dade do alimento e a produçãoagrícola local. O grupoexporta cerca de 12 toneladasde chá-mate orgânico. “Hoje,se me pedem suco de tangerina,não tenho, mas sei quemtem, e com certificado.” Eleressalta a necessidade deunião dos produtores.Entre outros produtosbrasileiros no catálogo mundialde slow food estão o feijão canapu, devários municípios do Piauí (espécie introduzidapor escravos no século 16), o néctarde abelhas dos índios sateré-maué, noAmazonas e Pará, as ostras de Cananéia,no litoral de São Paulo. Alguns produtosestão ameaçados de extinção e compõema chamada Arca do Gosto – são 600 nomundo, 11 no Brasil (como o palmito-juçarapaulista e a farinha de batata-doce doscraós, no Tocantins).Para preservar os produtos, o movimentocriou as Fortalezas. Elas organizamos produtores para conquistar novosmercados. São cerca de 300 no mundo,seis no Brasil. Roberta Marins de Sá,consultora do Ministério do Desenvol-O Brasil já descobriuo sabor da resistênciacultural e econômica doslow food, o movimentoque busca, mais quecomida saudável, umavida com mais prazerprePor Alceu Luís Castilho e Fábio de CastroFast food estressa. Engole-se,para voltar logo à atividade quea refeição “atrapalhou”. Poucoimporta como a comida foi feita.Se derrubou árvores, estragouo solo. Seu símbolo é o McDonald’s.Mas não só. Abra a geladeira, e ela estálá. A comida industrializada. Padronizada.Com cheiro uniformizado. Seu nomeé lucro. O estômago e a cabeça são apenasengrenagens de uma máquina sem sabor– em São Paulo ou no interior do Ceará.O slow food, movimento surgido na Itáliaem 1989, procura o resgate dos hábitosalimentares perdidos. Seu nome não significaapenas a resistência a um estilo alimentarimposto por multinacionais, masa um modelo econômico. É comida paraser saboreada com prazer e sensação deresponsabilidades – social, econômica,cultural. Deglutida aos poucos, humanizao ritmo de vida.“Eu definiria slow food como uma éticado prazer com consciência ambiental. Étambém um tipo de ecogastronomia”, dizMario Ignacio Spada, proprietário de umapousada em Porto das Dunas, no litoralcearense, a 23 quilômetrosde Fortaleza. Às 6 horas,Mario acorda, sem despertador.Capricha no café-damanhãe só depois vai começara servir os hóspedes.“Quero poder comer bem,fazer as coisas sem pressa,ficar fora do caos, viver umavida saudável”, diz o empresário,que já morou em SãoPaulo e Belo Horizonte. A “pousada cultural”é seu subterfúgio para atrair hóspedesafinados com sua filosofia. “Duranteo dia faço trabalho de manutenção, consertocoisas quebradas, construo objetosde madeira, pinto. Faço a decoração. Enão tenho pressa.” Para Mario, seis horasde sono bastam para repor as energias.A rotina desacelerada, no entanto, nãotraduz toda a dimensão do movimento.Aderir ao slow food não alterou a agitadarotina da consultora de restaurantespaulistana Heloísa Mader. “Não se tratade uma doutrina impositiva de desaceleraçãodo ritmo de vida. É muito mais queisso”, defende. Para Heloísa, o slow food éum contraponto ao fast food na medida“Eu definiriaslow food comouma ética doprazer comconsciênciaambiental.É tambémum tipo deecogastronomia”Mario Ignacio Spadaem que se coloca contra a massificação dosabor. Mas o principal aspecto é a consciênciaambiental – incluindo o espaçourbano. “Isso não me impede de ter umavida superacelerada, de até 18 horas detrabalho num dia. Posso ter 15 compromissos,mas paro para comer, e não é emfrente ao computador, ao telefone nemnum drive thru. Basta programar o tempo.Se eu tiver de sair às 5 horas, acordoàs 4. Não existe acordar atrasada e sairsem café-da-manhã”, descreve.IntercâmbioO slow food ganha terreno no Brasil. Acorreia de transmissão do movimento sãoos produtos que preservam as característicasculturais locais, os ciclos ecológicos ea economia popular. Um exemplo é o chimarrão– pela popularidade, pela cultura,pelo ritual de degustação. “A erva-mateera utilizada pelos índios muito antes dacolonização”, conta Luiz Zenaide Gomes,produtor de Santa Maria do Oeste (PR).“É slow food de origem.” Gomes integrauma das 55 comunidades brasileiras doalimento Terra Madre – rede global quereúne mais de 1.600 grupos que compartilhamexperiências para proteger a quali-2007 ) abril ) Revista do Brasil ( 37
vimento Agrário (MDA), avalia projetose os reúne nos diversos grupos de slowfood. “Nosso papel é dar voz às comunidades,junto com os chefs e a universidade”,afirma. Ela critica o enfoque dadopela mídia ao slow food no Brasil. “Falamsó da coisa do comer devagar e da altagastronomia.”Papel do consumidorParte essencial do movimento está nasmãos do consumidor. Ele é tão importanteque, quando associado à rede, ganhaa denominação de “co-produtor”.Mais do que a contribuiçãofinanceira (10 eurosanuais para membros degrupos ou 30 euros individualmente),cabe a ele ajudara divulgar os alimentos.O Brasil possui dez dessesgrupos, chamados de convivia(no singular, convivium):o Amazônia, em Belém,o Empório do Sertão,em Montes Claros (MG), o Florianópolis,o Fortaleza, o Piracicaba (SP), o Riode Janeiro, o São Paulo, o Belo Horizonte,o Brasília e o Pirenópolis (GO).O maior e mais antigo é o carioca,comandado pela gastrônoma MargaridaNogueira. Ela viajou em 1999 paraA correia detransmissão domovimento sãoos produtos quepreservam ascaracterísticasculturais locais,os ciclosecológicos ea economiapopulara Itália e encontrou líderes do slow foodque não conseguiam entender por queum país tão rico em diversidade como oBrasil não tinha convivia. Ao voltar parao Brasil, criou o do Rio, com a ajuda deamigos. Hoje tem cerca de 50 pessoas.Elas costumam se reunir para degustaros alimentos brasileiros do Terra Madree criar pratos. “É tarefa difícil, num paíscontinental, obter todos os produtos”, dizMargarida. Na ceia de Natal, por exemplo,em lugar das castanhas importadasestavam as brasileiras, como a de baru,produzida em Pirenópolis.“Sempre descobrimosprodutos diferentes, quesão da nossa própria terrae dos quais nenhum de nóstinha ouvido falar”, comemora.Uma das pérolas é oarroz-vermelho, do Piauí,que chegou no início da colonização,mas foi descartadopelos portugueses pormotivos comerciais.Ela conta que, nos jantares promovidospara o consumidor comum, é muitofreqüente os produtos acabarem rápido –contrariando um tanto a idéia da refeiçãolenta. “As pessoas ficam impressionadas equerem saber de onde eles vieram.”Segundo Roberta de Sá, o Terra MadreSem pressaSpada: “Quero ficarfora do caos, viveruma vida saudável”jr. Panela38 ) Revista do Brasil ) abril ) 2007