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O outro lado dos cisnes - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Sexta-feira4 Fevereiro 2011www.ipsilon.ptEdna O’Brien George Michael Angélica Lid<strong>de</strong>ll Steve Lehman Gil J WolmanO <strong>outro</strong> <strong>lado</strong> <strong>dos</strong> <strong>cisnes</strong>Natalie Portman num papel que faz uma carreira: “Black Swan”


FlashSumárioNatalie Portman 6Um papel que faz umacarreira: “Cisne Negro”George Michael 12“Faith”, um luxo reeditadoOnra 14Hip-hop franco-vietnamitaSteve Lehman 18O saxofone do futuroEdna O’Brien 20Um colosso da literatura,finalmente em traduçãoportuguesaGil J Wolman 22Vivo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morto, emSerralvesAngélica Lid<strong>de</strong>ll 24Sangue na CulturgestFicha TécnicaDirectora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara,Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial IsabelCoutinho, Óscar Faria, CristinaFernan<strong>de</strong>s, Vítor BelancianoDesign Mark Porter, SimonEsterson, Kuchar SwaraDirectora <strong>de</strong> arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Mariana SoaresEditor <strong>de</strong> fotografiaMiguel Ma<strong>de</strong>iraE-mail: ipsilon@publico.ptOs SleighBells,sensaçãoindie ie <strong>de</strong> 2010,estavam na“wishlist”<strong>de</strong> Beyoncé;os próximospo<strong>de</strong>m ser osOf MontrealE a segundacolaboraçãoimprováveldo ano é: Beyoncévs. Sleigh BellsDuas semanas <strong>de</strong>pois doanúncio da colaboraçãoinusitada entre Dan Deacon eFrancis Ford Coppola, eis quesurge o segundo “team up”improvável do ano: Beyoncéestá a colaborar com o duoindie sensação <strong>de</strong> 2010, osSleigh Bells. A notícia foiconfirmada no blogue doprodutor Diplo, que disse estara trabalhar com Beyoncé emNova Iorque, juntamente com olondrino DJ Switch e DerekMiller <strong>dos</strong> Sleigh Bells.Diplo, Switch e Sleigh Bells játinham colaborado antes, masem associação com M.I.A. Ostrês artistas produzirammúsicas para o último álbum dacantora e os Sleigh Bells têmcontrato numa editora daautora <strong>de</strong> “Paper Planes”.Colaborações futuras <strong>de</strong>Beyoncé po<strong>de</strong>m passar por<strong>outro</strong>s artistas alternativos. Em2009, a estrela do r’n’b disseque gostaria <strong>de</strong> trabalhar “comdiferentes tipos <strong>de</strong> artistas” noseu próximo álbum, incluindo abanda <strong>de</strong> psych-pop OfMontreal.“Film Socialisme”a caminho: Marçoé mês <strong>de</strong> GodardMarço vai ser um mês sob osigno <strong>de</strong> Jean-Luc Godard.Em exibições especiais em<strong>Lisboa</strong> (Culturgest, dia 5) ePorto (Auditório <strong>de</strong>Serralves, dias 6 e 7),vamos po<strong>de</strong>r ver o último“opus” do cineasta, “FilmSocialisme” (MIdas Filmes),uma melancólica meditaçãosobre o <strong>de</strong>stino da Europa,do cinema, do mundo, on<strong>de</strong>há bem mais do que só duasou três verda<strong>de</strong>s políticas e/ou poéticas sobre os nossostempos. Um pessimismoO irmão <strong>de</strong> StiegLarsson <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-seJoakim Larsson, irmão do autorsueco que morreu em 2004, fezsaber num comunicado que EvaGabrielsson, a ex-companheira doautor da trilogia Millennium,escreveu “falsida<strong>de</strong>s” no livro queacaba <strong>de</strong> publicar em França, naNoruega e na Suécia - “Millénium -Stieg et moi” (ver Ípsilon da semanapassada). O her<strong>de</strong>iro apareceu areceu pelaprimeira vez na televisão sueca e<strong>de</strong>u uma entrevista.“Não nos apropriámos <strong>de</strong>nada <strong>de</strong> valor. Tudo o queStieg tinha na altura da suamorte foi para EvaGabrielsson, comexcepção <strong>dos</strong> direitosradical – tudo termina numecrã a negro com umalegenda <strong>de</strong> “no comment” –e uma beleza fulgurante,mesmo quando Godard sepõe a filmar a vulgarida<strong>de</strong>estética, a hipocrisiapolítica, a “fábrica <strong>de</strong>esquecimento”, o que ele vêno mundo contemporâneo.Como <strong>de</strong> há muitos anos aesta parte, o seu ponto <strong>de</strong>vista é o do fim, do fim <strong>de</strong>tudo e <strong>de</strong> todas as coisas.Tem sido um “caso” crítico,O último“opus” <strong>de</strong>Godard vaiser exibidoem sessõesespeciais em<strong>Lisboa</strong> e noPortoBRITT-MARIE TRENSMARliterários. Não contribuímos parauma ‘indústria Stieg Larsson’ à parte<strong>dos</strong> livros e <strong>dos</strong> filmes, tal como erao <strong>de</strong>sejo do Stieg. Pelo contrário,temos actuado activamente paraque isso não aconteça. Estamos<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> a que as receitas vãopara a ‘Expo’ [revista que Stiegfundou e on<strong>de</strong> trabalhava], paraactivida<strong>de</strong>s anti-racistas, paraabrigos <strong>de</strong> mulheres abusadas epara proteger jornalistaspersegui<strong>dos</strong>”, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se. StiegLarsson queria que os lucrosdas vendas do quarto livrofossem para a “Expo”,acrescenta. “Mas omanuscrito continua<strong>de</strong>saparecido”.A luta pelo legadodo escritor sueco continua...com episódios <strong>de</strong> umaagressivida<strong>de</strong><strong>de</strong>sconcertante – (masesperavam o quê,telenovela? perguntariaCésar Monteiro).Godard é ainda uma dasestrelas <strong>de</strong> “Deux <strong>de</strong> laVague”, um documentário<strong>de</strong> Emmanuel Laurent quetambém se estreará emMarço. A outra estrela éFrançois Truffaut, e o filmecentra-se na relação entreestes dois “irmãos (que setornaram) inimigos”, oLennon e o McCartney da“nouvelle vague”, seguindoo rasto das acrimóniaspessoais e das diferençasi<strong>de</strong>ológicas que osconduziram <strong>de</strong> um pontocomum a sítiosradicalmente distintos. Oargumento é <strong>de</strong> Antoine <strong>de</strong>Baecque, um especialistada “nouvelle vague” e dahistória <strong>dos</strong> “Cahiers duCinéma”, e autor <strong>de</strong> umarecente biografia <strong>de</strong> Jean-Luc Godard.Na Cinemateca, em<strong>Lisboa</strong>, a propósito <strong>de</strong>“Film Socialisme” e <strong>de</strong>“Deux <strong>de</strong> la Vague”, farse-áum “elogio <strong>de</strong> Jean-LucGodard”, numa revisão <strong>de</strong>momentos importantes dasua obra, e em particular<strong>de</strong> alguns pontos-chave quecontribuem para iluminara relação entre ela e o“Film Socialisme”. Esperaseum convidado, aanunciar em breve.Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 3


Flash“LeiteDerramado”A actriz Marília Pêra vaiinterpretar no teatro oprotagonista do romance“Leite Derramado”,<strong>de</strong> Chico Buarque. Ai<strong>de</strong>ia partiu do cineastaMiguel Faria Jr. “LeiteDerramado” conta ahistória <strong>de</strong> um velhocentenário, Eulálio, que,<strong>de</strong>itado numa cama<strong>de</strong> hospital, conta àsenfermeiras, ao médico,aos maqueiros e à filhaa história da <strong>de</strong>cadênciada sua família. É ummonólogo <strong>de</strong>lirante, poron<strong>de</strong> passa a história<strong>dos</strong> últimos dois séculosbrasileiros. O realizadorficou fascinado pelo livro,conta o jornal “O Globo”.A montagem terá estreiano segundo semestre<strong>de</strong> 2011. “O que memove é o privilégio<strong>de</strong> estudar e dizerqualquer textoescrito pelo Chico”, diza actriz.Muito mais sobreSalinger, e sobre osseus hambúrgueresNão há nada como morrer paraestar vivo: um ano <strong>de</strong>pois damorte <strong>de</strong> J.D. Salinger (1919-2010),sabemos mais sobre o autor dogran<strong>de</strong> romance americano (“ÀEspera no Centeio”, <strong>de</strong> 1951)do que alguma vez imaginámosvir a saber. Por exemplo, que erafã <strong>dos</strong> hambúrgueres da ca<strong>de</strong>iaBurger King, que cultivava vegetaisno jardim da sua casa <strong>de</strong> NewHampshire, que era umfrequentador anónimo <strong>de</strong>excursões às Cataratas doNiagara, que não perdia umepisódio <strong>de</strong> “A FamíliaBellamy” e que, entreamigos, se referia a RonaldReagan como “o palhaçoque está <strong>de</strong> saída” e aGeorge Bush como “opalhaço que está paraentrar”.O mesmo Salinger que viveudécadas com a fama <strong>de</strong> ser o maisO mundo<strong>de</strong> Kubrick em ParisNão se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong> muitoscineastas que a sua obra se preste auma exposição exaustiva concebidaa partir <strong>dos</strong> filmes e das opçõescriativas, estéticas e técnicas.Stanley Kubrick viria sempre,forçosamente, no topo da lista,como fica provado com a chegada aParis da exposição concebida peloDeutsches Filmmuseum, emcolaboração com a viúva dorealizador, Christiane Kubrick, e orecluso <strong>dos</strong> escritores (à excepção<strong>de</strong> Thomas Pynchon) é este Salingerque, entre 1938 e 2002, envioucartas muito, digamos, domésticasao amigo inglês Donald Hartog, queconheceu em Viena quando para láfoi estudar alemão. Cerca <strong>de</strong> 50<strong>de</strong>ssas cartas, juntamente comquatro postais ilustra<strong>dos</strong>, foramagora divulgadas pela Universida<strong>de</strong><strong>de</strong> East Anglia, no Reino Unido,on<strong>de</strong>foramseu colaborador regular Jan Harlan.De 23 <strong>de</strong> Março a 31 <strong>de</strong> Julhopróximo, o universo <strong>de</strong> Kubrick vaiinvadir as novas instalações daCinemateca Francesa em Bercy,acompanhado por umaretrospectiva integral da sua obra epor um ciclo <strong>de</strong> conferências. Aexposição, recorrendo aos acervosdo realizador, possibilita <strong>de</strong>scobrircenários, figurinos e acessórios dassuas rodagens, bem como muito domaterial documental <strong>de</strong>preparação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> correspondênciae “storyboards” a esboços <strong>de</strong>cenários. Para além <strong>de</strong> câmaras e<strong>de</strong>positadas pelos her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>Hartog em 2007. “Não há nada <strong>de</strong>espantoso nestas cartas, mas é issoque as torna tão interessantes. Esteé <strong>outro</strong> Salinger, um Salinger vulgar,não o eremita furioso que toda agente pensava que ele era”,sublinha Chris Bigsby, professor <strong>de</strong>Estu<strong>dos</strong> Americanos daquelauniversida<strong>de</strong>.O primeiro aniversário da morte <strong>de</strong>Salinger fica também marcado pelapublicação <strong>de</strong> uma nova biografia,“J. D. Salinger: A Life” (RandomHouse). O autor, KennethSlawenski, enfatiza os anos daSegunda Guerra Mundial(Salinger participou comosoldado no <strong>de</strong>sembarque doDia D em Utah Beach, nabatalha da Floresta <strong>de</strong>Hürtgen e na libertação docampo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong>Dachau, e foi tambémagente <strong>dos</strong> serviçossecretos), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que aviolenta experiência dacarnificina influenciou a opçãodo escritor por uma vida <strong>de</strong>militante reclusão no bosque.Afinal, Salinger não vivia completamentefora do mundo: era fã <strong>dos</strong> hambúrgueresda Burger King e não perdia um episódio<strong>de</strong> “A Família Bellamy”objectivas utilizadas em projectosespecíficos (caso <strong>dos</strong> projectores ecâmaras <strong>de</strong> efeitos visuais<strong>de</strong> “2001: Odisseia no Espaço”),serão também expostas maquetaspropositadamente concebidas parao evento recriando a “sala <strong>de</strong>guerra” <strong>de</strong> “Dr. Estranhoamor”,a estação espacial <strong>de</strong> “2001”e o labirinto <strong>de</strong> “Shining”, bemcomo o seu trabalho <strong>de</strong> fotógrafopara a revista “Look” e asfotografias <strong>de</strong> “plateau” tiradas pelofotógrafo americano Weegeedurante a rodagem <strong>de</strong> “Dr.Estranhoamor”.SerralvesquereditarFernandoPernesA intenção foi anunciadana semana passada, naevocação que o Museu <strong>de</strong>Serralves fez do seuprimeiro director artístico,Fernando Pernes,<strong>de</strong>saparecido no anopassado: a Fundação está apreparar a edição dumaantologia <strong>dos</strong> textoscríticos <strong>de</strong>sta figuramarcante da divulgação daarte em Portugal nasegunda meta<strong>de</strong> do séculoXX. A esta publicação, que<strong>de</strong>verá ser lançada aindaem 2011, será <strong>de</strong>poisacrescentada a do Curso <strong>de</strong>História <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna eContemporânea, queFernando Pernes dirigiuem Serralves durantevários anos. O trabalho <strong>de</strong>pesquisa para a antologia<strong>de</strong> textos críticos começoua ser realizado por Miguelvon Hafe Pérez, ainda antes<strong>de</strong> este ter assumido adirecção artística do CentroGalego <strong>de</strong> ArteContemporânea, emSantiago <strong>de</strong> Compostela, efoi entretanto nto retomadopor Serralves, mas ainda écedo para anunciar a data<strong>de</strong> lançamento. Para maistar<strong>de</strong> ficará a edição doCurso, que está a sertrabalhado por LúciaMatos, professora daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belas Artesda Universida<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> doPorto, mas que Serralvesquer que sejaacompanhada com asreproduções das obras quePernes utilizava nas suassessões. “Como é precisopagar os direitos <strong>de</strong> autordas imagens, o que torna apublicação bastante maiscara, estamos a pensarassociar-nos a umaeditora”, explica JoãoFernan<strong>de</strong>s, o director domuseu. Na sessão <strong>de</strong>homenagem a Pernes nasemana passada emSerralves, o crítico RuiMário Gonçalves disse quea edição <strong>de</strong>stes textoscríticos é uma urgência:“Ele foi o crítico maisimportante da nossageração”.Fernando Pernes, quenasceu em <strong>Lisboa</strong> eestudou em Paris, Roma eFlorença, iniciou a suaactivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crítico nadécada <strong>de</strong> 60 empublicações como “VidaMundial”, “O Tempo e oModo” e “Colóquio/ Artes”.Em 1973 radicou-se noPorto, on<strong>de</strong> criou e dirigiua página <strong>de</strong> Artes do“Jornal <strong>de</strong> Notícias”. Aseguir ao 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong>1974, fundou o Centro <strong>de</strong>Arte Contemporânea noMuseu Nacional Soares <strong>dos</strong>Reis, que haveria <strong>de</strong> tornarseno embrião do Museu <strong>de</strong>Serralves.Sérgio C. Andra<strong>de</strong>A CinematecaFrancesaacolhe, apartir <strong>de</strong> 23<strong>de</strong> Março,uma gran<strong>de</strong>exposiçãoStanleyKubrickOs textos críticos <strong>de</strong> Pernes,figura crucial da divulgaçãoda arte contemporânea emPortugal, vão ser antologia<strong>dos</strong>pela Fundação <strong>de</strong> SerralvesHERNANI PEREIRA4 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


