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CRÔNICA DE TEMPOS AMARGOS - Adusp

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Outubro 2004NAIR BENEDICTORevista <strong>Adusp</strong>Daniel Garcia“LEMBRO DO FLEURYPERGUNTANDO: ESTA ÉQUE É A MILIONÁRIA DAVILA MARIANA?”Filha de imigrantes italianosque se instalaram nos arredoresde São Paulo, a paulistana NairBenedicto, autora de trabalhosconsagrados e premiados no fotojornalismo,não esconde o viéssocialista, que carrega desde oberço. Formada pela USP, em1972, Nair integrou a primeiraturma do curso de Rádio e TVda ECA.Já casada e mãe de três filhos,mas ainda estudante, Nair viveuna pele a tortura, e depois asagruras da cadeia, por nove meses.Presa em 1º de outubro de1969, sua memória ainda abrigadetalhes do episódio. “Lembrodireitinho do Fleury perguntando:‘Essa é que é a milionária da VilaMariana?’, ao me ver chegar decalça jeans, camiseta e sandália.Ele se espantou, eu já estava estereotipadana cabeça dele”, relembroua fotógrafa, que atuava como“apoio” do grupo político AçãoLibertadora Nacional (ALN).Nas sessões de tortura, Nairenfrentou a patologia dos agentesdo regime. “Um dos torturadoresgozou enquanto me torturava... eos outros zombavam dele dizendo:Ah, se a dona Mafalda soubesse queo único filho dela só goza assim”.O fato de ser mãe de três filhos eestudar já se traduzia em suspeita.“Eles imaginavam: Como umamulher que tem três filhos não temNair Benedictobarriga? Só pode ser treinamento deguerrilha!”, analisa.Na cadeia teve contato com ahoje ministra das Minas e Energia,Dilma Roussef, e com professorasda USP, como Emilia Viotti. “Aconvivência era complicada porquehavia intelectuais, estudantes,donas de casa. Havia 13 mulheresdos 18 aos 60 anos”.Frente às torturas, respondeucom silêncio. “Quando começarama me torturar, ao invés de medesesperar, me fortaleceu muito.Pensei: se está acontecendo essadesgraça toda à minha família, entãoeu preciso segurar”, racionalizavaNair, referindo-se às ameaçasdos algozes aos seus familiares.Ao sair da cadeia em julho de1970, Nair voltou à USP, ondeencontra o movimento estudantildesmantelado, a maioria daslideranças sumidas ou presas. “AUSP perdeu 2/3 de seus alunos.Foi uma devassa. Morreu muitagente. Era um clima de retomada,devagar, para reestruturar”,reitera a ex-militante da ALN,que refuta a vulgarização da críticaà luta armada. “Quando chegamosaos 50 é fácil criticar o quefizemos com 30. Houve coisas importantes.Às vezes me perguntose sem isso teria existido a grevedo ABC nos moldes em que elaexistiu”, defende.Impedida de trabalhar com TV,seu sonho, por falta de um atestadode “bons antecedentes”, Nairfoi se profissionalizando na fotografia.Em 1979 fundou a AgênciaF4 de Fotojornalismo (com JucaMartins, Delfim Martins e RicardoMalta), especializada em temassociais. Em 1991, desligou-se daF4 para fundar a N-Imagens, quedirige até hoje. É autora de livroscomo A greve do ABC, A questãodo menor (em parceria com JucaMartins) e Nair Benedicto, As melhoresfotos.96

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