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1 7º Encontro Nacional da APP: Saber Ouvir / Saber Falar A ... - ILTEC

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4Até este momento apontei apenas, de modo muito sumário o interesse comque a linguística tem olhado para o estudo dos sons e a forma como a suaanálise pode iluminar certos aspectos <strong>da</strong> história e do funcionamento interno<strong>da</strong>s línguas. Chegou a ocasião de cumprir o prometido no título <strong>da</strong>conferência: em que medi<strong>da</strong> o estudo desta área fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> línguapode contribuir para o ensino do português (o mesmo é dizer, de qualquerlíngua fala<strong>da</strong> e ensina<strong>da</strong>).2. A aprendizagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia toleranteAntes de tudo convém chamar a atenção para o facto de que o estudo <strong>da</strong>fonética e <strong>da</strong> fonologia de uma língua é a descoberta do funcionamento <strong>da</strong>sua face exposta, <strong>da</strong>quele nível a que primeiro temos acesso quando ouvimosalguém falar. Muitas observações feitas por pessoas desconhecedoras <strong>da</strong>linguística incidem no domínio dos sons e constituem juízos de valor. Para amaioria dos falantes/ouvintes, as línguas, mesmo desconheci<strong>da</strong>s, são mais oumenos “agradáveis”, algumas são mais “canta<strong>da</strong>s”, outras mais “ásperas”.Por outro lado, também convém lembrar que, sempre que se trata de umacomparação entre dialectos, sociolectos ou varie<strong>da</strong>des nacionais de umaúnica língua, os ouvintes diferenciam os falantes por possuírem este ou aquele“sotaque” e exercem muitas vezes julgamentos de valor: certas pronúncias sãodesprestigia<strong>da</strong>s, outras risíveis, há quem considere que aqui se fala “bem” ou“correctamente” e que ali a língua é “deforma<strong>da</strong>” ou “incorrecta”.Nenhuma destas opiniões tem fun<strong>da</strong>mento linguístico (veja-se o que foi ditosobre a pronúncia latina do chamado s beirão). Essas opiniões têm comoorigem o confronto com os sons a que os nossos ouvidos estão habituados oubaseiam-se em julgamentos de carácter social. Aliás, não há línguas melhoresdo que outras, ou mais aptas a transmitir certas noções ou conceitos. Já hámuitos anos que pesquisas realiza<strong>da</strong>s em sociolinguística mostraram que tantoas varie<strong>da</strong>des dialectais quanto as varie<strong>da</strong>des sociais ou nacionais possuemidênticas capaci<strong>da</strong>des, em termos linguísticos, para expressar totalmente oque pretendem comunicar os falantes <strong>da</strong> respectiva varie<strong>da</strong>de. A norma quese adopta em relação a uma determina<strong>da</strong> língua tem apenas, a seu favor, oprestígio social que lhe advém <strong>da</strong> utilização na escola, nos meios de


5comunicação social, no ensino como língua estrangeira. É deste ponto devista que deve ser valoriza<strong>da</strong> a sua aprendizagem, e não de outros pontos devista exclusivamente linguísticos. Este é um trabalho que compete ao professoreducador.Não podemos, por outro lado, esquecer que actualmente os alunos, emPortugal, não manifestam apenas variações linguísticas dialectais ou sociais. Sena escola portuguesa se falam hoje cerca de 100 línguas diferentes, e se osmeninos que não têm o português como língua materna recebem influência<strong>da</strong>s respectivas línguas maternas na pronúncia <strong>da</strong> língua portuguesa essavariação não pode ser ridiculariza<strong>da</strong> ou desprestigia<strong>da</strong>. Quando um alunocabo-verdiano não distingue fonologicamente entre o /R/ de pára e o /{/ deparra, seria bom que o professor chamasse a atenção para a existência dediferentes sistemas fonológicos, e mostrasse que os alunos portugueses podemter, igualmente, dificul<strong>da</strong>des em pronunciar alguns dos sons que funcionamem outras línguas, como por exemplo, o /ü/ palatalizado, do Francês ou o /®/retroflexo do Inglês. Não nos competirá neste domínio passar a mensagem deuma ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia tolerante?3. A Fonética e a Ortografia3.1. Sistemas de escrita. Variação fonética e unificação ortográficaVejamos agora a contribuição <strong>da</strong> fonética e <strong>da</strong> fonologia para aaprendizagem de um aspecto <strong>da</strong> língua escrita, a ortografia, que adquiriu umvalor social importante e por isso tem um lugar específico na aprendizagem deuma língua.Como sabemos, nem todos os sistemas de escrita são alfabéticos – ou seja,nem todos se baseiam nos sons mínimos <strong>da</strong> fala utilizando, para osrepresentar, símbolos que constituem o alfabeto, isto é, as letras 2 . Existemoutros sistemas de escrita como os ideográficos ou logográficos (de que éexemplo o chinês) que tomam por base o morfema ou a palavra e, emconsequência, necessitam de possuir um número muito elevado de caracteresvisto que, no limite, ca<strong>da</strong> palavra exige um carácter diferente – embora sejapossível, como se compreende, combinar vários caracteres. Os sistemas2 Além do alfabeto latino usado pelas línguas românicas ou germânicas, existem outros alfabetos como ocirílico, o grego, o árabe ou o hebraico.