AGENDA CULTURAL FNACentrada livreAPRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃOLANÇAMENTOVIAGEM DE REGRESSOLivro <strong>de</strong> Paula Moura PinheiroCracóvia, Sampetersburgo, Moscovo e Novgorod são os <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong>sta viagem no espaço e no tempo,apresentada por Guilherme d’Oliveira Martins.07.02. 18H30 FNAC CHIADOAPRESENTAÇÃOO ESTADO EM QUE ESTAMOSLivro <strong>de</strong> Luís Marques Men<strong>de</strong>sUma análise das razões <strong>de</strong> um país em crise e das soluções para o resgatar.11.02. 21H30 FNAC NORTESHOPPING22.02. 18H30 FNAC CHIADOAPRESENTAÇÃOJOSÉ SARAMAGOAS INTERMITÊNCIAS DA VIDALivro <strong>de</strong> Rui CalistoUm ensaio sobre a obra <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> mais controversos escritores portugueses.12.02. 17H00 FNAC COIMBRAMÚSICA AO VIVOLA CHANSON NOIREMúsica para os MortosManifesto artístico que aponta como principais objectivos a divulgação <strong>dos</strong> prazeres da <strong>de</strong>cadência, aapologia da exuberância e da extravagância, assim como a <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> e da libertinagem.11.02. 21H30 FNAC COLOMBO13.02. 17H00 FNAC CHIADOEXPOSIÇÃOMAURITÂNIA: OS PEREGRINOS DO MARSÃO NEGROS E POBRESFotografias <strong>de</strong> Nelson GarridoNelson Garrido, fotojornalista do jornal Público, expõe fotografias que resultam <strong>de</strong> uma viagem <strong>de</strong> 20dias à procura <strong>dos</strong> sonhos e <strong>dos</strong> pesa<strong>de</strong>los da emigração.28.01. - 28.03.2011 FNAC GAIASHOPPINGapoio:Consulte a AGENDA FNAC em:http://cultura.fnac.pt


labÉ seguro dizer que nunca se viu o bai<strong>lado</strong> <strong>de</strong>ste modopelo crivo <strong>de</strong> Dostoiévsky, Polanski e Cronenberg e dáDiscursos directos sobre “Cisne Negro”, em salasEra uma vez uma bailarina profissionalque tem a oportunida<strong>de</strong> da suavida quando o director da companhiaa escolhe para o papel principal do“Lago <strong>dos</strong> Cisnes”. Nina Sayers estáfeliz, e não é apenas o sonho da suavida – é também o <strong>de</strong> uma mãe quenunca passou do corpo <strong>de</strong> baile.Mesmo nos contos <strong>de</strong> fadas, antes<strong>de</strong> tudo acabar bem Nina teria quepassar as passinhas do Algarve. Mas“Cisne Negro” não é um conto <strong>de</strong> fadas.Darren Aronofsky, o seu realizador,não refere sequer o clássico <strong>dos</strong>clássicos do cinema sobre bai<strong>lado</strong>,“Os Sapatos Vermelhos” <strong>de</strong> MichaelPowell e Emeric Pressburger (1948) -“obviamente que olhámos para ele,os temas são muito semelhantes, maso tom é muito diferente”. Em vez disso,invoca o gran<strong>de</strong> romancista russoFyodor Dostoievsky, Roman Polanski,“sobretudo o Polanski <strong>dos</strong> princípios,como ‘Repulsa’ [1965], mas também‘O Inquilino’ [1976]”, ou David Cronenberg,“sobretudo o modo comoele trabalha a biologia e o corpo, na‘Mosca’ [1986], por exemplo.”Não digam que não vos avisámos.“Cisne Negro” é carta fora do baralho,objecto singular, obsessivo, como convéma um cineasta reconhecido pelaobsessão, pelo perfeccionismo, peloformalismo meticuloso, pela luta casmurracontra ventos e marés paraatingir o resultado pretendido.Aronofsky, paradoxalmente, nãose vê como obsessivo. “Estou muitointeressado nos erros e no caos. Agran<strong>de</strong> lição que tirei do [meu filme6 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


A bailarina no seubirinto– Darren Aronofsky pega no “Lago <strong>dos</strong> Cisnes”, passa-oa Natalie Portman um papel que faz uma carreira.esta semana. Jorge Mourinha, em Venezaanterior], ‘O Wrestler’, nasceu <strong>de</strong> tertrabalhado com o Mickey Rourke, queé um actor que não se consegue controlar<strong>de</strong> modo nenhum, feito <strong>de</strong> errose caos e aleatorieda<strong>de</strong>. Temos <strong>de</strong>o usar como ele é, temos que trabalharcom ele para moldar uma gran<strong>de</strong>performance. Na canção que BruceSpringsteen escreveu para esse filme,há uma frase que fala <strong>de</strong> um cão comuma só perna a andar pela rua (“oneleggeddog walking down the street”).Quando estávamos a fazer a mistura<strong>de</strong> som, ele não pô<strong>de</strong> estar presentee <strong>de</strong>mos por nós a perguntar-nos,‘que raio é um cão com uma só perna?’.Depois da canção ter ganho oGlobo <strong>de</strong> Ouro, estávamos os dois numafesta, eu já tinha bebido uns coposa mais e perguntei-lhe, ‘Bruce, queraio é um cão com uma só perna?’ Eele respon<strong>de</strong>u-me ‘às vezes, são oserros que fazem a arte’.”Este é o meu prémioNão é o caso da aposta do realizadornuma actriz igualmente <strong>de</strong>terminadae empenhada para o papel <strong>de</strong> Nina.Admitindo pouco ter a ver com a suapersonagem, Natalie Portman sublinhao que há <strong>de</strong> comum entre a representaçãoe o bai<strong>lado</strong> (ela sabe, emmiúda fez ballet): “Sou tão perfeccionistae exigente como a Nina, masenquanto actriz canalizo isso <strong>de</strong> <strong>outro</strong>modo. No bai<strong>lado</strong> conseguimos sermuito objectivos sobre a perfeição,porque há uma linha perfeita, um modoperfeito <strong>de</strong> pôr o pé, enquanto narepresentação estamos a interpre-NataliePortman fezballet emmiúda, masquandocomeçou arepresentarteve <strong>de</strong> escolherentre umacoisa e outraÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 7


