Fotos: Cláudio Rossi/Abril Imagens
AJunho 1999Aprimeira coisa a dizer é que eu sou umhomem da Bahia. Nasci em 1926, naBahia. Pude, ainda, participar de um tipode formação básica, que iria praticamentese extinguir com a minha geração,isto é, um ensino secundário emcinco anos, complementados por mais dois anos preparatóriosà Faculdade. Aqueles cinco anos ofereciamum conjunto de conhecimentos capaz de formaro homem para ser um cidadão. Era isso o ensinosecundário: a formação de um indivíduo completoe, assim, de um candidato a ser um bom cidadão.Praticamente não fui à escola primária. Comomeus pais eram professores primários, estudei mesmoem casa e só fui à escola para fazer exames, aosoito anos, em Alcobaça, no sul da Bahia. Fiquei esperandoa idade de 10 anos para fazer o exame de admissãoao ginásio em escola particular, em Salvador.Havia poucos ginásios em todo o Estado. Tive queser interno. E como não havia internatos públicos, fuipara uma escola, onde meu pai havia sido professor.Esta particular, o Instituto Bahiano de Ensino. Erauma escola da classe média estabelecida. Nesse estabelecimentohavia rigor, tanto do ponto de vista daformação ética como da formação intelectual.Salvador demorou muito para se tornar um centroindustrial, permitindo, então, uma valoraçãomuito grande da cultura. A própria sociedade brasileiraera ainda um arquipélago, pouco contaminadopelos valores da sociedade industrial. Esse apego àcultura não era apenas um sonho daqueles que seentregavam a um projeto intelectual porque havia aquase certeza de que através da cultura, do estudo edo esforço poder-se-ia chegar a algum lugar, diferentedo projeto industrialista, onde há outros canais deascensão e os valores são outros. Hoje, olhando paratrás, vejo como isso foi importante para a minha formação,haver adquirido uma preocupação estudiosa,ao mesmo tempo que uma fé no humanismo.O fato de haver estudado Direito reforça muitoesta vocação, pois a formação jurídica era, então, aporta para todas as funções de direção da vida social:para a diplomacia, para a política, para o jornalismoe até para as atividades propriamente ligadasao Direito, isto é, ser juiz, promotor, advogado, etc.Revista AduspA Faculdade de Direito não era predominantementetécnica, mantinha um equilíbrio entre o lado técnicoe o filosófico da formação, com um grande peso parao estudo do Latim, da Filosofia, da Sociologia e daGeografia Humana. Tudo isso, como já ressaltei antes,foi muito importante na minha formação. SendoSalvador uma cidade pequena mas com a vantagemde ter sido urbana há muitos séculos, havia a possibilidadede convivência imediata com homens cultosfora da Universidade. Nela havia já uma segmentação,uma hierarquização da vida social, mas, a essaépoca, isso não impedia os contatos.Exemplo de intelectuais com os quais convivi aindamuito moço foram Pedro Calmon e Otávio Mangabeira.Tive grandes professores desde o ginásio,porque gente de grande valor que ensinava nas Faculdadesde Medicina, de Direito, de Engenharia,também dava aulas no ginásio. Estes homens eramum modelo para nós, os jovens estudantes.Fiz meu bacharelado em Direito e um pouco depoisfui para a França me doutorar o que conseguiaos trinta e dois anos. Meu tema de tese foi O Centroda Cidade de Salvador: Estudo de Geografia Urbana,que acabou se tornando um livro de História, versandosobre Salvador nos anos 50. Meus diretores detese foram Jean Tricart e Etienne Juillard, na Universidadede Estrasburgo.Então o Brasil já era visto através da definição oferecidano famoso livro de Stefan Zweig, ou seja, "oBrasil do futuro". Havia esse lado ufanista e desenvolvimentistaoriundo em parte da política de preparaçãode Brasília, do crescimento econômico e do debate sobreo desenvolvimento. Naquela época em que fiz meudoutoramento, havia também da parte dos professorese intelectuais europeus um olhar otimista e simpáticocom relação ao terceiro mundo, noção politicamenteconstruída na Europa e marca da associação daquelesintelectuais com jovens e com gente progressista doTerceiro Mundo. Era também, de alguma forma, umato de engajamento. Ainda que também houvessepreocupações com a carreira, não era como hoje, ondeas relações internacionais são, em grande parte, ditadaspor preocupações de carreira, tornando-as tão áridase raramente produtivas (no meu modo de ver).Havia um comprometimento com as idéias universalis-8