Nosso papel é dar voz às comunidades,junto com os chefs e a universidade”,afirma. Ela critica o enfoque dadopela mídia ao slow food no Brasil. “Falamsó da coisa do comer devagar e da altagastronomia.”Papel do consumidorParte essencial do movimento está nasmãos do consumidor. Ele é tão importanteque, quando associado à rede, ganhaa denominação de “co-produtor”.Mais do que a contribuiçãofinanceira (10 eurosanuais para membros degrupos ou 30 euros individualmente),cabe a ele ajudara divulgar os alimentos.O Brasil possui dez dessesgrupos, chamados de convivia(no singular, convivium):o Amazônia, em Belém,o Empório do Sertão,em Montes Claros (MG), o Florianópolis,o Fortaleza, o Piracicaba (SP), o Riode Janeiro, o São Paulo, o Belo Horizonte,o Brasília e o Pirenópolis (GO).O maior e mais antigo é o carioca,comandado pela gastrônoma MargaridaNogueira. Ela viajou em 1999 paraA correia detransmissão domovimento sãoos produtos quepreservam ascaracterísticasculturais locais,os ciclosecológicos ea economiapopulara Itália e encontrou líderes do slow foodque não conseguiam entender por queum país tão rico em diversidade como oBrasil não tinha convivia. Ao voltar parao Brasil, criou o do Rio, com a ajuda deamigos. Hoje tem cerca de 50 pessoas.Elas costumam se reunir para degustaros alimentos brasileiros do Terra Madree criar pratos. “É tarefa difícil, num paíscontinental, obter todos os produtos”, dizMargarida. Na ceia de Natal, por exemplo,em lugar das castanhas importadasestavam as brasileiras, como a de baru,produzida em Pirenópolis.“Sempre descobrimosprodutos diferentes, quesão da nossa própria terrae dos quais nenhum de nóstinha ouvido falar”, comemora.Uma das pérolas é oarroz-vermelho, do Piauí,que chegou no início da colonização,mas foi descartadopelos portugueses pormotivos comerciais.Ela conta que, nos jantares promovidospara o consumidor comum, é muitofreqüente os produtos acabarem rápido –contrariando um tanto a idéia da refeiçãolenta. “As pessoas ficam impressionadas equerem saber de onde eles vieram.”Segundo Roberta de Sá, o Terra MadreSem pressaSpada: “Quero ficarfora do caos, viveruma vida saudável”jr. Panela38 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


ConscientizaçãoRoberta de Sá: “Nosso papel é darvoz às comunidades, junto comos chefs e a universidade”Augusto Coelhotem 150 sócios no Brasil. “Mas há muitomais gente envolvida nos projetos, poiscada pessoa representa 60 comunidades,que podem ter desde 20 até 1.000 famílias”,calcula. “Por outro lado, não temosos consumidores conscientes. Estamosprecisando exatamente disso – os consumidoresé que dão o apoio, que vãodivulgar o projeto.”Slow citySe o tempo não pára, em algumas cidadesele passa mais devagar. Elas fazemparte da rede internacional das slow cities,conhecidas no Brasil como cidadesdo bem-viver. O movimento deriva doslow food. Está em 30 cidades italianas ese expandiu por países como Alemanha,Noruega, Reino Unido, Polônia, Portugale Espanha. Duas cidades brasileiras estãoincluídas: Antônio Prado (RS) e Tiradentes(MG). O objetivo é resistir à homogeneização,apoiar a diversidade cultural eas especialidades locais.O secretário de Turismo, Cultura eMeio Ambiente de Tiradentes, MarceloGomes, diz que a cidade de 7 mil habitantesnão precisou mudar de ritmo para sercertificada – as características do bemviverjá estavam presentes. “Nossa preocupaçãoé mantê-las”, diz. A participaçãono movimento não diminuiu a atividadeBrasil tem tudo para ser líderO italiano Piero Sardo esteveno Brasil em novembro,em evento promovido peloMinistério do DesenvolvimentoAgrário. “Todos, não só a elite,têm direito ao prazer à mesa, anão comer imundícies. A idéiaé criar a Grande Internacionalda Comida. O Brasil podeser líder de um movimentonão só sul-americano, masamericano”, acredita.Por que o Brasil pode lideraro slow food nas Américas?A partir de 2008 o encontrodo Terra Madre será regional:África, Ásia etc. Na Américado Sul deverá ser aqui, pois háatenção para o tema. Há umgoverno com estratégia fortepara agricultura familiar, comas contradições que sabemos,como os transgênicos, mas nãohá outro país com essa atenção.Como é em outros países?Nos EUA, o movimentoé espontâneo, privado, ogoverno não está nem aí.No México há, mas não comessa dimensão. Na Itália,há