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A03 - Tópicos de História da Mecânica - parte 1

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DISCIPLINAHistória e Filosofia <strong>da</strong> CiênciaTópicos <strong>de</strong> História <strong>da</strong> Mecânica –Parte 1AutoresJuliana Mesquita Hi<strong>da</strong>lgo FerreiraAndré Ferrer P. Martinsaula03


Governo Fe<strong>de</strong>ralPresi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> RepúblicaLuiz Inácio Lula <strong>da</strong> SilvaMinistro <strong>da</strong> EducaçãoFernando Had<strong>da</strong>dSecretário <strong>de</strong> Educação a DistânciaCarlos Eduardo BielschowskyReitorJosé Ivonildo do RêgoVice-ReitoraÂngela Maria Paiva CruzSecretária <strong>de</strong> Educação a DistânciaVera Lucia do AmaralSecretaria <strong>de</strong> Educação a Distância (SEDIS)Coor<strong>de</strong>nadora <strong>da</strong> Produção dos MateriaisVera Lucia do AmaralCoor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> RevisãoGiovana Paiva <strong>de</strong> OliveiraCoor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> EdiçãoAry Sergio Braga OliniskyProjeto Gráfi coIvana LimaRevisores <strong>de</strong> Estrutura e LinguagemEugenio Tavares BorgesJanio Gustavo BarbosaJeremias Alves <strong>de</strong> AraújoJosé Correia Torres NetoLuciane Almei<strong>da</strong> Mascarenhas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Thalyta Mabel Nobre BarbosaRevisora <strong>da</strong>s Normas <strong>da</strong> ABNTVerônica Pinheiro <strong>da</strong> SilvaRevisores <strong>de</strong> Língua PortuguesaCristinara Ferreira dos SantosEmanuelle Pereira <strong>de</strong> Lima DinizJanaina Tomaz CapistranoKaline Sampaio <strong>de</strong> AraújoRevisoras Tipográfi casAdriana Rodrigues GomesMargareth Pereira DiasNourai<strong>de</strong> QueirozArte e IlustraçãoA<strong>da</strong>uto HarleyCarolina CostaHeinkel HugeninLeonardo FeitozaRoberto Luiz Batista <strong>de</strong> LimaDiagramadoresElizabeth <strong>da</strong> Silva FerreiraIvana LimaJosé Antonio Bezerra JuniorMariana Araújo <strong>de</strong> BritoPriscilla XavierA<strong>da</strong>ptação para Módulo MatemáticoJoacy Guilherme <strong>de</strong> A. F. FilhoDivisão <strong>de</strong> Serviços TécnicosCatalogação <strong>da</strong> publicação na Fonte. Biblioteca Central Zila Mame<strong>de</strong> – UFRNTodos os direitos reservados. Nenhuma <strong>parte</strong> <strong>de</strong>ste material po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>da</strong> ou reproduzi<strong>da</strong>sem a autorização expressa <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte (UFRN)


ApresentaçãoApartir <strong>de</strong>ssa aula, iniciamos uma sequência <strong>de</strong> aulas <strong>de</strong> História <strong>da</strong> Ciência. Comomencionamos anteriormente, a História <strong>da</strong> Mecânica é um dos tópicos históricosescolhidos para essa disciplina. Nosso objetivo será, então, em três aulas, tratar <strong>de</strong>alguns elementos específicos <strong>de</strong>ssa temática.Nas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s propostas nessas aulas, utilizamos trechos <strong>de</strong> obras dos própriospersonagens históricos aos quais fazemos referências. Nossa intenção é aproximar você docontato com esse tipo <strong>de</strong> texto, que po<strong>de</strong> ser usado em aulas com enfoque histórico-filosófico.Procuramos também, nessas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, utilizar trechos <strong>de</strong> sites <strong>da</strong> internet que contêminformações errôneas a respeito do <strong>de</strong>senvolvimento histórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados conceitos.Nossa intenção é que a partir <strong>da</strong>s aulas você seja capaz <strong>de</strong> analisar criticamente as informaçõesque chegam ao público (e aos seus futuros alunos inclusive).Objetivos123Apresentar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ias sobremovimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> até o período medieval.Estabelecer possíveis paralelos entre algumas <strong>de</strong>ssasi<strong>de</strong>ias e concepções do senso comum.Mostrar a polêmica histórica e a contraposição <strong>de</strong>argumentos em torno dos fenômenos relacionados aomovimento.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência1


A Filosofia grega e as primeirasconsi<strong>de</strong>rações sobre o movimentoEtc.Para consi<strong>de</strong>rações ereferências históricassobre os pré-socráticos,po<strong>de</strong>-se consultar Kirk eRaven (1982).AFilosofi a grega tinha como preocupação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, discutir sobre a origem<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas, buscando aquilo que existia por trás dos fenômenos observáveis.Os pré-socráticos, entre os séculos VI e V a.C., divergiram em suas conclusões: paraTales <strong>de</strong> Mileto, a água era a origem <strong>de</strong> tudo; para Heráclito, era o fogo; para Anaximandro, oapeíron (ou in<strong>de</strong>finido); para Anaxímenes, o ar etc.Divergências à <strong>parte</strong>, como esse princípio era algo distinto dos fenômenos em si, nãopodia ser conhecido pelos sentidos. Travou-se, assim, uma oposição entre conhecimentosensorial e razão. O mundo observável era muitas vezes consi<strong>de</strong>rado “superfi cial” ou ilusório.Seguindo essa tradição, temos, nas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> outros pré-socráticos, como Parmêni<strong>de</strong>s(século V a.C.), a rejeição ao observável como irracional e contraditório (COXON, 1986, p.17-21). Parmêni<strong>de</strong>s opunha a razão à sensação, sendo a primeira o único caminho para oconhecimento. O que vemos e tocamos seria ilusório. As mu<strong>da</strong>nças que observamos no mundonão existiriam. Não passariam <strong>de</strong> mera ilusão, um engano <strong>da</strong>s nossas sensações.Para Parmêni<strong>de</strong>s, aquilo que podia ser pensado, isto é, captado pela razão eranecessariamente imutável. Ele e Zenão, conhecidos como filósofos <strong>de</strong> Eleia (porto marítimo<strong>da</strong> costa oci<strong>de</strong>ntal <strong>da</strong> atual Itália), afirmaram que era inviável pensar sobre o movimento.Embora essa concepção possa nos parecer estranha, esses pensadores afirmavam queviam o movimento, mas esse movimento era “impensável”. Mu<strong>da</strong>nças, transitorie<strong>da</strong><strong>de</strong> emovimentos eram o não-ser, irreais e ilusórios. Para apoiar essa i<strong>de</strong>ia, Zenão discutiu situaçõesaparentemente paradoxais surgi<strong>da</strong>s quando se tentava refletir sobre o movimento. Argumentouque uma flecha em movimento, ao mesmo tempo, estava para<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> instante. E, então,questionou: a flecha está, então, para<strong>da</strong> ou em movimento? O movimento seria mera ilusão.Pensaram também no que ocorria quando Aquiles e uma tartaruga disputavam umacorri<strong>da</strong>, na qual o animal saía à frente com certa vantagem. Chegaram à conclusão <strong>de</strong> queAquiles, mesmo sendo <strong>de</strong>z vezes mais veloz, nunca alcançava a tartaruga, pois ela já seencontrava mais adiante sempre que ele chegava ao ponto em que ela estava anteriormente.Como ain<strong>da</strong> não havia sido estu<strong>da</strong><strong>da</strong> a convergência <strong>de</strong> séries infinitas (isso só ocorreu muitoposteriormente e os paradoxos apontados por Zenão intrigaram os matemáticos por muitotempo), o argumento era bastante convincente, e podia ser apontado para sustentar que omovimento era “impensável”.2Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