6alfabéticos são, contudo, mais económicos e maleáveis já que o número desímbolos necessário para representar as palavras torna-se muito mais reduzidodo que nas escritas basea<strong>da</strong>s na palavra. Por esta razão – e por outras decarácter sócio-cultural – os sistemas alfabéticos são actualmente utilizados porum grande número de línguas. No entanto, estes sistemas obrigam a umesforço de abstracção para distinguir os sons mínimos que constituem umapalavra e que são representados na escrita pelas letras, visto que esses sonsocorrem no contínuo sonoro <strong>da</strong> fala sem divisão entre eles. Na ver<strong>da</strong>de, quemfoi alfabetizado no início <strong>da</strong> escolari<strong>da</strong>de nunca tomou consciência dessadificul<strong>da</strong>de quando aprendeu a escrever.Além deste aspecto, a aprendizagem <strong>da</strong> escrita ain<strong>da</strong> inclui uma outradificul<strong>da</strong>de que decorre do facto de ca<strong>da</strong> palavra apresentar, na fala, umavariação de formas, ao passo que na escrita apenas pode ter uma formagráfica, aquela que se ensina na escola e que é socialmente aceite: a suaortografia.O conceito de ortografia não é natural mas convencional, tendo <strong>da</strong>do lugar,desde há muito, a vivas discussões que põem em confronto perspectivasconservadoras e inovadoras. Pertence a estas últimas a chama<strong>da</strong> ‘ortografiafonética’ – uma ortografia que pretende aproximar-se tanto quanto possível<strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de. Os defensores <strong>da</strong> ortografia fonética – que teve relevo, emPortugal, na segun<strong>da</strong> metade do século XIX – produziram textos com títuloscomo Escritura repentina. Nova tentativa de revolução orthographica (J.A. deSousa, 1853); Escripta sem letras ou novo systema d'escripta syllabica(Francisco Xavier Calheiros, 1866) e advogavam uma normalização absoluta<strong>da</strong> escrita com base no sistema ‘um som – uma grafia’. Porém, esta tentativanão vingou, e o conceito de ortografia manteve-se conservador e unificadorem relação à variação fonética.A forma ortográfica única representa as diversas pronúncias <strong>da</strong> palavra:dialectais, sociais ou de registo formal ou informal. Vejam-se as diferentespronúncias <strong>da</strong> palavra escrever exemplifica<strong>da</strong>s e analisa<strong>da</strong>s por Luís FilipeBarbeiro (nesta transcrição fonética usa-se o AFI):ortografia a.falacom a realização de todos os sons que tambémse encontram representados na ortografia