uma dificuldade muitogrande, estão convictos deque a economia familiar estásuperada. Mesmo ativistaspensam isso, e no governo deesquerda.Nossa terra ajuda?Nossos vinhos, por exemplo,estão muito padronizados.Fazemos como os americanosfazem, vinhos compreensíveise com sensações fortes. Aquio terreno é extraordinário. E émais fácil aprender a fazer osbons vinhos do que recuperara terra. Mas deve-se manter aidéia de vinho íntegro, natural,respeitando o território.O que o senhor provoupor aqui?Fiquei numa casa decamponeses perto dePirenópolis e comi muitobem. Frango com ervas. Asmatérias-primas são muitoboas. E nem falamos davariedade de frutas. Na carne,é preciso fazer alguma coisapara melhorar.Qual a responsabilidade doconsumidor na manutençãodos alimentos tradicionais?Inútil dizer “a culpa ésua”. É preciso educar. Nomomento em que a famílianão explica mais a origemdos alimentos, não vai maisao campo, permite que ofast food invada o espaço.Ela deve fazer escola, fazero slow food, sem culparninguém.Sardo: “É preciso educar.A família deve explicar a origemdos alimentos”Arquivo Slow Food2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 39


econômica. “Desde 2002, 17 casais quemoravam em grandes centros estressadosse mudaram para cá e abriram pousadase restaurantes, gerando empregos”,afirma Gomes.As cidades candidatas ao selo slow city– certificação de qualidade de vida – passampor uma seleção. Precisam ter menosde 50 mil habitantes e seguir rigorosamente55 princípios ligados a políticaambiental, sustentabilidade urbana, infra-estrutura,incentivo a produtos locais,hospitalidade e senso de comunidade. Etêm de conservar seu patrimônio históri-vander fornazieriMudança ColetivaCiane, de Antônio Prado:“Adaptamos todo o cotidiano àpreservação da nossa históriae do meio ambiente urbano”diogo scopel/ divulgaçãogerando empregosGomes, de Tiradentes, onde aindaé possível “pegar” uma charrete: “Casaismudaram-se para cá, fugindo dosgrandes centros, e abriram pousadase restaurantes”sandycolor/divulgaçãoco. A cidade italiana de Bra, no Piemonte,com 27 mil habitantes, é a sede do movimento.Lá, um decreto municipal obrigao comércio a fechar às quintas-feiraspara que os proprietários tenham tempode cuidar da vida pessoal.A geógrafa Ciane Fochesatto, de 25anos, funcionária pública em AntônioPrado, encaminhou a candidaturada cidade, que recebeu o selo slow cityem 2001. “Temos um dos maiores patrimônioshistóricos do Brasil, com 48edifícios tombados. Adaptamos todo ocotidiano à preservação dessa históriae do meio ambiente urbano”, diz. Segundoela, a população resistiu à idéianum primeiro momento. “Aos poucoscompreenderam a idéia e a adesão épraticamente unânime”, afirma. A prefeituralançou uma cartilha de educaçãopatrimonial, desenvolveu coleta seletivaintensa, dedicou grande cuidadoao saneamento e implantou a educaçãoambiental nas escolas.40 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


RetratoEscolhidoporGhandiPor Ieda de AbreuDescalço, cabeça raspada, envolto numa túnicabranca e segurando um cajado, o ator João Signorelliinterpreta desde 2003 o líder indiano MahatmaGandhi no espetáculo Gandhi, um Líder Servidor.O monólogo, de 40 minutos de duração, cabeem qualquer ambiente. Universidades ou clínicas, empresas oupresídios. Claro, em salas de teatro também. Trata de ética, nãoviolência,amor, liderança, cooperativismo em espaços onde ofoco é a busca de conhecimento e resultados.O texto começa com Ghandi anunciando o início de um jejumpara despertar consciências do Ocidente e do Oriente: “Que ospovos deixem de se alimentar com pensamentos desequilibrados,preconceitos e sentimentos sombrios”. Signorelli recita parasi mesmo de dois em dois dias e diz que sempre lê e aprende algonovo sobre Gandhi, para quem um verdadeiro líder não é o quesabe dar ordens, mas exemplos; estimula o pensamento no bemcoletivo como forma de alcance da satisfação pessoal.Com 35 anos de carreira, dezenas de filmes, peças e novelas,Signorelli foi Dom Quixote, no início dos anos 70, em O Homemde La Mancha. Seu escudeiro Sancho era Grande Otelo(1915-1993), que não o levaria até a doce Dulcinéia, mas paraa TV Globo. Ele vê o personagem que encena há quatro anosem sintonia com uma tendência que considera em alta, no universocorporativo e na sociedade, de valorização de princípioséticos nas relações humanas. É feliz por ganhar a vida dizendoo que pensa e divulgar a cultura da paz. E ratifica que no mundoteatral os personagens é que escolhem os atores. “Penso emvivê-lo até meu último respiro.”Jailton Garcia2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 41


