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Equilíbrio energético Calorimetria animal

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Equilíbrio energético<strong>Calorimetria</strong> <strong>animal</strong>Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui FontesÍndice1 - Introdução ................................................................................................................................ 12 - A importância das reacções de oxidação dos nutrientes na produção de calor nos animais e atécnica da calorimetria directa ............................................................................................................. 13 - Balanço energético e sua medida.............................................................................................73.1 - A despesa energética versus energia metabolizável dos alimentos ..................................... 73.2 - Técnicas de medida da despesa energética e do balanço energético ................................... 83.3 - Os componentes da despesa energética ............................................................................. 134 - Bibliografia ............................................................................................................................ 151 - IntroduçãoO homem ingere nurientes (glicídeos, lipídeos e proteínas) que são oxidados nos processoscatabólicos. Tomadas no seu conjunto, as reacções de oxidação são exotérmicas porque a entalpiados reagentes (nutrientes e O 2 ) é maior que a dos produtos (CO 2 , água e também ureia no caso dasproteínas). Estes processos oxidativos estão acoplados com a síntese de ATP, que é um processoendotérmico; a hidrólise do ATP é, simetricamente, uma reacção exotérmica que fornecedirectamente (ou indirectamente através de outros nucleosídeos trifosfatos) a energia utilizada notrabalho mecânico dos músculos, na manutenção de gradientes iónicos e na biosíntese. Quandoaumenta a velocidade de conversão do ATP em ADP a velocidade de oxidação dos nutrientesaumenta e, porque implica a conversão de ADP em ATP, mantém-se a concentração de ATPestacionária.Um estudante de calorimetria <strong>animal</strong> tem um ponto de vista tão simples que acaba porconcluir que a melhor analogia para um ser vivo adulto é uma lareira que se mantém sempre acesaporque lhe estamos sempre a deitar lenha (alimentos), tem cinzas que são limpas (a ureia e outroscompostos azotados da urina), consome O 2 e só produz calor, CO 2 e água. Uma criança, umagrávida ou um indivíduo que está a engordar é também uma lareira que recebe lenha a umavelocidade superior à da sua combustão e que, por isso, aumenta de tamanho. Pelo contrário, umindivíduo que emagrece é uma lareira em que a lenha arde mais depressa que a velocidade com queesta lhe é adicionada.2 - A importância das reacções de oxidação dos nutrientes na produção de calornos animais e a técnica da calorimetria directaA reacção de oxidação da glicose num <strong>animal</strong> é muito complexa e envolve a acção catalíticadas enzimas da glicólise, da desidrogénase do piruvato, das enzimas do ciclo de Krebs e dafosforilação oxidativa. Essa complexidade poderá dificultar-nos a tarefa de reconhecer que osprodutos e o calor libertado são idênticos aos da oxidação da glicose numa lareira. Contudo, sefizermos o somatório de todas as reacções envolvidas na oxidação da glicose (incluindo nestas as deoxidação do NADH e FADH2 pelo O 2 ) concluiremos que a reacção de oxidação da glicose é igualnos seres vivos e numa lareira e que pode ser descrita pela equação (1)C 6 H 12 O 6 + 6 O 2 → 6 CO 2 + 6 H 2 O + 672 kcal (1)Quando 1 mole de glicose se oxida, a diferença (∆H) entre a entalpia dos reagentes (glicosee 6 O 2 ) e dos produtos (6 CO 2 e 6 H 2 O) é de 672 kcal quer num ser vivo quer numa lareira. Sendomaior nos reagentes que nos produtos, a diferença é libertada durante o processo oxidativo na formade calor ou trabalho. Porque 1 caloria corresponde à quantidade de calor necessária para aumentarPágina 1 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesde 1 ºC (mais rigorosamente entre 14,5-15,5ºC) 1 grama de água, 672 kcal podem aumentar em 1ºCa temperatura de 672 kg de água.Para medir a energia libertada na oxidação da glicose pode usar-se um calorímetro, uminstrumento que mede o calor libertado quando a glicose arde (ver Fig. 1). Para medir a energialibertada durante a oxidação dos nutrientes nos seres vivos também se pode usar um instrumentosemelhante. O facto de a reacção de oxidação da glicose estar, nos seres vivos, acoplada com a desíntese de ATP, poderia levar-nos a pensar que as quantidades de energia libertada quando um molede glicose arde e quando este mesmo mole se oxida num ser vivo poderiam ser diferentes. Afinal,parte da energia libertada na oxidação da glicose num ser vivo é consumida no processo de síntesede ATP. Contudo, essa ideia está errada porque os seres vivos não fazem reservas de ATP (aconcentração de ATP é estacionária) e a formação de um ATP (a partir de ADP e Pi) só ocorre naexacta medida em que um ATP sofre hidrólise. O processo de síntese e hidrólise de ATP é umprocesso cíclico de somatório nulo e, por isso, no homem, a equação de oxidação da glicose pode (edeve no presente contexto) ser escrita da mesma maneira que no calorímetro (ver equação 1). Sendoidênticos os reagentes e os produtos também é idêntica a diferença entre as entalpias destes e,portanto, idêntica a energia que se liberta quando a reacção tem lugar.Fig. 1: A energia libertada na oxidação de um mole de glicose é igual numa lareira e num ser vivo porque sãoidênticos os produtos e os reagentes.Tal como no caso do ATP, também todos os outros intermediários do metabolismo (NAD + ,NADH, NADP + , NADPH, ADP, AMP, intermediários da glicólise, ciclo de Krebs, etc.) têmconcentrações que são estacionárias e, de um modo geral, formam-se à mesma velocidade com quese consomem. Embora possa haver variações transitórias nas concentrações destes intermediários(em que os casos mais flagrantes são o ácido láctico durante o exercício anaeróbio e os corposcetónicos durante o jejum), é um boa aproximação à realidade admitir que são constantes e que