7[ÆSrÆ’ver]b.[SrÆ’er]c.[Sr’er]d.[SrÆ’eri]com a não realização do som [Æ] inicial, quecorresponderia à letra , presente na formaescritacom a não realização dos sons [Æ] inicial emedial, que continuam presentes na formaescritacom inserção do som [i], no final <strong>da</strong> palavraapós a consoante [r]Segundo Luís Barbeiro, as formas a., b. e c. poderão ser ditas pela mesmapessoa, em situações diferentes: a forma a. em situações formais e as formas b.e c. em situações mais informais (…). A forma c. é provavelmente a maisfrequente; no entanto, não é essa a forma que se encontra consagra<strong>da</strong> naortografia. A forma d. pode ser considera<strong>da</strong> característica de determina<strong>da</strong>scama<strong>da</strong>s sociais mais populares ou de determinados registos dialectais.Contudo, mesmo correspondendo à forma fonética própria de umadetermina<strong>da</strong> varie<strong>da</strong>de linguística, social ou geográfica, ela não tem umarepresentação ortográfica própria. Na ver<strong>da</strong>de, apenas com intuitosindicativos do modo de pronunciar de determina<strong>da</strong> região ou cama<strong>da</strong> social,aceitamos que alguém escreva esta palavra acrescentando um ou um no final para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> inserção <strong>da</strong> vogal. Estas observações mostramque, para além de exigir o referido esforço de abstracção na identificaçãodos sons mínimos de uma palavra, a escrita também obriga a uma formaúnica perante a real variação fonética.Finalmente, e como nota ain<strong>da</strong> Luís Barbeiro, a ortografia de ca<strong>da</strong> línguaapresenta especifici<strong>da</strong>des quanto à utilização correcta <strong>da</strong>s letras, utilizaçãoque depende de muitos factores como a sua posição na palavra (emPortuguês actual, por exemplo, a letra nunca inicia uma palavra), asrelações morfológicas entre palavras (a forma verbal traz, do verbo trazer,termina em , mas o advérbio trás, homónimo dessa forma verbal, terminaem ) ou aspectos lexicais ligados ao percurso histórico <strong>da</strong>s palavras (passocom dois e paço com têm a mesma forma fonética mas têmdiferentes significados e escrevem-se de modo diverso conforme as formaslatinas que estiveram na sua origem). Assim, um dos aspectos a ter em conta éo facto de a mesma letra poder representar sons diferentes e o mesmo sompoder ser representado por letras diferentes.


83.2. Relação entre letra e som. Uma só letra representa sonsdiferentes.Por to<strong>da</strong>s as razões indica<strong>da</strong>s, a aprendizagem <strong>da</strong> ortografia é complexa maso seu grau de complexi<strong>da</strong>de varia de língua para língua. Há línguas mais“transparentes”, enquanto outras são considera<strong>da</strong>s mais “opacas”, ou seja,apresentam uma maior dificul<strong>da</strong>de na determinação <strong>da</strong>s relações entre ossons <strong>da</strong> palavra e a sua grafia 3 . Vejamos o que se passa com a línguaportuguesa tendo em atenção alguns aspectos que são específicos doPortuguês Europeu.No que respeita às vogais: a mesma vogal pode representar diferentes sons.Vejam-se exemplos abaixo. [i] (vi<strong>da</strong>) (ac.) [E] (bela) (ac.) [a](pato) (ac.)[j] (pai) [e] (medo) (ac.) [å](calor)[å] (tenho)[i] (enorme)[Æ] (metia])[j] (cear)[ç] (sol) (ac.) [u] (mu<strong>da</strong>) (ac.) [o] (porto) (ac.) [w] (pauta)[u] (sapo)[w] (toalha)As vogais indica<strong>da</strong>s como acentua<strong>da</strong>s (ac.) são tónicas. Pelo quadro severifica que as letras e são as que cobrem maior número derealizações. No que respeita às vogais acentua<strong>da</strong>s, a distinção entre abertas emédias ([E] / [e] e [ç] / [o]) não está representa<strong>da</strong> por letras diferentes. Ora a3 Ain<strong>da</strong> recorrendo a uma citação de Luís Barbeiro, apresento a escala de classificação para sistemasortográficos de línguas europeias construí<strong>da</strong> por Seymour (1997), sendo 1 mais transparente e 7 menostransparente: 1 - finlandês, italiano, espanhol; 2 - grego, alemão; 3 - português, holandês; 4 - islandês,norueguês; 5 - sueco; 6 - francês, dinamarquês; 7 - inglês, (cf. Vale, 1999:24).


9utilização de um único símbolo nestas circunstâncias justifica-se por se tratar deuma oposição muito pouco rentável (é reduzido o número de exemplos comosede [sédÆ] / [sÉdÆ] ou bola [bólå] / [bç´lå]) 4 .3.3. Vogais fonológicasReparemos agora que há uma alteração constante entre a forma fonéticaque têm as vogais acentua<strong>da</strong>s e as não acentua<strong>da</strong>s (excepto [u] e [i] que semantêm iguais)[a] / [å]; [E], [e] / [Æ]; [ç], [o] / [u]Perante esta regulari<strong>da</strong>de, podemos admitir que as acentua<strong>da</strong>s sãofonológicas (porque a alternância entre elas sempre altera o significado) e asnão acentua<strong>da</strong>s resultam <strong>da</strong> realização fonética regular dessas vogaisquando não são acentua<strong>da</strong>s. Assim, temos como vogais fonológicas /a/, /E/,/e/; /ç/, /o/, /i/, /u/. Estas sete vogais são representa<strong>da</strong>s por cinco letras: ,, , , . A diferença entre o número de vogais fonológicas e onúmero de letras que as representam decorre <strong>da</strong>s distinções fonológicas entreabertas e médias (/E,e/, /ç,o/) que, como vimos atrás, constituem oposiçõespouco rentáveis.A realização <strong>da</strong>s vogais fonológicas /e/ e /E/, quando átonas, como [Æ] dá-sesempre que essas vogais se encontram entre consoantes ou no final absolutode palavra, contexto em que podem mesmo ser suprimi<strong>da</strong>s (exs.: pegar[pÆgáR] / [pgáR], telefone [tilifç´nÆ] / [tlfç´n], bate [bátÆ] / [bát], etc.). As mesmasvogais átonas, quando estão segui<strong>da</strong>s de outra vogal (como em cearpasseata, soar, toalha), podem realizar-se como semivogais na fala coloquial4Acrescente-se que a diferença entre abertas e médias resulta também do processo de harmonia vocálica<strong>da</strong>s vogais do radical em verbos como selar que, na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo, selo[sÉlu], se opõe ao nome selo [sélu].


