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A06 - Tópicos de História do Vácuo - parte 1

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DISCIPLINA<br />

História e Filosofia da Ciência<br />

Tópicos <strong>de</strong> história <strong>do</strong> vácuo –<br />

Parte 1<br />

Autores<br />

Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira<br />

André Ferrer P. Martins<br />

aula<br />

06


Governo Fe<strong>de</strong>ral<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Luiz Inácio Lula da Silva<br />

Ministro da Educação<br />

Fernan<strong>do</strong> Haddad<br />

Secretário <strong>de</strong> Educação a Distância<br />

Carlos Eduar<strong>do</strong> Bielschowsky<br />

Reitor<br />

José Ivonil<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rêgo<br />

Vice-Reitora<br />

Ângela Maria Paiva Cruz<br />

Secretária <strong>de</strong> Educação a Distância<br />

Vera Lucia <strong>do</strong> Amaral<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação a Distância (SEDIS)<br />

Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra da Produção <strong>do</strong>s Materiais<br />

Vera Lucia <strong>do</strong> Amaral<br />

Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Revisão<br />

Giovana Paiva <strong>de</strong> Oliveira<br />

Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Edição<br />

Ary Sergio Braga Olinisky<br />

Projeto Gráfi co<br />

Ivana Lima<br />

Revisores <strong>de</strong> Estrutura e Linguagem<br />

Eugenio Tavares Borges<br />

Janio Gustavo Barbosa<br />

Jeremias Alves <strong>de</strong> Araújo<br />

José Correia Torres Neto<br />

Luciane Almeida Mascarenhas <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Thalyta Mabel Nobre Barbosa<br />

Revisora das Normas da ABNT<br />

Verônica Pinheiro da Silva<br />

Revisores <strong>de</strong> Língua Portuguesa<br />

Cristinara Ferreira <strong>do</strong>s Santos<br />

Emanuelle Pereira <strong>de</strong> Lima Diniz<br />

Janaina Tomaz Capistrano<br />

Kaline Sampaio <strong>de</strong> Araújo<br />

Revisoras Tipográfi cas<br />

Adriana Rodrigues Gomes<br />

Margareth Pereira Dias<br />

Nourai<strong>de</strong> Queiroz<br />

Arte e Ilustração<br />

Adauto Harley<br />

Carolina Costa<br />

Heinkel Hugenin<br />

Leonar<strong>do</strong> Feitoza<br />

Roberto Luiz Batista <strong>de</strong> Lima<br />

Diagrama<strong>do</strong>res<br />

Elizabeth da Silva Ferreira<br />

Ivana Lima<br />

José Antonio Bezerra Junior<br />

Mariana Araújo <strong>de</strong> Brito<br />

Priscilla Xavier<br />

Adaptação para Módulo Matemático<br />

Joacy Guilherme <strong>de</strong> A. F. Filho<br />

Divisão <strong>de</strong> Serviços Técnicos<br />

Catalogação da publicação na Fonte. Biblioteca Central Zila Mame<strong>de</strong> – UFRN<br />

To<strong>do</strong>s os direitos reserva<strong>do</strong>s. Nenhuma <strong>parte</strong> <strong>de</strong>ste material po<strong>de</strong> ser utilizada ou reproduzida<br />

sem a autorização expressa da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte (UFRN)


Apresentação<br />

A<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência e a existência real <strong>do</strong> vazio foram questões <strong>de</strong>batidas<br />

pela humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>. Esse <strong>de</strong>bate relaciona-se a outro igualmente<br />

importante na história da Física: o conceito <strong>de</strong> éter e a sua existência. Vários tipos <strong>de</strong> éter<br />

existiram ao longo da história, liga<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> diferentes áreas da Física, e foram<br />

ora aceitos, ora <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s. Enquanto popularmente se concebe que o éter foi <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> da<br />

Física, existem trabalhos que interpretam o “vácuo quântico” da atualida<strong>de</strong> como um novo tipo<br />

<strong>de</strong> “éter”. A questão, sem dúvida, é polêmica. Po<strong>de</strong>-se dizer, no entanto, que as discussões<br />

em torno <strong>de</strong>ssa temática geraram bons frutos ao longo da história da Física e estiveram<br />

relacionadas a vários aspectos <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das ciências físicas. Tiveram consequências<br />

significativas, influencian<strong>do</strong> a formação e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> muitos conceitos. Nas aulas<br />

subsequentes abordaremos em <strong>de</strong>talhes alguns aspectos <strong>de</strong>ssas discussões, relacionan<strong>do</strong>-as<br />

ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias importantes na Física.<br />

Objetivos<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

Apresentar aspectos das discussões em<br />

torno <strong>do</strong> vazio e <strong>do</strong> éter da Antiguida<strong>de</strong> até<br />

o século XVII.<br />

Descrever a teoria <strong>do</strong> “horror ao vácuo”.<br />

Mostrar como se <strong>de</strong>u o questionamento à<br />

interpretação <strong>de</strong> que a natureza evitava o<br />

vazio, ten<strong>do</strong> em vista a proposta <strong>de</strong> que o ar<br />

tinha peso e exercia pressão.<br />

Reconhecer contribuições teóricas<br />

e experimentais que antece<strong>de</strong>ram o<br />

experimento <strong>de</strong> Torricelli.<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência<br />

1


O éter e o vazio na Antiguida<strong>de</strong><br />

Perguntas<br />

Para mais informações<br />

sobre as discussões a<br />

respeito <strong>do</strong> vácuo na<br />

Antiguida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se<br />

consultar Solaz-Portolès;<br />

L’ Eliana (1997);<br />

especificamente sobre<br />

o pensamento atomista<br />

sugerimos Figueira (2007).<br />

Já na Antiguida<strong>de</strong>, algumas discussões em torno <strong>do</strong> tema “vácuo” eram particularmente<br />

caras aos pensa<strong>do</strong>res: po<strong>de</strong>m existir espaços vazios na natureza Existem espaços vazios<br />

na natureza ou será que uma matéria contínua preenche to<strong>do</strong>s os espaços no Universo<br />

Muitos pensa<strong>do</strong>res procuravam respon<strong>de</strong>r a essas perguntas.<br />

No século VI a.C., os eleatas Zenão e Parmêni<strong>de</strong>s buscavam aquilo que podia ser capta<strong>do</strong><br />

pela razão, o que, para eles, era necessariamente imutável. Mudanças e transitorieda<strong>de</strong> eram<br />

irreais e ilusórios. Por isso, como mencionamos na primeira aula <strong>de</strong> história da Mecânica, os<br />

eleatas negavam o movimento. Negavam também o vácuo. Argumentavam que “aquilo que<br />

não é” não podia ser pensa<strong>do</strong>, nem podia existir. Como o vazio era nada, este não podia existir.<br />

Os eleatas relacionavam o vácuo ao movimento. Concebiam que o vácuo seria uma<br />

condição necessária para o movimento, mas negavam tanto o vácuo como o movimento em si.<br />

Para os eleatas, o Universo, portanto, era cheio e imóvel. O real <strong>de</strong>veria ser único, compacto.<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, a discussão da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> vácuo pelos eleatas<br />

perpassava outras questões importantes para a história da Física, como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento e, particularmente, o movimento. Eles não foram os únicos a relacionar vácuo<br />

e movimento.<br />

Na contramão das i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong>s eleatas, atomistas como Leucipo, Epicuro e Demócrito<br />

concebiam o Universo forma<strong>do</strong> por átomos e espaços vazios. Os átomos, pequenas partículas<br />

indivisíveis, impenetráveis, <strong>de</strong> diferentes formas e tamanhos se moviam e se agrupavam no<br />

vazio, dan<strong>do</strong> origem a to<strong>do</strong>s os fenômenos percebi<strong>do</strong>s pelos senti<strong>do</strong>s.<br />