aentalpia que lhes corresponde também o é. Pelo contrário, os glicídeos, os lipídeos e as proteínassofrem continuamente oxidação dando lugar a produtos com uma entalpia mais baixa. Por estemotivo, quando se estuda o regime de trocas energéticas entre o sistema ser vivo e o meio exterior,os intermediários não têm importância e as únicas reacções que interessam são as de oxidação dosglicídeos, lipídeos e proteínas.Página 2 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui FontesIndependentemente da natureza endotérmica ou exotérmica das reacções que ocorrem noseu interior um calorímetro é um instrumento que mede o calor produzido ou consumido nessasreacções.Independentemente danatureza estacionária ounão estacionária dosintermediários umcalorímetro mede osomatório dos ∆H dasreacções que ocorrem noseu interior. No caso dosanimais, porque tambémse chama calorímetro a uminstrumento que mede aprodução de CO 2 e oconsumo de O 2 (verFig. 2: Se num dia, um indivíduo consumir 300 g de glicídeos, 100 g delipídeos, 25 g de proteínas e 21 moles de O 2 produzindo 18 moles de CO 2 eágua e cerca de 8 g de produtos azotados urinários o calor produzido é o quecorresponde à diferença entre a entalpia dos reagentes consumidos e a dosprodutos.adiante), poderemoschamar “calorímetrodirecto” ao instrumentoque mede o calor libertadono conjunto de todas as reacções que nele ocorrem e que corresponde ao somatório dos ∆H de todasessas reacções. O ∆H do conjunto dessas reacções corresponde à diferença entre as entalpias dosprodutos efectivamente formados e as entalpias dos reagentes 1 efectivamente consumidos sendo,portanto, os processos cíclicos irrelevantes.Se encerrarmos um indivíduo num calorímetro durante um determinado período de tempo eantes e depois fizermos análises para determinar a sua composição corporal e a dos seus dejectos,assim como o O 2 e o CO 2 presente no sistema, poderemos concluir que, durante esse tempo, eleconsumiu glicídeos, lipídeos, proteínas e O 2 e formou CO 2 , água e produtos azotados urinários(principalmente ureia), produzindo simultaneamente calor (ver Fig. 2).A existência de produtos azotados não completamente oxidados na urina mostra que aanalogia entre o <strong>animal</strong> inteiro e a lareira fica desde logo manchada por uma diferença importante: ocatabolismo das proteínas e aminoácidos no <strong>animal</strong> leva à produção de ureia (e outros produtosazotados) enquanto que na lareira o azoto das proteínas origina azoto gasoso. O ∆H correspondenteao processo oxidativo das proteínas (e aminoácidos) não é igual no ser vivo e na lareira porque osprodutos da reacção são diferentes nos dois casos. Por exemplo, no caso do aminoácido leucina aequação que descreve a oxidação desde aminoácido numa lareira (ou num calorímetro; equação 2)corresponde à soma da que descreve a oxidação da leucina num mamífero (equação 3) e daoxidação da ureia (formada nesse processo) numa lareira (ou num calorímetro; equação 4). Deforma previsível o somatório das energias libertadas nas reacções 3 e 4 é igual à que se liberta nareacção 2.C 6 H 15 NO 2 + 8 ¼ O 2 → 6 CO 2 + 6 ½ H 2 O + ½ N 2 + 856 kcal (2)C 6 H 15 NO 2 + 7 ½ O 2 → 5 ½ CO 2 + 5 ½ H 2 O + ½ CON 2 H 4 + 780 kcal (3)½ CON 2 H 4 + ¾ O 2 → ½ CO 2 + H 2 O + ½ N 2 + 76 kcal (4)1 A convenção de se subtrair a entalpia dos produtos à dos reagentes leva a que, nas reacções exotérmicas, o sinal de ∆Hseja negativo e positivo nas endotérmicas. Esta convenção é apenas isso, uma convenção, e ao longo do texto não lhedemos importância.Página 3 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui FontesPodemos pensar que as reacções de oxidação não são as únicas em que estão envolvidos osglicídeos, os lipídeos e as proteínas, e que os animais podem sintetizar compostos orgânicos; quepodem, por exemplo, formarácidos gordos a partir deglicose e que uma lareira não.Contudo, do ponto de vista doestudante de calorimetria, essenão é um argumento que o façavacilar na ideia que o ser vivoé, basicamente, uma lareira. Asinter-conversões entrediferentes nutrientes (como,por exemplo, a conversão deglicose em ácidos gordos)podem ser interpretadas comoo somatório das oxidaçõescompletas do nutriente que setransforma e do processo “antioxidativo”do que é formado.Admitamos, parasimplificar, que um indivíduooxidou apenas o nutrienteglicose durante umdeterminado período de tempoe que o número de moles deglicose consumidas foi 6.Admitamos ainda que, a partirde glicose, formou durante omesmo período de tempo 1mole de estearato (Fig. 3). Paracalcular o calor libertado (ouconsumido) nesse período detempo poderíamos tentar saberqual a quantidade de glicoseque foi totalmente oxidada(∆H1) e a porção de glicoseque se transformou nosintermediários da lipogéneseFig. 3: A diferença entre o somatório das entalpias dos intermediários dalipogénese necessários para formar um mole de estearato e do O 2 paraoxidar estes intermediários e o somatório da entalpias da água e CO 2 quese formam na oxidação desses intermediários é o calor que se liberta naoxidação desses intermediários. Se o processo contrário pudesse ocorrer ocalor consumido teria o mesmo valor: no processo cíclico representadopelas setas laranja e azul clara o calor envolvido é nulo. Quando 6 molesde glicose se consomem e, simultaneamente, se forma 1 mole de estearatoo calor libertado nestas transformações pode, simplesmente, ser calculadosubtraindo o calor libertado na oxidação da glicose (4032 kcal) ao que seliberta na oxidação de um mole de estearato (2700 kcal).(∆H2) que deram origem ao estearato (∆H3). Esse caminho levar-nos-ia seguramente a umresultado correcto; a quantidade de calor libertada durante o período de tempo em análise seria∆H1+∆H2+∆H3. Contudo, podemos de forma muito mais simples pensar que o ∆H correspondenteà transformação dos intermediários da lipogénese em CO 2 + H 2 O (∆Hx) é simétrico daquele quecorresponde à transformação inversa (-∆Hx). Raciocinando desta forma podemos, para o cálculo daenergia libertada durante o período de tempo em análise, imaginar que as 6 moles de glicose seoxidaram completamente a CO 2 e H 2 O (∆H1+∆H2+∆Hx) e que foi a partir de CO 2 e H 2 O que seformou o estearato (-∆Hx+∆H3). É obvio que este raciocínio nos levará a um resultado idêntico aoformulado atrás: ∆H1+∆H2+∆Hx-∆Hx+∆H3 = ∆H1+∆H2+∆H3. O ∆H correspondente à oxidaçãode 6 moles de glicose é -4032 kcal (∆H1+∆H2+∆Hx) e ao de oxidação do estearato é -2700 kcal 2 . O∆H correspondente a uma reacção que transformasse CO 2 e H 2 O em estearato e O 2 (processo “anti-2 Como já referido é costume (convenção) atribuir um valor negativo a ∆H quando a entalpia dos produtos é menor doque o dos reagentes e vice-versa.Página 4 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui FontesFig. 