10(cear [siáR] → [sjáR], passeata [påsiátå] → [påsjátå], soar [suáR] → [swáR], toalha[tuá¥å] → [twá¥å]).3.4. Algumas conclusõesVale a pena fazer agora o ponto <strong>da</strong> situação em relação ao que foi dito sobreo comportamento <strong>da</strong>s vogais no Português Europeu e a contribuição <strong>da</strong>fonética e <strong>da</strong> fonologia para o ensino <strong>da</strong> ortografia.(a)(b)Em primeiro lugar, a distinção entre fonética e fonologia,concretiza<strong>da</strong> na distinção entre vogais cuja substituição altera osignificado e a mera variação fonética, permite <strong>da</strong>r consciência<strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des fonológicas, que são aquelas de que os falantestêm imagens mentais e reconhecem como sendo elementos dosistema fonológico <strong>da</strong> sua língua. Indo um pouco mais longe,podemos mesmo admitir que esse sistema existe na mente dosfalantes e está na base <strong>da</strong> produção linguística. Afinal, ca<strong>da</strong>uma dessas vogais fonológicas é representa<strong>da</strong> por uma só letraquer a sua realização seja como acentua<strong>da</strong>, como átona oumesmo quando tem diferentes pronúncias dialectais. Se os alunosfizerem jogos de identificação de pares mínimos em que asubstituição de um elemento por outro altera o significado <strong>da</strong>palavra é fácil reconhecer os fonemas <strong>da</strong> língua e relacioná-loscom a sua grafia. Outros jogos de pronúncia distinguindodialectos podem levar às mesmas constatações.Se aceitarmos que as letras com que representamos as vogaiscorrespondem às vogais fonológicas, podemos tambémreconhecer que as mesmas letras representam as vogais quersejam acentua<strong>da</strong>s ou átonas, podendo corresponder, portanto,a pronúncias diferentes. O reconhecimento <strong>da</strong>s mesmas letrascom que são grafa<strong>da</strong>s as vogais acentua<strong>da</strong>s e átonas leva aque se atente numa especifici<strong>da</strong>de do Português Europeu : aextrema redução <strong>da</strong>s vogais átonas. Esta redução é tão grandeque, por vezes, as vogais são suprimi<strong>da</strong>s. Os alunos podemverificar essa supressão fazendo exercícios de produção e