2<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


Demócrito, particularmente, concebeu um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Universo no qual os átomos se<br />

moviam em gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> pelo vazio, chocan<strong>do</strong>-se entre si e transferin<strong>do</strong> energia. Os<br />

átomos mais leves se moviam com maior rapi<strong>de</strong>z, e formavam a água, o ar e o fogo. Os<br />

mais pesa<strong>do</strong>s se moviam mais lentamente e tendiam a se agrupar no centro, forman<strong>do</strong> os<br />

corpos terrestres.<br />

Os atomistas concordavam com os eleatas ao interpretarem o vácuo como condição<br />

fundamental para o movimento, mas, ao contrário <strong>do</strong>s eleatas, aceitavam a existência <strong>de</strong><br />

ambos. Epicuro (século IV a III a. C.), por exemplo, afirmava que se não existisse o vazio, os<br />

corpos não teriam on<strong>de</strong> estar ou por on<strong>de</strong> se mover, e era observa<strong>do</strong> que eles se moviam.<br />

A posição <strong>de</strong>fendida pelos atomistas a respeito <strong>do</strong> vácuo não foi a mais comum na<br />

Antiguida<strong>de</strong>, e não seria também durante a Ida<strong>de</strong> Média. Houve, no entanto, quem a a<strong>do</strong>tasse<br />

até muito tempo <strong>de</strong>pois. Entre os séculos I e II, por exemplo, Sextus Empiricus lembraria as<br />

i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Epicuro, referin<strong>do</strong>-se ao movimento como confirmação da existência <strong>do</strong> vácuo.<br />

A análise <strong>de</strong> Aristóteles sobre o vácuo<br />

Como vimos na primeira aula <strong>de</strong> história da Mecânica (Aula 3 - Tópicos <strong>de</strong> História da<br />

Mecânica – Parte 1), no século IV a.C., Aristóteles sugeriu que o mun<strong>do</strong> sublunar era forma<strong>do</strong><br />

por quatro elementos (terra, fogo, ar e água), enquanto que o supralunar estava totalmente<br />

preenchi<strong>do</strong> por uma quintessência, o éter.<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que pensavam os atomistas, para o filósofo, a matéria não era formada<br />

por átomos, mas sim era contínua. O Universo era pleno, totalmente preenchi<strong>do</strong> por matéria<br />

infinitamente divisível, nunca se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> chegar à sua menor <strong>parte</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os átomos<br />

não existiam.<br />

Aristóteles realizou a primeira discussão sistemática sobre o “vazio”. No Livro IV da obra<br />

Física, examinou o conceito <strong>de</strong> espaço, conceben<strong>do</strong>-o como “envoltório ou recipiente <strong>de</strong> um corpo”.<br />

Seguin<strong>do</strong> essa interpretação, a própria concepção <strong>de</strong> um espaço vazio se tornava impossível.<br />

Aristóteles examinou as i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong>s atomistas e propôs que os fenômenos cita<strong>do</strong>s por<br />

eles podiam ser explica<strong>do</strong>s sem a hipótese <strong>do</strong> vácuo. Para ele, a inexistência <strong>do</strong> vácuo não<br />

impedia o movimento. Os corpos podiam trocar mutuamente <strong>de</strong> lugar, como um peixe trocava<br />

<strong>de</strong> lugar com a água para se movimentar.<br />

Vazio<br />

Para informações<br />

<strong>de</strong>talhadas sobre<br />

as discussões entre<br />

Aristóteles e os atomistas<br />

a respeito <strong>do</strong> vácuo,<br />

po<strong>de</strong>-se consultar<br />

MARTINS, 1989.<br />

Aristóteles também analisou a interpretação <strong>do</strong>s atomistas <strong>de</strong> que a contração (e a<br />

dilatação) indicaria a existência <strong>do</strong> vácuo, pois um corpo comprimi<strong>do</strong> se contraía nos vazios<br />

existentes nele. Contrariamente, o pensa<strong>do</strong>r afirmou que algo podia se comprimir expulsan<strong>do</strong><br />

para fora o que tinha <strong>de</strong>ntro, tal como uma esponja ao ser espremida.<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência 3


Po<strong>de</strong>-se dizer, no entanto, que algumas respostas <strong>de</strong> Aristóteles na Física eram <strong>de</strong> certo<br />

mo<strong>do</strong> fracas, ten<strong>do</strong> em vista fenômenos observa<strong>do</strong>s no cotidiano. Uma bexiga sujeita a<br />

variações <strong>de</strong> temperatura, por exemplo, podia sim aumentar e diminuir <strong>de</strong> tamanho sem que<br />

aparentemente nada entrasse ou saísse <strong>de</strong>la.<br />

Sobre a dilatação, para se contrapor aos atomistas, Aristóteles acrescentou que as coisas<br />

podiam aumentar sem a entrada <strong>de</strong> algo, mas sim por uma mudança qualitativa, tal como a água<br />

ao se transformar em ar. Essa resposta inicial apresentada na Física foi completada no primeiro<br />

capítulo da obra Sobre geração e corrupção. Aristóteles explicou uma alteração qualitativa na<br />

água, po<strong>de</strong>ria implicar em mudanças nas proprieda<strong>de</strong>s da matéria, como o volume.<br />

O filósofo chegou até mesmo a admitir a penetrabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s corpos para não ter que aceitar<br />

a hipótese <strong>do</strong> vácuo. Na Física, afirmou que os corpos podiam crescer sem adição <strong>de</strong> um corpo<br />

e que podiam sim existir <strong>do</strong>is corpos no mesmo lugar. Buscava, assim, vencer o argumento<br />

atomista <strong>de</strong> que o crescimento implicava na existência <strong>de</strong> vácuo: como <strong>do</strong>is corpos não podiam<br />

ocupar o mesmo local ao mesmo tempo, o alimento (corpóreo) <strong>de</strong>veria ocupar um lugar vazio.<br />

Outro fenômeno aponta<strong>do</strong> pelos atomistas como evidência da existência <strong>de</strong> vácuo era<br />

o fato <strong>de</strong> que corpos <strong>de</strong> mesmo volume podiam ter pesos diferentes. Como supunham to<strong>do</strong>s<br />

os átomos igualmente “cheios”, a diferença entre os corpos estaria na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espaços<br />

vazios no interior <strong>de</strong>les. Na obra Sobre os céus, Aristóteles questionaria o ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong>s<br />

atomistas, apontan<strong>do</strong> que aquela explicação não dava conta da “leveza absoluta”, isto é, da<br />

tendência <strong>de</strong> certos corpos (como o fogo) a subirem (movimentos naturais).<br />

A controvérsia entre Aristóteles e atomistas abrangeu, também, aspectos relaciona<strong>do</strong>s à<br />

natureza da luz. Essa questão importante na história da Física esteve em disputa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>.<br />

Os atomistas <strong>de</strong>fendiam a existência <strong>de</strong> pequenos vazios intersticiais frequentes,<br />

regulares, próximos e alinha<strong>do</strong>s em fila nos corpos transparentes para permitir a passagem<br />

<strong>de</strong> luz e <strong>do</strong> som pela matéria. Segun<strong>do</strong> esse ponto <strong>de</strong> vista, era possível ver através da água<br />