4: Se dentro do calorímetro um indivíduo elevar a energia potencial gravítica de um objecto essa energiapotencial gravítica só se transforma em calor (que pode ser medido pelo calorímetro) quando o objecto regressa àposição origina. De qualquer forma, o valor da energia envolvida no exemplo é muito pequeno em comparação como que consome um homem de 70 kg de peso para se manter vivo durante um minuto (cerca de 1 kcal mn -1 ).oxidativo”) seria, obviamente, + 2700 kcal (-∆Hx+∆H3). Assim o ∆H correspondente à oxidação de6 moles de glicose e formação de 1 mole de estearato seria de –1332 kcal (-4032+2700=-1332).De acordo com a 1ª lei da termodinâmica, a energia correspondente ao ∆H das reacçõespode repartir-se por calor e trabalho. Assim, poderíamos interrogar-nos se um calorímetro, sendoapenas capaz de medir calor, seria um bom instrumento para medir o somatório dos ∆H dosprocessos reactivos nos animais. Tal só é admissível se o trabalho dos animais for nulo. Aocontrário do que se passa com a lareira que só produz calor, aparentemente o trabalho dos animaise, em particular, o trabalho do homem, não é nulo. Poderíamos também pensar que uma melhoranalogia que a lareira seria, por exemplo, uma empilhadora que transforma a energiacorrespondente à oxidação do seu combustível na energia potencial gravítica dos objectos que vaicolocando em estantes. Contudo, o nosso estudante de calorimetria não é sensível a este argumentoe insiste na ideia que, sendo apenas uma analogia, a lareira continua a servir muito bem os seusobjectivos e que um calorímetro é capaz de medir rigorosamente o somatório dos ∆H dos processosreactivos nos animais, na esmagadora maioria das situações. Admitamos, por exemplo, que umindivíduo encerrado no calorímetro eleva a energia potencial gravítica de um peso de 40 kgcolocando-o numa estante a 2 m do solo (Fig. 4). O trabalho correspondente a esse aumento daenergia potencial gravítica do peso pode ser calculado como sendo igual a 0,19 kcal 3 e, neste caso,o calor libertado e que poderá ser medido no calorímetro será 0,19 kcal mais baixo que o ∆Hcorrespondente aos processos reactivos. De facto, dado que o ∆H correspondente aos processosreactivos num homem adulto pode ser da ordem de -1 a -10 kcal/min, o valor de 0,19 kcal não seráum grande factor de erro mas, admitindo outros valores de trabalho, poderia, pelo menosteoricamente, haver um erro apreciável ao medir o ∆H dos processos reactivos no <strong>animal</strong> porcalorimetria directa. Contudo, se o objecto cair da estante, a energia potencial gravítica transformaseem energia cinética de igual valor e, ao chocar com o solo, em calor: se durante o tempo em quese mede o calor o objecto voltar à sua posição inicial não existirá qualquer erro se considerarmos otrabalho nulo. A esmagadora maioria da energia correspondente aos processos reactivos dostrabalhadores que fizeram as pirâmides do Egipto transformou-se em calor durante a construção esó uma parte ínfima (a que corresponde à energia potencial gravítica das pedras empilhadas)aguarda ainda o momento do seu derrube até ao nível do solo para também se poder contabilizar3 Trabalho (Joules) = massa (kg) * aceleração (ms -2 ) * altura (m); 40 kg * 9,8 ms -2 * 2 m = 784 J; 784 J / 4,284 cal/J =187 cal ≈ 0,19 kcalPágina 5 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontescomo calor. Também quando o indivíduo empurra uma caixa ao nível do solo o seu trabalho é nuloporque toda a energia cinética correspondente ao movimento da caixa se acaba por transformar emcalor através do atrito. Na ausência de atrito a caixa que está a ser empurrada teria um movimentoacelerado mas não é isso que se observa normalmente. Para além do caso da elevação da energiapotencial gravítica dosobjectos existem outrassituações em que o ∆H dosprocessos reactivos nãocoincide de modo perfeitocom o calor libertado. Umexemplo é quando oindivíduo usa a sua forçamuscular para accionar umdínamo que carrega umabateria; também neste caso o∆H dos processos reactivospode ser fraccionado em duasparcelas: calor e energiaeléctrica. No entanto, se aenergia acumulada na bateriafor utilizada, toda a energiaacumulada na bateria acabapor se transformar em calor.O caso do trabalhodos “órgãos internos” como ocoração (trabalho mecânico),o cérebro (trabalho eléctrico),etc., é muito semelhante aoFig. 5: Todos os tipo de energia envolvidos nos processos dos órgãos internosacabam por se transformar totalmente em calor.que foi explicado acima (Fig. 5). Por exemplo, no caso do coração, a hidrólise do ATP fornece aenergia usada na contracção do músculo cardíaco que se transforma na energia cinética do sangueem movimento. Mas o sangue não tem movimento uniformemente acelerado: o atrito entre as fibrasmusculares cardíacas, entre as várias camadas de sangue e entre o sangue e os vasos sanguíneosacaba por converter toda essa energia em calor. De facto todo o ∆H correspondente à oxidação dosnutrientes no coração acaba por se transformar em calor sendo este calor o que corresponde aosomatório das diferenças entre a energia libertada e consumida em cada uma das diferentes etapasde transdução de energia. Nos nervos ocorre um fenómeno semelhante: a energia eléctrica potencialcorrespondente à diferença de carga entre as duas faces da membrana celular acaba por setransformar na energia cinética do movimento dos iões através dos canais iónicos e, no mesmomomento, em calor.Em jeito de conclusão pode escrever-se que, ignorando o erro experimental, porque (1) osomatório dos ∆H das reacções que ocorrem nos animais é a energia total disponibilizada (calor +trabalho) e que, (2), com a excepção dos casos em que o trabalho muscular serve para aumentar aenergia potencial gravítica de objectos ou para carregar uma bateria, todo o trabalho se transforma,no mesmo momento em que se realiza, em calor, o calor medido num calorímetro é uma medidaexacta do ∆H das reacções que ocorrem nos animais. Porque a concentração de intermediários dometabolismo se mantém mais ou menos constante, o ∆H correspondente aos processos reactivosque ocorrem num ser vivo corresponde praticamente ao dos processos oxidativos (e “antioxidativos”)dos glicídeos, lipídeos e proteínas. Corolário: a velocidade de oxidação dos nutrientesnum ser vivo pode ser medida por calorimetria directa.Página 6 de 15


