Independência Mulheres da região de Feira de Santana, na Bahia, uniram-se na produção de artesanato e alimentosfotos: reginaldo PereiraA caminhada para a igualdade, porém,é dura. O SOS Corpo fez uma pesquisasobre agricultura familiar e constatouque as mulheres cumprem, no mês, umajornada de trabalho 20 horas superior àdos homens. “Na área urbana elas têmdupla jornada; na agricultura familiar, éjornada contínua”, define Verônica Ferreira.“Ainda não é reconhecido o valorsocial nem econômico desse trabalhoem casa.”Até pouco tempo atrás, segundo Verônica,elas não conseguiam nem a titularidadede terras, no caso de desapropriaçõespara fim de reforma agrária. Isso tem mudado.“Existe também uma linha do ProgramaNacional de Agricultura Familiar(Pronaf Mulher), com aumento derecursos.” São conquistas significativas:“Antes se tinha aidéia de que, beneficiandoos homens, todos seriambeneficiados. Maselas ainda não têm, namaioria das vezes, apossibilidade de lidarcom dinheiro, usufruiro lucro produzidopelo pequenonegócio. Quem faz asnegociações ainda éum corpo eminentemente masculino”.Verônica observa que nem sempre asmulheres estão casadas. “Algumas têmo próprio negócio e precisam ser valorizadas”,diz. Segundo ela, a participaçãoem atividades econômicas é importantepara a afirmação feminina e tem ajudadoa quebrar algumas estruturas. “Mas aquestão da administração do dinheiro éum dos pontos centrais desse poder masculinomuito forte sobre as mulheres.”Na Região Sul, berço das organizaçõesde camponesas, a luta das mulheres temcontornos trabalhistas mais definidos epassa também pelo desenvolvimento doempreendedorismo. Entre os 40 produtoresde ervas aromáticas na região de Medianeira,no oeste do Paraná, que bifurcaramtambém para a agricultura orgânica,as mulheres são maioria. Produzem ervasmedicinais para fitoterapia, chás e infusões,além de temperos. “Contamos coma participação dos maridos, mas a atividadenasceu da organização das mulheres”,atesta Teolide Turcatel, coordenadorados produtores. Segundo ela, a mulhersempre teve esse papel nas atividades econômicas,só que ele não aparecia. No ambienteparanaense, sindicalização e direitostrabalhistas são mais comuns que noNordeste.2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 27
Responsabilidade e envolvimento Para Teolide, que trabalha com o cultivo de ervas medicinais no Paraná, a entrada dasmulheres em associações com fins econômicos influencia diretamente na tomada de consciência em relação aos seus direitosarquivo pessoalDe acordo com Teolide, a entrada dasmulheres em associações com fins econômicosinfluencia diretamente na tomadade consciência em relação aos seus direitos.“Elas começam a se envolver, e esse éum dos nossos objetivos, envolvê-las napolítica, formar lideranças. E a camponesaé menos escrava do relógio que amulher urbana. Chamou para reunião,ela vem. A madame não participa, temseus clubes, e a trabalhadora urbana tema vida mais sofrida.”28 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007Construir todo diaA catarinense Noemi Cresta, umadas líderes do Movimento de MulheresCamponesas (MMC), diz que umdos principais desafios da organizaçãoé mostrar a elas o quanto vale “cuidarda casa, preparar alimentos, cuidar dascrianças”. A entrada no movimento mudoua vida de Noemi, que em sua terraproduz milho, arroz, feijão, mandiocae batata para subsistência, além de umpouco para vender. “Você busca conscientizaçãonão só em si mesma, mas nasoutras pessoas. Participa nas decisões doque se vende, como se vende, onde vaiser aplicado o dinheiro.”Noemi lembra que se trata de uma históriade séculos de opressão. “Pelo tempoque se levou para construir o patriarcalismoe o machismo, a gente não vai desconstruirisso em poucos dias”, calcula.A ativista define sua trajetória como a deuma rebelde. “Via a minha mãe, a históriadela, meu pai pegar o dinheiro e ela nãosaber no que ele ia gastar”, conta. Quandoorganizou a própria família, combinoucom o marido construir uma históriajuntos, com recursos e sua administraçãocompartilhados. A agricultora consideraque a emancipação feminina é processo.“A gente tem de construir todo dia. Cadacaso é um caso, e cada mulher tem seutempo de avançar.”E avançar significa muitas vezes darum passo para trás, para dar dois à frente.Neide dos Santos Silva conta que o grupona região de Feira de Santana já teve170 mulheres. “Acontece de elas saírem edepois voltarem, pela questão financeira.Na seca, elas não conseguem produzirnada na região sisaleira, e aí elas vêmno fim do ano produzir as bolsas de sisal.Quando chove, vão plantar.”A Rede de Produtores e Processadoresde Fruta está em 13 municípios. Neidedefende a valorização não só do comérciofamiliar agrícola, mas do artesanato.Quer estímulos à distribuição, ao escoamento– hoje muito dependente de feirasorganizadas pelos governos. “A gente estátentando montar uma cooperativa, masnão tem como escoar a produção. Aí acontecea evasão de mulheres. Em Alagoinhas,parte é da periferia, parte da zona rural.Sem renda, elas vão colher castanhas ouprocurar casa de família para trabalhar.”Ou seja, a arte e o protagonismo econômicolibertam, mas a sociedade e o “mercado”precisam ajudar. “No meu municípioninguém quer comprar, em Salvadortambém não. Através de um padre, conseguirecentemente mandar algumas coisaspara a Alemanha.”Na realidade de Neide, a das montanhasde pó de cupim por trás das favelasde cascas de ovos, a questão mais prementenão é ser feminista, mas ter trabalhopara a mulher marginalizada. Professorade artes, ela já recusou trabalhosfixos para poder continuar mobilizandoas mulheres, que considera a sua missão:“Só vou sossegar no dia em que mostrarpara a minha cidade que é possível trabalharem união. Só vou estar realizadaquando parte das mulheres estiver trabalhando,se sustentando e com uma autoestimalegal”.