<strong>de</strong> um aquário, justamente porque espaços vazios <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> aquário permitiam a propagação<br />

da luz, sen<strong>do</strong> essa <strong>de</strong> natureza corpuscular.<br />

Mas, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as concepções <strong>de</strong> Aristóteles sobre a luz e o som, esses não eram<br />

argumentos váli<strong>do</strong>s para sustentar a existência <strong>do</strong> vácuo. Para ele, a luz e o som não eram<br />

corpos materiais e, portanto, não precisavam <strong>de</strong> espaços vazios para atravessar os corpos.<br />

Além <strong>de</strong> refletir sobre o conceito <strong>de</strong> espaço e examinar uma a uma as i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong>s atomistas,<br />

Aristóteles apontou novos argumentos para sustentar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Universo totalmente<br />

cheio <strong>de</strong> matéria. Como vimos na primeira aula <strong>de</strong> história da Mecânica, os argumentos<br />

apresenta<strong>do</strong>s por Aristóteles na obra Física estavam interliga<strong>do</strong>s à sua teoria <strong>do</strong>s movimentos:<br />

to<strong>do</strong> movimento precisava <strong>de</strong> uma causa, e no vácuo não havia essa causa; no vácuo não podia<br />

haver movimento (COHEN; DRABKIN, 1958, p. 204-206). Além disso, para ele, a existência <strong>do</strong><br />

vácuo tornaria incompreensíveis alguns aspectos <strong>do</strong> movimento e levaria a absur<strong>do</strong>s:<br />

4<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


• se no vácuo não havia resistência, as coisas se moveriam em todas as direções;<br />

• como a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo era inversamente proporcional à resistência ao seu<br />

movimento, no vácuo, essa velocida<strong>de</strong> seria infinita.<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, na polêmica entre Aristóteles e os atomistas a respeito da existência<br />

<strong>do</strong> vácuo, vários fenômenos como movimento, dilatação, compressão, propagação <strong>do</strong> som e<br />

da luz estavam envolvi<strong>do</strong>s e ganhavam explicações diferentes <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os pressupostos<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelos autores. Havia em torno <strong>de</strong>ssas discussões o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos<br />

importantes na história da Física.<br />

Ativida<strong>de</strong> 1<br />

[...] a suposição <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> vazio, <strong>de</strong> ser o não-ser, como diziam os Eleatas,<br />

formava a base <strong>do</strong> Atomismo, e o Estagirita [nome pelo qual Aristóteles costuma ser<br />

conheci<strong>do</strong>] <strong>de</strong>ve sem dúvida ter fi ca<strong>do</strong> muito ansioso para <strong>de</strong>preciar esse sistema [...]<br />

(DIJKSTERHUIS, 1961, p. 39).<br />

Vimos que, <strong>de</strong> fato, Aristóteles questionou os argumentos apresenta<strong>do</strong>s pelos atomistas<br />

para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a existência <strong>do</strong> vácuo.<br />

1<br />

Que argumentos eram esses<br />

2<br />

Que contra-argumentos foram elabora<strong>do</strong>s por Aristóteles<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência<br />

5


As discussões após Aristóteles e<br />

ao longo <strong>do</strong> Medievo<br />

Vácuo<br />

Para <strong>de</strong>talhes sobre as<br />

discussões a respeito <strong>do</strong><br />

vácuo no medievo, po<strong>de</strong>se<br />

consultar MARTINS,<br />

1989; sobre Epicuro e<br />

Demócrito, sugerimos<br />

FIGUEIRA, 2007.<br />

Os argumentos <strong>de</strong> Aristóteles foram bastante influentes, mas, nos perío<strong>do</strong>s subsequentes<br />

a esse filósofo, algumas pessoas mantiveram-se a favor <strong>do</strong> vácuo.<br />

No século I d. C., Lucrécio, pensa<strong>do</strong>r romano, lembrou as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Epicuro. Na obra<br />

Sobre a natureza das coisas, indicou um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produzir vazio momentâneo: quan<strong>do</strong> placas<br />

<strong>de</strong> mármore em contato eram bruscamente afastadas, o ar não penetrava instantaneamente<br />

entre elas.<br />

Lucrécio afirmou que mesmo o que era aparentemente sóli<strong>do</strong> e cheio apresentava vazios.<br />

Para apoiar essa i<strong>de</strong>ia, citou exemplos <strong>do</strong> cotidiano como o fato <strong>de</strong> o suor passar pela pele, o<br />

frio e o calor atravessarem os metais, a voz atravessar pare<strong>de</strong>s etc.<br />

Como algo novo, Lucrécio discutiu o início <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong> peixe. Segun<strong>do</strong> Aristóteles,<br />

o peixe trocava <strong>de</strong> lugar com a água, e, por isso, para haver movimento, não era necessário<br />

vácuo. Analisan<strong>do</strong> a situação, Lucrécio concluiu que mesmo que a troca mútua <strong>de</strong> lugar fosse<br />

válida, o movimento não podia começar.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que o argumento <strong>de</strong> Lucrécio era fraco, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da época, visto<br />

que se aceitava que a matéria era compressível. Era váli<strong>do</strong> contra-argumentar, portanto, que<br />

o peixe podia comprimir a água para iniciar o movimento.<br />

Em relação aos comentários <strong>de</strong> Lucrécio po<strong>de</strong>-se dizer, ainda, que, em geral, ele<br />

apresentou os argumentos atomistas já conheci<strong>do</strong>s a favor <strong>do</strong> vácuo, e não comentou o que<br />

Aristóteles havia dito contra esses argumentos.<br />

Também no século I d. C. Heron <strong>de</strong> Alexandria criticou quem <strong>de</strong>fendia a inexistência <strong>do</strong><br />

vácuo. Na obra Pneumatica, Heron, que combinou o atomismo com algumas concepções<br />

aristotélicas, a<strong>do</strong>tou a teoria <strong>do</strong> vazio <strong>de</strong>scontínuo. Argumentou que não existia um vácuo<br />

contínuo na natureza, mas sim pequenas porções <strong>de</strong>sse na matéria. Consi<strong>de</strong>rava que as<br />

partículas <strong>de</strong> ar estavam em contato umas com as outras, mas não se encaixavam plenamente<br />

em to<strong>do</strong>s os pontos. Havia espaços vazios entre elas, tal como na areia da praia.<br />

O pensa<strong>do</strong>r consi<strong>de</strong>rava difícil explicar fenômenos como a compressão e a rarefação <strong>do</strong> ar<br />

e a propagação da luz e <strong>do</strong> calor sem aceitar a existência <strong>do</strong> vácuo. Defen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a materialida<strong>de</strong><br />

da luz (ao contrário <strong>de</strong> Aristóteles), afi rmou que recipientes cheios <strong>de</strong> água transbordariam<br />

se a luz os atravessasse e pequenas porções <strong>de</strong> vácuo não existissem entre as partículas <strong>de</strong><br />

água. Assim, a existência <strong>de</strong> espaços vazios era evi<strong>de</strong>nciada pelo fato <strong>de</strong> que era possível ver<br />

através <strong>de</strong> um aquário cheio <strong>de</strong> água sem que esse transbordasse.<br />

Para Heron, era possível separar ainda mais as partículas aplican<strong>do</strong> uma força, mas se<br />

essa cessava, as partículas se aproximavam rapidamente até estabelecerem contato. Indicavam<br />