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesoxidação completa (num calorímetro) das fezes, da urina, do ar expirado, da pele que descama, edos cabelos e das unhas que crescem. Porque parte dos nutrientes ingeridos não sofre oxidação nosanimais o valor, em kcal/grama, da energia metabolizável dos nutrientes ingeridos (tambémdesignado de valor calórico fisiológico) é mais baixo que o dos nutrientes endógenos.Arredondando números é costume apontarem-se os valores médios de 9, 7, 4 e 4 kcal/grama 4 paraos lipídeos, o etanol, as proteínas e os glicídeos contidos nos alimentos ingeridos, respectivamente.Quando o valor da energia metabolizável dos alimentos coincide com o da despesaenergética diz-se que o indivíduo tem um balanço energético nulo e que está em equilíbrioenergético. Quando um indivíduo mantêm a sua massa corporal e a sua composição corporaldurante um determinado período de tempo podemos inferir que durante esse tempo se manteve emequilíbrio energético. De notar que equilíbrio energético não é sinónimo de alimentação saudável.As crianças, os adolescentes e as grávidas (ou a unidade feto-grávida) têm um balanço energéticopositivo fisiológico e a diferença entre a energia metabolizável dos alimentos e a despesa energética“acumula-se” na forma dos componentes da sua estrutura em formação; a energia de oxidação dasnovas estruturas formadas coincide com essa diferença. Também quando alguém, por motivos desaúde (real ou imaginada), se submete a uma terapêutica de emagrecimento o que faz é manter-se,até atingir o peso desejado, num regime de balanço energético negativo. Durante a cura deemagrecimento o indivíduo oxida a CO 2 + água (+ureia) componentes endógenos de valorenergético correspondente à diferença entre a despesa energética e a energia metabolizável dosalimentos.3.2 - Técnicas de medida da despesa energética e do balanço energéticoJá foi amplamente explicado que a despesaenergética pode ser medida por calorimetria directa. Estatécnica visa a medida directa do calor que é libertado peloindivíduo durante um determinado período de tempo. Paraesse efeito encerra-se o indivíduo num compartimentotermicamente isolado por onde passa um acumulador decalor (em geral, água): se o compartimento (e o próprioindivíduo) se mantiver a temperatura constante e o calorconsumido na evaporação da água do suor puder serconsiderado irrelevante, o aumento de temperatura da águapermite o cálculo do calor correspondente aos processosoxidativos no indivíduo. Haverá um erro grosseiro se atemperatura do indivíduo for diferente no momento em queentra e sai do calorímetro; se, por exemplo, a temperaturado indivíduo aumentar durante esse tempo, uma parte daenergia libertada durante a oxidação dos compostosorgânicos serviu não para aquecer a água que circula nocalorímetro mas para aquecer o próprio indivíduo.Fig. 7: A medição da despesa energéticapela técnica da calorimetria indirectaexige que o indivíduo respire para umamáscara de modo a permitir dosear o O 2consumido e o CO 2 produzido.O calorímetro directo, quando adaptado ao tamanhodos humanos, é um instrumento pesado, caro e que limita otipo de actividades que se podem realizar no seu interior.Por isso se desenvolveram outras técnicas de avaliação da despesa energética. Uma delas baseia-se4 A evolução da linguagem escrita e oral é inevitável e, frequentemente, essa evolução é inócua. Noutros casos essaevolução é infeliz porque confunde conceitos. A grandeza caloria é muito pequena quando falamos de alimentos ealguém um dia resolveu passar a escrever Caloria com maiúscula para exprimir a ideia de kcal. Essa mudança, apesar deinfeliz, impôs-se na literatura médica e assim quando a propósito de nutrição se escreve Caloria (ou por gralha caloria)está-se de facto a falar de kcal a quantidade de calor necessária para elevar de 1ºC (entre 14,5ºC e 15,5ºC) 1kg de água.Página 8 de 15


Página 9 de 15Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesna medida do O 2 consumido e do CO 2 produzido, ou seja, na medição dos gases do ar inspirado eexpirado e designa-se por calorimetria indirecta (ver adiante). A instrumentação é mais leve que ausada na calorimetria directa mas mesmo assim exige que o indivíduo respire dentro de umamáscara que pode ter dimensões variáveis (ver Fig. 7). Uma outra técnica, de introdução maisrecente, permite uma grande liberdade ao indivíduo em estudo: chama-se técnica da “águaduplamente marcada” e baseia-se na estimativa do CO 2 produzido pelo indivíduo. Implica que oindivíduo beba água em que o 16 O foi substituído por 18 O e o hidrogénio por deutério e que façacolheitas seriadas da urina ou de outro líquido biológico (ver adiante).A despesa energética também poderia ser estimada avaliando a massa e a composiçãocorporal (ver adiante) em dois momentos separados por um espaço de tempo suficientementealargado, e o valor calórico dos alimentos da dieta durante esse intervalo de tempo. Como járeferido a energia metabolizável dos alimentos ingeridos é igual à despesa energética se a massa ecomposição do organismo não variar. Se a energia total dos componentes do organismo aumentarquer dizer que a despesa foi inferior à energia dos alimentos no valor da energia (de oxidação) doscomponentes do organismo acumulados; se a energia total dos componentes do organismo diminuirsignifica que a despesa foi maior no valor correspondente à diminuição da energia dessescomponentes. Porque o erro experimental na avaliação da energia metabolizável dos alimentosingeridos é sempre muito grande