aEra uma vez uma bailarina(Natalie Portman, à esquerda)que tem a oportunida<strong>de</strong> da vida:o “Lago <strong>dos</strong> Cisnes”; mas...a concorrência (Mila Kunis, àdireita), uma mãe obsessiva e asferidas psicológicas atiram-napara um labirinto infernalmodo como as coisas se estavam aencaminhar, entraram no projecto.Mas foi mesmo à última hora, menos<strong>de</strong> uma semana antes <strong>de</strong> começarmosa rodar.”Esse não foi o único medo que perseguiuAronofsky durante o longuíssimoperíodo <strong>de</strong> pré-produção: o <strong>outro</strong>foi que a actriz que escolhera nãoestivesse à altura das expectativas. “ANatalie foi a minha primeira escolhapara o filme. Sou fã <strong>de</strong>la <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ‘Léon’,conheço-a pessoalmente há <strong>de</strong>z anos,e fui-lhe falando do projecto ao longodo tempo. Mas, para dizer a verda<strong>de</strong>,não sabia se ela ia conseguir [ser credívelenquanto bailarina]. Dois ou trêsmeses antes da rodagem, comecei aficar verda<strong>de</strong>iramente nervoso.”tar pessoas que não são perfeitas,temos <strong>de</strong> ver o mundo pelos nossospróprios olhos e rejeitar vermo-nosatravés <strong>dos</strong> olhos <strong>dos</strong> <strong>outro</strong>s”.Paradoxo: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua estreia noFestival <strong>de</strong> Veneza, em Setembro,tornou-se impossível a “Cisne Negro”escapar a esse olhar <strong>dos</strong> <strong>outro</strong>s. À medidaque os estúdios iam posicionandoos seus candidatos para as escolhas<strong>de</strong> final <strong>de</strong> ano, o filme <strong>de</strong> Aronofskytornou-se num “imã” incontornável,com a “performance” <strong>de</strong> Portman aganhar embalo em direcção ao seuactual estatuto <strong>de</strong> favorita para o Óscar<strong>de</strong> Melhor Actriz.Revelada aos treze anos por LucBesson em “Léon, o Profissional”(1994), é reconhecida por uma versatilida<strong>de</strong>que a viu alternar a trilogiaprequelada “Guerra das Estrelas” <strong>de</strong>George Lucas (1999, 2002, 2005) e “V<strong>de</strong> Vingança” <strong>de</strong> James McTeague(2006) com passagens pelos universos<strong>de</strong> Wong Kar-wai (“O Sabor doAmor”, 2007), Wes An<strong>de</strong>rson (a curta“Hôtel Chevalier”), Milos Forman(“Os Fantasmas <strong>de</strong> Goya”, 2006), MikeNichols (“Perto Demais”, 2004) ouAmos Gitai (“Free Zone”, 2005). Masainda não tivera “o” papel, aquele que“Repulsa”, <strong>de</strong> Polanski,e “A Mosca”, <strong>de</strong> Cronenberg:influências, mais do que“Os Sapatos Vermelhos”,<strong>de</strong> Michael Powellpropulsionaria para o topo. Em Veneza,na roda <strong>de</strong> imprensa em que oIpsilon esteve presente, as perguntas<strong>de</strong> muitos jornalistas pareciam “prever”que “Cisne Negro” levaria Portmanaté aos Óscares.Resguardada mas sincera, a actriznão escondia o constrangimento erespon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> modo oblíquo. “Gostogenuinamente do que faço. Uma experiênciacomo esta é algo que levopara casa e que ninguém me po<strong>de</strong> tirar.Essa é a verda<strong>de</strong>ira recompensae é uma das coisas que me parecemmais bonitas no bai<strong>lado</strong>: não há recompensassuperficiais, não há fama,dinheiro, Óscares. Tem tudo a ver apenascom o amor puro pela arte. Nós,actores, temos recompensas superficiaispelo que fazemos – ganhamosbem, somos famosos, por vezes recebemosprémios. Mas é importantemantermo-nos concentra<strong>dos</strong> no nossoobjectivo, no nosso trabalho.”Cai não caiInevitavelmente, contudo, esse trabalholevou aqui: a cinco nomeaçõespara os Óscares 2011, Melhor Filme,Melhor Realizador e Melhor Actriz àcabeça, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Melhor Actriz nosGlobos <strong>de</strong> Ouro e um “prémio <strong>de</strong> consolação”no palmarés <strong>de</strong> Veneza (MelhorActriz Secundária para Mila Kunis).E é um êxito certificado, comquase cem milhões <strong>de</strong> dólares (74 milhões<strong>de</strong> euros) recolhi<strong>dos</strong> nas salasamericanas para um orçamento, esmifradoao milímetro, <strong>de</strong> treze milhões(9,5 milhões <strong>de</strong> euros).A ironia <strong>de</strong>sse êxito não se per<strong>de</strong>no realizador. Sensação <strong>dos</strong> temposáureos <strong>de</strong> Sundance com dois filmesin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes austeros e formalistas,“π” (1997) e “A Vida Não é um Sonho”(2000), consi<strong>de</strong>rado para alguns <strong>dos</strong>gran<strong>de</strong>s “franchises” hollywoodianos(Batman e Superman passaram pelassuas mãos antes <strong>de</strong> Christopher Nolane Bryan Singer), Aronofsky passou <strong>de</strong>“bestial” a “besta” com o colossal fracasso<strong>de</strong> “O Último Capítulo” (2006).E daí passou <strong>de</strong> novo a “bestial” como triunfo <strong>de</strong> “O Wrestler”, Leão <strong>de</strong>Ouro em Veneza 2008 que ressuscitoua carreira <strong>de</strong> Mickey Rourke. Nemassim isso lhe facilitou a vida.“‘Cisne Negro’ ainda foi mais difícil<strong>de</strong> montar que ‘O Wrestler’, e esse játinha sido um pesa<strong>de</strong>lo”, explica.“Pensava que, <strong>de</strong>pois do Leão <strong>de</strong> Ouroem Veneza, do Globo <strong>de</strong> Ouro [paraRourke], das nomeações para osÓscares, seríamos capazes <strong>de</strong> montar‘Cisne Negro’ sem problemas. Aindapor cima tínhamos uma actriz conhecida...Mas nenhum estúdio quis investir.Reunimos o financiamentoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente, e a duas semanasdo arranque tudo caiu por terra.Acabei por ir <strong>de</strong> joelhos à Fox Searchlight[distribuidores americanos <strong>de</strong>“O Wrestler”] e quando eles perceberamo trabalho que já estava feito, oO bai<strong>lado</strong> como wrestlingPortman fizera ballet em miúda, masquando começou a representar teve<strong>de</strong> escolher entre uma coisa e outra.“Sou uma pessoa <strong>de</strong> tudo ou nada,ou me entrego a cem por cento ounão faço nada. Parei e <strong>de</strong>diquei-mecompletamente à representação.”Para “Cisne Negro”, começou “a treinarum ano antes da rodagem”, eenquanto rodava “continuava a treinar,antes e <strong>de</strong>pois do trabalho. Foimuito extremo, mas foi uma experiênciaespantosa – ganhei um respeitodiferente pelas bailarinas. Por exemplo,não fazia i<strong>de</strong>ia do difícil que é omovimento <strong>dos</strong> braços do cisne. Émuito específico, muito <strong>de</strong>talhado,exige muita força... Tive <strong>de</strong> trabalharmeses antes <strong>de</strong> conseguir fazer cinco<strong>de</strong> seguida. Acho que o Darren entrouum pouco em pânico, porque só comeceirealmente a fazer dieta um mêsantes da rodagem. E eu sabia que omeu físico se ia alterar relativamente<strong>de</strong>pressa, porque já sou uma pessoapequena.”Aronofsky, esse, suspirou <strong>de</strong> alívioassim que a rodagem começou. “Muito<strong>de</strong>vagarinho, vi-a a tornar-se numabailarina. Ela é incrivelmente disciplinada.E muito do que vemos nofilme é mesmo ela a dançar. Claro quehá momentos em que há uma dupla,mas na abertura, a esvoaçar sob osholofotes, é mesmo a Natalie em pontas.No final, no topo da rampa, é aNatalie em pontas.”Para a actriz, a experiência permitiu-lhe“trazer esse <strong>lado</strong> físico para arepresentação. Enquanto actores <strong>de</strong>cinema estamos mais habitua<strong>dos</strong> atrabalhar com o rosto, com os olhos.No bai<strong>lado</strong>, temos <strong>de</strong> pensar como éque usamos o corpo para exprimir ascoisas sem palavras, apenas com movimentos,através das posições dasmãos, da cabeça...”É, aliás, a dureza do <strong>lado</strong> físico dobai<strong>lado</strong> que “Cisne Negro” revela <strong>de</strong>modo quase brutal, com uma frontalida<strong>de</strong>pouco explorada nos filmesque utilizam o ballet clássico comocenário. (Durante a projecção <strong>de</strong> Veneza,o <strong>de</strong>sconforto da audiência comos momentos físicos era evi<strong>de</strong>nte.) Épor aí que Aronofsky explica a comparaçãoque fez repetidamente entre“Cisne Negro” e “O Wrestler”.“São mun<strong>dos</strong> muito diferentes, mascom muitas ligações entre ambos. Háum <strong>lado</strong> físico semelhante: bailarinose wrestlers são performers que utilizamo seu corpo, que o estragam. Umbailarino trabalha a vida inteira, a partir<strong>dos</strong> quatro ou cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,para fazer algo parecer fácil, sem esforço.A dureza do esforço é invisível.8 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


Muito <strong>de</strong>vagarinho, vi-a a tornar-se numa bailarina. Ela éincrivelmente disciplinada. E muito do que vemos no filme é ela adançar. Há momentos em que há uma dupla, mas na abertura, aesvoaçar sob os holofotes, é mesmo a Natalie em pontas. No final,no topo da rampa, é a Natalie em pontas.Darren AronofskyParece simples, mas só estar em pontasexige uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhoenorme, um controle muscular inacreditável.E o único modo <strong>de</strong> transmitiressa dificulda<strong>de</strong> é mostrar omodo como se trabalham os músculos,e, claro, as feridas.”Os duplosFeridas que, em “Cisne Negro”, nãosão apenas físicas, mas também psicológicas,à medida que as exigênciasdo seu encenador (o actor francêsVincent Cassel) e as expectativas dasua mãe (Barbara Hershey) encostamNina/Natalie à pare<strong>de</strong>. E o realizadorexplica que o próprio processo <strong>de</strong>chegar aqui, a um “thriller” psicológicoque ora recorda o “giallo” italiano<strong>de</strong> Dario Argento e Mario Bava oraremete para os exercícios hitchcockianosdo Brian <strong>de</strong> Palma “vintage”, surgiuna sequência <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> pormenoresque se foram encaixando aolongo <strong>dos</strong> anos.“Originalmente, quis fazer um filmeambientado no mundo do bai<strong>lado</strong>,porque a minha irmã era bailarina,cresci à volta do bai<strong>lado</strong> sem percebergran<strong>de</strong> coisa, e sempre estive interessadoem mun<strong>dos</strong> que não conheçomuito bem. Depois, <strong>de</strong>i por mim interessadopelo ‘Duplo’ <strong>de</strong> Dostoiévski,sobre um tipo que acorda, encontrao seu duplo e vê-o a começar a substituira sua vida. Depois fui ver umarepresentação do ‘Lago <strong>dos</strong> Cisnes’,on<strong>de</strong> uma bailarina interpretava oCisne Negro e o Cisne Branco. Acen<strong>de</strong>u-seuma luzinha, ‘olha, há aquiqualquer coisa <strong>de</strong> duplo...’ ”Daí que a questão <strong>dos</strong> prémios sejaimportante para o realizador apenasenquanto “chamariz” para aguçar oapetite <strong>dos</strong> espectadores. “Pessoalmente,estou mais do <strong>lado</strong> <strong>de</strong> WoodyAllen: estamos a comparar alhos combugalhos. Como é que se compara“Avatar” com “Estado <strong>de</strong> Guerra”?”,diz, referindo-se aos dois “adversários”principais da cerimónia <strong>dos</strong> Óscares2010. “Um não é melhor que o<strong>outro</strong>, são ambos bons <strong>de</strong> mo<strong>dos</strong> diferentes.No que me diz respeito, temtudo a ver com o reconhecimento dofilme e o modo como isso permite amais pessoas ir vê-lo. O essencial éque se fale do filme, e sobretudo <strong>de</strong>um filme como este, que não encaixanuma gaveta específica.” Que, no fundo,não respeita o tal modo perfeito<strong>de</strong> pôr o pé.Ver crítica <strong>de</strong> filme págs. 33 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 9