cidadaniaPedala,Brasil!Cresce a legião de usuários de bicicleta, boa paraa mobilidade, a economia, o meio ambiente e asaúde. Mas faltam políticas públicas que façamas pessoas tirar o carro da cabeça. E das ruasPor Fábio de Castro“Setivéssemos ciclovias funcionais, interligaçãocom outros transportes, estacionamentode bicicletas, eu seria oprimeiro a pedalar para ir ao trabalho.Estou cansado de trânsito. Se implantassemum sistema bem-feito, a cidade ia ganhar tempo,economizar dinheiro, ficar menos poluída.” O desabafodo arquiteto carioca Paulo de Tarso ecoa boaparte das reivindicações dos brasileiros – cada vezmais numerosos – que utilizam a bicicleta como meiode transporte urbano.De acordo com levantamentos da Associação Nacionalde Transportes Públicos (ANTP), 7,4% dos deslocamentosem área urbana são feitos de bicicleta, numtotal de 15 milhões de viagens diárias no país. A frotanacional de 50 milhões de bicicletas dobrou na últimadécada e cresce numa razão de 5 milhões por ano.42 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


sem congestionamentoAruana pedala 30 km por diapara não usar o carro nemo transporte público, queconsidera demoradopaulo pepetexto violentamente adverso. “Acho quehá um movimento acontecendo. Aparececada vez mais gente andando de bicicletaem grupo. De carro, não se fala comninguém no trânsito. Converso com os ciclistase percebo que são gente como eu,que usa a bicicleta porque é boa opção detransporte. De bicicleta a locomoção émais saudável, agradável, mais rápida.”Segundo a Companhia de Engenhariade Tráfego de São Paulo, o congestionamentoregular da cidade implica deslocamentosà média de 20 quilômetros porhora. A velocidade média da bicicleta emterreno plano é de 25 quilômetros porhora. A frota de 5,6 milhões de automóveisna capital paulista – a maioria ocupadapor uma só pessoa (média de 1,5 pessoapor veículo) – é responsável por 70% dapoluição atmosférica. A população perdequatro dias por ano parada no trânsito.Para Danielle, pior é a falta de estrutura.E a convivência no trânsito não é pacífica.“As pessoas não conhecem o Código deTrânsito, que protege o ciclista, por isso háuma grande necessidade de implementarciclovias. Faltam também estacionamentosapropriados.” Pesquisas confirmamque os principais obstáculos ao uso da bicicletacomo meio de transporte são medode atropelamento, de assalto, falta de estacionamentose falta de ciclovias. Segundoa ANTP: o Brasil inteiro tem 600 quilômetrosde ciclovias em uso. A Holanda, com16 milhões de habitantes, tem 15 mil quilômetrosde faixas para bicicletas.Já o município de São Paulo, com 10,5milhões de habitantes, tem menos de 30quilômetros de ciclovias – 20 deles dentrode parques. Mais de 15.600 quilômetrosde ruas e avenidas. Cerca de 50 ciclistasmorrem por ano. Segundo dados divulgadospela Unesco, 95% dos acidentescom ciclistas acontecem nos cruzamentos– e uma ciclovia teria evitado todasessas mortes. Os que são atropelados (colisãopor trás) por carros e motos não chegama 0,1% do total de acidentados.Apesar do risco, paradoxalmente, aviolência e a saturação do trânsito parecemestimular a busca dos usuários de bicicletaspor mais espaço. Várias cidadesbrasileiras ganharam a Bicicletada, versãonacional do movimento conhecidomundialmente como Massa Crítica, quenasceu em 1992 na cidade norte-americanade São Francisco e hoje está presenteem mais de 300 cidades do mundo. Importadopara São Paulo há pouco maisde quatro anos, o movimento já ocorretambém em Porto Alegre, Florianópolis,Brasília, Curitiba e Mossoró.