Já na contramão <strong>de</strong> <strong>parte</strong> <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias, os atomistas (Leucipo, Epicuro, Demócrito,Lucrécio) concebiam que a construção do conhecimento po<strong>de</strong>ria se <strong>da</strong>r a partir dos sentidos.Era necessário, também, recorrer a argumentos filosóficos para estabelecer o que eraimperceptível sensorialmente (para mais <strong>de</strong>talhes, ver MARTINS, 1994, capítulo 3).Embora houvesse diferenças <strong>de</strong> pensamento entre os próprios atomistas, eles, <strong>de</strong> modogeral, concor<strong>da</strong>vam que o Universo era formado por átomos e espaços vazios. A existência dovácuo era, para eles, uma condição fun<strong>da</strong>mental para o movimento (as discussões a respeitodo vácuo cita<strong>da</strong>s nessa aula serão aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nas aulas <strong>de</strong> História do Vácuo). Vejamosisso nas palavras <strong>de</strong> Epicuro na sua Carta a Heródoto:Além disso, o todo é constituído por corpos e vazio. Pois, que os corpos existem, asensação por si mesma o atesta sempre, e é preciso basear-se nela, com o raciocínio,para julgar sobre o que é <strong>de</strong>sconhecido, como eu já disse. Se não existisse aquilo quechamamos <strong>de</strong> vazio ou lugar ou natureza intangível, os corpos não teriam on<strong>de</strong> estar oupor on<strong>de</strong> mover-se, como vemos que se movem (LAÉRCIO, 1988, X, p. 39-40).Aceitar a existência <strong>de</strong> vácuo não foi comum entre os gregos e não seria mesmo paraa humani<strong>da</strong><strong>de</strong> até o século XVII. Autores gregos geralmente se opuseram à relação entremovimento e vácuo tal qual aceita pelos atomistas (veremos isso em <strong>de</strong>talhes nas aulas sobreHistória do Vácuo).O fi lósofo grego Aristóteles, que viveu no século IV a.C., aceitava a existência <strong>de</strong>movimento e o estudou intensamente. Ele, no entanto, negava o vácuo. Acreditava que paraexistirem <strong>de</strong>slocamentos não era preciso aceitar a existência <strong>de</strong> espaços vazios. Os corpospodiam trocar mutuamente <strong>de</strong> lugar: um peixe num aquário podia trocar <strong>de</strong> lugar com a água(ARISTÓTELES, Física, 214a, 28-31).LAÉRCIO, 1988, X,p. 39-40Diógenes Laércio,no século III, reuniuna obra Vi<strong>da</strong>s edoutrinas dos filósofosilustres pensamentose fragmentos <strong>de</strong>importantes escritos <strong>de</strong>filósofos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>.Aristóteles advogava, aliás, que a inexistência do vácuo era justamente uma condiçãoimprescindível para o movimento. Isso porque a existência do vácuo tornaria incompreensíveisalguns aspectos do movimento e levaria a absurdos. Segundo ele, no vácuo, os corposatingiriam veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s infi nitas, o que seria inconcebível. Também no vácuo, não haveriadireção privilegia<strong>da</strong>, porque na<strong>da</strong> faria um corpo ir para um lado e não para outro. Dessemodo, para Aristóteles, não po<strong>de</strong>ria haver movimento no vácuo (ARISTÓTELES, Física,214b 28-215a 24).Essas discussões sugerem que o pensador concebia a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> haverconhecimento a respeito do mundo observável, mutável. No entanto, geralmente os gregosrelacionavam o conhecimento a coisas imutáveis. Embora à primeira vista, então, possa sepensar que Aristóteles fugiu à regra, isso, <strong>de</strong> certo modo, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para Aristóteles,havia algo <strong>de</strong> imutável no nosso mundo mutável, já que mesmo nas mu<strong>da</strong>nças as essências<strong>da</strong>s coisas se conservavam. Sendo assim, era <strong>de</strong>ssa regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> manifesta<strong>da</strong> nas causas dosfenômenos que ele se dispunha a falar.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência 3


Alguns aspectos<strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> AristótelesEncontramos, nos escritos <strong>de</strong> Aristóteles, uma <strong>da</strong>s primeiras teorias mais elabora<strong>da</strong>sacerca do que seria o movimento. Embora essa teoria atualmente não seja aceita,acreditamos que por ilustrar tão bem o pensar criativo do ser humano em seu alto grau<strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ela não <strong>de</strong>veria estar fora dos ambientes escolares, tal como hoje ocorre.As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles sobre o movimento estavam relaciona<strong>da</strong>s a uma concepção <strong>de</strong>Universo bastante sofi stica<strong>da</strong> aceita pelo fi lósofo. Foram apresenta<strong>da</strong>s por ele ao longo <strong>de</strong>obras como o De Caelo (por exemplo, nos livros I, II e IV), Física (por exemplo, no livro VIII)e na Metafísica (livro XII). Falaremos a seguir sobre alguns aspectos <strong>de</strong>sses pensamentos.Universo, matéria e movimentosO Universo <strong>de</strong> Aristóteles era finito, repleto <strong>de</strong> matéria e esférico. Essa última característicasituava-se no contexto do i<strong>de</strong>al grego <strong>de</strong> perfeição: o círculo era consi<strong>de</strong>rado perfeito por nãoter começo nem fi m. Argumentos empíricos, segundo Aristóteles, reforçavam a certeza emtorno <strong>da</strong> esferici<strong>da</strong><strong>de</strong> do Universo: olhando para o céu observava-se, segundo o filósofo, queele era redondo.O Universo aristotélico seguia uma forte tradição ao colocar a Terra, redon<strong>da</strong>, no centro.Para sustentar essa concepção, Aristóteles novamente se apoiava em argumentos empíricos.Segundo ele, era visível que, ao se afastarem dos portos, os navios “<strong>de</strong>sciam” no horizonte,o que não ocorreria se a Terra fosse plana. Nos eclipses, a sombra <strong>da</strong> Terra projeta<strong>da</strong> na Lua“mostrava” que ela era redon<strong>da</strong>. Além disso, a que<strong>da</strong> dos corpos graves fazia com que a Terrafosse pressiona<strong>da</strong> por todos os lados, mantendo-se então a sua esferici<strong>da</strong><strong>de</strong>.Mas o que eram esses tais corpos graves? Chegamos, então, às concepções <strong>de</strong> Aristótelessobre o movimento...No sistema aristotélico, havia uma níti<strong>da</strong> diferença entre os mundos sub e supralunar,isto é, abaixo e acima <strong>da</strong> Lua (ver Figura 1).Adotando a concepção estabeleci<strong>da</strong> por Empédocles (séc. V a.C.), Aristóteles consi<strong>de</strong>ravaque to<strong>da</strong> a matéria existente no mundo sublunar era forma<strong>da</strong> por quatro elementos: água,terra, fogo e ar.4Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