Sangueno pescoço do cisneTem sexo, sangue e morte. “O Lago <strong>dos</strong> Cisnes” está longe <strong>de</strong> ser um bai<strong>lado</strong> contemplativo sobre o amorentre um príncipe e um cisne. Foi para Tchaikovsky uma oportunida<strong>de</strong> para falar da sua vida. É para asbailarinas uma vertigem perigosa. E é para os coreógrafos uma obra que lhes permite as mais diversas eíntimas revisitações. Tiago Bartolomeu Costa“To<strong>dos</strong> temos dois <strong>lado</strong>s. To<strong>dos</strong>po<strong>de</strong>mos ir da pureza à cóleranum instante. Cada um tem emsi a violência, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> morte,<strong>de</strong> gritar e chorar. E a doçura, oamor e a pureza. Cada um usacomo po<strong>de</strong> o que tem... Somosto<strong>dos</strong> assim”. Quem o diz é AgnèsLetestu, bailarina do Ballet daÓpera <strong>de</strong> Paris, que em 1993ganhou o título <strong>de</strong> “étoile” aodançar “Lago <strong>dos</strong> Cisnes” naversão que Rudolf Nureyev criouem 1964.É essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abismo que tornaas personagens <strong>de</strong> O<strong>de</strong>tte, o cisnebranco, e Odile, o cisne negro, num<strong>dos</strong> mais apetecíveis papéis parauma bailarina. Mas “Lago <strong>dos</strong>Cisnes” é mais do que a história<strong>de</strong> um cisne, ou <strong>de</strong> um papel parauma bailarina. Conta a história<strong>de</strong> um príncipe, Siegfried,que, coagido pela mãe acasar com uma cortesã,se apaixona, ao invés,por uma mulher-cisne,O<strong>de</strong>tte. Acabará porconfundi-la,numa noite <strong>de</strong> luar encoberto,com Odile, filha <strong>de</strong> um feiticeiro,Rothbart, que o tentara seduzirno baile e à qual jura amor eterno,con<strong>de</strong>nando assim O<strong>de</strong>tte à morte.No início interpretado porduas bailarinas, “porque astécnicas eram diferentes”, comos anos, e em nome “da coerênciadramatúrgica da peça”, passoua ser um corpo dividido em doispapéis com atitu<strong>de</strong>s opostas.“É fascinante ir <strong>de</strong> um <strong>lado</strong> ao<strong>outro</strong>. Começamos sempre aensaiar o cisne branco, queobe<strong>de</strong>ce a um rigor e a umcontrolo extraordinários.Quando chega o momento<strong>de</strong> fazermos o cisne negro,é como se fosse umacatarse. O cisne brancoé um símbolo do amori<strong>de</strong>al puro que nãoé uma pessoa real.É um animal comreacções <strong>de</strong> medo,com bateres <strong>de</strong> asaque são gestos <strong>de</strong>protecção, maisinstintivos. Acoreografia émais lentae pesada.ANNE DENIAUAgnès Letestu,bailarina do Balletda Ópera <strong>de</strong> Paris,ganhou em 1993o título <strong>de</strong> “étoile”ao dançar “Lago<strong>dos</strong> Cisnes” na versãoque Rudolf Nureyevcriou em 1964– é ela que nos seguenesta viagemÉ precisopensar nosbraços comoasas cheias<strong>de</strong> água.A forma <strong>de</strong>dançar emexer é lentae larga comoum pássaro quequer <strong>de</strong>scolar. Ocisne negro é comoum pássaro <strong>de</strong> asascurtas e movimentosrápi<strong>dos</strong>, impõe-se.” Épor isso, que, comodisse Nureyevnuma entrevista,“<strong>de</strong> cada vez quedanças, o quefazes tem queser marcadocom o teusangue”.Para abailarinado Ballet da Ópera <strong>de</strong> Paris,“Cisne Negro” [o filme <strong>de</strong>Aronofsky] é “formidável” mas“caricatural”. “As coisas nãovão assim tão longe. Todas asemoções estão lá, e são justas,mas estão exacerbadas. É tudoverda<strong>de</strong> no que respeita à invejae à paranóia, que são traçoscaracterísticos <strong>dos</strong> artistas,mas nenhum tem o impulso <strong>de</strong>matar. É também verda<strong>de</strong> que,no momento do espectáculo,só isso é que conta, e as dores<strong>de</strong>saparecem. E a concorrênciaexiste, mas ninguém mata porcausa <strong>de</strong> um papel”.Letestu fala dacontemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “Lago <strong>dos</strong>Cisnes”, salientando que, <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>os bai<strong>lado</strong>s clássicos, este é omelhor se a<strong>de</strong>qua a umaLESLEY LESLEI-SPINKSMats Ek, 1987A maior surpresa talvezvenha do modo como a peça<strong>de</strong>pressa se transforma numaviagem pessoaldo coreógrafo:“O Lago <strong>dos</strong> Cisnes” utilizadopara falar da relação obsessiva<strong>de</strong> Ek com a mãe. Há também,na exposiçãoo que faz domundo, um comentário àsocieda<strong>de</strong> sueca, umanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mostrar umarevolta masculina sobre asmulheres, <strong>de</strong>stilando umamisoginia apenas amenizadaquando o Príncipe encontraum cisne negro quecorrespon<strong>de</strong>ao i<strong>de</strong>al quesonhou.liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação. E aliberda<strong>de</strong> começa na gestualida<strong>de</strong>.“O trabalho <strong>de</strong> braços não éacadémico. Parte <strong>de</strong>sse princípio,mas <strong>de</strong>pois é trabalhado a comose fossem asas”. Ocoreógrafofrancês Bertrand d’At, queestreou a semana passada umaversão da peça para o Ballet daÓpera <strong>de</strong> Rhin, explica que “atécnica, mesmo seacadémica,foi criada para codificar umaenergia <strong>de</strong>moníaca, que oshomens têm, mas as mulheresnem tanto. O aspecto estrito dadança clássica surge sobretudonas mulheres, quea trabalhamenquanto disciplina, esperando-seque os homens obe<strong>de</strong>çam a uminstinto. Um homem que dançaé mais perscrutante porque seexprime pelo seu corpo, enquantoas mulheres trabalham al mais amente”.Agnès fala do modo como sepo<strong>de</strong> pensar um corpo ao serviço<strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> interpretação: “Hápessoas que o po<strong>de</strong>m interpretarnum nível primário, i <strong>de</strong> um <strong>lado</strong> agentil e do <strong>outro</strong> avilã, mas aquiloque Odile [o cisne negro] faz éobrigar O<strong>de</strong>tte [o cisne branco] areagir. Ela nunca olha o príncipeSiegfred nos olhos, enquanto queOdile se impõe, é uma sedutora,mesmo se é venenosa, n perigosa eambiciosa”, diz.Abrir a porta a FreudAgnès Letestu explica que, “aolongo <strong>dos</strong> anos, asdiferentesi<strong>de</strong>ias sobre a peçase foramjuntando e cada <strong>de</strong>talhe encontrouo seu lugar”. Se aos <strong>de</strong>z anos,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ver o bai<strong>lado</strong> natelevisão, <strong>de</strong>cidiuser bailarina,hoje, aos 38, continua n a <strong>de</strong>scobrir10 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


ROSA FRANKJL TANGHEMatthew Bourne, 1995É a mais radical das versões e amais erótica <strong>de</strong> sempre. Oelenco, compostointegralmente por homens,permite a Bourne falarabertamente da dimensãosexual da história <strong>de</strong>Tchaikovsky. O grupo <strong>de</strong><strong>cisnes</strong>, selvagens e cruéis,transformam as cenas emverda<strong>de</strong>iras batalhas <strong>de</strong> estilo,conteúdo e reactivida<strong>de</strong>. Aacção centra-se no 2º acto,quando Siegfried conhece osdois <strong>cisnes</strong> e, através <strong>de</strong> umacoreografia que viaja entrereferências pop e citações abai<strong>lado</strong>s mo<strong>de</strong>rnos norteamericanos(nomeadamente<strong>de</strong> Jerome Robbins), assistimosa uma viagem fantasiosasempre a beira do perigomortal. É esta versão quevemos no filme “Billy Elliot”.coisas que na altura apenasintuía: “Interpretar o cisne brancoé como correr uma maratona. Ocisne negro é, comparativamente,uma corrida <strong>de</strong> 100 metros. Aenergia é diferente, o olhar não éo mesmo”, compara, salientandoa importância da experiência.Aliás, uma das mais célebresinterpretações <strong>de</strong> O<strong>de</strong>tte/Odileé a <strong>de</strong> Margot Fonteyn, que seestreou aos 20 anos no papel masé a versão <strong>de</strong> 1964, <strong>de</strong> Nureyev, jácom 45 anos, que to<strong>dos</strong> recordam,e que Agnès viu aos <strong>de</strong>z anos. Foia essa memória que, em 2007,o coreógrafo alemão RaimundHoghe foi buscar inspiração paracriar o papel para Ornella Balestraem “Swan Lake – 4 acts”, quepercorre a cena <strong>de</strong> gabardine eem pontas, apenas para revelar,<strong>de</strong>pois, o seu corpo envelhecidovestindo um tutu negro. “Lago<strong>dos</strong> Cisnes” é, também, “sobre otempo”, diz-nos Hoghe, cuja peçafoi mostrada na Culturgest em2008.À volta <strong>de</strong> “Lago <strong>dos</strong> Cisnes” existeuma mitologia que distingueRaimund Hoghe, 2007 Dividindo os diferentes papéis por quatrointérpretes, ele próprio, uma antiga bailarina clássica e dois rapazes,Hoghe partiu <strong>de</strong> filmes russos antigos e <strong>de</strong> diferentes gravações dapartitura – usa uma diferente para cada acto – para questionar aexposição da representação fictícia do i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> beleza que “O Lago <strong>dos</strong>Cisnes” sugere. O modo como o bai<strong>lado</strong> se tornou num cânone estético,oposto ao corpo <strong>de</strong> Hoghe, corcunda e rejeitado, permite reposicionar asquestões levantadas pela composição <strong>de</strong> Tchaikovskyeste bai<strong>lado</strong> <strong>dos</strong> restantes e que,segundo Bertrand d’At, “permiteque cada um tire e faça da peçao que quiser”. Na verda<strong>de</strong>, nãoexistem uma partitura e umlibretto originais. A estreiado bai<strong>lado</strong>, em 1887, não foibem sucedida e o compositor,Tchaikovsky, prometeu reverpassagens, mas morreu antes <strong>de</strong>o fazer. A versão <strong>de</strong> Marius Petipa,<strong>de</strong> 1882, é a mais famosa, com umfinal feliz, ao contrário da original,on<strong>de</strong> o príncipe e O<strong>de</strong>tte morrem.Quando Tchaikovsky foichamado a compor a obra,aproveitando a mitologia localdo cisne como exemplo dafeminilida<strong>de</strong> pura, a músicarevelaria “uma melancolia, umascambiantes emocionais e umtrágico final, habitando a mesmapaisagem interior do primeiroperíodo da sua criativida<strong>de</strong>musical, que aparecerá emtrabalhos como ‘A Tempesta<strong>de</strong>’ e‘Romeu e Julieta’”, conta o biógrafoAlexan<strong>de</strong>r Poznansky.Mas paraBertrand d’At, o compositor está acontar algo mais pessoal: “To<strong>dos</strong>os bai<strong>lado</strong>s clássicos contam amesma história, on<strong>de</strong> os jovens<strong>de</strong>vem tomar o seu lugar nomundo <strong>dos</strong> adultos através docasamento, que recusam. É aherança falhada da revolução<strong>de</strong> 1789. Os gran<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais darevolução francesa não foramrespeita<strong>dos</strong> e os filhos <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>sburgueses refugiam-se num <strong>outro</strong>mundo. A responsabilida<strong>de</strong> quepodia ser exigida a essas pessoasera que fossem solda<strong>dos</strong>, pais <strong>de</strong>família, banqueiros. Não era algointeressante. Eles refugiam-senesse sonho. Sentem-se <strong>de</strong> talforma presos ao peso da socieda<strong>de</strong>que correm o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>itar tudoa per<strong>de</strong>r”.É aqui que vida e obra seconfun<strong>de</strong>m. “O compositor hesitaem aceitar aquilo que apelidam<strong>de</strong> vida real, porque nela não po<strong>de</strong>assumir a sua homossexualida<strong>de</strong>”.A recusa <strong>de</strong> uma conveniênciasocial e o refúgio numa ilusão(ou seja, a recusa do casamentoimposto pela família <strong>de</strong> Siegfrie<strong>de</strong> a paixão por um cisne) levam opríncipe à tragédia.Mas até 1964 a presença dopríncipe era pouco relevante.Rudolf Nureyev, que haviadançado a versão <strong>de</strong> Petipa,revolucionaria o bai<strong>lado</strong> aoequilibrar as personagens dopríncipe e <strong>dos</strong> <strong>cisnes</strong> na suaversão para a Ópera Estatal <strong>de</strong>Viena. “Ele está <strong>de</strong> rabo sentadodurante 35 minutos e <strong>de</strong>pois temque andar. Impossível”, disse ocoreógrafo/bailarino para quemera importante salientar que opríncipe (que ele interpretaria)era a figura principal e “to<strong>dos</strong>os <strong>outro</strong>s um produto da suaimaginação”. O que Nureyev fazé abrir uma porta para novaslinhas <strong>de</strong> interpretação freudiana.Inpirando-se em Luís II daBaviera, rei patrono das artespouco interessado nos <strong>de</strong>stinosdo reino que acabaria louco eafogado num lago, Nureyev criauma versão on<strong>de</strong> a tradiçãoé mantida, mas (citamos umaentrevista ao “Sunday Times”)“não seguramente obscurecendoo seu significado dramático – essevalor mo<strong>de</strong>rno que extasia aimaginação”.Rudolf Nureyev, 1964Tendo dançado a versão <strong>de</strong>Petipa, e recusado a placi<strong>de</strong>z<strong>de</strong> Siegfried, rearranjou obai<strong>lado</strong> numa “exibiçãopoética pessoal”, on<strong>de</strong> dava“mostras <strong>dos</strong> [seus] po<strong>de</strong>rescoreográficos numa EuropaCentral on<strong>de</strong> os clássicos sãonormalmente trata<strong>dos</strong> comomúmias petrificadas”,escreveu-se. Quando em 1984,à frente do Ballet da Ópera <strong>de</strong>Paris, insistiu na apresentaçãoda sua versão em <strong>de</strong>trimentoda <strong>de</strong> Bourmeister, <strong>de</strong> 1956, àqual os bailarinos estavamhabitua<strong>dos</strong>, foi necessáriochegar a um compromisso quegarantisse a apresentação dasduas versões. Mas hoje é a suaque integra o repertório.Nureyev ecoa na versão <strong>de</strong> 1987do sueco Mats Ek para o CullbergBallet que, segundo o críticoGiannandrea Poesio, num perfil docoreógrafo, “reflecte a incertezasexual” <strong>de</strong> Siegfried, que habita“um mundo imaginário”. Bertrandd’At, que dirigiu o Cullberg Ballet,também explicita que “é possíveller na versão <strong>de</strong> Ek um comentárioà sua própria vida”. Explica:“Birgit, a sua mãe [fundadora dacompanhia], que ele adorava,era também alguém a quem elese sentia extremamente preso. Eque o forçou a entrar no mundoda dança”. Essa versão, on<strong>de</strong> amãe do príncipe o quer casar comuma rapariga que é uma cópiasua – como Tchaikovsky já tinhasugerido –, é, segundo Bertrandd’At, “também a história <strong>de</strong> umacriança que procura soltarsee refugiar-se em qualquer<strong>outro</strong> sítio”. Agnès Letestu dizque é um “traço comum estarelação complexa com as mães,muitas que não chegaram aser bailarinas” e que o filme <strong>de</strong>Aronofsky transforma. “A mãe <strong>de</strong>Nina [interpretada por BarbaraHershey] é uma antiga bailarinaque não quer que a filha tenhasucesso e a asfixia”.É também isso que MatthewBourne vai procurar na suaversão só para homens, criada emRICHARD AVEDONBertrand d’At, 2011Aposta numa versão on<strong>de</strong> adimensão psicológica dapersonagem do Príncipe seimpõe à presença do cisne,metáfora para o confrontoentre a obrigação impostapelas regras sociais e aliberda<strong>de</strong> daficção. Toda acção se passacomo se se tratasse <strong>de</strong> umsonho on<strong>de</strong> permaneceo respeito pela tradição, aforma e a técnica, mas on<strong>de</strong>Rothbart, o vilão, e a mãe <strong>de</strong>Siegfried são a mesmapersonagem. A figura do cisneé o catalisador das emoções doPríncipe, mas é mais explícita arelação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e domínioentre Siegfried e Rothbart.1995. Um príncipe torturado que“i<strong>de</strong>ntifica a sua liberda<strong>de</strong> numcisne que lhe assalta os sonhos<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância”. A violênciainstintiva <strong>dos</strong> <strong>cisnes</strong>, agressivose lutadores, surpreen<strong>de</strong> pelomodo como Bourne transforma ahistória num combate entre efeitoe <strong>de</strong>sespero e rejeição. Bertrandd’At diz que “há muitos lagos paraabordar esta historia <strong>de</strong> tal formaela é ambígua. Po<strong>de</strong>mos partir <strong>de</strong>diferentes lugares, que ela vai tocaras pessoas em cordas diferentes”.Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 11