este método não é adequado para medir a despesa energética. Noentanto, o cálculo da energia de oxidação correspondente à diferença entre a massa e composiçãocorporal em dois momentos temporais é o método mais rigoroso quando o que se quer avaliar é obalanço energético no intervalo de tempo considerado.Quer a calorimetria indirecta quer a técnica da “água duplamente marcada” se baseiam naobservação de que, na oxidação dos compostos orgânicos, existe uma relação estequiométrica entrea energia libertada e o consumo de O 2 e a produção de CO 2 . No caso da glicose, a equação (1)mostra que se consomem 6 moles de O 2 e se produzem 6 moles de CO 2 por cada mole de glicoseoxidada e que ao consumo (ou formação) de 6 moles de O 2 (ou CO 2 ) na oxidação da glicosecorresponde a libertação de 672 kcal. Se se considerar que, de facto, a maior parte da glicoseingerida e a maior da glicose armazenada no organismo está na forma de polímeros de glicose(amido e glicogénio, respectivamente) e que a massa de cada resíduo de glicose é 162g podemosdeduzir que, por cada grama de glicose oxidada, se libertam 4,15 kcal e 37 mmol de CO 2 (e seconsomem 37 mmol L de O 25).Normalmente, oxidamos simultaneamente glicídeos, lipídeos e proteínas e a proporção variaquer com a proporção de cada um dos nutrientes na dieta e com o estado nutricional. Estudandouma grande série de indivíduos usando simultaneamente calorimetria directa e indirecta foi possívelestimar que em média e nas condições do estudo (jejum de 12-18 horas) ao consumo de 1 L de O 2correspondia a libertação de 4,83 kcal e que à produção de 1 L de CO 2 a libertação de 5,89 kcal.Estes dados permitem estimar a despesa energética a partir do consumo de O 2 ou da excreção deCO 2 .Para além de ser mais barato, o método da calorimetria indirecta tem uma outra vantagemrelativamente à calorimetria directa: combinado com o doseamento do azoto na urina permiteestimar com algum rigor o tipo de combustível que está a ser oxidado pelo indivíduo. De facto parase calcular com um alto grau de precisão a despesa energética por calorimetria indirecta énecessário saber o tipo e a quantidade de cada composto orgânico que está a ser oxidado assimcomo conhecer a energia libertada na sua oxidação. A quantidade de proteínas oxidadas numdeterminado período de tempo pode ser estimada doseando o azoto eliminado na urina durante esse5 Calor libertado/g de resíduo de glicose oxidado = 672 kcal / 162 g = 4,15 kcal. Se a temperatura for 25ºC e a pressão 1atm, 1 mol de um gás perfeito ocupa 24,4 L e 0,37 mmol corresponderiam a 0,9 Litros. De facto o O 2 e o CO 2 do ar nãosão gases perfeitos e o valor usado em estudos de calorimetria indirecta é 0,81 L/g de glicose oxidada.


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesperíodo de tempo. Porque o azoto corresponde a cerca de 16% da massa das proteína, se umindivíduo excretou num determinado período de tempo g gramas de azoto, a massa (em gramas) dasproteínas oxidadas nesse período de tempo (Pro) pode ser calculada usando a equação (5).Azoto da urina (g) = 0,16 Pro (5)Múltiplos estudos permitiram a construção de tabelas que mostram que, no caso dasproteínas, o consumo de O 2 por grama de proteína oxidada (0,94 L de O 2 /g de proteínas) éligeiramente superior ao caso dos glicídeos (0,81 L de O 2 /g de glicídeos) e que é muito superior nocaso dos lipídeos (1,96 L de O 2 /g de lipídeos). A simples comparação da fórmula da glicose(C 6 H 12 O 6 ) com a de um ácido gordo (por exemplo estearato C 18 H 36 O 2 ) permite perceber que oslipídeos são, à partida, compostos com um menor grau de oxidação que os glicídeos e queconsomem mais oxigénio no seu processo de oxidação a CO 2 . Os dados acima permitem escrever aequação (6) em que Gli, Pro e Lip representa a massa (em gramas) de glicídeos, proteínas e lipídeosno tempo em que decorre o estudo. Notar que o volume de O 2 consumido pode ser determinado porcalorimetria indirecta.Vol O 2 consumido (L) = 0,81 Gli + 0,94 Pro + 1,96 Lip (6)No caso da produção de CO 2 também é possível, a partir de dados tabelados, escrever umaequação, a equação (7), em que o volume de CO 2 produzido pode ser determinado por calorimetriaindirecta;Vol CO 2 produzido (L) = 0,81 Gli + 0,75 Pro + 1,39 Lip (7)As equações (5), (6) e (7) constituem um sistema de 3 equações a 3 incógnitas (Gli; Pro eLip). Se estivermos na posse de resultados obtidos por calorimetria indirecta (O 2 consumido e CO 2produzido num determinado intervalo de tempo) e tivermos determinado o azoto urinário excretadono mesmo intervalo de tempo, podemos calcular a massa (em gramas) dos glicídeos, proteínas elipídeos que foram oxidados. Sabendo-se que à oxidação de 1g de glicídeos, proteínas e lipídeoscorrespondem, respectivamente, 4,1, 4,2 e 9,3 kcal, é fácil calcular o calor libertado (despesaenergética) nesse intervalo de tempo:Calor libertado (kcal) = 4,1 Gli + 4,2 Pro1+ 9,3 LipQuociente Respiratório0.90.80.70 1 2 3 4 5 6horas de exercícioFig. 8: Numa experiência realizada em 1934 (Edwards e col.Am J Physiol 108:203) foram sendo colhidos dados porcalorimetria indirecta num indivíduo a correr a velocidade baixa(10 km/h; por períodos intermitentes de 25 min, intervalados de5 min de descanso, durante 6 horas). A experiência iniciou-seapós uma refeição rica em glicídeos e os resultados obtidosmostraram que a razão entre o volume de CO2 produzido e o deO2 consumido (Quociente Respiratório) baixou de quase 1,aproximando-se de 0,7, à medida que os glicídeos foram sendosubstituídos pelos lipídeos como fontes de energia. Página 10 de 15Um parâmetro que costuma sercalculado quando se usa a técnica dacalorimetria indirecta é o QuocienteRespiratório, que consiste na razão (emmoles ou em volume, é indiferente) entreo CO 2 produzido e o O 2 consumido (Fig.8). Notar que o seu valor será 1 seestamos a oxidar exclusivamente glicídeos(0,81 Lg -1 CO 2 / 0,81 Lg -1 O 2 ) e que seráde 0,7 quando oxidamos exclusivamentelipídeos (1,39 Lg -1 CO 2 / 1,96 Lg -1 O 2 ).Quando, como acontece após umarefeição rica em glicídeos, se oxidampredominantemente glicídeos, oQuociente Respiratório aproxima-se de 1e desce à medida que os glicídeos sãosubstituídos por lipídeos durante o jejum.