‘Nem suamos mais’“Dificilmente chegaremos à ‘massacrítica’, com centenas de ciclistas, mas éfundamental que a Bicicletada exista. Elaleva o recado a um número significativode motoristas”, diz o estudante de CiênciasPolíticas Júlio Casarin, que participavade uma das edições da Bicicletada emSão Paulo, em janeiro deste ano.Diante da quantidade assustadora deautomóveis nas grandes cidades, os ciclistasurbanos ainda parecem raros, isolados,perigosamente solitários. Mas jásão uma multidão considerável, criandouma demanda por melhoramentos viáriosque já começa a repercutir em setoresdo poder público. Paulo de Tarso é presidenteda Sampa Bikers, espécie de clubeque estimula o uso de bicicletas para váriosfins, e não está sozinho em seu apelopor espaço. É ciclista militante, mas seconsidera pessimista em relação ao atendimentode suas necessidades: “Acho quea bicicleta nunca vai ganhar espaço na cidade.O poder público só pensa em darmais acesso aos carros”.A designer Danielle Noronha é ativistaem defesa da bicicleta, mesmo num con-Solitários Bicicletada: abrindo espaço entre os 5,6 milhões de carros de São PauloThiago Benacchio/divulgação2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 43


Saldiva:prejuízo dapoluição écompensadopelos ganhoscom aatividadefísicaOMS recomendaPedro Azevedo/Folha ImagemO nome da manifestação se refere a umfenômeno comum nas cidades chinesas:os ciclistas que, sozinhos, não conseguematravessar os cruzamentos desprovidos desemáforos esperam a formação da massacrítica – o acúmulo de um número de bicicletassuficiente para obrigar os veículosmotorizados a parar e esperar. Parteda massa crítica brasileira, Júlio pedalavade calça jeans, óculos, feito um pedestre,longe do estereótipo do ciclista que usa abicicleta para o lazer ou esporte.“Não sou cicloativista, mas uso a bicicletacomo meio de transporte por questãode saúde, economia, consciênciaecológica”, dizia o estudante enquantoesperava a partida da Bicicletada, o passeiociclístico sem lideranças, como ummovimento espontâneo de cidadãos. “Énítido que tem mais gente pedalando. Agente aprende a sobreviver na violênciado trânsito, mas é preciso se manifestarpara conquistar mais espaço.”O estudante percorre diariamente debicicleta os cerca de oito quilômetrosentre sua casa, em Santa Cecília, na regiãocentral de São Paulo, e a faculdade,na Cidade Universitária, na região oeste.“Não é uma distância grande. Depois que44 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007ganhamos condicionamento físico, nemsuamos mais”, garante.Na mesma manifestação, o estudante TiagoTroglio Correa, de 18 anos, se apresentavacom todo o equipamento de ciclista. “Nãouso a bicicleta para esporte. É mais lazer elocomoção, mas como pedalo bastante prefiroandar equipado”, dizia. De sua casa emPirituba, zona noroeste, até a Avenida Paulista,onde começa a Bicicletada, pedalou 20quilômetros. “O problema é que as pessoasnão conhecem o Código de Trânsito.”E as políticas públicas ainda são escassas.No início de fevereiro, o prefeito GilbertoKassab (PFL) sancionou a lei queinstitui o Sistema Cicloviário do Municípioe reconhece a bicicleta como meiode transporte. Shoppings a terminais detransporte serão obrigados a possuir bicicletário,mas poderão fazer sua exploraçãocomercial. A lei, de iniciativa dovereador Chico Macena (PT), indica apermissão de bicicletas em vagões de metrôe trem – ainda restrita aos fins de semana– e determina que toda nova obraviária inclua ciclovia ou ciclofaixa.O substitutivo que deu origem à lei recebeusugestões do secretário do Verde e doMeio Ambiente, Eduardo Jorge, que even-O ato de pedalar faz bem nãoapenas à mobilidade, à economia eao meio ambiente. A OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS) defendeo uso da bicicleta como uma dassaídas para melhorar a saúdepública mundial. A OMS recomendaaos governos a criação de planosintegrados de atividades físicas,inclusive nas políticas de transportese planejamento urbano. Emdocumento, enfatiza que essesplanos trazem não apenas benefíciosmédicos diretos, mas “aumentama interação social, fornecem lazere reduzem a violência, o tráfegourbano e a poluição”.Para o médico Paulo Saldiva,pedalar faz bem mesmo numagrande cidade: “Os malefícios dapoluição são compensados pelosganhos com a atividade física”.Saldiva, de 52 anos, pedala cerca de30 quilômetros por dia em São Paulo.“Estou bem melhor que os colegasda minha idade. Ou a bicicleta fazbem, ou o Audi faz mal”, ironiza omédico, chefe do Departamento dePatologia da Faculdade de Medicinada USP. Ele leva as roupas namochila. “Chego no trabalho às 7h30e saio às 20 horas. Em que outrohorário poderia fazer um exercíciotão completo?”