Andarcom féUm quarto <strong>de</strong> século <strong>de</strong>pois, “Faith”, o discoque propulsionou George Michael para avida <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> Wham!, regressa em luxuosareedição. E nós regressamos com ele a umadécada em que a pop era mais vital do quehoje em dia. Jorge MourinhaNo quasequarto <strong>de</strong>século que<strong>de</strong>correu<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição<strong>de</strong> “Faith”, em1987, Michaelapenas editoumais trêsálbuns <strong>de</strong>originais(“ListenWithoutPrejudice Vol.1”, 1990;“Ol<strong>de</strong>r”, 1996;e “Patience”,2004)“Ouçam sem preconceito”, pediu elepoucos anos mais tar<strong>de</strong> – mas talvezfosse ainda <strong>de</strong>masiado cedo para isso.Afinal, não é impunemente que se éuma ve<strong>de</strong>ta pop mal saída da adolescência,que já preenchia as pare<strong>de</strong>s<strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> quartos <strong>de</strong> adolescentesdo sexo feminino e as capas <strong>de</strong><strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> revistas por esse mundofora. Os ídolos limpinhos, certinhos,bonitinhos que se podiam levar paracasa e apresentar à mãe colidiam semprecom a imagem rebel<strong>de</strong> e subversivado rock’n’roll. E a credibilida<strong>de</strong>artística e o atestado <strong>de</strong> bom comportamento,por algum motivo, semprese <strong>de</strong>ram mal (exemplo primeiro: ElvisPresley).Mas George Michael escapava umbocadinho às dicotomias. Num universopop tão polarizado como era adécada <strong>de</strong> 1980 inglesa, dividida entrelinhas <strong>de</strong> montagem <strong>de</strong> ídolos fugazese <strong>de</strong>scartáveis <strong>dos</strong> quais já ninguémhoje se lembra e viveiros <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias,experiências e criação patentes nacena in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, Michael era oídolo que se construíra sozinho. E queconseguira a proeza rara (e sem exactamentepercebermos como) <strong>de</strong> crescerem público com a sua audiência,<strong>de</strong> se adaptar àquilo que os temposexigiam sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a sua próprialinha do horizonte.Eram (e continuam a ser) poucosos ídolos pop pré-fabrica<strong>dos</strong> com controlocriativo absoluto sobre a suacarreira, sem a mãozinha mágica <strong>de</strong>um “svengali” que os dirigisse. Michaeltinha conseguido esse controlo logonos tempos <strong>dos</strong> Wham!, a “boyband” partilhada com o amigo <strong>de</strong> liceuAndrew Ridgeley que o revelouem 1982, cujos êxitos foram (quaseto<strong>dos</strong>) escritos e produzi<strong>dos</strong> por ele.E alar<strong>de</strong>ava-o com a arrogância arregaladaque só um puto <strong>de</strong> vinte anosque sabe que é bom tem.Mas Michael era mesmo bom. É issoque diz na entrevista a Mark Goodierincluída na luxuosa reedição <strong>de</strong>“Faith” que acaba <strong>de</strong> chegar às lojas:as suas escolhas <strong>de</strong> carreira não foramnecessariamente tão estratégicas comopareciam vistas <strong>de</strong> fora, reflectiamapenas a convicção e a auto-confiança<strong>de</strong> alguém que sabia o que queriae como o queria, e a quem se <strong>de</strong>racarta branca na expectativa que ele,melhor que ninguém, soubesse o queseu público queria.Vinte milhões <strong>de</strong> álbuns <strong>de</strong>pois,“Faith” regressa como paradigma esintoma do que a música pop significavaem 1987 – e do que a música popsignifica hoje.Ver<strong>de</strong>s anosHoje, o regresso a “Faith” é paradigmada exploração exaustiva do fundo<strong>de</strong> arquivo que vai permitindo às discográficasirem-se mantendo à tona<strong>de</strong> água: som cuida<strong>dos</strong>amente restaurado,alinhamento original intacto,expansão para um segundo CD <strong>de</strong> <strong>lado</strong>sB, remisturas e sobras contemporâneas(<strong>de</strong> interesse exclusivo paracoleccionadores mais ferrenhos). Naedição especial, ainda um DVD comtelediscos e materiais promocionaisda época; e ainda, na versão <strong>de</strong> luxopara coleccio nadores, uma bolsa composters, fotos e memorabilia, um livro<strong>de</strong> capa dura com a tal entrevista, umfac-simile do LP original.Ao mesmo tempo, o regresso a “Faith”é sintoma <strong>de</strong> uma carreira literalmenteem ponto morto. No quase quarto<strong>de</strong> século que <strong>de</strong>correu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição<strong>de</strong> “Faith”, em Outubro <strong>de</strong> 1987,Michael apenas editou mais três álbuns<strong>de</strong> originais (“Listen Without PrejudiceVol. 1”, 1990; “Ol<strong>de</strong>r”, 1996; e “Patience”,2004), um <strong>de</strong> versões (“Songs fromthe Last Century”, 1999), duas compilações(“Ladies and Gentlemen”, 1998e “Twenty-Five”, 2006) e meia-dúzia<strong>de</strong> colaborações e singles avulsos.“Faith”, primeiro álbum a seguirao fim auto-<strong>de</strong>cidido <strong>dos</strong> Wham!, aindahoje faz figura <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> toque<strong>de</strong> uma carreira que não voltou a tereste impacto. É disco do seu tempo,que nos reenvia forçosamente paraanos <strong>de</strong> inocência em que a pop aindaera algo <strong>de</strong> vital, em que a rádio aindaera a banda-sonora <strong>dos</strong> nossos dias,em que se vivia com um disco mesesa fio, se aprendiam <strong>de</strong> cor todas asletras. Hoje, na era em que o álbumse <strong>de</strong>sintegrou nos “downloads”, emque um êxito já não se me<strong>de</strong> pela ubiquida<strong>de</strong>radiofónica, em que a voragemda novida<strong>de</strong> sacrifica o temponecessário para investir num longaduração,seria possível “Faith” terimpacto semelhante?One-man-showApontemos o essencial: a pop é efémerapor natureza, e quanto maisefémera, maiores são as suas possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sobrevivência. O paradoxoé, claro, esse. Michael nunca achouque, 25 anos <strong>de</strong>pois, ainda estivéssemosto<strong>dos</strong> a ouvir “Faith” como sefosse um clássico. Que não é: ou antes,que o é não forçosamente pelascanções, apesar <strong>de</strong> uma primeira meta<strong>de</strong>arrasadora, com “Faith”, “FatherFigure”, “I Want Your Sex” e “OneMore Try” a <strong>de</strong>senhar os cantos doringue on<strong>de</strong> se iria enquadrar daí paraa frente (pop orelhuda, soul branca,funk plástico, classicismo popreinventado para a sofisticação consumista<strong>dos</strong> anos 1980).O que o torna num clássico é o impactoque teve – não apenas enquantotriunfo comercial nem enquantoprova <strong>de</strong>finitiva da versatilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>um músico <strong>de</strong> 24 anos que criara odisco praticamente sozinho, mas sobretudoenquanto artefacto pop queusou com enorme “savoir-faire” to<strong>dos</strong>os canais que lhe estavam disponíveisna altura para impôr o seu domínio.Com um consumado sentido do espectáculoe do “entertainment” maioritariamenteausente <strong>de</strong>stes dias fragmenta<strong>dos</strong>em que vivemos, supervisionandoaté a direcção criativa <strong>dos</strong>telediscos realiza<strong>dos</strong> por Andy Morahan,assegurando um controlo absolutosobre a mensagem que foi sem-12 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