6<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


a resistência da natureza à formação <strong>de</strong> vácuos contínuos, fenômenos <strong>do</strong> cotidiano como<br />

puxar o ar <strong>de</strong> um recipiente e <strong>de</strong>ixá-lo, com isso, preso à boca. Nesse caso, a pele tendia a<br />

ocupar o lugar <strong>do</strong> ar suga<strong>do</strong> (em COHEN; DRABKIN, 1958, p. 326-330 po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>do</strong>s<br />

exemplos <strong>de</strong> experimentos discuti<strong>do</strong>s por Heron com base na hipótese <strong>de</strong> que a natureza<br />

evitava o vácuo contínuo).<br />

Na Ida<strong>de</strong> Média, o estu<strong>do</strong> das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles sobre matéria, vácuo e movimento levou<br />

à continuida<strong>de</strong> das discussões. Como vimos nessa disciplina, no século VI d. C., Philoponos<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u que para um corpo estar em movimento não era necessário seu contato constante<br />

com uma causa externa. Uma força motriz podia ser transmitida ao corpo em questão, e essa<br />

por si própria se extinguia aos poucos mesmo no vácuo. Colocava-se em xeque, portanto, o<br />

argumento <strong>de</strong> que o movimento no vácuo seria infinito (algo inconcebível num Universo finito).<br />

As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Philoponos foram a<strong>do</strong>tadas pelo pensa<strong>do</strong>r árabe Avempace no século XII.<br />

Ele acrescentaria outro argumento ao já apresenta<strong>do</strong> por Philoponos na tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar<br />

a alegação aristotélica. Para Avempace, a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo no vácuo seria fi nita (ao<br />

contrário <strong>do</strong> que previa Aristóteles), visto que esse corpo precisaria <strong>de</strong> um tempo finito para<br />

atravessar certo espaço finito correspon<strong>de</strong>nte.<br />

Apesar <strong>de</strong>sses questionamentos, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>do</strong> vácuo foi <strong>de</strong> longe a<br />

concepção mais aceita a esse respeito no medievo. Ainda entre os séculos X e XI, o pensa<strong>do</strong>r<br />

árabe Avicena recorreu a argumentos já comuns e evidências empíricas para <strong>de</strong>fendê-la na obra<br />

O livro <strong>de</strong> Ciência. O funcionamento <strong>de</strong> um sifão, por exemplo, indicaria a atuação da natureza<br />

no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> evitar a produção <strong>de</strong> vácuo. Para isso, a água que <strong>de</strong>scia por uma extremida<strong>de</strong><br />

atraía a água da outra extremida<strong>de</strong>.<br />

A<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> as concepções aristotélicas, escolásticos <strong>do</strong> século XIII, como Alberto Magno<br />

e Tomás <strong>de</strong> Aquino, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram um Universo pleno, no qual o vazio era impossível.<br />

Já no século XIV, William <strong>de</strong> Ockham seguiu <strong>de</strong> perto as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Philoponos e sugeriu<br />

que a ação <strong>do</strong> ímã sobre o ferro mostrava a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> movimento sem contato. Nesse<br />

senti<strong>do</strong>, o movimento no vácuo seria possível.<br />

Mas e quanto à existência efetiva <strong>do</strong> vácuo Teria o século XIV, então, caminha<strong>do</strong> no<br />

senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua aceitação A resposta a essa pergunta é: não!<br />

Nesse século, o pensa<strong>do</strong>r Jean Buridan negou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver vácuo, e recorreu<br />

a evidências empíricas para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r sua posição (uma seleta <strong>de</strong> trechos produzi<strong>do</strong>s por<br />

Buridan a respeito <strong>de</strong>sse tema po<strong>de</strong> ser encontrada em GRANT, 1974). Explicou que quan<strong>do</strong><br />

o vinho <strong>de</strong> um recipiente era suga<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> um canu<strong>do</strong>, o ar atraía o vinho para cima,<br />

porque era necessário que algum corpo sempre viesse logo <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> ar suga<strong>do</strong>, para evitar<br />

a formação <strong>de</strong> vácuo.<br />

Algumas experiências sugeridas por Jean Buridan eram imaginárias (esse tipo <strong>de</strong><br />

experimento teve papel fundamental ao longo da história da Física, como no caso <strong>de</strong> Galileu<br />

e Einstein, por exemplo!). Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que o vácuo não podia existir, Buridan<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência 7


inferia qual resulta<strong>do</strong> necessariamente ocorreria num experimento hipotético. Sugeriu que<br />

se to<strong>do</strong>s os furos <strong>de</strong> um fole fossem fecha<strong>do</strong>s perfeitamente <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o ar não pu<strong>de</strong>sse<br />

entrar, seria impossível separar as superfícies <strong>do</strong> fole, mesmo que <strong>de</strong>z cavalos puxassem <strong>de</strong><br />

um la<strong>do</strong> <strong>do</strong> fole e <strong>de</strong>z o fi zessem <strong>do</strong> outro. Esse argumento foi repeti<strong>do</strong> no século XIV por<br />

quem negava o vácuo, e rejeita<strong>do</strong> pelos poucos que aceitavam sua existência.<br />

Um ponto interessante a ser nota<strong>do</strong> é que Jean Buridan não era um segui<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

Aristóteles. Como vimos em aulas anteriores <strong>de</strong>ssa disciplina, Buridan chegou a se opor a ele<br />

em alguns aspectos, como na explicação para o movimento. No entanto, os <strong>do</strong>is convergiam<br />

na argumentação a respeito <strong>do</strong> vácuo. A posição aristotélica teve, <strong>de</strong> fato, marcante primazia<br />

no medievo.<br />

Ativida<strong>de</strong> 2<br />

Se nós retirarmos o ar <strong>do</strong> sifão através da extremida<strong>de</strong> externa, a água irá imediatamente<br />

seguir por causa da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um vácuo contínuo no sifão [...] (COHEN;<br />

DRABKIN,1958, p. 244).<br />

O trecho acima foi escrito por Heron <strong>de</strong> Alexandria na obra Pneumatica para <strong>de</strong>screver o<br />

funcionamento <strong>de</strong> um sifão tal qual o apresenta<strong>do</strong> na figura abaixo.<br />

1<br />

Qual a posição <strong>de</strong>sse autor em relação à existência <strong>de</strong> vácuo na natureza<br />

2<br />

Que concepção acerca <strong>do</strong> comportamento da natureza em relação a essa questão<br />

está expressa nas palavras <strong>de</strong> Heron<br />

3<br />

Como geralmente se pensou sobre o assunto na Ida<strong>de</strong> Média<br />

8<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


As discussões sobre<br />

o vácuo no Renascimento<br />

Ainda no século XIV, outras experiências imaginárias contra o vácuo foram concebidas (ver<br />

PORTELLA, 2006; SOLAZ-PORTOLÈS; L’ ELIANA, 1997; MARTINS, 1989). O pensa<strong>do</strong>r<br />

Marsilius <strong>de</strong> Inghen sugeriu que se colocasse na água ou algo semelhante e intensamente<br />

frio um corpo internamente côncavo, fecha<strong>do</strong> e cheio <strong>de</strong> ar. Se o ar conti<strong>do</strong> no recipiente se<br />

con<strong>de</strong>nsasse, a água resultante ocuparia um espaço menor <strong>do</strong> que antes, o que levaria à<br />

consequente formação <strong>de</strong> vácuo no interior <strong>do</strong> recipiente. Mas, justamente para evitar o vácuo,<br />

Marsilius acreditava que era impossível a con<strong>de</strong>nsação <strong>do</strong> ar naquela situação a menos que o<br />

recipiente se quebrasse ou que existisse nele uma abertura através da qual algo pu<strong>de</strong>sse entrar.<br />