TerraLuaMercúrioVênusSolMarteJúpterSaturnoEsfera <strong>da</strong>s estrelasFonte: . Acesso em: 7 out. 2009.Figura 1 – A partir <strong>da</strong> Terra no centro até a Lua, temos o mundo sublunar. Em segui<strong>da</strong> vem o mundo supralunar:Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e a esfera <strong>da</strong>s estrelas fixas.A água e a terra tinham a tendência natural <strong>de</strong> se aproximar do centro do Universo, istoé, do seu lugar natural, que, no caso, coincidia com o centro <strong>da</strong> própria Terra. Já o ar e o fogotinham a tendência <strong>de</strong> se afastar <strong>de</strong>sse centro. No seu lugar natural, os corpos permaneceriamem repouso, pois não haveria necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se moverem. Po<strong>de</strong>mos dizer que, <strong>de</strong> acordo coma visão aristotélica, ca<strong>da</strong> corpo tinha um único movimento natural, que <strong>de</strong>pendia <strong>da</strong> naturezado elemento <strong>de</strong> que era formado ou <strong>da</strong> predominância <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les em sua composição:• água e terra caíam para o centro do Universo• ar e fogo subiam para longe do centro do Universo.Esses eram, portanto, os chamados movimentos naturais dos elementos formadoresdos corpos terrestres e ocorriam <strong>de</strong>vido a causas internas. A matéria inanima<strong>da</strong>, isto é, semalma, não se movia sozinha. Precisava ser movi<strong>da</strong> por alguma outra coisa.Os corpos terrestres também podiam ter outros tipos <strong>de</strong> movimentos, mas esses eramcontrários à natureza <strong>de</strong>sses corpos. Eram violentos e exigiam uma causa externa. O movimento<strong>de</strong> uma pedra para cima, por exemplo, não era natural, mas sim violento, e exigia uma causaexterna. Já o movimento <strong>da</strong> mesma pedra para baixo era natural e não exigia causa externa.Assim, para Aristóteles, a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> não era uma causa externa do movimento <strong>da</strong> pedra, massim uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos corpos graves; no caso, essa proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> pedra fazia com queela tivesse o movimento natural <strong>de</strong> se aproximar do centro do Universo. De acordo com essacompreensão, portanto, a Terra não atraía a pedra! Se a Terra fosse removi<strong>da</strong> do centro doUniverso, a pedra não cairia em direção à Terra, mas sim em direção ao ponto no qual o centrodo Universo estivesse localizado.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência5


Havia movimento circular natural?Como você pô<strong>de</strong> notar, nenhum dos quatro elementos podia ter movimento circularnatural, o que implicava em dizer que corpos terrestres só tinham movimento circular do tipoviolento. Essa questão estava na raiz <strong>da</strong> argumentação aristotélica em <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> concepção<strong>de</strong> que a Terra estava para<strong>da</strong>. A Terra só po<strong>de</strong>ria ter movimento circular se esse fosse do tipoviolento. Mas como movimentos violentos exigiam causas externas e se extinguiam com opassar do tempo, ela <strong>de</strong>veria, então, estar para<strong>da</strong>.Aristóteles usava mais argumentos em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssa concepção. Dizia que quandojogamos uma pedra verticalmente para cima, vemos que a Terra não gira. Se ela girasse e,portanto, nós também estivéssemos em movimento, a pedra não voltaria para as nossas mãos.Como isso não ocorria, a Terra <strong>de</strong>veria estar para<strong>da</strong>.Para Aristóteles, os corpos supralunares, isto é, acima <strong>da</strong> Lua, não po<strong>de</strong>riam ser formadospor nenhum dos quatro elementos, mas sim por um quinto elemento, o chamado éter. Issoporque seus movimentos circulares, perfeitos <strong>de</strong> acordo com o i<strong>de</strong>al grego, se mantinham(o círculo permitia a eterni<strong>da</strong><strong>de</strong> do movimento sobre ele). Deveriam ser, portanto, naturais,o que era inconcebível para corpos formados pelos quatro elementos comuns. Assim, oscorpos celestes e todo o espaço entre eles <strong>de</strong>veriam ser preenchidos pelo éter, uma substânciaincorruptível, imutável e in<strong>de</strong>strutível.Po<strong>de</strong>mos então concluir que, para Aristóteles, as leis que regiam o mundo sublunar (istoé, o mundo <strong>da</strong>s transformações) eram diferentes <strong>da</strong>s leis do mundo celeste (caracterizadopela constância e perfeição):• tipos <strong>de</strong> elementos diferentes• tipos <strong>de</strong> movimentos naturais diferentesAlém disso, nota-se também que, para Aristóteles, aquilo que se move é movido, seja porcausas internas ou externas. A visão <strong>de</strong> que a matéria era inerte e passiva, não se movia e nemse transformava sozinha já era tradicional e estava presente nas i<strong>de</strong>ias do filósofo.Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> 1Temos abaixo duas citações extraí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> obra De Caelo, escrita por Aristóteles. Explique-asa partir <strong>de</strong> como ele <strong>de</strong>fi niu os tipos <strong>de</strong> movimentos naturais possíveis para o éter e oselementos sublunares.Como é o caso do movimento para cima e do movimento para baixo: que é natural econtra-natural para o fogo e para a terra, respectivamente” (I, 2, 269a 12-3).O movimento circular é superior ao movimento retilíneo e o movimento retilíneo é própriodos corpos simples – o fogo, com efeito, move-se em linha reta para cima, e a terra parabaixo, em direção ao centro –, é necessário que o movimento circular seja próprio, eletambém, <strong>de</strong> um corpo simples (I, 2, 269a 25-30).6Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