“Freeek!”. É nesta pop literalmente“a meio do caminho”, entre a energiapagã e carnal da soul clássica e o <strong>de</strong>corocasto da pop bem-comportada,que Michael se sentiu (se sente) emcasa – e é neste álbum impecavelmenteembrulhado que cristalizou as suasambições e <strong>de</strong>sejos, que revelou a <strong>de</strong>voçãopela soul norte-americana que<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre marcou a pop inglesa,da voz negra <strong>de</strong> Steve Winwood nostempos <strong>dos</strong> Spencer Davis Group àsaspirações <strong>de</strong> Joss Stone ou Duffy.Hoje, Michael não enjeita “Faith”,mas diz já não o conseguir ouvir. Foium passo no percurso e, como confessaa Mark Goodier, ouve nele “oprocesso mais do que o resultado”.Fala do álbum como um disco <strong>de</strong> libertaçãoque lhe possibilitou “espraiaras asas” e voar para longe daetiqueta <strong>de</strong> ídolo tinaiger – e nuncavoou tão alto como aqui, com um misto<strong>de</strong> engenho pop e aspiração soul(directamente nascido da evolução<strong>dos</strong> Wham!) que explica o impactoque o disco teve junto da comunida<strong>de</strong>americana, com uma noção milimétrica,quase calculada.“Faith” foi uma “prova <strong>de</strong> fogo” -“aqui está quem eu sou, o que eu seifazer”, com a sincerida<strong>de</strong> apenas possívela quem cresceu em público e aconsciência <strong>de</strong> que tudo se joga numacalculada meta-ficção <strong>de</strong> falsa sincerida<strong>de</strong>,<strong>de</strong> fachadas que revelam tantoquanto escon<strong>de</strong>m (outra vez daentrevista, Michael diz que passou operíodo <strong>de</strong> “Faith” <strong>de</strong> óculos escurosporque não conseguia já olhar ninguémnos olhos).Sim, talvez nada disto tivesse sidotão premeditado como parecia – maso segredo <strong>de</strong> Michael sempre residiuem fazer o acaso parecer propositado,e o <strong>de</strong>liberado parecer aci<strong>de</strong>ntal. Sim,talvez “Faith” pu<strong>de</strong>sse nunca ter sidoum êxito – Michael não achava, nemNuma altura em quea pop eraconservadora, GeorgeMichael inseria“pauzinhos naengrenagem”, titilavaas alegrias do sexomantendo secretaa sua sexualida<strong>de</strong>e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndoa monogamiapor um segundo, que o álbum ofuscariao êxito global <strong>dos</strong> Wham!, umadas poucas bandas pop inglesas querepetiu a popularida<strong>de</strong> do <strong>lado</strong> <strong>de</strong> ládo Atlântico.Se isso tivesse acontecido, talvezestivéssemos hoje aqui a falar, maisdo que <strong>de</strong> um álbum clássico, <strong>de</strong> umdisco perdido que reflectia um artistapop que sabia o que estava a fazer,mesmo que não o articulasse com aconsciência <strong>de</strong> que este ainda era umdisco <strong>de</strong> transição, do ídolo pop certinhoe limpinho para o homem sexualque apenas <strong>de</strong>z anos mais tar<strong>de</strong>,com a festa <strong>de</strong> “coming out” que foio single “Outsi<strong>de</strong>”, se abriu abertamenteao mundo.Mas a fé que George Michael tinhaem si mesmo, essa, transpira <strong>de</strong>stes50 minutos <strong>de</strong> música que, em 1987,tomaram o mundo. Na altura, issoera algo <strong>de</strong> notável. Hoje, continuaa sê-lo.E talvez agora seja possível, finalmente,ouvi-lo sem preconceitos.pre a chave da sua imagem pública.(Três anos <strong>de</strong>pois, Michael faria daausência da sua imagem a chave dacampanha <strong>de</strong> “Listen Without Prejudice,Volume 1”; em 2004, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ter dito que “Patience” seria o seu últimoálbum “tradicional”, anunciouque a partir daí todas as suas novida<strong>de</strong>sviriam através do online.)Numa altura em que a pop era superficial,inofensiva, conservadora,Michael sabia que as adolescentes nãoficariam eternamente castas e ingénuas.Inseria “pauzinhos na engrenagem”,titilava as alegrias do sexo manten<strong>dos</strong>ecreta a natureza da sua sexualida<strong>de</strong>e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a monogamia,explorava <strong>de</strong>liberadamente a ambiguida<strong>de</strong>do seu visual estilizado (barba<strong>de</strong> três dias impecavelmente feita,óculos escuros, casaco <strong>de</strong> cabedal,luvas Jacksonianas), inscrevia-se aomesmo tempo nas tradições da soulbranca ou da nova negritu<strong>de</strong> digitalque Prince (<strong>outro</strong> sinal <strong>dos</strong> seus tempos)li<strong>de</strong>rava.Dar-lhe com a almaPara o bem e para o mal, Michael é oartista <strong>de</strong> “Faith”, apesar do sucessoque o álbum da maturida<strong>de</strong>, “Ol<strong>de</strong>r”,obteve, ou da entrega aos <strong>de</strong>lírios maisdançáveis <strong>de</strong> “Outsi<strong>de</strong>”, “Fastlove” ouÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 13


Chega a St. Apolónia em boaaltura porque o seu magníficoálbum do ano passado, “LongDistance”, tem vindo a ser<strong>de</strong>scoberto progressivamenteO francês Arnaud Bernard, ou sejaOnra, vive em Paris, uma das cida<strong>de</strong>son<strong>de</strong> mais se ouve, sente e vive a culturahip-hop. A seguir ao gigante americanoé em França que se concentraa maior fatia <strong>de</strong> consumidores do género.Não espanta que a sua visão sobrea cultura hip-hop seja <strong>de</strong>scomplexadae, ao mesmo tempo, informada.Ele cresceu com o género. Não precisou<strong>de</strong>le para afirmar nenhumai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Para ele, o hip-hop é arte.Ponto.É essa arte que vem apresentar a<strong>Lisboa</strong>, sábado, no espaço O<strong>de</strong>ssa, aSt. Apolónia. E chega em boa alturaporque o seu magnífico álbum do anopassado, “Long Distance”, tem vindoa ser <strong>de</strong>scoberto progressivamente,com o final do ano a funcionar comocatalisador, tendo figurado em muitaslistas <strong>de</strong> melhores <strong>de</strong> 2010.A razão não é difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>scortinar.No campo do hip-hop <strong>de</strong> característicasinstrumentais com apontamentosvocais, não houve muitos discoscomo o <strong>de</strong>le, capaz <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>volverum universo sofisticado e lúdico, através<strong>de</strong> elementos resgata<strong>dos</strong> ao electro<strong>dos</strong> primórdios <strong>dos</strong> anos 80, àsoul, ao funk, ou ao “boogie”, essaforma sintética <strong>de</strong> funk que veio a seguirao “disco”, sugerida pela utilizaçãodas caixas <strong>de</strong> ritmos e pelos sintetizadores.É um disco <strong>de</strong> isolamento <strong>de</strong> fragmentos<strong>de</strong> sons e <strong>de</strong> vozes, mistura<strong>de</strong> impulsos hip-hop, ondas digitaiselectro, elementos “disco”, frasea<strong>dos</strong>funk e um balanço geral solarengo,numa multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estímulosbem organizada. Como alguns <strong>outro</strong>scriadores <strong>de</strong> batidas hip-hop do passadorecente ( J Dilla ou DJ Premier) edo presente (Dâm-Funk, Sa-Ra CreativePartners, Flying Lotus, PlanitumPied Pipers ou Madlib), Onra possuium sentido profundo da história daselectrónicas. Como aqueles, tambémincorpora no seu som princípios do<strong>de</strong>ep-house <strong>de</strong> Chicago (Larry Heard),do tecno <strong>de</strong> Detroit ( Juan Atkins), doelectrofunk <strong>dos</strong> anos 80 (Prince) oudo ambientalismo (Brian Eno).Não é o seu álbum <strong>de</strong> estreia. O seuprimeiro longa-duração, feito a meiascom o cúmplice Al Quetz, data <strong>de</strong>2006 e chama-se “A hip-hop TributeTo Soul Music”. O nome diz tudo. Aliásto<strong>dos</strong> os seus álbuns têm um conceito,qualquer coisa que serve <strong>de</strong>ponto <strong>de</strong> partida e garante uma certaunida<strong>de</strong> estética. No ano seguinte, emcolaboração com o teclista Byron TheAquarius, concretizou um álbum coma <strong>de</strong>signação Big Payback.Na mesma altura viajou até ao Vietname,<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os seus avós são origináriose <strong>de</strong> on<strong>de</strong> trouxe uma mãocheia <strong>de</strong> antigos discos <strong>de</strong> vinil <strong>de</strong> origemvietnamita e chinesa.Com esse material acabou por completar“Chinoiseries”, talvez o seuregisto mais aclamado, do qual foiretirado o tema “The anthem”, queacabou por ser escolhido pela Coca-Cola para uma publicida<strong>de</strong> no contexto<strong>dos</strong> Jogos Olímpicos <strong>de</strong> Pequim.Mais tar<strong>de</strong> seguir-se-ia o projecto“1.0.8”, inspirado na música <strong>de</strong>Bollywood, e finalmente, o ano passado,“Long Distance”, que contoucom as colaborações do francês WalterMecca e do americano T3 <strong>dos</strong>Slum Village.Canções, o próximo passoA sua história é igual à <strong>de</strong> tantos <strong>outro</strong>smúsicos e produtores <strong>de</strong> músicafeita em ambiente doméstico, paraser <strong>de</strong>sfrutada colectivamente. Des<strong>de</strong>os 10 anos que o hip-hop faz parte dasua vida, através do irmão, mas nessaaltura, como dizia recentemente, nãoNo campo do hip-hop<strong>de</strong> característicasinstrumentais comapontamentos vocais,não houve muitosdiscos como o <strong>de</strong>le,capaz <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>volverum universosofisticado e lúdicotinha sentido crítico, não diferenciandoentre MC Hammer, Kriss Kross,N.W.A. ou A Tribe Called Quest. “Paramim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ouvisse alguém a ‘rappar’,era bom.”Aos 19 anos começou a experimentara criação, recorrendo a programas<strong>de</strong> computador muito rudimentares.Na actualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter afirmadona arena internacional, actuaregularmente pela Europa, EUA e Japão,num misto <strong>de</strong> sessão DJ e sessãoao vivo, com gira-discos e diversoequipamento tecnológico.Uma das facetas mais relevantes<strong>dos</strong> seus temas é a forma como se <strong>de</strong>senvolvem,quase como se fossemcanções. A maior parte tem apontamentosvocais, mas mesmo aquelesque não têm possuem uma estrutura<strong>de</strong> canção.Numa entrevista recente quandolhe perguntaram com que cantor gostaria<strong>de</strong> trabalhar não se acanhou elançou para a mesa alguns das vozesmais conhecidas da música negra dasúltimas décadas: André 3000 (OutKast),Sa<strong>de</strong>, Prince, Pharrell Williams,Erykah Badu ou D’Angelo.Depois <strong>de</strong> álbuns feitos apenas com“samples” <strong>de</strong> soul, <strong>de</strong> Bollywood, dofolclore chinês e do funk <strong>dos</strong> anos 80,o próximo passo será mesmo a feitura<strong>de</strong> canções. Po<strong>de</strong> ser que não sejacom alguns <strong>dos</strong> nomes <strong>de</strong>clara<strong>dos</strong>,mas tudo indica que o próximo álbumserá mesmo constituído por cançõese talvez mais próximo do dub ou do<strong>de</strong>ep-house do que do hip-hop. Nada<strong>de</strong> espantar, olhando para o <strong>de</strong>senvolvimentodo seu percurso até aqui.Até <strong>Lisboa</strong>.À <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> OnraNem to<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ram por ele, mas o ano passado o francês lançou um <strong>dos</strong> mais entusiasmantesálbuns <strong>de</strong> hip-hop, com alusões ao funk e electro <strong>dos</strong> anos 80. Oportunida<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>scobrir,sábado, em <strong>Lisboa</strong>. Vítor Belanciano14 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