144. Fonologia e Prosódia4.1. O que é a prosódiaQue contribuição pode <strong>da</strong>r a prosódia – uma parte quase misteriosa doestudo dos sons – para o domínio do uso <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de em Português?David Crystal introduz a análise dos traços prosódicos com as seguintespalavras:“’Não é o que tu dizes mas a maneira como o dizes’. Este comentário familiar,imortalizado numa canção, indica de forma sintética tudo aquilo sobre queincide a análise prosódica. Os ‘segmentos’ <strong>da</strong> língua fala<strong>da</strong> são vogais econsoantes que se combinam para produzir sílabas, palavras e frases (…). Masao mesmo tempo em que articulamos os segmentos, a nossa pronúncia varianoutros aspectos. Os elementos que provocam essa variação são os traçossuprassegmentais ou prosódicos”.O conceito de prosódia esteve, até meados do século passado, ligado àscaracterísticas <strong>da</strong> poesia, ao ritmo do verso e ao tipo de rima. Tendo presenteque a análise prosódica incide sobre aspectos do som que estabelecemrelações entre si na cadeia sonora (por exemplo, o acento, um traçoprosódico, relaciona sílabas acentua<strong>da</strong>s e não acentua<strong>da</strong>s) ou entre essacadeia sonora e outros domínios <strong>da</strong> língua (a entoação esclarece e completamuitas vezes o significado <strong>da</strong>s frases), o estudo <strong>da</strong> prosódia tem hoje um lugarfun<strong>da</strong>mental no conhecimento de qualquer língua sobretudo, como secompreende, no nível <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de.Os traços prosódicos utilizam proprie<strong>da</strong>des acústicas intrínsecas dos sons: aintensi<strong>da</strong>de (ou força expiratória usa<strong>da</strong> na fala), o tom (ou altura <strong>da</strong> voz) e aduração (ou tempo de articulação de um som, de uma sílaba ou de umenunciado) 7 . Estas proprie<strong>da</strong>des são diferentes do que denominamos traçosdistintivos, como a nasali<strong>da</strong>de ou a sonori<strong>da</strong>de, porque elas são inerentes atodos os sons, enquanto os traços distintivos podem estar, ou não, presentesnum determinado som. Essas proprie<strong>da</strong>des, que ocorrem simultaneamente7 Sobre a definição destas proprie<strong>da</strong>des acústicas suprassegmentais, ver capítulo 3.4. de Mateus, Falé eFreitas (2005).


15com os referidos traços distintivos, não alteram a quali<strong>da</strong>de fonética dosegmento mas, ao estabelecerem entre si uma relação na sequência sonora,transmitem informação que também pertence ao significado <strong>da</strong> frase.Veremos em segui<strong>da</strong> quais são os traços prosódicos e quais as suas funções,concretizando na aprendizagem do Português.4.2. O acento tónicoNo nível lexical, um aumento de intensi<strong>da</strong>de e de duração cria o acentotónico, tornando uma <strong>da</strong>s sílabas <strong>da</strong> palavra proeminente em relação àsoutras. Tradicionalmente, a localização do acento tónico em Português leva àclassificação <strong>da</strong>s palavras em agu<strong>da</strong>s (quando o acento incide na últimasílaba), graves (quando incide na penúltima) e esdrúxulas (quando incide naantepenúltima). Alguns estudos recentes que relacionam o acento com aestrutura <strong>da</strong>s palavras em Português mostram que o acento tónico se localizana última vogal do radical nos nomes e adjectivos (menin+o, sed+e,professor+, inglês+ etc.) excepto nas palavras denomina<strong>da</strong>s esdrúxulas em quese situa na penúltima vogal (péssim+o, estômag+o, esdrúxul+a, etc.), vogalesta que é marca<strong>da</strong> na escrita com um acento gráfico.Se o aluno for sensível à proeminência prosódica <strong>da</strong> sílaba acentua<strong>da</strong> poderádescobrir a diferença, na estrutura <strong>da</strong> palavra, entre o radical e os sufixos, epoderá ser orientado para criar palavras deriva<strong>da</strong>s com sufixos, que mantêm,ou não mantêm, o lugar do acento. Derivados com sufixos – eiro(a), –oso(a), –zinho, ou –mente mostram uma deslocação do lugar do acento porque seformam novos radicais. Estes exercícios são manipulações do léxico que,usa<strong>da</strong>s de forma lúdica, podem despertar o interesse pela construção <strong>da</strong>spalavras que os alunos, como falantes, utilizam.A acentuação <strong>da</strong>s formas verbais em Português difere em muitos casos <strong>da</strong> <strong>da</strong>snominais. Na maioria <strong>da</strong>s formas, o acento cai sobre a vogal temática(fala+va, parti+sse etc.) mas existem outros casos de acentuação <strong>da</strong> vogal doradical (fal+o) ou <strong>da</strong> vogal do sufixo (bat+a+mos). Quem sabe, não são ospróprios alunos a descobrir algum tipo de agrupamento <strong>da</strong>s formas verbais noque respeita ao acento?