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui FontesPoderíamos ser levados a pensar que não é possível o Quociente Respiratório ser de valor superior a1 mas, embora o fenómeno seja de difícil observação experimental, tal é possível quando existeuma lipogénese aumentada e os glicídeos estão a converter-se em lipídeos. Nessas circunstâncias,uma parte apreciável da glicose está a ser oxidada na via das pentoses-P onde se produz CO 2 masnão se consome O 2 : os equivalentes redutores são transferidos (via NADPH) para os intermediáriosda lipogénese e incorporados nos ácidos gordos formados.Como já referido, a técnica da “água duplamente marcada” (Double Labeled Water - DLW)permite estimar a quantidade de CO 2 produzida ao longo de vários dias, sendo a única limitaçãoimposta ao indivíduo em estudo a necessidade de colher urina ou outro líquido biológico (onde sedoseia o 18 O e o deutério) regularmente após a ingestão de uma determinada quantidade de águamarcada com 18 O e deutério. De acordo com a teoria que lhe está subjacente, a velocidade dedesaparecimento do 18 O nos líquidos orgânicos é uma medida do somatório das velocidades deeliminação de água e de CO 2 do organismo e a velocidade de desaparecimento do deutério umamedida da velocidade de desaparecimento da água. A diferença entre os dois valores permiteestimar a excreção de CO 2 . Como também já referido, conhecido o valor da produção de CO 2 podeestimar-se o calor libertado (despesa energética) durante o período a que o estudo diz respeito:Calor libertado = 5,89 (kcal/L) * CO 2 (L) (9)Fig. 9: A balança é o principal (mas não o único) instrumento para averiguar se um indivíduo está em balançoenergético nulo, positivo ou negativo. Para a determinação da composição corporal e da massa dos diferentescompartimentos do organismo podem usar-se vários métodos.Para a determinação da composição corporal e da massa dos seus diferentescompartimentos, podem usar-se (para além da balança) vários métodos (Fig. 9). Esses métodosPágina 11 de 15


Página 12 de 15Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontespermitem, no seu conjunto ou individualmente, estimar a proporção de massa gorda (a massa detriacilgliceróis no tecido adiposo) e a sua complementar, a massa livre de gordura. Embora a massagorda varie muito de indivíduo para indivíduo (em geral entre 10 e 25% do peso total) oscomponentes da massa livre de gordura têmproporções que variam menos de indivíduo paraindivíduo; para a massa livre de gorduracontribuem a água (cerca de 74%), as proteínas(cerca de 19%) e os minerais (essencialmente osossos: 7%). As técnicas correntes para avaliar amassa e composição corporal não permitemconhecer a massa de reservas glicídicas(glicogénio hepático e muscular) mas estasvariam, dependendo do estado nutricional e doesforço físico desenvolvido, entre cerca de 0,5 e1,5% da massa corporal. Entre os métodos demedida da composição corporal contam-se, porexemplo, a ressonância magnética nuclear, aFig. 10: A variação no tempo da massa dos diferentescompartimentos do organismo pode servir para saberse existe balanço energético positivo, nulo ou negativoe para quantificar o seu valor. A massa isenta degordura contém cerca de 20% de proteínas. Semgrande erro, se compararmos dois momentos do ciclonutricional idênticos (por exemplo, jejum de 8 horas)pode ignorar-se a variação dos glicídeos.análise da impedância bioeléctrica, a avaliaçãodo 40 K, o sistema de medição do azoto corporalpor detecção de raios gama de emissão precoceapós a irradiação com neutrões, a absormetria deRx de energia dual e a densitometria. A análiseda impedância bioeléctrica é um dos maisconhecidos e baseia-se na resistência diferencialque os diferentes tipos de tecidos oferecem àpassagem da corrente eléctrica e na suacapacidade diferencial para retardar o fluxo de corrente após um estímulo eléctrico. Esta técnicapermite avaliar a massa gorda (e a sua complementar, a massa livre de gordura) e pode tambémpermitir avaliar a água intra e extracorporal.Como já referido, a variação no tempo da massa dos compartimentos do organismo podeservir para saber se existe balanço energéticopositivo, nulo ou negativo e para quantificar oseu valor. Uma experiência publicada em1994 por Straut e col. (Clin Sci 87: 54)permite ilustrar esta ideia (Fig. 10). Numaexpedição de 95 dias através da Antárctidaforam avaliadas, num indivíduo, a despesaenergética (6524 kcal/dia; estimada pelatécnica da água duplamente marcada em doisperíodos de 15 dias) assim como o valorcalórico da dieta (5070 kcal/dia) e estes dadospermitiram o cálculo do balanço energéticoque era negativo e igual a 1454 kcal/dia. Defacto o indivíduo emagreceu 24,6 kg. Acomposição corporal foi também avaliada noinício e no fim da expedição, tendo-seFig. 11: Quando um adulto aumenta de peso acumulagordura. A variação da massa não gorda é pequena e amaior parte do seu valor corresponde a água.observado que tinha havido uma perda de massa gorda de 14,5 kg e de massa livre de gordura de10,1 kg. Admitindo que nos dois momentos do estudo as reservas glicídicas eram semelhantes (eirrelevantes no contexto) e que cerca de 20% da massa livre de gordura perdida era proteína,podemos (usando os valores de 9,3 kcal/g de lipídeos endógenos oxidados e de 4,2 kcal/g deproteínas endógenas oxidadas) concluir por um balanço energético negativo de 143400 kcal ao