TENDAS NO DESERTO<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> João Jacintocuradoria: Paulo Pires do Valewww.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220(EINSTÜRZENDE NEUBAUTEN)(ZU)Exposição: 5 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2010 até 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2011Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h00 às 20h00Ciclo <strong>de</strong> conversas «Auto-retrato e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»(na literatura, na filosofia e na arte):João Barrento – «Do Eu ao Há: Pessoa, Celan, Llansol»22 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00Maria João Branco – «Imagens monológicas. A pele e a voz»29 <strong>de</strong> Janeiro (sábado) às 17h00Bruno Marchand – «Auto-retrato, Auto-representação e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>»5 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h00«Relatório Confi<strong>de</strong>ncial», Orson Welles (1955) – projecção do filmecom introdução <strong>de</strong> João Jacinto e Paulo Pires do Vale26 <strong>de</strong> Fevereiro (sábado) às 17h0022:30—ENTRADALIMITADA ÀLOTAÇÃO DOSESPAÇOSSALA SUGGIASALA 2RESTAURANTECIBERMÚSICABARES 1 E 2PATROCÍNIOMECENAS CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICAfundação carmona e costaEdifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>)Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 <strong>Lisboa</strong>(Bairro do Rego / Bairro Santos)Tel. 217 803 003 / 4www.fundacaocarmonaecosta.ptMetro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Cida<strong>de</strong> Universitária | Autocarro: 31SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARAESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES E VÁLIDA APENAS PARA UM CONVITE POR JORNAL.informações e reservasBilhetes à venda online ou directamente nabilheteira da Fundação Calouste GulbenkianSegunda a Sexta, das 10h00 às 19h00Tel. 217 823 800www.<strong>de</strong>scobrir.gulbenkian.pt


Piano inclinadoNa segunda edição do Fim-<strong>de</strong>-Semana Especial, <strong>de</strong>sta vez <strong>de</strong>dicado ao piano, o Teatro Maria Matosapresenta este sábado um <strong>dos</strong> maiores vultos do jazz europeu. Alexan<strong>de</strong>r von Schlippenbach é umnome que dá quase tanto prazer a dizer quanto a ouvir <strong>de</strong>smembrar o instrumento. Gonçalo FrotaCarlos Bica, que conheceuSchlippenbach há 15 anos,em Berlim, vê no pianistaum <strong>dos</strong> poucos músicos do jazzeuropeu em que “o radicalismomusical é genuíno, pareceter nascido com ele”Um jovem prodígio com gran<strong>de</strong> carreirana electrónica e na engenhariainformática começa por fazer isto:<strong>de</strong>smontar to<strong>dos</strong> os electrodomésticosque encontra em casa, estudandolheos circuitos e todas as variações<strong>de</strong> causa-efeito. Depois, monta tudooutra vez, para quem paga as contaslá em casa não dar por nada e a vidasegue normal, com o futuro a alinharsee a ganhar contornos <strong>de</strong>fini<strong>dos</strong>. Narelação <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r von Schlippenbachcom o jazz, po<strong>de</strong>r-se-ia contaruma história semelhante. Só que diferente.Nome marcado com pianoem brasa na história do jazz europeu,o alemão começou por <strong>de</strong>smontar o<strong>outro</strong> jazz, o americano, e estudou-lheas peças, as ligações, os filamentos.Depois, optou por juntar tudo emcombinações novas, certificando-seque a justaposição entre o original ea sua cópia só com alguma imaginaçãocoincidiria. É um pouco como afrase emblemática d’“O Ódio”, filme<strong>de</strong> Mathieu Kassovitz: “O que contanão é a queda, mas sim a aterragem”.Só que diferente. No caso <strong>de</strong> Schippenbach,o que conta é mesmo aqueda. E quanto mais livre melhor.A afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r von Schlippenbachcom o jazz é quase edipiana.Não mata o pai – o be bop –, masmói-lhe as entranhas com um esplendore uma mestria que parecem roubarao piano todas as notas que estetem para oferecer. Tudo começou napuberda<strong>de</strong>, localizada temporalmenteno início <strong>dos</strong> anos 50, quando frequentavaum colégio interno e começoua sonhar com a vida para lá daquelaspare<strong>de</strong>s. Leu uma históriailustrada do jazz e começou a ouvir oprograma radiofónico “Voice of AmericaJazz Hour”, misto <strong>de</strong> revisão históricacom apresentação <strong>de</strong> novastendências. Punha o <strong>de</strong>spertador todasas noites para horas impróprias eescapulia-se para o chuveiro, para po<strong>de</strong>rescutar sem sobressaltos os sonsque lhe eram envia<strong>dos</strong> do <strong>outro</strong> <strong>lado</strong>do Atlântico. Essa, reconhece, foi a suaprimeira e <strong>de</strong>terminante escola, alturaem que passou a seguir o messiasCharlie Parker. Mais tar<strong>de</strong>, quando játinha ida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>cidir o que fazercom a vida, foi estudar composiçãopara Colónia e integrou o seu primeirogrupo <strong>de</strong> jazz, um quinteto (<strong>de</strong>Manfred Schoof) que imitava os ídolosnorte-americanos, tentando soar omais próximo possível da sua galeria<strong>de</strong> ídolos.Nome marcado compiano em brasana história do jazzeuropeu, começou por<strong>de</strong>smontar o <strong>outro</strong>jazz, o americano,e estudou-lheas peças, as ligações,os filamentos. Depois,optou por juntar tudoem combinaçõesnovas, certificando-seque a justaposiçãosó com algumaimaginaçãocoincidiriaA resposta europeiaDepois <strong>de</strong> ter ouvido e i<strong>de</strong>ntificado aDivina Providência em Ornette Colemane Cecil Taylor no início <strong>dos</strong> anos60, aí Schlippenbach percebeu queem vez <strong>de</strong> ser seguidor queria ser elea criar o próprio rasto. Ao cruzar-secom <strong>outro</strong> monstro da voragem musicalchamado Peter Brötzmann, montoua Globe Unity Orchestra – que semantém activa –, formação equivalenteà libertação absoluta <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> osespartilhos. A estreia aconteceu em1966 e foi o ponto <strong>de</strong> viragem na suacarreira. Os manuais estavam na fogueirae a chama que <strong>de</strong> lá vinha eratão polémica quanto majestosa. Foiaos coman<strong>dos</strong> <strong>de</strong>sta portentosa orquestra<strong>de</strong> improvisação que o contrabaixistaCarlos Bica contactou pelaprimeira vez com o piano <strong>de</strong>sembestado<strong>de</strong> Schlippenbach, na Gulbenkian.“Foi no final <strong>dos</strong> anos 70,quando ainda estava a dar os meusprimeiros passos na música. A GlobeUnity, orquestra por ele dirigida e osmúsicos que <strong>de</strong>la fizeram parte nessafase inicial, foram a resposta europeiaao free jazz americano e tiveram umpapel muito importante não só na históriado jazz europeu, como tambémna história da música erudita <strong>dos</strong> séculosXX e XXI”.Bica, que conheceu Schlippenbachhá 15 anos, em Berlim, através da mulher(a também pianista Aki Takase),vê no pianista um <strong>dos</strong> poucos músicosdo jazz europeu em que “o radicalismomusical é genuíno, parece ter nascidocom ele”. “O meu maior <strong>de</strong>sejo, enquantoespectador e ouvinte”, diz-nos,“é que o músico que pisa o palco meleve a acreditar naquilo que estou aouvir, e ele consegue-o plenamente”.Vivendo ambos em Berlim, era quaseinevitável que os seus percursos se encontrassem,e Bica tocou com o alemãoem clubes berlinenses, em concertosassentes na obra <strong>de</strong> Thelonious Monke na música improvisada.Pedro Costa, da editora portuguesaClean Feed, partilha com Bica a crença<strong>de</strong> que Schlippenbach “é um <strong>dos</strong> nomesmaiores do jazz europeu”. E emboranão hesite em elogiar os projectosdo músico com Brötzmann e, mais tar<strong>de</strong>,o trio com Evan Parker e Paul Lovens,<strong>de</strong>staca essa notável revisão daobra <strong>de</strong> Monk que Schlippenbach temvisitado a solo, em trio ou com o colectivoMonk’s Casino: “Os americanosnunca foram capazes <strong>de</strong> ter uma visãotão pessoal da música do Monk. Porter uma mente muito aberta e ter feitoescola a tocar música mais abstracta,ele <strong>de</strong>dicou-se ao Monk <strong>de</strong> uma formamuito menos académica, mais livre”.O percurso <strong>de</strong> Schlippenbach – hojecom 72 anos – foi privilegiando cadavez mais a improvisação. Nos últimostempos, confessou em entrevista aosite JazzPhoto, os músicos da GlobeUnity já nem falam antecipadamentesobre o que vão tocar. Sobem simplesmenteao palco e seguem sem qualquerplano. No Teatro Maria Matos,este sábado, não <strong>de</strong>verá ser diferente.O mais certo é que ao entrar no palco,a segun<strong>dos</strong> <strong>de</strong> se curvar sobre o piano,Schlippenbach não faça a mais pequenai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> qual a primeira nota quelhe fugirá <strong>dos</strong> <strong>de</strong><strong>dos</strong>.16 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


lá do universo da música clássica,esten<strong>de</strong>ndo-se ao jazz através do trabalho<strong>de</strong> Steve Lehman.” Afinal o queé isso <strong>de</strong> “spectral music”? “É difícilexplicar, falar sobre isso. É como setentássemos explicar o be-bop. A formamais simples que me ocorre serádizer que se trata <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>compor em quesão exploradasas proprieda<strong>de</strong>s físicas do som, ostimbres e a sua composição física. Essainformação, o conhecimento daforma como interagem fisicamenteno espaço as diferentes notas, ajudanosa organizar os sons numa composição.O que faz uma nota <strong>de</strong> um sa-xofone soar diferente da mesma notatocada num clarinete? São os harmó-nicos, os overtones, o ataque, o<strong>de</strong>cay...e a cada harmónico acontecealgo <strong>de</strong> diferente após a sua emissão.Às vezes, quando se trata <strong>de</strong> um sompouco usual, proce<strong>de</strong>mos ao estudo<strong>de</strong>talhado da onda sonora, mas amaior parte das vezes esse estudo jáestá feito e nós limitamo-nos a utilizara informação disponível.”Ao escutarmos o verda<strong>de</strong>iro assaltosónico que constituem algumasdas improvisações <strong>de</strong> CharlieParker ou Albert Ayler, ou o tom ligeiramentenostálgico e narcóticoque atravessa toda a música <strong>de</strong> OrnetteColeman, não será difícilimaginar os avanços que um estudoprofundo <strong>de</strong>ssa música à luz<strong>dos</strong> princípios da música expectralpo<strong>de</strong>ria trazer para o jazz.Nomeado “rising star” por quatroanos consecutivos pela revista“Down Beat”, Lehman viu a suacarreira disparar com a edição, em2009, <strong>de</strong> “Travail, Transformationand Flow”, álbum que o grupo veiointerpretar nos recentes espectáculosda Culturgest e Casa da Música e quesuce<strong>de</strong> uma viragem estética iniciadaem “Demian as Posthuman”. Se o saxofonistaera já apontado ado comoum<strong>dos</strong> maispromissores oresinstrumentis-tistasda nova geração, subitamentetoda a atenção se virou para o seutalento como compositor, salientando-sea visão mo<strong>de</strong>rnística reveladanos seus arranjos. Essa mudança <strong>de</strong>foco foi <strong>de</strong>liberada? “Penso que não.Sinto que o meu foco como instrumentistanão mudou. O que aconte-ceu é que passou a haver uma maiorintegração do trabalho como saxofo-nista e do trabalho como compositor.Como performer tive <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolveruma técnica que me permitisse tocarto<strong>dos</strong> aqueles micro-tons que utilizonas composições e ainda improvisar<strong>de</strong> forma livre e fluída. Houve tambémuma gran<strong>de</strong> evolução pelo facto<strong>de</strong> ter dispendido gran<strong>de</strong> energia a<strong>de</strong>senvolver uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> músicosque conheçam e consigam tocarcom rigor a minha música. Procureipessoas com interesses similares aosmeus, que não sintam que estão apenasa trabalhar. A primeira vez quese toca este tipo <strong>de</strong> música não é fácil.E é isso que quero, forçar os músicosa tocar <strong>de</strong> forma diferente, a encontraralgo <strong>de</strong> novo. Isso é o melhor queuma composição para improvisadorespo<strong>de</strong> ter - é difícil ao início mas<strong>de</strong>pois encontra-se algo <strong>de</strong> novo acerca<strong>de</strong> nós próprios.”Cada vez mais comprometido comos princípios da música expectral, ea preparar-se para uma temporadaem Paris como investigador convidadodo IRCAM (Institut <strong>de</strong> Rechercheet Coordination Acoustique/Musique),Steve Lehman é bem capaz <strong>de</strong>já não conseguir voltar atrás. E issoé bom,fazendo adivinhar ar umaenor-me abertura <strong>de</strong> horizontes onteparaofuturo do jazz.Av. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 <strong>Lisboa</strong> | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museudooriente.ptfalaCada vez mais comprometidocom os princípios da músicaexpectral, e a preparar-separa uma temporada em Pariscomo investigador convidadodo IRCAM (Institut <strong>de</strong>Recherche et CoordinationAcoustique/Musique), SteveLehman é bem capaz <strong>de</strong> já nãoconseguir voltar atrásAv. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 <strong>Lisboa</strong> | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museudooriente.ptÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 19


