internacionalAs mulheres do Sri LankaEla parecia menor do que era de fato. Em meio ao grupo de quatro mulheres comroupas do sudeste da Ásia ou da Índia, ela foi a que primeiro chamou minha atençãoPor Flávio AguiarEu estava no Conjunto EsportivoMoi, no bairro de Kazarani,em Nairóbi, cobrindo osétimo Fórum Social Mundialpara a Carta Maior, com o cinegrafistaMarcelo Theilicke. As quatro mulheres,com a magrinha no meio, vinhamem silêncio. Perguntei de onde eram, procurandoler também os crachás de identificação.“Sri Lanka”, foi a resposta. “SriLanka?”, pensei, vasculhando a memória.Algo me veio, e na frente Os Lusíadas, deCamões: “As armas e os barões assinalados/Que da Ocidental praia lusitana/Por mares nunca dantes navegados/Passaram inda além da Taprobana/e etc.”, se há etc. em poema. Taprobana:uma ilha, enorme, ao sudesteda Índia, antigamente conhecidacomo Ceilão.Perguntei o que elas estavam trazendopara o Fórum, e uma delas merespondeu, em inglês: “A luta contra aesterilização forçada de mulheres no SriLanka”. Eu quis saber se havia uma políticaoficial a esse respeito no Sri Lanka. A mesmamulher respondeu que sim, e que esseproblema atingia sobretudo o povo da “hillcountry”, literalmente, o povo camponês dasterras altas. E ela explicou, mostrando a mulhermagra da etnia tâmil, Rajeswary, umadas vítimas dessa política. Perguntei entãocomo isso era feito, se havia uma política deforça ou uma indução. Resposta: elas são subornadas.Quis saber de Rajeswary por queaceitou fazer a esterilização. A resposta: “Elafoi convencida porque já tinha quatro filhos”e... “money”.O que as mulheres estavam denunciandofaz parte de um quadro dramático emescala mundial, que também atingiu osexo masculino, através de políticas de“eugenia social”, na maior parte das vezessobre populações pobres e minorias.Houve casos dramáticos entre os ciganosna Europa. No Peru de Fujimori, 200 milmulheres indígenas foram esterilizadas.ÁfricaÍndiaSri LankaGrande ilhaExtermíniode pobresRajeswary(vestida deverde) foi“convencida”a fazer aesterilizaçãoO Sri Lanka abriga pouco mais de20 milhões de habitantes. Foi ocupadoe colonizado por portugueses, noséculo 16. Holandeses chegaramno século 17 e ingleses, no 18. Osingleses foram os que perduraramna ocupação. Dividiam para reinar,favorecendo em diferentes momentosdiferentes etnias. A maioria dapopulação é formada pelos sinhalas(antigos cingaleses), budistas.Cerca de 20% são tâmeis, hindus. Aindependência chegou em 1948, ecom ela uma perseguição aos tâmeis,acusados de favorecimento duranteo período colonial. O ambiente deguerra civil vivido desde o final doséculo 20 já matou mais de 65 milpessoas. Uma espécie de armistíciose estabeleceu a partir de 2002, aindaprecário. Muitos dos tâmeis vivemnas montanhas, e são na verdadecamponeses pobres.A esterilização obrigatória mesmo contraa vontade do ou da paciente foi instituídapela primeira vez nos Estados Unidos.Os estados de Indiana, Califórnia eWashington adotaram a medida para “retardados”e “doentes mentais”. No regimenazista, 200 tribunais levaram à esterilização400 mil homens e mulheres. Tambémhouve registros dessas políticas nos paísesescandinavos, na China, Índia e Austrália.Em relação às mulheres, existe uma técnicadifundida de abordagem, que é a daculpabilização pela manutenção da prolejá existente. Esteriliza-se por comida, roupaou dinheiro, acenando para a incapacidadede manter uma vida digna para osque já existem. Foi este o caso de Rajeswary,que declarou ter-se convencido da conveniênciada medida porque ela “já tinhaquatro filhos”. Há também seqüelas nessescasos de esterilização forçada ou induzida,pois o processo se torna irreversível, emuitas vezes as intervenções são feitas emcondições precárias de higiene – e os “interventores”não se responsabilizam pelasconseqüências. Fiquei admirado pela forçadaquelas mulheres, pelo testemunho deRajeswary, pela sua coragem de se expor.Ela era mesmo maior do que parecia.bia barbosa/carta maior2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 29
movimento socialO martelocontra areformaNúmeros e ritmo dareforma agrária no Brasilainda geram protestose controvérsias. Masnuma coisa movimentos,funcionários doIncra, procuradores epromotores concordam:há decisões do Judiciárioque não deixam areforma andarReportagem e fotos de Verena GlassDona Antônia não é de falarmuito. A agricultora, queaparenta ter 60 anos e nãodá o sobrenome, foi umadas vítimas do despejo, emjunho do ano passado, de 200 famílias doassentamento do Incra na Usina Estreliana,em Gameleira (PE). Dona Antônia conheceuo MST há quatro anos. Juntou-se aum acampamento nas cercanias da usinae, em 12 de abril de 2006, recebeu do Incrao título de posse de uma área desapropriadada empresa. Estava oficialmente assentada.“Foi na semana da Quaresma. Ooficial de Justiça leu pra nós o decreto assinadopelo presidente. Começamos a construire plantar. Não deu dois meses, e umdia chega a polícia dizendo que tínhamosque sair”, lembra. “Tinha cachorro, helicóptero.Quando um companheiro mostroucópia do documento de posse do Incra,disseram que era engano. Deram umahora pra tirar tudo de lá, depois passaramveneno nas nossas roças. Eu já tinha plantadomilho, feijão, macaxeira, batata...”30 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Os despejados montaram acampamentopróximo de onde foram retirados. Sobrevivemde cestas básicas. E andam commedo. “Funcionários e pistoleiros passamde carro ou moto; não dizem nada”, contaAntônia. E pede: “Não publique minhafoto. Quando vou na cacimba pegar água,é caminho deles. Quando vou no rio lavarroupa, é caminho deles. Quando vou na cidadefazer compras, é caminho deles”.Para ativistas dos direitos humanos, ocaso da Usina Estreliana se tornou emblemáticode um procedimento que tem caracterizadouma campanha de impedimento,por parte de setores do Poder Judiciário,do processo de reforma agrária. Desde a divulgaçãoem janeiro dos números da reformaagrária referentes aos primeiros quatroanos do governo Lula, o Planalto e os movimentossociais trocam farpas por conta