Página 13 de 15Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fonteslongo dos 95 dias ou, em média, de 1510 kcal/dia. Os valores 1510 kcal/dia e 1454 kcal/diadeveriam, em teoria, ser iguais: a pequena diferença entre eles apenas reflecte o erro inerente aosmétodos e pressupostos utilizados.Os mecanismos homeostáticos (nomeadamente o apetite) tendem a manter o consumo deenergia equivalente à despesa mas os hábitos dietéticos e a baixa actividade física na civilizaçãoocidental moderna levam a um aumento de peso médio da população de cerca de 10 kg entre os 25e os 40 anos de idade (Fig. 11). Este dado é, independente de outros estudos, um indicador segurode que existe nesta faixa populacional um balanço energético positivo. O seu valor pode serestimado admitindo determinados pressupostos razoáveis. É razoável admitir que cerca de 80 % doaumento da massa corporal corresponde a deposição de reservas de triacilgliceróis (8000g * 9,3kcal/g = 74400 kcal) e que os restantes 20% são constituídos maioritariamente por água (16%) eproteínas (400g * 4,2 kcal/g =1680 kcal). De acordo com estes pressupostos o aumento de massacorresponde a um balanço calórico médio diário positivo de 13,8 kcal [(74400 + 1680) kcal / (365dias/ano * 15 anos)]. Considerando uma despesa média de 2500 kcal/dia, para engordar 10 kg em15 anos basta ter um balanço energético positivo de 0,55 %. Reforçando a ideia de que o únicométodo de avaliação do balanço energético é a medida da massa corporal (eventualmentecomplementada com a avaliação da sua composição) refira-se que este excesso está muito abaixo dequalquer erro experimental quando se usam métodos de avaliação da despesa energética e do valorcalórico da dieta para avaliar o balanço energético.3.3 - Os componentes da despesa energéticaClassicamente considera-se que a despesa energética tem 3 componentes: (1) taxa demetabolismo basal (Basal Metabolic Rate - BMR), (2) efeito termogénico dos nutrientes e (3)despesa associada à actividade física voluntária. Embora, no homem, seja em condições normais umfactor com pouca relevância, também se pode considerar um quarto componente: a despesaenergética associada à adaptação ao frio.A taxa metabólica basal é medida num indivíduo em descanso físico (muitas horas apósqualquer actividade física violenta) e descanso mental (relaxado mas acordado), 10 a 18 horas apósa ingestão de alimentos, num ambiente confortável e temperatura agradável. Cerca de 30% da taxade metabolismo basal corresponde à actividade das bombas de Na + /K + e das bombas de Ca 2+ , cercade 30% à actividade de síntese proteica e cerca de 5% à actividade muscular contráctil no diafragmae no coração: ou seja, cerca de 2/3 dos nutrientes oxidados em condições de medida da taxametabólica basal servem para repor o ATP gasto nas actividades biológicas acima referidas. O 1/3restante corresponde ao gasto de ATP na gliconeogénese, na síntese de ureia, na esterificação e noschamados ciclos fúteis (ver à frente). O cérebro não interrompe nunca a sua actividade e aactividade cerebral é responsável por cerca de 20% da taxa de metabolismo basal. No seu conjuntoo cérebro, fígado, rins e coração embora representem apenas 5-6% da massa do organismo adultosão responsáveis por mais de metade da taxa metabólica basal. O tecido adiposo, embora possaconter 10-30% da massa corporal, só é responsável por 2-5% da taxa de metabolismo basal.O valor absoluto da taxa metabólica basal varia com múltiplos factores. Porque a quantidadede reservas adiposas influencia de forma marcada o peso dos indivíduos mas pouco a taxa demetabolismo basal, quando se expressa a taxa de metabolismo basal/kg de peso a variabilidadeentre diferentes indivíduos é muito grande. A variabilidade diminui quando se exprime por massaisenta de gordura. Ou seja, um factor determinante na taxa de metabolismo basal é o valor da massacorporal (peso) subtraído da massa de gordura do organismo.Alguns factores afectam de forma marcada a taxa de metabolismo basal. No hipertiroidismo(excesso de produção de hormona tiroideia) a taxa de metabolismo basal pode estar 50-100% acima


Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesdo esperado. Crê-se que no aumento da despesa energética basal associada ao hipertiroidismopodem estar envolvidos diferentes mecanismos. Os indivíduos com hipertiroidismo têm um trémuloconstante a que corresponde gasto de ATP nas fibras musculares. Um outro efeito das hormonastiroideias que provoca aumento do gasto de ATP é a estimulação dos chamados ciclos fúteismetabólicos (substrate cycling). Um exemplo de um ciclo fútil metabólico que é estimulado pelashormonas tiroideias é a conversão do piruvato em oxalacetato (carboxílase do piruvato), a reduçãodo oxalacetato a malato (desidrogénase do malato) e a conversão do malato em piruvato pela acçãoda enzima málica (Petersen et al. 1995 Metabolism 44: 1380). A activação deste ciclo leva a umaumento do gasto de ATP que se converte em ADP durante a acção da carboxílase do piruvato.Com a activação dos ciclos fúteis tudo se passa como se, num período mais curto de tempo,ocorressem os mesmos processos anabólicos e catabólicos que ocorreriam normalmente numperíodo de tempo mais longo e portanto também, nestas circunstâncias aumenta a despesaenergética. Um outro factor que explica o aumento da despesa energética no hipertiroidismo é oafrouxamento da acoplagem entre oxidação e fosforilação nas mitocôndrias. Um dos tecidos ondeisto acontece é o tecido adiposo castanho onde as hormonas tiroideias estimulam a termogeninadiminuindo o grau de acoplamento entre fosforilação e oxidação. O homem adulto quase não temtecido adiposo castanho mas, embora se desconheçam ainda as proteínas alvo, mecanismossemelhantes também existem noutros tecidos do organismo. Assim, para um determinadavelocidade de hidrólise de ATP, a presença de hormonas tiroideias aumenta a quantidade denutrientes