A força teria relação direta com a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>Para Aristóteles, quando caíam, os corpos precisavam romper a resistência do ar (ou domeio em que se encontravam). Hipoteticamente, ele pensou na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que corposlançados no vácuo não parariam nunca e teriam veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> infi nita, o que implicaria numaque<strong>da</strong> instantânea. No entanto, isso era impossível para Aristóteles, pois implicava em dizerque o mesmo corpo estaria em diferentes lugares ao mesmo tempo. A existência <strong>de</strong> resistênciaera, para ele, uma condição necessária para o movimento.Ain<strong>da</strong> quanto à que<strong>da</strong> dos corpos, Aristóteles não indicou que isso ocorria com veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>crescente, isto é, não indicou que corpos em que<strong>da</strong> eram acelerados. Afirmou que corpos maispesados caíam mais <strong>de</strong>pressa, porque buscavam com “mais urgência” o seu lugar natural. Aveloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que<strong>da</strong> <strong>de</strong> um corpo seria proporcional ao seu peso e inversamente proporcionalà <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> do meio.Segundo a visão aristotélica, a razão entre a distância percorri<strong>da</strong> por um corpo e o tempogasto para percorrê-la seria diretamente proporcional ao po<strong>de</strong>r motivo, isto é, à força aplica<strong>da</strong>a ele, e inversamente proporcional à resistência do meio. Assim, quanto maior a força, maiora veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual o corpo se move, mas se a resistência for gran<strong>de</strong> essa veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>será menor. Se colocássemos isso em notação mo<strong>de</strong>rna para facilitar a nossa compreensão(Aristóteles não fez isso!), teríamos algo como:FR = k s t ,on<strong>de</strong> F é a força aplica<strong>da</strong>, R é a resistência e s é a distância total percorri<strong>da</strong> pelo corpo notempo total t.No caso <strong>de</strong> um movimento violento, Aristóteles consi<strong>de</strong>rou que quando um corpo pesadoera movido por uma força externa, ele resistia ao movimento por causa do seu peso. Examinandoessas i<strong>de</strong>ias po<strong>de</strong>mos dizer que havia aqui algo que lembrava um conceito rudimentar <strong>de</strong> inércia.A matéria não se movia por si própria. Tendia a ficar em repouso ou a parar. Por outro lado, emcerto sentido, po<strong>de</strong>mos dizer que na formulação <strong>de</strong> Aristóteles não havia inércia tal como essafoi pensa<strong>da</strong> posteriormente, pois cessa<strong>da</strong> a causa, o corpo <strong>de</strong>veria parar.Como Aristóteles explicouo movimento dos projéteis?Para Aristóteles, todo movimento era uma transformação, uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> posição, eto<strong>da</strong>s as mu<strong>da</strong>nças só podiam ocorrer por uma causa. Se havia movimento, havia uma causa.À primeira vista, algumas situações po<strong>de</strong>riam ficar sem explicação diante disso.O movimento <strong>de</strong> uma flecha lança<strong>da</strong> <strong>de</strong>veria ser do tipo violento, isto é, mantido por uma causaexterna. Mas, segundo a visão aristotélica, se não havia força externa, não havia movimento.Po<strong>de</strong>mos nos perguntar, portanto: como ele explicava o movimento <strong>de</strong> uma flecha a partir domomento em que ela era lança<strong>da</strong> por um arqueiro?Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência 7


O fi lósofo não era ingênuo e se preocupou em explicar questões importantes, como omovimento dos projéteis. A explicação era simples e um tanto quanto convincente: o quemantinha o movimento do projétil era o ar que o cercava (ou outro meio). No caso <strong>da</strong> flechaque cortava o ar, esse ar empurrado <strong>da</strong>va a volta por trás <strong>da</strong> flecha e a empurrava para frente,mantendo, assim, o movimento, até que esse movimento se extinguia. Esse princípio era<strong>de</strong>nominado antiperistasis (o que quer dizer “virar para o outro lado”).Desse modo, ao lançar uma pedra com a mão, por exemplo, a mão transmite ao arnão apenas um movimento, mas também um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mover. A cama<strong>da</strong> <strong>de</strong> ar em torno<strong>da</strong> pedra transmite à cama<strong>da</strong> seguinte esse po<strong>de</strong>r e assim por diante, <strong>de</strong> modo que durantea sua trajetória a pedra sempre é movi<strong>da</strong> pelo ar. O movimento se extingue porque a ca<strong>da</strong>transferência esse po<strong>de</strong>r se enfraquece, até que o projétil <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser impulsionado e cai,realizando o seu movimento natural. Mantinha-se, assim, a regra “tudo o que move é movidopor alguma coisa”.Mas o ar aju<strong>da</strong>va ou atrapalhava, afinal?Aristóteles não admitia a existência <strong>de</strong> movimento sem resistência. No caso <strong>da</strong> fl echa,o ar exercia uma dupla função, sendo o agente motor e também a resistência ao movimento.Como veremos, esse foi um dos motivos pelo qual se questionou posteriormente a explicaçãoaristotélica para o movimento dos projéteis.Força aplica<strong>da</strong>pelo meioO meio, ao contornar o projétil para ocupar o vazio <strong>de</strong>ixadopor ele, impulsiona-o para frente, garantindo, assim,a presença <strong>de</strong> uma força durante o movimento.Fonte: . Acesso em: 09 out. 2009.Figura 2 – Antiperistasis. Movimento <strong>de</strong> um objeto lançado: o ar é empurrado, dá a volta por tráse empurra o objeto.Questões que merecem maior reflexãoIniciamos nossas discussões sobre movimento a partir dos gregos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Issonão quer dizer, no entanto, que estejamos dizendo que as origens <strong>da</strong> nossa ciência estão naGrécia Antiga. Essa i<strong>de</strong>ia predominava entre os primeiros historiadores <strong>da</strong> Ciência profissionaisdo início do século XX, mas foi aos poucos questiona<strong>da</strong>. Afinal, como conseguiríamos analisarto<strong>da</strong>s as culturas antigas, nos seus mais diferentes aspectos, e atribuir a uma <strong>de</strong>las a origemdo que hoje chamamos Ciência? Sabemos, além disso, que o material disponível para o estudo<strong>de</strong>ssas culturas antigas sofreu transformações e que muito <strong>de</strong>le se per<strong>de</strong>u.8Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