O Renascimento conceberia uma nova versão <strong>de</strong>sse experimento: e se o recipiente fosse<br />

resfria<strong>do</strong> até a água congelar Na época, acreditava-se que a água ao congelar se contraía, o<br />

que po<strong>de</strong>ria implicar no surgimento <strong>de</strong> um espaço vazio no recipiente.<br />

Em resposta àquela pergunta, alguns respondiam que haveria a formação <strong>de</strong> vácuo no recipiente.<br />

Todavia, os que negavam essa possibilida<strong>de</strong> eram a maioria. Esses explicavam o que ocorreria <strong>de</strong><br />

três maneiras diferentes. Alguns diziam que o espaço supostamente livre estaria na verda<strong>de</strong> cheio<br />

<strong>de</strong> “vapores sutis”. Alguns diziam que, para evitar o vácuo, o recipiente se quebraria, se a água se<br />

congelasse. Outros diziam que a água nem se congelaria para evitar a formação <strong>de</strong> vácuo.<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, uma narrativa <strong>de</strong>ssas posições favoráveis e contrárias ao vácuo<br />

implica numa <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> como se compreendia diversos fenômenos na época como a<br />

con<strong>de</strong>nsação <strong>do</strong> ar, o congelamento da água etc. A estreita relação entre movimento e espaços<br />

vazios também continuava a ser evocada.<br />

No século XIV, Nicholas <strong>de</strong> Autrecourt abor<strong>do</strong>u essa questão. Defen<strong>de</strong>u que para que um corpo<br />

se movesse era necessário que o ar a sua frente se con<strong>de</strong>nsasse, o que era possível por causa da<br />

existência <strong>de</strong> espaços vazios no ar. A fermentação <strong>do</strong> vinho também foi discutida pelo autor como<br />

evidência a favor <strong>de</strong>ssa interpretação. Segun<strong>do</strong> ele, o aumento <strong>de</strong> volume <strong>do</strong> vinho novo <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à<br />

fermentação ocorria porque as partículas se separavam e ficavam mais distantes umas das outras.<br />

Mas, se por um la<strong>do</strong> Autrecourt afi rmou que existia vácuo no interior <strong>do</strong>s corpos, por<br />

outro, ele negou a existência <strong>de</strong> vácuos extensos na natureza e citou o funcionamento da<br />

clepsidra em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssa posição. A clepsidra era um vaso com aberturas superior e inferior.<br />

Segun<strong>do</strong> a interpretação aceita por Autrecourt, se a clepsidra estava cheia <strong>de</strong> água e um <strong>de</strong><strong>do</strong><br />

tampava a sua abertura superior, a água não saía para evitar a formação <strong>do</strong> vácuo extenso.<br />

Quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong><strong>do</strong> era removi<strong>do</strong> e o ar podia entrar, a água <strong>de</strong>scia normalmente.<br />

No Renascimento, novos comentários sobre a clepsidra surgiram. Algumas pessoas a<br />

usaram como argumento a favor da existência <strong>do</strong> vácuo extenso: se os furos inferiores eram<br />

gran<strong>de</strong>s, a água saía, forman<strong>do</strong> vácuo.<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência 9


As discussões sobre o vácuo<br />

na Revolução Científica<br />

No século XVI, a oposição a vários aspectos da Física aristotélica foi realizada em boa<br />

<strong>parte</strong> com base em antigos argumentos (PORTELLA, 2006; SOLAZ-PORTOLÈS; L’<br />

ELIANA, 1997; MARTINS, 1989). O pensa<strong>do</strong>r Giambatistta Bene<strong>de</strong>tti se opôs à<br />

negação <strong>do</strong> vácuo e <strong>do</strong> movimento neste em função da impossibilida<strong>de</strong> da velocida<strong>de</strong> infinita,<br />

supostamente <strong>de</strong>corrente da falta <strong>de</strong> resistência. Retoman<strong>do</strong> antigas críticas a Aristóteles,<br />

Bene<strong>de</strong>tti <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u que na queda <strong>de</strong> um corpo a velocida<strong>de</strong> era proporcional ao peso <strong>de</strong>ste<br />

diminuí<strong>do</strong> da resistência <strong>do</strong> meio, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que mesmo na ausência <strong>de</strong> resistência a velocida<strong>de</strong><br />

não era infinita.<br />

Também nessa época, contribuições no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> diferentes visões <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> foram<br />

dadas por autores como Giordano Bruno, num contexto <strong>de</strong> valorização e estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s textos<br />

atomistas. Bruno retomou o argumento <strong>de</strong> que o vazio era condição necessária para o<br />

movimento. Defen<strong>de</strong>u que o universo era infinito. O espaço era um imenso vazio infinito que<br />

recebia a matéria.<br />

À exceção <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>fensores <strong>do</strong> vácuo, tal como Bruno, po<strong>de</strong>-se dizer, no entanto,<br />

que, até o século XVII, a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> negação <strong>do</strong> vácuo foi emblemática. Mesmo personagens<br />

marcantes da chamada Revolução Científica, como Francis Bacon e René Descartes, que eram<br />

contrários à tradição escolástico-aristotélica no que dizia respeito a aspectos meto<strong>do</strong>lógicos<br />

da ciência, ainda assim seguiram negan<strong>do</strong> o vácuo.<br />

Na obra Novum organum, Francis Bacon rejeitou os argumentos <strong>do</strong>s atomistas Leucipo<br />

e Demócrito. Citou explicações tradicionais para o funcionamento <strong>de</strong> seringas, ventosas e<br />

clepsidras para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a concepção <strong>de</strong> que a natureza tinha “horror ao vácuo”.<br />

René Descartes, por sua vez, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s representantes <strong>do</strong><br />

século XVII na oposição ao vácuo. Na segunda <strong>parte</strong> da obra Princípios da Filosofia, Descartes<br />

explicou a rarefação e a con<strong>de</strong>nsação. Um corpo aumentava ou diminuía <strong>de</strong> tamanho quan<strong>do</strong><br />

uma matéria sutil invisível entrava ou saía <strong>de</strong> seus poros, tal como ocorria com uma esponja<br />

na água.<br />

A partir da inexistência <strong>do</strong> vácuo e da conservação da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento,<br />

Descartes havia elabora<strong>do</strong> sua teoria <strong>do</strong>s turbilhões no plenum para explicar a formação <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. O sistema cartesiano <strong>de</strong> universo rivalizava com o aristotélico. Admitia, por exemplo,<br />

que a matéria celeste e a terrestre eram da mesma natureza. Nesse contexto, é bem provável<br />

que Descartes não tenha usa<strong>do</strong> o termo “éter” em referência à matéria sutil e invisível que saia<br />

<strong>do</strong>s poros <strong>do</strong>s corpos, para não ter suas i<strong>de</strong>ias confundidas com as <strong>de</strong> Aristóteles.<br />

Um ponto importante a ser nota<strong>do</strong> é que René Descartes consi<strong>de</strong>rava a razão suficiente<br />

para negar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um espaço sem substância. Descartes i<strong>de</strong>ntificava matéria com<br />

10<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


espaço. Para ele, se existia extensão num espaço, existia nesse espaço uma substância, visto<br />

que a extensão era a proprieda<strong>de</strong> que caracterizava os corpos. Dessa <strong>de</strong>fi nição, concluía-se<br />

que não havia espaço vazio. Não podia haver espaço sem substância.<br />

Como se po<strong>de</strong> notar a partir <strong>do</strong>s exemplos discuti<strong>do</strong>s nessa aula, tanto nas especulações<br />