tualmente também pedala para ir trabalhar.Para ele, todos têm a missão de criar umacultura na qual a bicicleta seja mais que esportee lazer: “É uma missão difícil, porquea cidade é completamente dominada pelahegemonia do carro. E o carro é insaciável,quer mais túneis, mais ruas,mais orçamento”. Ele exemplificaa voracidade do automóvelmencionando o túnelna Avenida Rebouças, quecustou 60 milhões de reais.“É o orçamento da Secretariado Verde e Meio Ambienteda maior cidade dohemisfério sul!”, compara.Jorge acredita que a mudançacultural virá, já quea era do petróleo está a algumasdécadas do fim. “Ospaíses com planejamento de longo prazojá decretaram: nada mais para o carro, nemmais um tostão. Mas, aqui em São Paulo, ocarro continua sendo o rei absoluto da cidade”,lamenta.As políticas, no entanto, vão sendo traçadas.A própria lei paulistana derivou doPesquisasconfirmam queos principaisobstáculos aouso da bicicletacomo meiode transportesão medo deatropelamento,assalto, falta deestacionamentose de cicloviasPrograma Brasileiro de Mobilidade porBicicleta – Bicicleta Brasil, criado em2004 pelo Ministério das Cidades. Segundoo diretor de Mobilidade Urbana doMinistério das Cidades, Renato Boareto,o programa pretende integrar a bicicletacomo opção de mobilidadee contribuir para mudar acultura do privilégio ao automóvel:“As pessoas recebemsinalização do poderpúblico. A cidade é pensadacomo se um dia todas aspessoas fossem ter um automóvel,e isso nunca vai –nem pode – acontecer. Aspessoas escolhem o meiode transporte a partir doestímulo do poder público”.Para municípios com maisde 100 mil habitantes, o BNDES disponibilizaainda uma linha de crédito de 300milhões de reais no Programa de Financiamentode Infra-Estrutura para MobilidadeUrbana (ProMob).Aruana Espíndola, 27 anos, é funcionáriado INSS e estuda Relações Públicas.Estuda alguns dias no período da manhã,outros à noite, trabalha à tarde e faz todosos trajetos de bicicleta, o que dá emmédia 30 quilômetros por dia. “Transportepúblico demora. A bicicleta é saudável,tem a questão ambiental, o caos por causados transportes individuais. Levei tudoem consideração e vi que só tem vantagens”,aprendeu. “Para isso, é preciso terbicicleta de boa qualidade, equipamentosde segurança, atenção e paciência com osmotoristas mal-educados. A maioria nãosabe que bicicleta pode andar na rua e gritapara a gente ir para a calçada, o que naverdade é proibido”, ensina. “Como não háuma faixa específica para ciclistas, tem depraticar a direção defensiva. Todo dia escutobuzinadas, como se que eu estivesseatrapalhando. Quem atrapalha são os motoristas,que estão muitas vezes sozinhos,ocupando muito espaço.” Ela acreditaque, quanto mais gente optar pela bicicleta,mais esse assunto vai chamar a atençãoda sociedade civil, dos governos e dos própriosmotoristas. “Eu sou otimista.”Colaborou Xandra StefanelEconomia e saúdeJúlio: “Não soucicloativista, mas usoa bicicleta como meiode transporte”Gerardo lazzari2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 45


viagemMagela Tannús/divulgaçãoFriozinho bom e gente boaA estância de Cunha,entre SP e RJ, ofereceritmo de vida interiorano,ar fresco de montanha,hospitalidade, simplicidade,belezas naturais e históriaPor Joás Ferreira de OliveiraAcidade de Cunha fica no caminhoentre Guaratinguetá(SP), a partir da Via Dutra,e Paraty (RJ). Incrustada nomeio das serras da Bocaina,do Mar e do Quebra-Cangalha, tem encantosnaturais, tradições culturais ricas eum povo acolhedor como seu clima temperado,que sempre reserva um friozinhobom à noite, em qualquer estação do ano.No inverno, porém, pode cair abaixo dezero, convidando para o pé da fogueira,junto da lareira ou do fogão a lenha.Ao deixar a Via Dutra (saída 65), o viajantejá sente a diferença. Logo depois,ao transpor a Serra do Quebra-Cangalha,durante oito quilômetros, a mudança égritante, com poucos carros na estrada epaisagens deslumbrantes. A cidade fica a45 quilômetros da Dutra.Os atrativos começam pelos diversosateliês de cerâmica de alta tempera-A cidadeé famosatambémpelosseusateliês decerâmicaCunha tem uma grande reserva de Mata Atlântica, com nascentes, rios e cachoeirasCid Sobral/divulgação46 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