Tendo em vista essas consi<strong>de</strong>rações, portanto, gostaríamos <strong>de</strong> ressaltar que começamosnossa aula <strong>de</strong> História <strong>da</strong> Mecânica pelos gregos porque é <strong>de</strong>les que temos as primeirasconcepções mais bem documenta<strong>da</strong>s e estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s sobre movimento.Especifi camente a respeito <strong>de</strong> Aristóteles, como dissemos, havia <strong>de</strong> certo modo emsuas i<strong>de</strong>ias algo semelhante a um conceito <strong>de</strong> inércia. Deve-se notar, no entanto, que atendência a continuar em movimento e a tendência a fi car em repouso eram vistas comocoisas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e tinham causas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Nessa visão, não se falava em “estado <strong>de</strong>movimento”. Essas são diferenças marcantes entre o que aceitava Aristóteles e o pensamentoque se firmaria a partir do século XVII.De qualquer forma, as i<strong>de</strong>ias aristotélicas são bastante intuitivas e foram aceitas por quasevinte séculos. A concepção <strong>de</strong> que “se há movimento há força atuando” costuma fazer <strong>parte</strong>do senso comum. A relação entre força e veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> é bastante intuitiva, e bem diferente <strong>da</strong>famosa “F = ma”. Mesmo estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> nível universitário muitas vezes costumam relacionarforça a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>.Críticas a AristótelesAs i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles sobre movimento eram convincentes e coerentes com o sistema<strong>de</strong> mundo aceito por ele. Juntamente com esse sistema, foram altamente influentes por muitotempo. To<strong>da</strong>via, várias críticas também se produziram ao longo <strong>de</strong>sse período. Outras i<strong>de</strong>iasforam propostas e tiveram repercussão.No século II a.C., Hiparcos explicou o lançamento <strong>de</strong> projéteis <strong>de</strong> modo diferente dorealizado por Aristóteles. No trabalho “Nos Corpos Puxados para Baixo por seu Peso” afirmouque uma pedra lança<strong>da</strong> para cima recebia uma força impressa que superava a sua tendêncianatural <strong>de</strong> cair. Essa força impressa diminuía gra<strong>da</strong>tivamente até que era supera<strong>da</strong> pelo peso,e essa vantagem do peso se tornava ca<strong>da</strong> vez maior. Explicava-se, assim, porque a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> pedra diminuía na subi<strong>da</strong> e aumentava na <strong>de</strong>sci<strong>da</strong> (TAKIMOTO, 2009, p. 38).Força impressaPesoForça impressaPesoPesoFonte: .Acesso em: 09 out. 2009.Figura 3 – Lançamento vertical <strong>de</strong> uma pedra segundo Hiparco. Inicialmente a força impressa é maior do que o peso.Em segui<strong>da</strong>, a força impressa é gasta, até que é supera<strong>da</strong> pela tendência <strong>da</strong> pedra <strong>de</strong> seguir para o seu lugar natural.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência9


I<strong>de</strong>ias diferentes <strong>da</strong>s <strong>de</strong> Aristóteles continuaram a ser apresenta<strong>da</strong>s nos séculos seguintese muitas dúvi<strong>da</strong>s surgiram. Como vimos, Aristóteles não havia indicado que os corpos em que<strong>da</strong>sofriam aceleração. Entre os séculos III e IV, já na era cristã, o autor Straton <strong>de</strong> Lampsacoslevantou uma dúvi<strong>da</strong> a esse respeito. Notou que quando um objeto pesado caía <strong>de</strong> uma alturamuito pequena, o impacto no chão era imperceptível. Em contraposição, se o mesmo objetocaía <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> altura, um gran<strong>de</strong> impacto era observado.Em torno do ano 517, Johannes Philoponos <strong>de</strong> Alexandria escreveu seu “Comentárioà Física <strong>de</strong> Aristóteles” (COHEN; DRABKIN, 1958, p. 217-23). Philoponos criticou a Físicaaristotélica em diversos aspectos. Sugeriu que a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que<strong>da</strong> dos corpos não <strong>de</strong>pendiado peso, como havia proposto Aristóteles: se dois corpos – um <strong>de</strong>les muitas vezes mais pesadodo que o outro – caíam <strong>da</strong> mesma altura, a razão entre os tempos <strong>de</strong> que<strong>da</strong> não parecia igualà razão entre os pesos. A diferença entre os tempos parecia muito pequena.A explicação aristotélica para os movimentos dos projéteis se mostraria particularmentevulnerável a partir <strong>de</strong>ssa época. Philoponos consi<strong>de</strong>rou estranho que o ar pu<strong>de</strong>sse ao mesmotempo forçar e resistir ao movimento. A esse respeito, argumentou:• se o ar produzisse o movimento, po<strong>de</strong>ríamos mover uma pedra sem tocá-la, apenasempurrando o ar com a mão;• se vento não move uma pedra, o ar não po<strong>de</strong> manter seu movimento;• o ar atrapalha o movimento, não o aju<strong>da</strong>;• o ar não po<strong>de</strong>ria se mover para trás <strong>da</strong> flecha sem se dispersar nesse giro e ain<strong>da</strong> tocarprecisamente a extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> flecha, empurrando-a para frente.Philoponos, então, escreveu que era necessário assumir que o lançador transmitia algumaforça motriz incorpórea ao projétil, e que o ar colocado em movimento não contribuía em na<strong>da</strong>,ou muito pouco, para o movimento do projétil. Para ele, o movimento dos projéteis não eramantido pelo ar, mas sim por uma força imaterial transmiti<strong>da</strong> por quem o lançou. Essa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>motora incorpórea <strong>de</strong>ntro do corpo ia aos poucos se extinguindo por si própria.Enquanto para Aristóteles a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> adquiri<strong>da</strong> pelo corpo era inversamente proporcionalà resistência do meio, para Philoponos, essa veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>da</strong> diferença entre aresistência e a força impressa. Em notação mo<strong>de</strong>rna, teríamos algo como:F – R = kvNo espaço preenchido por água, o movimento era mais difícil do que no espaçopreenchido por ar, enquanto que, no vácuo, o movimento ocorreria no menor tempo possível.Para Philoponos, portanto, o movimento no vácuo era possível: a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> não seria infinita enem o movimento eterno. Embora nesse caso não houvesse resistência, a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> diminuiriaem função <strong>da</strong> diminuição espontânea <strong>da</strong> própria força impressa. Além disso, corpos cairiamno vácuo com veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s proporcionais aos seus próprios pesos.10Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> 2“[...] como po<strong>de</strong> esse ar, <strong>da</strong>ndo a volta, evitar <strong>de</strong> ser espalhado pelo espaço, mas ao invésdisso impingir precisamente a extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> flecha e novamente empurrá-la para frente[...]? Esta idéia é totalmente inacreditável e beira o absurdo” (GRANT, 1974, p. 222).As frases acima foram extraí<strong>da</strong>s do “Comentário sobre a Física <strong>de</strong> Aristóteles”, escritopor Philoponos.123A que fenômeno ele está se referindo?Que i<strong>de</strong>ia Philoponos está questionando?Comente sobre a alternativa <strong>de</strong> Philoponos para explicar tal fenômeno.Algumas contribuições árabesDurante o período medieval, pensadores islâmicos como Avicena (séc. X-XI) adotarami<strong>de</strong>ias semelhantes. Para Avicena, no entanto, havia uma particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>. A forçaimpressa não se extinguia por si só, mas sim por causa <strong>da</strong> resistência do meio. Por isso,para ele, a situação no vácuo seria tal qual supunha Aristóteles (veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> infinita e movimentoeterno), o que também o levava a negar o vácuo. Avicena acrescentou, ain<strong>da</strong>, que corpos sujeitosa uma mesma força impressa adquiriam uma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> inversamente proporcional aos seuspesos (para informações sobre os conhecimentos <strong>de</strong>senvolvidos pelos autores árabes, po<strong>de</strong>-seconsultar o capítulo “The contribuition of Islam” <strong>de</strong> DIJKSTERHUIS, 1961).No século XII, Avempace, outro pensador <strong>de</strong> origem árabe, apresentou novas críticas àsi<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles. Argumentou que os corpos celestes se moviam lentamente, mesmo nãohavendo resistência no mundo supralunar. Isso contrariava a concepção aristotélica <strong>de</strong> que naausência <strong>de</strong> resistência as veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s seriam infinitas. Segundo Avempace, para <strong>de</strong>terminara veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo no seu movimento natural era necessário subtrair a resistência domeio <strong>da</strong> tendência inata do corpo <strong>de</strong> realizar seu movimento natural.Se pudéssemos escrever a proposta <strong>de</strong> Avempace em termos mo<strong>de</strong>rnos chegaríamosa algo semelhante à equação que usamos para representar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Philoponos. Por outrolado, é importante ressaltar que Avempace, ao contrário <strong>de</strong> Philoponos, não aceitava a i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> uma força impressa autodissipativa.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência11