<strong>de</strong> autores que assumiam a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> negar o vácuo quanto nas <strong>de</strong> autores que o aceitavam<br />

se <strong>de</strong>senvolviam também outros conceitos importantes na história da Física, como espaço e<br />

movimento.<br />

Ao longo <strong>do</strong> século XVII, as discussões sobre a possibilida<strong>de</strong> e real existência <strong>do</strong> vácuo<br />

se direcionaram ainda para outros caminhos: a polêmica em torno da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ar ter<br />

peso e produzir pressão.<br />

De mo<strong>do</strong> geral, po<strong>de</strong>-se dizer que, até mais ou menos a década <strong>de</strong> 1940, os historia<strong>do</strong>res<br />

da ciência costumavam simplificar as transformações ocorridas no século XVII a respeito das<br />

questões que envolveram o ar. Estu<strong>do</strong>s mais aprofunda<strong>do</strong>s revelariam um panorama muito<br />

mais complexo, com um número muito maior <strong>de</strong> personagens envolvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que a princípio<br />

se supunha.<br />

Diversos fatores teriam contribuí<strong>do</strong> para a elaboração <strong>do</strong> barômetro, por exemplo. Um<br />

<strong>de</strong>sses fatores foi conclusão <strong>de</strong> que o ar tinha peso, produzia pressão, e isso explicava efeitos<br />

físicos antes atribuí<strong>do</strong>s ao “horror ao vácuo”. Além disso, na época, concluiu-se que em alguns<br />

fenômenos um espaço vazio era produzi<strong>do</strong>. Investigações sobre a natureza e a causa <strong>de</strong>sse<br />

vazio foram realizadas.<br />

Veremos a seguir alguns aspectos <strong>de</strong>ssas interpretações e novos estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s no<br />

século XVII. Como veremos, as discussões sobre o vácuo perpassaram o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

histórico <strong>de</strong> áreas importantes da Física, como a Hidrostática.<br />

Uma nova interpretação para os fenômenos <strong>de</strong><br />

“horror ao vácuo”<br />

A conclusão <strong>de</strong> que o ar tinha peso e produzia pressão só viria no século XVII. Na<br />

Antiguida<strong>de</strong>, Aristóteles, na obra Sobre os céus, afirmou que o ar tinha peso, o que, segun<strong>do</strong><br />

ele, era evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> pelo fato <strong>de</strong> que uma bexiga cheia pesava mais <strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> vazia. No<br />

século I d. C., no entanto, Simplício afi rmaria que a experiência da bexiga não dava certo.<br />

Segun<strong>do</strong> Simplício, Aristóteles teria se engana<strong>do</strong> ao soprar a bexiga, introduzin<strong>do</strong> umida<strong>de</strong><br />

em seu interior, além <strong>do</strong> ar, o que teria provoca<strong>do</strong> o aumento <strong>do</strong> peso.<br />

A discussão sobre se o ar tinha ou não peso prolongou-se na Ida<strong>de</strong> Média, mas<br />

aparentemente não houve tentativas <strong>de</strong> repetir a experiência da bexiga nem <strong>de</strong> usá-la para<br />

<strong>de</strong>terminar o peso (ou a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>) <strong>do</strong> ar.<br />

No século XVI, Gerolamo Cardano realizaria uma tentativa <strong>de</strong> medir a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ar pela<br />

sua resistência ao movimento. Cardano partiu da concepção <strong>de</strong> que se <strong>do</strong>is móveis <strong>de</strong> mesmo<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência 11


tamanho e forma caíam com igual velocida<strong>de</strong> em <strong>do</strong>is meios diferentes, os pesos <strong>de</strong>sses<br />

<strong>do</strong>is móveis eram proporcionais aos quadra<strong>do</strong>s das <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s meios. Partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse<br />

pressuposto, chegou ao resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> da água equivalia a 50 vezes a <strong>do</strong> ar.<br />

No início <strong>do</strong> século XVII, algumas pessoas já pensavam a respeito <strong>do</strong> peso <strong>do</strong> ar e da<br />

pressão atmosférica. Suas discussões sobre a existência <strong>do</strong> vácuo se relacionavam diretamente<br />

a essas concepções.<br />

Em 1614, o estudioso Isaac Beeckman se propôs a discutir o porquê <strong>de</strong> os corpos se<br />

moverem <strong>de</strong> forma a evitarem o vazio na natureza, conforme era comum se aceitar. Beeckman<br />

chegou à conclusão <strong>de</strong> que o ar pressionava as coisas, que eram comprimidas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

a altura da coluna <strong>de</strong> ar acima <strong>de</strong>las. Algumas coisas permaneciam não perturbadas. Não<br />

se moviam porque eram igualmente comprimidas por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s pelo ar, assim como<br />

mergulha<strong>do</strong>res eram comprimi<strong>do</strong>s pela água. Fazen<strong>do</strong> uma analogia entre os comportamentos<br />

<strong>do</strong> ar e da água, ele concluiu que as coisas se precipitavam para um espaço vazio com gran<strong>de</strong><br />

força, por causa da imensa altura da coluna <strong>de</strong> ar acima <strong>de</strong>las. Em 1629, Beeckman diria<br />

explicitamente que o ar era pesa<strong>do</strong>, e essa gravida<strong>de</strong> era a causa <strong>do</strong> então chama<strong>do</strong> “horror<br />

ao vazio”.<br />

Na época em que o autor apresentou essas i<strong>de</strong>ias, bombas <strong>de</strong> água já existiam e eram<br />

explicadas pelo horror ao vácuo. Beeckman negou essa explicação e sugeriu outra: as bombas<br />

sugavam o ar <strong>do</strong>s canos, reduzin<strong>do</strong> aí a pressão; a atmosfera pressionava a água fora <strong>do</strong> cano<br />

e esta era forçada a subir.<br />

É importante notar que Beeckman não chegou a essas i<strong>de</strong>ias a partir <strong>de</strong> algum fato novo,<br />

mas sim pensou que o que se conhecia sobre líqui<strong>do</strong>s podia ser estendi<strong>do</strong> também para o<br />

ar. Utilizou então como base a Hidrostática, que se <strong>de</strong>senvolvia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s, e havia<br />

recebi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s contribuições <strong>de</strong> Simon Stevin, professor <strong>de</strong> Beeckman.<br />

Mas as i<strong>de</strong>ias propostas por Beeckman a respeito <strong>do</strong> ar não foram aceitas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

unânime naquele momento. Galileu Galilei, por exemplo, na época não pensava em pressão<br />

<strong>do</strong> ar, e negava que o ar e água pressionassem os corpos em seu interior.<br />

Personagens importantes para a divulgação da Ciência na época, como o religioso<br />

Marin Mersenne, opunham-se ao tipo <strong>de</strong> interpretação sugerida por Beeckman. Mersenne se<br />

correspondia com pensa<strong>do</strong>res como Jean Rey, René Descartes, Blaise Pascal e Evangelista<br />

Torricelli, que participariam ativamente da polêmica travada na época.<br />

As discussões fervilhavam entre os intelectuais da época. Conhecia-se, então,<br />

principalmente através da circulação <strong>de</strong> informações por meio <strong>de</strong> indivíduos como Mersenne,<br />

a interpretação <strong>de</strong> que o ar tinha peso e produzia pressão, o que po<strong>de</strong>ria explicar efeitos físicos<br />

atribuí<strong>do</strong>s ao “horror ao vácuo”.<br />

12<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


Ativida<strong>de</strong> 3<br />

Faça um resumo das principais contribuições que vimos até aqui a respeito <strong>do</strong> vácuo na<br />

Revolução Científica.<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência<br />