16Além do acento principal, a palavra pode conter outros pontos deproeminência, os acentos secundários, que não atingem a intensi<strong>da</strong>de doacento principal. Os acentos secundários reforçam o poder informativo doacento principal e organizam a cadeia fonética como um domínio rítmico.Esses acentos secundários ocorrem em intervalos regulares, sempre em sílabaspré-tónicas, e podem marcar a sílaba inicial <strong>da</strong> palavra ou marcar sílabasalternantes a partir <strong>da</strong> tónica para a esquer<strong>da</strong>, até ao limite <strong>da</strong> palavra (oacento secundário está marcado com um traço abaixado a preceder a sílabaem que incide).Em «leitaría, em «computadór, em «poderóso ou «papelaría existe um acentosecundário na primeira sílaba e um principal na última do radical.Os acentos principal e secundário têm uma grande importância nadeterminação do ritmo <strong>da</strong> fala quando se analisa a alternância de sílabasacentua<strong>da</strong>s e não-acentua<strong>da</strong>s, e a consequente duração dos segmentosque constituem as sílabas. Essa alternância leva a atribuir às línguas dois tiposde ritmo: o ritmo acentual que decorre de uma tendência para as sílabasacentua<strong>da</strong>s ocorrerem em intervalos de tempo aproxima<strong>da</strong>mente iguais,sendo variável o número de sílabas não-acentua<strong>da</strong>s que existe entre duastónicas, e o ritmo silábico que tem por base a uni<strong>da</strong>de ‘sílaba’, que se repetede forma isócrona, ou seja, com os mesmos intervalos de tempo. O PortuguêsEuropeu e o Português Brasileiro têm sido diferenciados, por vezes, em funçãodo tipo de ritmo que se considera caracterizar estas duas varie<strong>da</strong>des: o PEmanifesta um ritmo acentual em consequência, sobretudo, <strong>da</strong> redução (ousupressão) <strong>da</strong>s vogais átonas, e o PB tem um ritmo silábico porque as vogaisnão acentua<strong>da</strong>s são audíveis e mantêm o número de sílabas <strong>da</strong> palavra.Levar os alunos a detectarem esta diferença de ritmo constitui um exercício detoma<strong>da</strong> de consciência de uma <strong>da</strong>s mais evidentes razões para a estranhezaque sentem os falantes <strong>da</strong>s duas varie<strong>da</strong>des do Português.4.3. O tom e a entoaçãoA altura <strong>da</strong> voz, ou seja, o tom, depende <strong>da</strong> vibração <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s vocais:quanto mais tensas estiverem ou quanto menor for a sua massa, mais altopode ser um tom. Assim, as crianças falam com um tom mais elevado do que


17os adultos, as mulheres têm uma voz mais agu<strong>da</strong> do que os homens. O tomalto está muitas vezes associado a um aumento de intensi<strong>da</strong>de como, porexemplo, quando chamamos alguém que está longe. Todos nós, de resto,podemos alterar o tom <strong>da</strong> nossa voz quanto tornamos as cor<strong>da</strong>s vocais maistensas. Este é um exercício que os alunos podem fazer e que lhes permitetomar consciência do que se passa no seu aparelho fonador quando fazem,por exemplo, “voz de falsete”.No que respeita à função do tom, lembre-se que existem línguas que seservem <strong>da</strong> diferença de tons com que é pronuncia<strong>da</strong> uma vogal para opordiferenças de significado num mesmo contexto segmental. Em Man<strong>da</strong>rim, porexemplo, existem quatro tons com valor contrastivo 8 : alto, ascendente,descendente-ascendente e descendente. A palavra yi pode significar roupas,suspeitar, cadeira ou significado, conforme o tom que for aplicado sobre avogal pela ordem acima indica<strong>da</strong>. Estas línguas chamam-se línguas tonais.Em Português, porém, as diferenças de tom no mesmo contexto segmentalnão têm valor distintivo. O que pode distinguir significados é a sequência detons que abrange uma determina<strong>da</strong> frase. Esta sequência de tons cria aentoação de uma frase e por essa razão, línguas como o Português são línguasentoacionais.Na sequência sonora, existem pontos proeminentes que se manifestam portons altos ou baixos, por vezes associados a uma maior intensi<strong>da</strong>de. Aos limitesdireito e esquerdo <strong>da</strong> sequência associam-se os tons de fronteira. Muitas vezes,são esses tons de fronteira que permitem distinguir uma frase declarativa deuma interrogativa. Vejam-se as seguintes curvas simplifica<strong>da</strong>s <strong>da</strong> frase“Amanhã vens jantar cá a casa” com diferentes entoações (representa--se otom alto com H e o tom baixo com L; o tom de fronteira está representado porH ou L seguidos de i):[Amanhã vens jantar cá a casa] I (afirmação)8 Sobre esta característica do Man<strong>da</strong>rim veja-se, Línguas em Análise: o Man<strong>da</strong>rim in ProjectoDiversi<strong>da</strong>de Linguística na Escola Portuguesa.