Outras explicações parao movimento... como o ímpetoNo século XIII, infl uenciado pelos comentadores árabes, o religioso Tomás <strong>de</strong> Aquinoreforçou a crítica já existente. De acordo com a tese aristotélica, no éter, o fl uidoperfeito que não oferecia resistências, os movimentos dos corpos celestes em suastrajetórias <strong>de</strong>veriam ser instantâneos, ao contrário do que se observava. Aquino prosseguiucom as críticas, embora em muitos pontos seja consi<strong>de</strong>rado um conciliador entre as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>Aristóteles e o pensamento cristão. O religioso sugeriu que o movimento ocorria sob a ação<strong>de</strong> um motor e <strong>de</strong> uma resistência interna do próprio corpo, que <strong>de</strong>pendia <strong>da</strong> sua dimensão.Também na mesma época, outros autores religiosos infl uentes como Alberto Magno eRoger Bacon discutiam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os projéteis continuavam seu movimento por causa <strong>de</strong>certo “ímpeto”. Para eles, o ímpeto estaria no ar.No século XIV, po<strong>de</strong>-se dizer que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma força interna se firma (DIJKSTERHUIS,1961; PIRES, 2008). O estudioso <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris Francesco <strong>de</strong> Marchia citou a ro<strong>da</strong><strong>de</strong> oleiro para explicar a existência nos objetos <strong>de</strong> uma “força residual”, isto é, um resíduo <strong>da</strong>força inicial que aos poucos se dissipava por si mesma, como um corpo que ia se esfriando.Para Marchia, essa força residual estava <strong>de</strong>ntro do objeto, o que, em essência, diferia-se <strong>da</strong>explicação <strong>de</strong> Aristóteles, que <strong>de</strong>fendia a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a força residual estava fora do objeto(no ar ou em outro meio adjacente).Em trabalhos como “Questões sobre os Oito Livros <strong>da</strong> Física”, o fi lósofo e religiosofrancês Jean Buri<strong>da</strong>n, no século XIV, aprofundou as críticas a Aristóteles e apresentouexplicações que se tornaram bastante infl uentes (ver GRANT, 1974, p. 275-284). Buri<strong>da</strong>nargumentou que o movimento <strong>de</strong> uma ro<strong>da</strong> e <strong>de</strong> um <strong>da</strong>rdo com uma <strong>parte</strong> pontu<strong>da</strong> tambématrás (e não apenas na frente) seriam inexplicáveis pela concepção <strong>de</strong> Aristóteles basea<strong>da</strong>na antiperistasis. Lembrou também que, em um barco transportando trigo, os ramos seinclinavam para trás, e não para a frente. Isso era o contrário do esperado caso a concepçãoaristotélica fosse váli<strong>da</strong>, pois o vento <strong>de</strong>veria empurrar o barco (e o trigo consequentemente)para frente. Adicionalmente, Buri<strong>da</strong>n apontou que colocar um pano em torno <strong>da</strong> ro<strong>da</strong> ou dobarco em na<strong>da</strong> alteraria o seu movimento.Em sua crítica, o pensador retomou o argumento já apresentado por Philoponos <strong>de</strong> que seo ar movesse os corpos, po<strong>de</strong>ríamos lançar uma pedra sem tocá-la. Além disso, questionou ofato <strong>de</strong> que corpos leves (como uma pena) não iam mais longe do que os pesados (como umapedra), ao contrário do que consi<strong>de</strong>rava justo prever se a explicação <strong>de</strong> Aristóteles fosse váli<strong>da</strong>.De acordo com Jean Buri<strong>da</strong>n, o objeto lançado receberia do lançador uma força ou“ímpeto” que continuaria a empurrá-lo. Diferentemente do que pensava Philoponos, paraBuri<strong>da</strong>n, o movimento não diminuía <strong>de</strong> forma espontânea, mas sim quando havia alguma12Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