PanorâmicaCunha fica najunção das serras daBocaina, do Mar e doQuebra-Cangalha.O espetáculovisual que cercaa região pode sertestemunhadoda Pedra daMarcela, a 1.840metros de altitude,especialmente nosmeses de inverno,quando o céu é maislimpo. Na foto, épossível avistar todaa baía de Paratysimone claro/div.Boca do SertãoNo final do século 17, viajantes eaventureiros saíam de Paraty comdestino ao sertão de Minas Gerais embusca de ouro e pedras preciosas.Ao passar pela localidade onde seergueu a cidade de Cunha, entãoconhecida como Boca do Sertão, elesparavam para descansar e reabasteceras tropas. No início do século 18,intensificou-se a movimentação detropeiros que transportavam o ouro deMinas Gerais. Eles seguiam até Paraty,onde a carga preciosa era embarcadapara Portugal.Em 1730 surgiu o povoado daFreguesia do Falcão. Muitas famíliaslá permaneceram, mesmo depoisdo ciclo do ouro, formando a Vilade Nossa Senhora da Conceiçãode Cunha. Já no século 20, Cunhateve papel importante na RevoluçãoConstitucionalista de 1932. Em seuterritório aconteceram os combatesentre tropas fluminenses e paulistas.No episódio, o lavrador Paulo Virgíniofoi morto por não revelar a posição dospaulistas. É o mártir da cidade.Cid Sobral/divulgaçãotura. O primeiro forno a lenha, do tiponoborigama – técnica trazida do Japão,em que o forno é construído em degrauscom diversas câmaras de queima, geralmenteaproveitando os desníveis do terreno–, começou a funcionar há 30 anos.De lá para cá, a atividade agregou outrastécnicas e incorporou-se à identidadelocal. Periodicamente, em geral nos feriadosprolongados e na alta temporada,durante o Festival de Inverno, esses ateliêspromovem eventos em que exibem aabertura de fornadas, apresentando emprimeira mão as peças “quentinhas”.Nascentes, córregos, riachos e cachoeirasse espalham pelos seus 1.410 quilômetrosquadrados de extensão territorial.É um dos maiores municípios paulistas– tecnicamente, faz “fronteira” com cidadestão distantes como Guaratinguetá eSão Luiz do Paraitinga (em SP) e Paratye Angra dos Reis (no RJ).Cunha possui expressivas reservas daMata Atlântica, um dos mais importantesbiomas do planeta. O Parque Estadual daSerra do Mar, Núcleo Cunha-Indaiá, porexemplo, preserva áreas com a exótica vegetaçãonativa e a conhecida diversidade desua fauna, dos milhares de espécies de insetose passarinhos aos bichões como anta,paca, onça, bugio, gavião. Para os viajantes,o parque organiza três tipos de trilha: a Trilhadas Cachoeiras (6.800 metros de carromais 7.600 a pé), a Trilha do Rio Bonito(7.600) e a Trilha do Rio Paraibuna (1.700).Entre as cachoeiras, destacam-se as do Pi-menta, do Desterro, do Mato Limpo e asvárias quedas do Parque Estadual.O espetáculo visual que cerca a regiãopode ser testemunhado da Pedra da Marcela.Especialmente nos meses de inverno,quando o céu é mais limpo, o passeio atélá, a 1.840 metros de altitude, é imperdível.O acesso a esse mirante natural fica no km61 da Rodovia Cunha–Paraty. São quatroquilômetros em estrada de terra mais umacaminhada de dois quilômetros.Na cidade, o visitante dispõe de bonsrestaurantes e pousadas e pode conheceralgumas construções do século 18,como as igrejas Nossa Senhora da Conceição,Rosário e São Benedito. Há tambémo Mercado Municipal (de 1913), oMuseu Francisco Veloso e a Casa do Artesão.Entre os principais eventos religiosos,estão a Festa do Divino (em julho), aProcissão de Corpus Christi e a festa daPadroeira Nossa Senhora da Conceição(em dezembro).A agenda cultural da cidade inclui aindaa Festa do Pinhão (em abril e maio), combarracas e shows, e o Festival de InvernoAcordes na Serra (em julho), com apresentaçõesmusicais nas igrejas, no antigo cinemae na praça pública.Saiba maisn Secretaria Municipal de Turismo e Cultura:(12) 3111-2630 – www.cunha.sp.gov.brn Parque Estadual da Serra do Mar,Núcleo de Cunha: (12) 3111-1818n Cunhatur - Associação de Hotéis e Pousadas:(12) 3111-2634 – www.cunhatur.com.brn Casa do Artesão: (12) 3111-16842007 ) abril ) Revista do Brasil ( 47


Curta essa dica PorCláudia Motta (claudiamotta@revistadobrasil.net)MichelJoelsas emcena de ODia em QueMeus PaisSaíram deFériasCopa, ditadura e Bom RetiroCao Hamburger, criador de Castelo Rá-Tim-Bum, é diretor do excelente O Ano emQue Meus Pais Saíram de Férias, lançado em DVD. É o ano de 1970 pelo ponto devista de um garoto apaixonado por futebol que é obrigado a deixar sua vida para tráspara viver com o avô, enquanto seus pais, militantes clandestinos perseguidos peloregime militar, tiram “férias” forçadas. Sob os cuidados da comunidade judaica dobairro paulistano do Bom Retiro, Mauro (Michel Joelsas) segue lance por lance acampanha da seleção brasileira tricampeã no México. A fotografia e as atuações deJoelsas, da menina Hanna (Daniela Piepszyk) e do velho Shlomo (Germano Haiut),guardião do garoto, são primorosas. O filme merece ser visto e revisto.Orfeu, o primeiro encontroPoucos espetáculos