18HH+L Li[Amanhã vens jantar cá a casa] I (interrogação)HL+H HiQuando a interrogação é marca<strong>da</strong> lexical ou gramaticalmente (com quem, oque, o qual), a variação de altura faz-se em sentido descendente, próximo <strong>da</strong>afirmação. Veja-se o seguinte exemplo (frase “Quem comeu o bolo?”):[Quem comeu o bolo] I(interrogação)HH+L LiUm exercício que permite <strong>da</strong>r consciência aos alunos <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>entoação para diferenciar significados é o de construírem uma frase epronunciá-la com entoações diferentes – declarativa, interrogativa,imperativa, persuasiva, sentimental – de forma a que seja possível determinarqual a informação que a entoação acrescenta ao significado lexical.4.4. O foco e o acento enfáticoA ocorrência de uma proeminência na frase (maior intensi<strong>da</strong>de e/ouelevação do tom) pode também ter a função de distinguir uma informaçãonova – o foco – <strong>da</strong> informação conheci<strong>da</strong>. Veja-se este exemplo de diálogoapresentado por Isabel Falé (Mateus, Falé e Freitas, 2005, cap. 3.4.), em que asletras maiúsculas indicam os elementos prosodicamente proeminentes nasfrases de resposta.• O interlocutor A diz ao interlocutor B“Os miúdos comeram os chocolates”• O interlocutor B sabe que a afirmação de A é falsa e que osmiúdos comeram bolos e não chocolates e responde“Os miúdos comeram OS BOLOS


19A proeminência de um elemento <strong>da</strong> frase pode simplesmente constituir umacento enfático para chamar a atenção do interlocutor. Os exemplosseguintes apresentados por Isabel Falé (Mateus, Falé e Freitas, 2005, cap. 3.4.)mostram as palavras que se pretende destacar escritas com maiúsculas:. O GOLFINHO saltou por cima <strong>da</strong> rede.. O golfinho SALTOU por cima <strong>da</strong> rede.. O golfinho saltou POR CIMA <strong>da</strong> rede.. O golfinho saltou por cima <strong>da</strong> REDE.O contorno entoacional e a distribuição de intensi<strong>da</strong>de na segun<strong>da</strong> fraseestão representados no quadro seguinte. Nele observamos que a palavrasaltou está destaca<strong>da</strong> e recebeu um aumento de intensi<strong>da</strong>de. Contornosidênticos poderão ser estabelecidos para as restantes frases mostrando aspalavras que introduzem uma informação adicional na frase embora não hajaalteração <strong>da</strong>s palavras.500400Hz3002001000O golfinho saltou por cima <strong>da</strong> rede0 1.71585Tempo (s)Vale a pena referir ain<strong>da</strong> a função <strong>da</strong>s pausas na orali<strong>da</strong>de e a suacontribuição no desfazer de ambigui<strong>da</strong>des sintácticas, sobretudo na forma deagrupar os constituintes <strong>da</strong> frase. Exemplos largamente conhecidos são “Orapaz trouxe o livro <strong>da</strong> biblioteca” (trata-se de um livro que pertence àbiblioteca ou de um livro que lá estava e o rapaz de lá o trouxe?) ou “Porfavor, queria uma camisa para homem às riscas” ou, ain<strong>da</strong>, o referido porIsabel Falé “O miúdo viu o irmão do professor que tem bigode” em que acolocação <strong>da</strong> pausa determina quem tem bigode: o professor (pausa a seguira irmão) ou o irmão (pausa a seguir a professor). Podem imaginar-se inúmeros