esistência. O ímpeto não diminuía sozinho, mas sim tinha a tendência <strong>de</strong> se manter, isto é,tinha natureza permanente e podia manter um corpo em movimento tanto em linha reta comoem um círculo.O ímpeto tinha uma <strong>de</strong>finição quantitativa. De modo bastante semelhante a algo que noslembra o conceito <strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento, Buri<strong>da</strong>n afirmou que a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ímpeto<strong>de</strong>pendia <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual o corpo era posto em movimento e também <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> matéria <strong>de</strong>sse corpo. Quanto mais rápido o movimento, maior o ímpeto. Quanto maior opeso, maior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria, maior o ímpeto. Citando um exemplo, Buri<strong>da</strong>n afirmou quecertos volumes e formas idênticos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira leve e ferro pesado podiam ser movidos com amesma veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> por um projetor, mas o ferro chegava mais longe porque a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ímpeto era maior e <strong>de</strong>morava mais tempo para se corromper.A aparente proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre essas i<strong>de</strong>ias e o que se conceberia como inércia é afasta<strong>da</strong>quando Buri<strong>da</strong>n se refere ao movimento <strong>de</strong> rotação <strong>de</strong> um moinho a título <strong>de</strong> exemplificação<strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias. Buri<strong>da</strong>n igualou o movimento <strong>de</strong> um corpo em linha reta com veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>constante ao caso <strong>da</strong> rotação dos corpos celestes (só posteriormente se pensaria em aceleraçãocentrípeta mesmo para veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> angular constante). Afirmou que, se colocado a girar, ummoinho resistia a cessar o seu movimento <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do seu peso e veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>:quanto mais leve, mais tempo <strong>de</strong>moraria a parar. Se não houvesse resistência, o moinho, talcomo os corpos celestes, giraria in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente. Para Buri<strong>da</strong>n, Deus havia <strong>da</strong>do aos corposcelestes uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ímpeto que se conservava, já que esses se moviam num espaçocom resistência nula, formado pelo éter.Buri<strong>da</strong>n usou a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que um ímpeto era necessário para mu<strong>da</strong>r a rapi<strong>de</strong>z com a qualum corpo se movimentava e sugeriu uma explicação para o aumento <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> dos corposem que<strong>da</strong>. A gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> seria uma força que adicionaria pouco a pouco pequenas porções <strong>de</strong>ímpeto, <strong>de</strong> modo que a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> aumentaria durante o processo <strong>de</strong> que<strong>da</strong>.Questões que merecem maior reflexãoPo<strong>de</strong>mos dizer que, enquanto para Aristóteles se não houvesse força externa o movimentocessaria, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “ímpeto” trazia algo diferente. Em contraparti<strong>da</strong>, <strong>de</strong>ve-se assinalar adiferença entre os conceitos <strong>de</strong> ímpeto e inércia, como este foi posteriormente formulado.Para os fi lósofos medievais, o movimento era entendido como transformação, e exigia umacausa. O ímpeto era uma causa interna, e não uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Outro ponto <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>stacado. Tanto para autores como Buri<strong>da</strong>n quanto para Philoponos,por exemplo, a matéria recebia e guar<strong>da</strong>va um po<strong>de</strong>r que vinham <strong>de</strong> fora. Nesse sentido, ambosconcebiam, tal como Aristóteles, que a matéria por si mesma não era ativa.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência 13


Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> 3Observe o texto abaixo. Quem está falando abaixo é Jean Buri<strong>da</strong>n (GRANT,1974, p. 276).[...] um marinheiro sobre o convés não sente qualquer ar atrás <strong>de</strong>le empurrando-o.Ele sente somente o ar <strong>da</strong> frente resistindo [a ele]. Além disso, suponha que o naviomencionado esteja carregado com grãos ou ma<strong>de</strong>ira e que um homem esteja atrás <strong>da</strong>carga. Então, se o ar tivesse um tal impetus capaz <strong>de</strong> empurrar o navio adiante, o homemseria pressionado muito violentamente entre aquela carga e o ar atrás <strong>de</strong>le.a) I<strong>de</strong>ntifique a quem ele está se opondo.b) Comente a interpretação <strong>de</strong> Buri<strong>da</strong>n para o fenômeno em questão e os argumentosapresentados por ele.sua respostaa)b)14Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


Outras contribuiçõesmedievais importantesA I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média foi por muito tempo lembra<strong>da</strong> como um período <strong>de</strong> trevas, no qual inclusiveo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência teria sido <strong>de</strong>sprezível. Embora essa visão esteja ca<strong>da</strong> vez maissendo afasta<strong>da</strong> do contexto escolar, poucas pessoas ain<strong>da</strong> têm uma noção mais clara do quefoi a Ciência nesse período.Como mencionamos na primeira aula <strong>de</strong>ssa disciplina, a História <strong>da</strong> Ciência ca<strong>da</strong> vez maistem se <strong>da</strong>do conta <strong>da</strong> importância dos conhecimentos árabes do medievo para o surgimento<strong>da</strong> Ciência mo<strong>de</strong>rna. A contribuição dos autores medievais europeus tem também sido muitoestu<strong>da</strong><strong>da</strong> nas últimas déca<strong>da</strong>s.Como vimos anteriormente nesta aula, muitos autores, na época, discutiram intensamenteos fenômenos naturais e propuseram i<strong>de</strong>ias bastante interessantes. Uma nova visão sobreo período medieval, que o concebe como um dos mais frutíferos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>Ciência e base para o surgimento <strong>da</strong> Ciência mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>ve-se a pesquisas históricas realiza<strong>da</strong>sa partir <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças nas abor<strong>da</strong>gens <strong>da</strong> História <strong>da</strong> Ciência ocorri<strong>da</strong>s ao longo do século XX.O estudo <strong>da</strong>s contribuições <strong>de</strong> vários autores medievais mostrou que membros <strong>da</strong>suniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oxford e Paris realizaram análises dos movimentos uniforme e uniformementeacelerado, sendo este último então chamado “uniformemente disforme”.Algumas i<strong>de</strong>ias bastante interessantes foram lança<strong>da</strong>s pelo religioso inglês William <strong>de</strong>Ockham, que procurou separar assuntos então geralmente tratados como um só: a <strong>de</strong>finiçãoe medi<strong>da</strong> do movimento (cinemática) e o problema <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> causa do movimento e dosseus efeitos, a dinâmica (GRANT, 1974, p. 228-240; DIJKSTERHUIS, 1961, p. 165-168). Contraa explicação aristotélica para o movimento dos projéteis, Ockham questionou uma situaçãoparticular: no caso do encontro <strong>de</strong> dois projéteis, o ar estaria se movendo ao mesmo tempoem sentidos contrários?Ockham enunciou um princípio epistemológico que ficaria conhecido como “navalha <strong>de</strong>Ockham” e seria fun<strong>da</strong>mental para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> várias i<strong>de</strong>ias na Física. Segundo esseprincípio, era fútil usar mais enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s para explicar alguma coisa, se fosse possível usar menos.Assim, para o caso do movimento, a proposta <strong>de</strong> Ockham era <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado enti<strong>da</strong><strong>de</strong>saristotélicas como lugar natural, corpo grave etc. As causas dos movimentos não <strong>de</strong>veriamser mais motivo <strong>de</strong> preocupação. Os pensadores <strong>de</strong>veriam se restringir a <strong>de</strong>screvê-los como<strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> um corpo num intervalo <strong>de</strong> tempo. O movimento não requereria uma causa.Após o contato com o motor, o projétil se movia simplesmente por si próprio, e não por causa <strong>de</strong>um po<strong>de</strong>r impresso nele ou relativo a ele. E o movimento, uma vez existindo, po<strong>de</strong>ria ser eterno.Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência 15