foram tão importantes para a cultura brasileiraquanto Orfeu da Conceição. Essa adaptação para os morros cariocasdo mito grego Orfeu – aquele que foi esquartejado pelas Bacantespor ciúme de seu devotado amor por Eurídice – é fundamental paraa música brasileira. Representa o primeiro encontro da poesia deVinicius de Moraes com a música de Tom Jobim. O resultado são clássicos como Se TodosFossem Iguais a Você e Lamento no Morro, interpretados pelo bom e pouco lembradoRoberto Paiva. Ainda vale a pena conferir Vinicius recitando o marcante Monólogo deOrfeu. Finalmente, a peça musical saiu em CD (EMI). Em média, R$ 24.divulgaçãoCaminhada de640 quilômetrosRoberto Buzzocomeçou naEstrada dosRomeiros, emSantana doParnaíba (GrandeSP), e terminouem Fernandópolis,cruzando o estadono sentido sudoestenordeste.“Fiz o Caminhodo Sol, de 270 quilômetros,e no final resolvi esticar evisitar meus pais”, conta. Oque viu, ouviu e sentiu estárelatado no bem-humoradoDiário de um BandeiranteLigeiramente Atrasado eTotalmente Desarmado, cujoprefácio anuncia: “Deixaitoda a frescura, ó vós queentrais”. Nada de metáforasde auto-ajuda: o livro traz85 crônicas das experiênciasvividas por um andarilho quese vestia como astronauta,recusou caronas, tomoucafé em delegacia de polícia,enfrentou cachorros, cruzouculturas e desafios. Por duasvezes, atravessou 32 cidades e17 povoados em 14 dias, trêsdormidos em hotéis e 11 nabeira da estrada. Patrocinadopelo programa Cultura daGente, do Banco do Nordeste,o livro foi produzido pelaeditora-laboratório daECA/USP. Vendas:sambuz@uol.com.br. R$ 15.Cem horas com FidelFidel Castro: Biografia a Duas Vozes (Boitempo, 624 páginas), do escritor e jornalista Ignacio Ramonet(Cien Horas con Fidel, em espanhol), é resultado da mais longa entrevista já concedida pelo lídercubano. Fala de globalização, Tony Blair, George W. Bush, terrorismo, meio ambiente, Alca, AméricaLatina e planos para o futuro. As conversas com Ramonet foram gravadas antes do adoecimento dolíder cubano. “O volume de informações é uma referência permanente para quem quiser entendermelhor a história desse homem e de sua revolução”, destaca Fernando Morais, na apresentação. R$ 66.48 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007


Tom Zé nas telasChega aos cinemas em maio documentário que retrata a vida e aobra de um dos mais controversos artistas brasileiros. FabricandoTom Zé tem como fio condutor sua turnê pela Europa em 2005,alternando narrativas das diversas fases de sua vida: do início desua carreira musical – saído de Irará, na Bahia – ao Tropicalismo,passando pelo período em que se manteve no esquecimento até queo talking head David Byrne o “desenterrou de um túmulo que tinhapor cima um prédio de 15 andares”, conforme afirma. Além de Byrne,o documentário traz depoimentos de Neusa Martins, sua eternacompanheira; Roberto Santana, produtor musical; Henry Laurent,executivo da gravadora BMG da França; Gilberto Gil e Caetano Veloso,companheiros de Tropicalismo. A direção é de Decio Matos Jr.Pop e erudito na trilhaO filme de Sofia Coppola, que conta a históriada menina austríaca que virou rainha daFrança, não é grande coisa, mas a trilha sonorade Marie Antoinette é. As 26 faixas do CD duplotrazem, entre outros, Cure, Gang of Four, NewOrder, Malcolm McLaren (Sex Pistols), Strokes,Siouxsie and The Banshees. Os artistas fora domundo pop também são de grande qualidade,como a cravista norte-americana PatriciaMabee e o pianista Dustin O’Hallopran. Apartir de R$ 40.Cena deFabricandoTom ZédivulgaçãoLições de Moacyr ScliarAutobiografia, ficção, boa mistura? Um Sonho no Caroço do Abacate, de Moacyr Scliar, é uma obra-primacontra o preconceito. Em apenas 75 deliciosas páginas, trata de temas como preconceito, ética, amor,amizade, dor. O livro conta a história do jovem Mordoqueu Stern, que, como o autor, é descendentede judeus. “Tive sorte de nascer no Brasil. Se meus pais não tivessem emigrado, se tivessem ficado naEuropa, eu poderia nem ter nascido – ou poderia virar cinza num forno crematório, como aconteceua muitas crianças. Escapei desse destino e por isso sou grato ao nosso país. Que, no entanto, não estátotalmente livre da intolerância”, destaca Scliar. Coleção Jovens Inteligentes, da Global Editora. R$ 19.O artista curitibanoO Museu Oscar Niemeyer apresenta mostra do pintor Luiz Carlos deAndrade Lima (1933-1998). São cerca de 70 pinturas e desenhos da décadade 50 à de 90, ilustrando os mais diversos temas populares e cotidianos: deCristo e São Francisco a bares e mulheres. O “cronista de Curitiba”, comoficou conhecido, foi pintor, desenhista, gravador, escultor, ilustrador e poeta.Rua Marechal Hermes, 999, Centro Cívico, Curitiba, tel. (41) 3350-4400.Terça a domingo, 10h às 18h. Até 17 de junho. R$ 4 e R$ 2 (estudantes).2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 49