13


Outras discussões fundamentais<br />

para a concepção <strong>do</strong> barômetro<br />

Solução para<br />

o problema<br />

Ver PORTELLA, 2006;<br />

SOLAZ-PORTOLÈS; L’<br />

ELIANA, 1997; MARTINS,<br />

1989; po<strong>de</strong>-se consultar<br />

também a seção <strong>de</strong><br />

experimentos históricos<br />

sobre o vácuo no site<br />

<strong>do</strong> Instituto e Museu <strong>de</strong><br />

História da Ciência <strong>de</strong><br />

Florença, na Itália: .<br />

Ainda na década <strong>de</strong> 1630, o pesquisa<strong>do</strong>r Giovanni Baliani realizou uma contribuição<br />

importante no que diz respeito à história <strong>do</strong> vácuo. Baliani projetou um sifão para levar<br />

água a uma colina <strong>de</strong> 21 metros <strong>de</strong> altura. O não funcionamento <strong>do</strong> mecanismo fez com<br />

que ele escrevesse a Galileu Galilei em busca <strong>de</strong> uma solução para o problema.<br />

A resposta <strong>de</strong> Galileu foi que a “força <strong>do</strong> vácuo” era suficiente para elevar uma coluna <strong>de</strong><br />

água com uma bomba até no máximo pouco mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> altura. Além <strong>de</strong>sse limite, a<br />

coluna <strong>de</strong> água se <strong>de</strong>sintegrava, pois a água não era capaz <strong>de</strong> suportar tal esforço. Para Galileu,<br />

a coluna <strong>de</strong> água puxada num tubo se comportava como uma corda ao ser erguida: se fosse<br />

muito comprida, ela se rompia.<br />

Galileu compreendia <strong>de</strong> maneira peculiar o efeito <strong>de</strong> se puxar a água em um sifão ou<br />

em uma bomba <strong>de</strong> aspiração. Consi<strong>de</strong>rava que a altura máxima atingida por um líqui<strong>do</strong> era<br />

inversamente proporcional ao seu peso específi co. Esse valor permitia <strong>de</strong>terminar o que ele<br />

<strong>de</strong>nominava a “resistência ou peso <strong>do</strong> vácuo”.<br />

Após receber a resposta <strong>de</strong> Galileu, Giovanni Baliani pensou um pouco mais sobre aquele<br />

episódio e escreveu novamente ao seu interlocutor. Viu no episódio <strong>do</strong> sifão inoperante uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir vácuo. Para isso era preciso empurrar o ar, vencen<strong>do</strong> a sua pressão.<br />

O ar tinha um peso sensível, e com força proporcional a esse peso era possível superá-lo e<br />

assim fazer vácuo.<br />

Baliani não conseguiu convencer Galileu, que a<strong>do</strong>tava um tipo <strong>de</strong> visão atomista da matéria<br />

segun<strong>do</strong> a qual havia pequenos espaços vazios entre as partículas, mas o vazio contínuo na<br />

natureza era nega<strong>do</strong>.<br />

Na obra Discursos sobre duas novas ciências, em 1638, Galileu falou sobre a aversão<br />

da natureza ao espaço vazio extenso, e retomou o argumento da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> separar duas<br />

placas <strong>de</strong> mármore. Comentou também, nesse senti<strong>do</strong>, um episódio semelhante ao <strong>de</strong>scrito<br />

por Baliani, sem fazer referência a concepções como peso e pressão <strong>do</strong> ar. Aparentemente,<br />

era como se para Galileu essas questões não estivessem relacionadas ao episódio (o trecho<br />

ao qual fazemos referência po<strong>de</strong> ser encontra<strong>do</strong> em MAGIE, 1969, p. 69-70).<br />

Também no mesmo livro, mas em outra passagem, Galileu propôs um méto<strong>do</strong> para medir<br />

a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ar, usan<strong>do</strong> uma seringa, e chegou à conclusão <strong>de</strong> que a água era 400 vezes<br />

mais <strong>de</strong>nsa que o ar. Deve-se notar que alguns pesquisa<strong>do</strong>res da época, como Jean Rey e<br />

Giovanni Baliani, haviam assumi<strong>do</strong> que o ar era pesa<strong>do</strong>, embora ainda não houvesse na época<br />

medidas <strong>do</strong> peso ou da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ar.<br />

14<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


As contribuições da discussão entre Galileu e Baliani, bem como das medidas realizadas<br />

por Galileu seriam signifi cativas para a i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> experimento da coluna <strong>de</strong> água, por<br />

Raffael Magiotti, e a sua realização por Gasparo Berti, no início da década <strong>de</strong> 1640.<br />

Nesse experimento (ver Figura 1), um longo tubo <strong>de</strong> chumbo com uma torneira fechada<br />

na <strong>parte</strong> inferior era acopla<strong>do</strong> através <strong>de</strong>ssa extremida<strong>de</strong> a um tonel com água. A <strong>parte</strong> superior<br />

<strong>do</strong> tubo, por sua vez, era conectada a um balão <strong>de</strong> vidro através <strong>do</strong> qual se enchia o tubo com<br />

água. Em seguida, fechava-se o balão <strong>de</strong> vidro, e abria-se a torneira da <strong>parte</strong> inferior <strong>do</strong> tubo.<br />

Marcas registradas no tonel e no tubo permitiam notar que <strong>parte</strong> da água permanecia no<br />

tubo, enquanto outra <strong>parte</strong> fluía <strong>do</strong> tubo para o tonel. Quan<strong>do</strong> a torneira inferior era fechada<br />

e o balão <strong>de</strong> vidro superior aberto, o ar entrava produzin<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong> ruí<strong>do</strong>, preenchen<strong>do</strong> o<br />

espaço antes aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela água. Nessa situação, notava-se que a água que permanecia<br />

no tubo estava a 18 cúbitos acima <strong>do</strong> nível da água no tonel (um cúbito equivalia a pouco mais<br />

<strong>de</strong> meio metro), correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao limite <strong>de</strong> sustentação da coluna <strong>de</strong> água segun<strong>do</strong> Galileu.<br />

Figura 1 – Experimento da coluna <strong>de</strong> água<br />

Fonte: . Acesso em: 24 nov. 2009.<br />

Havia, no entanto, uma dúvida. A água que enchia o balão <strong>de</strong> vidro cuja <strong>parte</strong> superior<br />

estava fechada havia <strong>de</strong>sci<strong>do</strong> pelo tubo <strong>de</strong> chumbo. O que havia, então, fica<strong>do</strong> na <strong>parte</strong> superior<br />

<strong>do</strong> aparato Estava ela vazia ou não, naquela situação<br />

Engenhosas modificações no aparato foram realizadas para tentar resolver essa situação.<br />

Um pequeno recipiente com água foi acopla<strong>do</strong> lateralmente ao tubo através <strong>de</strong> uma mangueira<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência 15<br />

Torneira


(ver Figura 1). Partin<strong>do</strong> daquela situação inicial, na qual o líqui<strong>do</strong> havia <strong>de</strong>sci<strong>do</strong> pelo tubo<br />

<strong>de</strong> chumbo e o balão <strong>de</strong> vidro estava com a <strong>parte</strong> superior fechada, o recipiente lateral foi<br />

usa<strong>do</strong> para novamente introduzir água no tubo até que o balão <strong>de</strong> vidro fosse preenchi<strong>do</strong>.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar essa tarefa indicava, segun<strong>do</strong> os i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> experimento, a<br />

existência <strong>de</strong> vácuo no balão <strong>de</strong> vidro e na <strong>parte</strong> <strong>do</strong> tubo na situação inicial.<br />