No Colégio <strong>de</strong> Merton, em Oxford, foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s a partir do século XIV análisesquantitativas dos movimentos (LOCQUENEUX, 1987; DIJKSTERHUIS, 1961). Tornou-semais clara a diferença entre a <strong>de</strong>scrição e a causa do movimento. A veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> foi <strong>de</strong>fi ni<strong>da</strong>como o <strong>de</strong>slocamento no tempo, e a aceleração como a variação <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> no tempo. Oconceito <strong>de</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> instantânea foi formulado. Os movimentos uniformes e uniformementevariados foram estu<strong>da</strong>dos e <strong>de</strong>senhos que representavam esses movimentos começaram aser propostos e utilizados para cálculos <strong>da</strong>s distâncias percorri<strong>da</strong>s.Foi formula<strong>da</strong> e <strong>de</strong>monstra<strong>da</strong> a regra <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> média. Segundo essa regra, o espaçopercorrido em um movimento uniformemente acelerado é equivalente àquele percorrido emum movimento uniforme que tenha veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> igual à média <strong>da</strong>s veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s inicial e fi nal<strong>da</strong>quele movimento. Em Paris, o estudioso Nicole Oresme (discípulo <strong>de</strong> Buri<strong>da</strong>n) chegoua discutir a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> rotação <strong>da</strong> Terra e realizou uma <strong>de</strong>monstraçãogeométrica <strong>de</strong>ssa regra.No século XVI, as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do movimento uniformemente disforme eram ain<strong>da</strong>estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s tomando esse movimento como abstrato. Mas, no século seguinte, o religiosoespanhol Domingo <strong>de</strong> Soto já associaria tais proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s à que<strong>da</strong> dos corpos, i<strong>de</strong>ntificandoesse caso como um movimento acelerado. Mesmo no século XIV, Buri<strong>da</strong>n havia notado aaceleração dos corpos em que<strong>da</strong>, e concluiu que essa ocorreria em função <strong>de</strong> um aumentocontínuo do ímpeto provocado pelos pesos.Também na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média, pensadores procuraram explicar a diferença entre as aceleraçõesapresenta<strong>da</strong>s por corpos cujos movimentos naturais eram semelhantes. Alguns interpretavamque isso se <strong>de</strong>via à proporção dos elementos que entravam na formação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadocorpo, po<strong>de</strong>ndo haver, num mesmo corpo, em proporções diferentes, a resistência e o motora <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> movimento natural. Surgiu, então, ain<strong>da</strong> nessa época, a proposta<strong>de</strong> que dois corpos homogêneos – possuindo, portanto, resistências internas e motoresiguais – cairiam ao mesmo tempo no espaço vazio, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas massas.Muitas vezes, nas informações que obtemos em sites <strong>da</strong> internet, revistas <strong>de</strong> divulgaçãocientífica e livros didáticos que fazem menção à História <strong>da</strong> Ciência parece haver um “gran<strong>de</strong>vazio” entre as contribuições <strong>de</strong> Aristóteles e <strong>de</strong> Galileu, como se na<strong>da</strong> tivesse ocorrido nesseperíodo <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 1.900 anos. No entanto, o que dissemos acima sugere que a I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média foium período extremamente rico em contribuições para o conhecimento. As anotações pessoais<strong>de</strong> Galileu, que viveu cerca <strong>de</strong> trezentos anos <strong>de</strong>pois dos autores medievais aqui citados,fazem menção a eles e revelam que Galileu, ain<strong>da</strong> jovem, conhecia essas contribuições. Estaspo<strong>de</strong>m ter sido importantes para o <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho <strong>de</strong> Galileu, que teria, porexemplo, partido <strong>da</strong> regra <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> para pensar nas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos corpos em que<strong>da</strong>.Aparentemente, a contribuição original <strong>de</strong> Galileu teria sido utilizar o plano inclinado paraestu<strong>da</strong>r esse caso. Veremos isso melhor na nossa aula seguinte.16Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> 4Um corpo só permanece em movimento se estiver atuando sobre ele uma força’. Estainterpretação, formula<strong>da</strong> no século IV a.C., <strong>de</strong> Aristóteles, foi aceita até o Renascimento(séc. XVII). Galileu Galilei dizia que o estudo sobre os movimentos requeria experiênciasmais cui<strong>da</strong>dosas. Após a realização <strong>de</strong> vários experimentos Galileu percebeu que sobreum livro que é empurrado, por exemplo, existe a atuação <strong>de</strong> uma força <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> <strong>de</strong>Força <strong>de</strong> Atrito [...].O trecho acima encontra-se no site .Ele po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r a impressão <strong>de</strong> que na<strong>da</strong> a respeito do movimento foi pensadoentre Aristóteles e Galileu, e que este teria sido o primeiro a pensar em forças dissipativas.A partir do que vimos, comente sobre essa informação.sua respostaAula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência17


Embora tenhamos optado por uma sequência cronológica, gostaríamos que vocênotasse que não houve uma progressão contínua <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias até o que concebemoshoje como movimento. Houve sim uma série <strong>de</strong> polêmicas, rupturas, i<strong>da</strong>s e vin<strong>da</strong>s.Nossas concepções atuais não são nem mais, nem menos científicas do que asdo passado, e po<strong>de</strong>m ser tão provisórias quanto muitas anteriormente aceitas.ResumoNessa primeira aula <strong>de</strong> História <strong>da</strong> Mecânica, você teve contato com asconcepções sobre movimento na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Destacamos especialmente asi<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles sobre esse assunto. Discutimos, em segui<strong>da</strong>, algumasobjeções históricas a essas i<strong>de</strong>ias. Passamos pelas contribuições medievais,com a formulação <strong>da</strong> teoria do ímpeto, e os estudos sobre movimentouniformemente variado.AutoavaliaçãoNessa aula, apresentamos várias concepções interessantes sobre o movimento propostasao longo <strong>da</strong> História <strong>da</strong> Ciência. Embora não haja uma estreita correspondência, po<strong>de</strong>-seestabelecer paralelos entre essas concepções e i<strong>de</strong>ias intuitivas sobre movimento bastanterecorrentes entre alunos do Ensino Médio (e até universitários), por exemplo.Relacione as concepções <strong>de</strong> Aristóteles sobre o movimento e as alternativasmedievais à dinâmica <strong>de</strong>sse autor às seguintes i<strong>de</strong>ias intuitivas: “força” <strong>de</strong> umcorpo em movimento, objetos possuem tendência ao repouso, movimento seenfraquece sozinho, inércia é a causa do movimento etc. Em segui<strong>da</strong>, reflita sobrecomo você, futuro professor, po<strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r seus futuros alunos a perceber que suasdifi cul<strong>da</strong><strong>de</strong>s não são tolas, tendo em vista a polêmica histórica e a difi cul<strong>da</strong><strong>de</strong>com que <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ias foram refuta<strong>da</strong>s.18Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência


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Anotações20Aula 03 História e Filosofi a <strong>da</strong> Ciência

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