e de O 2 que é necessário consumir para repor o ATP hidrolisado.Outra situação em que a taxa de metabolismo basal aumenta para valores anormalmentealtos é a febre: crê-se que o aumento de temperatura corporal aumenta a despesa energética porqueaumenta de forma inespecífica a actividade das enzimas e transportadores aumentandosimultaneamente a velocidade das vias catabólicas e anabólicas.Fig. 12: A despesa energética total é marcadamente influenciada pelaactividade física voluntária... mas não pela actividade intelectual.Considerando apenas esforço aeróbio o calor produzido pelosmúsculos podem aumentar mais de 20 vezes quando se realiza umtrabalho duro. Pelo contrário o cérebro tem um consumo energéticoque é praticamente constante e não varia com o tipo de actividade.A taxa metabólica basaldeve ser medida entre 10 e 18horas depois da ingestão dealimentos porque a ingestão dealimentos provoca, por si só,aumento da despesa energética. Aeste efeito dos alimentos designasehoje efeito termogénico dosnutrientes e esta terminologia estáa substituir uma outra que entrouem desuso: acção dinâmicaespecífica. O efeito termogénicodos alimentos é, pelo menos emparte, uma consequência doaumento da actividade metabólicaassociada à digestão, absorção,processamento e armazenamentodos nutrientes ingeridos queimplicam gasto de ATP eformação de ADP. Para alémdisto, a ingestão de alimentostambém provoca estimulação dosistema nervoso simpático que,tal como as hormonas tiroideias,também poderá induzirdiminuição do acoplamento entrePágina 14 de 15


Página 15 de 15Equilibrio Energético – calorimetria <strong>animal</strong> – Rui Fontesfosforilação e oxidação. O valor do efeito termogénico dos nutrientes varia com a sua natureza ecorresponde a cerca de 3 % do valor calórico dos lipídeos da dieta, 5 % do dos glicídeos, 25 % dodas proteínas e é cerca de 10 % do valor calórico das dietas mistas.A despesa energética total é marcadamente influenciada pela actividade física, mas não pelaactividade intelectual (Fig. 12). A actividade física aumenta a velocidade de hidrólise de ATP e aformação de ADP que estimula a cadeia respiratória e a oxidação dos nutrientes. Num indivíduoadulto em repouso os músculos esqueléticos do organismo são responsáveis por cerca de 20-25% dadespesa energética, mas numa actividade física violenta o consumo de ATP aumenta marcadamenteprovocando um aumento da despesa energética. Numa situação de exercício físico violento adespesa energética pode aumentar 8 vezes e o gasto correspondente aos músculos passar a constituir80 a 90% da despesa energética total. A razão entre a despesa energética total e a taxa metabólicabasal (nível de actividade física) varia com a actividade profissional do indivíduo, com o exercíciofísico voluntário nos seus tempos de lazer e também com o seu grau de “irrequietude”. Esta razão é,geralmente, superior a 2 em agricultores ou em trabalhadores da construção civil mas pode ser daordem de 1,5 em trabalhadores intelectuais sedentários.O tipo de combustível usado pelo músculo também varia com a intensidade do exercício.Quando se está em jejum, quer em repouso quer em exercício pouco intenso o combustívelpreferencial dos músculos são os ácidos gordos (ou/e os corpos cetónicos). Mas, mesmo em jejum,quando se aumenta a intensidade do exercício os combustíveis preferenciais passam a ser osglicídeos (o glicogénio do músculo e a glicose do sangue). Isto significa que, em jejum, aumentar aintensidade do exercício provoca aumento do quociente respiratório que se aproxima de 1.Ao contrário do que acontece no caso do exercício muscular, a actividade cerebral écontínua e o gasto do cérebro não aumenta com o esforço intelectual.4 - Bibliografia1. Brawn AC e Brengelmann G. (1965) Energy Metabolism in Physiology and Biophysics. 9ª Ed. Ed por Ruch TC ePatton HD. WB Saunders Company. London.2. Crabtree B e Taylor DJ (1979) Thermodynamics and metabolism in Biochemical Thermodynamics. Ed por JonesNM. Elsevier. Amsterdam. (pag. 333-378).3. Allison SP (1996) Nutrition in Medicine. A Physician’s view. Danone chair monograph.4. McGilvery RW e Goldstein GW (1983) Biochemistry. A functional approach. Ed. por WB Saunders Company.Philadelphia.5. Coward WA (1988) The doubly-labelled water (2H2 18 O) method: principles and practice. Proc Nutr Soc. 47:209-218.6. Jequier E e Tappy L (1999) Regulation of body weight in humans. Physiol Rev 49: 451-480.7. The Body Composition Laboratory at the Children's Nutrition Research Center in Texas. Disponível em:http://www.bcm.tmc.edu/bodycomplab/mainbodycomp.htm8. Guyton AC e Hall JE (1996) Textboob of Medical Physiology. 9ª Ed. Ed. por WB WB Saunders Company.Philadelphia.9. Brand MD (2005) The efficiency and plasticity of mitochondrial energy transduction. Biochem Soc Trans 33: 897-904.10. Harper, M. E. & Seifert, E. L. (2008) Thyroid hormone effects on mitochondrial energetics, Thyroid. 18, 145-56..11. Stipanuk, M. H. (2006) Biochemical, Physiological, Molecular Aspects of Human Nutrition, 2nd edn, Sunders,Elsevier., St. Louis.12. Feldmann, H. M., Golozoubova, V., Cannon, B. & Nedergaard, J. (2009) UCP1 ablation induces obesity andabolishes diet-induced thermogenesis in mice exempt from thermal stress by living at thermoneutrality, CellMetab. 9, 203-9.O autor agradece antecipadamente todas as críticas que quiserem fazer a este texto (rui.fontes@mail.telepac.pt) e emparticular agradece as críticas feitas pela professora Isabel Azevedo.Março-Abril de 2003; revisto e ilustrado em Maio de 2004; emendas pontuais em Março de 2005 e em Março de 2009.Rui Fontes

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