O argumento, no entanto, não venceria as objeções daqueles que alegavam que quan<strong>do</strong><br />

a água <strong>de</strong>scia pelo tubo, um flui<strong>do</strong> sutil atravessava as pare<strong>de</strong>s <strong>do</strong> balão <strong>de</strong> vidro e preenchia<br />

o lugar aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela água. Esse flui<strong>do</strong> sutil saía pelos mesmos poros quan<strong>do</strong> o balão era<br />

novamente preenchi<strong>do</strong> com água através <strong>do</strong> recipiente lateral.<br />

Outras tentativas foram realizadas pelos pesquisa<strong>do</strong>res a fi m <strong>de</strong> argumentar que o balão<br />

<strong>de</strong> vidro localiza<strong>do</strong> na <strong>parte</strong> superior <strong>do</strong> tubo <strong>de</strong> chumbo ficava, <strong>de</strong> fato, vazio, quan<strong>do</strong> a água<br />

escoava <strong>de</strong>sse recipiente para o tubo. Nesse caso, foram realizadas discussões que envolviam<br />

interpretações fundamentais relacionadas à propagação <strong>do</strong> som, <strong>de</strong>senvolvidas na história da<br />

Física daquele perío<strong>do</strong>.<br />

Um sino com badalo <strong>de</strong> ferro foi coloca<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> balão <strong>de</strong> vidro (ver Figura 1) e o<br />

procedimento inicial <strong>de</strong> abrir a torneira inferior <strong>do</strong> tubo foi realiza<strong>do</strong>. A água saiu <strong>do</strong> recipiente<br />

<strong>de</strong> vidro superior, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o aparentemente vazio. Parte da água <strong>de</strong>sceu pelo tubo e o volume<br />

<strong>de</strong> água no tonel subiu. Em seguida, o badalo <strong>do</strong> sino foi atraí<strong>do</strong> por um ímã e <strong>de</strong>pois solto,<br />

baten<strong>do</strong> no sino. A expectativa era <strong>de</strong> que se houvesse vácuo, o som não seria ouvi<strong>do</strong>. Já se<br />

pressupunha, na época, que o som só se propagava na matéria por vibrações. Embora o sino<br />

tenha si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>, contrarian<strong>do</strong> a expectativa inicial, os observa<strong>do</strong>res concluíram que nada<br />

havia no recipiente <strong>de</strong> vidro. As discussões, no entanto, prosseguiram e a in<strong>de</strong>finição também.<br />

De mo<strong>do</strong> geral po<strong>de</strong>-se dizer que em muitos aspectos o experimento <strong>de</strong> Berti antecipava<br />

o <strong>de</strong> Evangelista Torricelli. Sabe-se que Torricelli teve notícia <strong>de</strong>sse experimento. Em carta para<br />

Mersenne, em 1648, Magiotti comentou que havia escrito para Torricelli sugerin<strong>do</strong> o uso <strong>de</strong><br />

água <strong>do</strong> mar. Tentava-se, assim, diminuir o tamanho <strong>do</strong> tubo utiliza<strong>do</strong> no experimento <strong>de</strong> Berti,<br />

o qual, a partir <strong>do</strong> solo, chegava ao segun<strong>do</strong> andar <strong>de</strong> uma residência.<br />

Ativida<strong>de</strong> 4<br />

Sagre<strong>do</strong>: [...]. Vi uma vez uma cisterna na qual tinha si<strong>do</strong> instalada uma bomba [...]. O<br />

braço da bomba puxava seu êmbolo e a válvula para a <strong>parte</strong> superior, <strong>de</strong> tal maneira que<br />

a água se elevava por atração [...]. Essa bomba trabalhava perfeitamente, enquanto a<br />

água da cisterna se mantivesse acima <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nível; mas, abaixo daquele nível,<br />

a bomba <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> trabalhar. Quan<strong>do</strong> primeiro observei esse fenômeno, pensei que a<br />

bomba estivesse estragada, mas o homem que chamei para repará-la me disse que o<br />

<strong>de</strong>feito não estava na bomba, mas na água que tinha caí<strong>do</strong> muito para baixo para que<br />

16<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência


pu<strong>de</strong>sse ser elevada em toda aquela altura. Acrescentou que não é possível, seja para<br />

uma bomba, seja para qualquer outra máquina que trabalhe pelo principio da atração,<br />

elevar a água um fio <strong>de</strong> cabelo a mais <strong>do</strong> que <strong>de</strong>zoito cúbitos [cerca <strong>de</strong> 10 metros]; seja<br />

a bomba gran<strong>de</strong> ou pequena, este é o limite extremo <strong>de</strong> elevação.<br />

Salviati: [...] essa elevação fixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito cúbitos é verda<strong>de</strong>ira para qualquer quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> água, seja a bomba gran<strong>de</strong> ou pequena [...]. Po<strong>de</strong>mos então dizer que ao pesar a água<br />

contida no tubo <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito cúbitos <strong>de</strong> comprimento, qualquer que seja o seu diâmetro,<br />

iremos obter o valor da resistência ao vácuo [...] (MAGIE, 1959, p. 69-70).<br />

Temos acima um trecho no qual Salviati, ao comentar o episódio <strong>de</strong>scrito por Sagre<strong>do</strong>,<br />

atua como porta-voz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Galileu Galilei a respeito <strong>do</strong> vácuo.<br />

1<br />

A partir <strong>do</strong> que vimos nessa aula, explique que i<strong>de</strong>ias eram essas.<br />

2<br />

De que mo<strong>do</strong> elas se manifestam no trecho reproduzi<strong>do</strong> acima<br />

Resumo<br />

Da Antiguida<strong>de</strong> até Descartes foi quase unânime a posição contrária à<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver vácuo. Uma mudança significativa teria ocorri<strong>do</strong> a partir<br />

<strong>do</strong> século XVII, com a crescente aceitação <strong>de</strong> que o ar tinha peso e exercia<br />

pressão, o que explicaria muitos fenômenos anteriormente explica<strong>do</strong>s pelo<br />

“horror ao vácuo”. As contribuições <strong>de</strong> autores como Beeckman, Baliani, Galileu<br />

e Berti foram importantes para a realização <strong>do</strong> experimento geralmente atribuí<strong>do</strong><br />

a Torricelli, o qual veremos na aula seguinte.<br />

Aula 06 História e Filosofi a da Ciência<br />

17


Autoavaliação<br />

A partir <strong>do</strong> que você apren<strong>de</strong>u nessa aula, discuta o seguinte trecho extraí<strong>do</strong> da<br />

internet:<br />

No caso <strong>do</strong> horror ao vácuo, aliás, mesmo um homem como Galileu é incapaz <strong>de</strong><br />

se subtrair ao infl uxo da tradição, que, além <strong>do</strong> mais, parecia estar confi rmada pela<br />

experiência (como no caso <strong>do</strong> funcionamento <strong>de</strong> bombas e outras máquinas hidráulicas);<br />

mas é, sem dúvida, o argumento metafísico que era <strong>de</strong>cisivo: já que o “nada” não podia<br />

existir, igualmente impossível seria um espaço no qual não houvesse “nada” (PIEPER,<br />

1960, extraí<strong>do</strong> da Internet).<br />

Referências<br />

COHEN, M. R.; DRABKIN, I. E. A source book in Greek Science. Cambridge, MA: Harvard<br />

University Press, 1958.<br />

DIJKSTERHUIS, E. J. The mechanization of the world picture. Trad. <strong>de</strong> C. Dikshoorn. Oxford:<br />

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Aula 06 História e Filosofi a da Ciência

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