20exemplos de organização <strong>da</strong> frase decorrente <strong>da</strong> localização de pausas e <strong>da</strong>sequência de tons.A propósito de pausas, lembre-se que frequentemente se considera que ossinais de pontuação têm apenas como função representar aspectosprosódicos. Tomemos como exemplo a vírgula. Este sinal é muitas vezesentendido como a marca, na escrita, de uma pequena pausa que podeocorrer na orali<strong>da</strong>de. Veja-se o seguinte exemplo em que dois sintagmasentoacionais (assim denominados por serem marcados pela entoação) sãoseparados por uma pausa:[O tapete encarnado do meu escritório] [precisa de ser aspirado comcui<strong>da</strong>do]Trata-se, como se compreende, de uma oração constituí<strong>da</strong> por um sujeito eum predicado. Devido ao facto de o sujeito ser uma frase longa, ele pode serseguido de uma pequena pausa que precede o predicado. Essa pausa éperceptível e leva, por vezes, à introdução na escrita de uma vírgula que assimfica coloca<strong>da</strong> entre o sujeito e o predicado.Ora sendo a vírgula um sinal de pontuação <strong>da</strong> escrita, a sua função não é ade marcar um aspecto prosódico, mas de organizar a frase mantendo juntosos seus constituintes – sujeito e predicado, predicado e objecto directo, etc. –e separando estes constituintes de outros que têm outro tipo de funçõessintácticas. Veja-se o caso de uma oração relativa que, entre duas vírgulas, éuma explicativa (“A minha filha, que vive na Suécia, é casa<strong>da</strong>” – significa quetenho apenas uma filha) ao passo que se não se encontrar entre vírgulas éuma oração restritiva (A minha filha que vive na Suécia é casa<strong>da</strong>” – significaque tenho mais do que uma filha). A vírgula organiza a frase de um ponto devista sintáctico e não prosódico.Em suma, a entoação, quase sempre interrelaciona<strong>da</strong> com os outros traçosprosódicos, tem as seguintes funções na língua: emocional (para exprimirexcitação, aborrecimento, surpresa), informacional (para indicar umainformação nova, por exemplo), textual (distinguindo a interrogação <strong>da</strong>afirmação ou <strong>da</strong> ordem), psicológica (organizando a língua em uni<strong>da</strong>des quesão mais facilmente percebi<strong>da</strong>s e memoriza<strong>da</strong>s) e identificadora (visto que


21pode ser uma marca de identi<strong>da</strong>de que permite reconhecer a classe social aque pertence a pessoa ou, por vezes, a sua profissão) 9 .Assim, a identificação de características rítmicas, entoacionais e acentuais doPortuguês pode ser utiliza<strong>da</strong> para mostrar aos alunos que, ao servirem-sedesses meios quando falam, podem tornar o seu discurso oral persuasivo,interrogativo, agressivo ou agradável conforme o desejarem, podem chamara atenção para certos aspectos que consideram necessários e podeminteressar e convencer os seus ouvintes. É inegável que o estudo <strong>da</strong> fala emque se considera a interligação de todos os factos prosódicos é um estudoaliciante e torna a aprendizagem <strong>da</strong> língua mais colori<strong>da</strong>, ao mesmo tempoque se apresenta como um domínio cheio de interrogações e de mistérios.BIBLIOGRAFIABARBEIRO, Luís (2006) Aprendizagem <strong>da</strong> ortografia: Princípios, dificul<strong>da</strong>des eproblemas. Porto: Ed. Asa.CRYSTAL David (1997) The Cambridge Encyclopedia of Language. CambridgeUniversity Press.Diversi<strong>da</strong>de Linguística na Escola Portuguesa. Projecto desenvolvido no <strong>ILTEC</strong> comcoordenação de M. H. Mira Mateus, Dulce Pereira e Glória Fischerhttp://www.iltec.pt/divling/index.htmlFROTA, Sónia e Marina VIGÁRIO (2003) Constituintes prosódicos. In Mateus et alii.(2003):Capítulo 26.3.JAFFRE, Jean-Pierre (2006) L’orthographe et la langue. Cahiers Pé<strong>da</strong>gogiques. 440,Dossier: Orthographe, p. 11- 13.MATEUS, Maria Helena Mira, Ana Maria BRITO, Inês DUARTE, Isabel FARIA, Sónia FROTA,Fátima OLIVEIRA, Gabriela MATOS, Marina VIGÁRIO e Alina VILLALVA (2003).Gramática <strong>da</strong> Língua Portuguesa. 5ª edição revista e aumenta<strong>da</strong>. Lisboa:Editorial Caminho. (Capítulos 25 e 26).MATEUS, Maria Helena Mira, Isabel FALÉ e Maria João FREITAS (2005). Fonética eFonologia do Português. Lisboa: Universi<strong>da</strong>de Aberta.9 Veja-se David Crystal (1997), p. 173.


22PINTO, Maria <strong>da</strong> Graça L. Castro (1998) A ortografia e a escrita em criançasportuguesas nos primeiros anos de escolari<strong>da</strong>de. In <strong>Saber</strong> viver a linguagem:Um desafio aos problemas de literacia. Porto: Porto Editora. p. 139-193.RIO-TORTO, Graça Maria (2000) Para uma pe<strong>da</strong>gogia do erro. In Actas do V CongressoInternacional de Didáctica <strong>da</strong> Língua e <strong>da</strong> Literatura. Vol. I. Coimbra: LivrariaAlmedina. p. 595-618.Profª Doutora Maria Helena Mira MateusCoimbra, 2-3 de Março de 2007

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