Crônica PorFlávio AguiarA invenção dochurrascoDa primeira fornada feita por Noé ao fogode chão, a história é repleta de indícios: oCriador tem um pé no pampa. E é solenecomo um ser solitário diante de umassado regado a mate e canhaAprimeira churrascada de que se tem notícia foiNoé quem fez. Quando saíram da arca, ele pegouas aves e reses que boiaram com ele por 40 diase noites e, até hoje ninguém sabe muito bem porquê, assou-as numa gigantesca fogueira. Conta oTexto Sagrado que o Criador apreciou o “suave cheiro”. Em seguida,instituiu a sucessão das sementes e das searas, do frio edo calor, do verão e do inverno e do dia e da noite. O que provaque: 1) o churrasco tem poderes civilizatórios; 2) o universo,antes do dilúvio, devia ser meio bagunçado; e 3) o Criadortinha um pé no pampa.O pampa sul-americano tornou-se território por excelência dochurrasco graças a uma Opera Ad Maiorem Dei Gloriam, Obrapara Maior Glória de Deus. Foram os jesuítas, no século 17, queintroduziram naqueles campos sem fim o gado. E eles (os animais)fizeram como os que por milagre escaparam das brasas deNoé: cresceram e multiplicaram-se. Os religiosos reuniam índiosem missões, povos ou reduções – que vem do verbo em latim reducere,reconduzir –; os jesuítas acreditavam que os nativos dasAméricas tinham simpatia pelo Diabo e deveriam, portanto, ser“reconduzidos” à fé cristã. Cada redução dispunha de uma estância,onde cavalos e reses medravam à solta e era apresados conformea necessidade. Daí se tem uma primeira e saborosa notíciade churrasco à barbacoa, ou de fogo de chão.Quem conta é o padre Antonio Sepp, austríaco que aqui chegouno final do século 17, com 30 e poucos anos, e ficou parasempre. Agauchou-se, seguindo o exemplo de Noé. Um dospadres da Missão de Yapeyú, do lado de lá do Rio Uruguai, recompensouum nativo por seu labor e bom exemplo com umboi e um arado para prover seu futuro. Sabiamente, o nativo nãopensou em futuro nem nada. Chamou a mulher, os filhos, e picotouo arado e o boi. Com o primeiro fez uma fogueira. Usoua graxa do boi para alimentar o fogo (como fizera outrora, naGrécia Antiga, o tal de Prometeu, outro gaúcho desgarrado naantiguidade, que deu aos homens o fogo). Cravou os pedaçosdo boi em espetos e enfiou-os no chão. Quando um dos ladostostava, ele virava o espeto. E ia tirando lascas do lado bom,seguido pela mulher e pelas crianças. Apesar de escandalizado,o bom servo do Senhor não deixa de descrever a alegriados pequenos, com as bochechas e os dedos escorrendo a fartagordura. Talvez por esquecimento, só faltou ao padre Seppdescrever a farinha de mandioca.Mesmo os nativos que não iam às reduções, como os bravosminuanos, charruas, guaicurus e outros, foram cativados pelohábito. Portugueses e espanhóis que se punham a caçar aquelagadaria sem fim tinham predileção por aproveitar-lhes o couro.Os nativos, então, assavam a carne desprezada como fizeramo guarani e sua família, comiam a não mais poder e, depois debeber muita água, iam dormir nas florestas. Trocando a águapor cerveja ou vinho e a floresta por uma rede ou cama, aindahoje a história se repete.Mais tarde, as sucessivas guerras continuariam disseminandoa prática desses assados. Batalhões eram divididos em “fogões”que congregavam até dez homens. Um deles levava ocharque (a carne salgada), providenciava o abate de uma rês,em geral confiscada. Levava sal grosso e uma trempe (grelhacom pernas). Entre batalha e outra, o assado era feito na horae devorado imediatamente. E assim o churrasco se consagroucomo cozinha prática e, sobretudo, masculina.É claro que o churrasco é festeiro. Mas sempre há uma horaem que, sozinho, diante das estrelas, “uno”, como se diz nalinguagem internacional do pampa, o vivente prepara-se paraassar seu naco de carne, munido de cuia de chimarrão e deum trago de canha. É aí, nessa solidão vasta do mundo, quese encontra naquela situação que minha vó pampeana descreviaassim: solito y Dios. Nessa hora, a gente consegue entendero gesto de Noé, pois até mesmo para um ateu não-praticantecomo eu Deus fica solene.Flávio Aguiar é professor do programa de pós-graduação de Literatura Brasileira da Universidadede São Paulo e editor-chefe da Carta Maior (www.cartamaior.com.br)50 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007

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