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EvasõesDoce como o melComo o meu mel e os meus figos,Bebo o meu vinho e o meu leite.Comei, amigos, e bebeiMeus queridos, embriagai-vos.O Cântico dos CânticosFOTOS: DRUma notícia <strong>de</strong> um naufrágiono Atlântico Norte, juntoda costa da Flandres, dá-nosconta do que um mercador portuguêsper<strong>de</strong>u na voragem domar. Estava-se nos finais doséculo XII e entre as mercadoriasque foram parar aos fundosmarinhos constavam, fundamentalmente,produtosagrícolas e “melaço”. Certamenteque o cronista se queriareferir ao mel, uma vez queo melaço extraído da cana-<strong>de</strong>açúcarseria praticamente <strong>de</strong>sconhecidoneste recanto europeu.Tal informação sugere-nosa importância, e o estatuto <strong>de</strong>produto digno das honras daexportação, do mel que se extraíaem Portugal, proveniente dolabor incessante do que entãose chamava, expressivamente,“gado do ar”.No Portugal medieval o melassumia um importante papelna alimentação, papel esse relativamentesecundarizado coma emergência do açúcar, <strong>de</strong> consumo<strong>de</strong>mocratizado após oséculo XVI. Contudo, o melmanteve sempre a sua aura <strong>de</strong>produto imprescindível, comoo doce mais completo e complexoproduzido directamentepela natureza.“O Cântico dos Cânticos”,esse belo e mavioso livro bíblicoatribuído ao sábio Salomão,rei <strong>de</strong> Israel, não <strong>de</strong>ixa, nos versículosem epígrafe, <strong>de</strong> honrara fama e o prestígio <strong>de</strong> que omel <strong>de</strong>sfrutava, entre outras<strong>de</strong>liciosas iguarias próprias domundo mediterrânico como osfigos, o leite e o vinho, terminandocom um apelo, que sediria politicamente pouco correcto,apelando à embriaguêsnatural dos sentidos.A fama do mel surge, semdúvida, imersa na poeira dosséculos. Há quem diga mesmoque o seu sabor po<strong>de</strong>ria sersemelhante ao da ambrósia, omanjar que só po<strong>de</strong>ria ser apreciadopelos <strong>de</strong>uses, <strong>de</strong> que consistiaa sua principal dieta.Conhecendo-se os excessos eos prazeres que regulavam aexistência dos <strong>de</strong>uses no Olimpo,fácil se torna supor que aambrósia seria o prazer gastronómicono estado puro, certamentesemelhante ao mel, omais doce alimento ao seu alcance.De manjares divinos estãoas mitologias repletas. O próprioDeus dos hebreus não <strong>de</strong>ixou<strong>de</strong> lhes enviar, quandoestiolavam e morriam <strong>de</strong> fomeno <strong>de</strong>serto durante o regressoà terra prometida, esse famosomaná caído dos céus e naturalmenteproduzido pelas árvoresdo paraíso que, pobresmortais, <strong>de</strong>sconhecemos.Mais tar<strong>de</strong>, também no <strong>de</strong>serto,essa terra <strong>de</strong> ninguém on<strong>de</strong>se vive tendo por companhiaa fome e a morte, João Baptistaescapou <strong>de</strong> morrer à mínguaalimentando-se <strong>de</strong> gafanhotose <strong>de</strong> mel, uma dietapouco apelativa apesar <strong>de</strong> inspiradae fornecida por Deus.Mas João era eremita e, sendotudo por mor dos pecados domundo, tal repasto certamentefoi bem-vindo e permitiulhecontinuar o caminho dasantida<strong>de</strong>.Vem tudo isto a propósito <strong>de</strong>ssenotável alimento, dotado <strong>de</strong>múltiplas funções tanto alimentarescomo curativas, queé o mel produzido pelas abelhasmelíferas, como muito bemexplica José Marques da Cruzno seu “Em Nome do Mel”, livrofundamental para o conhecimentoda sua utilização na gastronomiae na saú<strong>de</strong>, assimcomo para o gratificante encontrocom a sua história.Um sabor antigoA doçaria portuguesa mais antigaainda reflecte o papel primordialque o mel assumiuantes da <strong>de</strong>mocratização provocadapelo açúcar, naturalmenteproporcionada pelo preçomais baixo <strong>de</strong>ste ingrediente,produzido em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>no Brasil a partir <strong>de</strong> meadosdo século XVI.Evi<strong>de</strong>ntemente que a apiculturanão goza hoje dos favores eda fama do passado. Contudo,os produtos que <strong>de</strong>ssa activida<strong>de</strong>se retiram continuam aser extremamente úteis aos consumidores.São diversificados,não se limitando exclusivamenteao mais conhecido, omel.O complexo labor da colmeiaenvolve outros como a ceraque, entre as suas utilizações,serviu para a iluminação duranteséculos, além <strong>de</strong> outros usosindustriais como os sabões, vernizes,mol<strong>de</strong>s, sem esquecer asua utilização na medicina. Opropólis é outro <strong>de</strong>stes elementoscom excelentes proprieda<strong>de</strong>scurativas, nomeadamentecomo antibiótico ecicatrizante. A geleia real, alimentodas larvas <strong>de</strong>stinadas aabelhas-mestras, é igualmenteutilizado pelo homem comomedicamento natural e suplementoenergético. O mesmo sepassa com o pólen, que assumeuma gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> comosuplemento alimentar, complementandocarências.Mas o mel não se esgota numavocação utilitária. Os antigos,como vimos, consi<strong>de</strong>raram-noum manjar digno dos próprios<strong>de</strong>uses. A ambrósia, pensavam,só po<strong>de</strong>ria ter sabor semelhante.De doçura tratamos quandofalamos <strong>de</strong> mel, o maravilhosonéctar que as discretas eincansáveis abelhas obreirasproduzem incessantementedurante o curso rápido da suavida. O mel, com as suas inumeráveisaplicações, é umadádiva notável que a naturezanos oferece. E merece ser reconhecido.Orlando Cardosoorlandocardososter@gmail.com| V | I | V | E | R | 15 |JORNAL DE LEIRIA | 17 DE JANEIRO DE 2008

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