Se há alguém o epíteto <strong>de</strong> “escritoraemocional” cabe bem é a EdnaO’Brien. “Emocional” é uma expressãoredutora – usamo-la no sentido<strong>de</strong> uma escrita que vive <strong>de</strong> vísceras,em que o ritmo, a escolha das palavrasindica uma relação epidérmicada autora com as emoções que constróipara as personagens.Tudo na obra <strong>de</strong> Edna O’Brien éuma longa carnificina: corpos expostosao <strong>de</strong>sejo, culpa, neuroses, o malque nos persegue ou o mal a que voltamosou que provocamos. Em cadauma das suas páginas exsuda-se a febreque une e separa homens e mulheres,a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar opassado.Em última instância, tudo nela seresume a essa coisa amaldiçoada quese abate sobre os humanos disfarçada<strong>de</strong> bênção: o amor, um amor que seinfiltra em todas as pregas em que avida das personagens se <strong>de</strong>sdobra,um amor que não <strong>de</strong>ixa as personagensem sossego.Se quiserem: Edna O’Brien é <strong>outro</strong>nome para irreprimível inquietação.É a rainha das contradições, alguémque se dá uma chapada com umamão, usa <strong>de</strong> imediato a outra para umafago (e vice-versa).No seu caso quase temos dificulda<strong>de</strong>em separar a autora da obra. Damesma forma que as suas personagens,por mais resistentes que sejam,estão constantemente expostas àsforças da natureza, também nas suasmuitas entrevistas ela é <strong>de</strong> uma autoexposiçãotremenda. Por vezes asconfidências surgem comoventes,outras quase que gostaríamos que elativesse um pouco <strong>de</strong> pudor. Mas omais estranho da personagem O’Briené a forma <strong>de</strong>sassombrada como fala<strong>de</strong> assuntos (pessoais) terríveis – comofalar <strong>de</strong>sassombradamente <strong>de</strong>fantasmas?Um adjectivo possível para a escritoraseria “Byronesco”. Não por acasoo seu mais recente livro (acabado<strong>de</strong> editar pela Relógio D’Água) é umabiografia <strong>de</strong> Byron, “Byron e o Amor”,mas não no sentido tradicional dotermo biografia: O’Brien escolhe umângulo muito seu, o das relações amorosasdo poeta inglês, mas acima <strong>de</strong>tudo o das suas relações com as mulheres,esmiuçadas ao milímetro – aocontrário das suas relações homossexuais,que são apresentadas <strong>de</strong> modomenos torturado.Não se po<strong>de</strong> afirmar que “Byron eo Amor” vai ocupar um lugar fulcralna longa obra da escritora, mas não<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um belo livro, que se lêcom uma rapi<strong>de</strong>z imensa, fruto da<strong>de</strong>puração que O’Brien aqui atinge.A ferida na infânciaContudo, esta não é única obra daautora a chegar recentemente às livrarias.Aproveitando a comemoração<strong>dos</strong> 80 anos da escritora a RelógioD’Água editou há meses “Raparigas<strong>de</strong> Província” (1960), o seu primeirolivro, que, com “The Lonely Girl”(1962) e “Girls In Their Married Bliss”(1964), forma uma espantosa trilogia.Os dois últimos serão igualmente traduzi<strong>dos</strong>para português.“Raparigas <strong>de</strong> Província” não sóencerra em si toda a temática queO’Brien viria mais tar<strong>de</strong> a explorar e<strong>de</strong>senvolver como a tornou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício, tanto uma estrela como umainimiga a abater. A forma sem ro<strong>de</strong>ioscomo o romance abordava o sexovaleu-lhe o ódio da Igreja Católica e acensura: o livro foi proibido, retiradodas lojas e, segundo conta a lenda,chegou a haver gente que <strong>de</strong>clarouque O’Brien <strong>de</strong>via ser queimada nuana rua. (Ao que O’Brien terá respondido:“Nua, porquê? Vestida não serve?”)A reacção acabou por “confirmar”o livro cujas personagens crescemnuma comunida<strong>de</strong> pequena e ruralda Irlanda, uma comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> atragédia e a violência espreitam portrás da aparentemente normalida<strong>de</strong>.“Raparigas <strong>de</strong> Província” é um (duríssimo)romance <strong>de</strong> aprendizagemcentrado em duas amigas, Kate Bradyand Baba Brennan. Kate é filha <strong>de</strong> paialcoólico e violento, que <strong>de</strong>saparecedurante temporadas e gasta o dinheirono jogo. O traço fundamental <strong>de</strong>Baba é o sonho <strong>de</strong> ascensão social quelhe é transmitido pela mãe.Des<strong>de</strong> o primeiro parágrafo que otalento e traço únicos <strong>de</strong> O’Brien serevelam: uma escrita seca, precisa,ainda que pontuada por algumas imagensmais adornadas, estão ao serviço<strong>de</strong> um olhar meticuloso, dir-se-ia feminino,que tanto se <strong>de</strong>mora nuns chineloscomo no retrato <strong>de</strong> uma pessoa.Atirando às malvas todas as regras<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> personageme <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> informação,O’Brien faz-nos logo saber que o pai<strong>de</strong> Kate não tinha voltado a casa durantea noite e, no simples processo<strong>de</strong> Kate arranjar-se e ir comer, a autoraconsegue dar à casa contornos<strong>de</strong> horror físico (como se a casa fosseum ente assustador).Avançando (sem adiantar pormenoresque po<strong>de</strong>riam estragar o prazerda leitura), as duas raparigas (que partilhamtudo entre si e se ensinam mutuamentenas artes da intimida<strong>de</strong>) vãopara um colégio interno e daí paraDublin. Por entre a iniciação sexualdas raparigas, o que acaba por estaraqui em causa é o retorno que elastêm pela sua coragem – parco retorno,diga-se: ambas procuram o amor, masBaba está mais presa às ilusões queherdou da mãe que ao real, enquantoKate é incapaz <strong>de</strong> se relacionar <strong>de</strong>vidoaos abusos paternos.Uma lição possível seria concluirque o passado nunca vai embora. E<strong>de</strong> certa forma, pelo menos para aprópria Edna O’Brien, isso parece serverda<strong>de</strong>, já que os primeiros passosda sua biografia acabaram por tornarsea impressão digital <strong>de</strong> toda a suaobra, que recorre incessantementeaos mesmos assuntos e motivos.Exemplificando: ainda em 2002, em“The Forest”, o protagonista é um assassinoque cresceu solitário e foi vítima<strong>de</strong> abuso em criança. Gente solitária,esgaçada pela culpa, com um passado<strong>de</strong> hematomas, é isto que interessa aO’Brien. Uma solidão que por vezeslembra o que os psicanalistas chamam“Despersonalização”, como é visívelem “August Is a Wicked Month”, emque a protagonista, Ellen, pensa “Thisis not me, I am not doing this”.Há razões para isto: por exemplo, assemelhanças entre a autora e a Kate <strong>de</strong>“Raparigas <strong>de</strong> Província” não são ocasionais.O’Brien também cresceu numafamília mo<strong>de</strong>sta num tugúrio da Irlan-EdnaO’Brienbate com uma mãoe acaricia com outraPara Philip Roth ela é a gran<strong>de</strong> escritora viva da línguainglesa. Para os leitores fiéis é das poucas escritorasque põe a carne das personagens à vista. Para osportugueses é o primeiro encontro: a Relógio D’Águaacaba <strong>de</strong> editar o primeiro e último romance <strong>de</strong> umaautora cuja carreira já vai em 50 anos. João Bonifácio20 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


Tudo na obra <strong>de</strong> EdnaO’Brien é uma longacarnificina: corposexpostos ao <strong>de</strong>sejo,culpa, neuroses, o malque nos persegue ouo mal a que voltamosou que provocamosda, em terras dominadas por misticismos,álcool, fanatismo religioso, violência,uma socieda<strong>de</strong> que proibia o divórcio,o aborto e os contraceptivos – umasocieda<strong>de</strong>, obviamente, machista.Tal como a protagonista do seu romance<strong>de</strong> estreia, o pai <strong>de</strong> O’Brien eraum alcoólico abusivo e a sua mãe submissa(pese embora não tenha morrido).E tal como as suas personagens,po<strong>de</strong> dizer-se que O’Brien esteve sempreem fuga (esteve sempre só): “Raparigasda Província” foi escrito quan<strong>dos</strong>e mudou para Dublin e não conhecianinguém – como se habitar aviolência do romance fosse a sua únicahipótese <strong>de</strong> sobrevivência, comose “aquela” fosse a sua casa.O assunto – a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassara ferida na infância – foi uma vezabordado por Philip Roth, que a entrevistoupara o “New York Times” em1984 (o texto po<strong>de</strong> ser encontrado em“Shop Talk”, que reúne as entrevistasque Roth fez ao longo <strong>dos</strong> anos), quandolhe pergunta porque é que a epígrafe<strong>de</strong> “mother Ireland” é a belíssimacitação <strong>de</strong> “Molloy” <strong>de</strong> Beckett “Let ussay before I go any further, that I forgivenobody. I wish them all an atrociouslife in the fires of icy hell and in theexecrable generations to come.”O’Brien respon<strong>de</strong>u que na altura emque estava a escrever “Mother Ireland”se sentia impie<strong>dos</strong>a acerca <strong>de</strong>muita coisa que tinha acontecido nasua vida. Quando Roth insistiu e procurousaber se alguém em particularseria alvo <strong>de</strong> mais ódio por parte <strong>de</strong>O’Biren esta nem piscou os olhos antes<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r: “Até ao momentoem que morreu – que foi há um ano– era o meu pai”.Este quadro é ainda mais negro seadicionarmos o retrato da mãe, queO’Brien ofereceu sem que Roth lhefizesse alguma pergunta: “Amava-a,sobre-amava-a, mas ela <strong>de</strong>ixou-mepor herança uma culpa total. Ainda asinto por cima do meu ombro”.Não haverá uma razão exclusivapara alguém se <strong>de</strong>dicar à escrita. Masquando pensamos que um romancepo<strong>de</strong> <strong>de</strong>morar dois anos a escrever,que implica oito a <strong>de</strong>z horas <strong>de</strong> isolamentodiário, temos que nos questionar,no caso <strong>dos</strong> escritores que se<strong>de</strong>dicam aos assuntos mais violentose não fazem exercício <strong>de</strong> género, oque é que os moverá.Citação <strong>de</strong> O’Brien, da mesma entrevista:“Tenho impressão que esteagarrar-me ao passado é um <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong>sesperado <strong>de</strong> o reinventar zelosamente”.Aqui se vê a impotência <strong>de</strong>um romancista: por mais que quisessereinventar um passado, O’Brien fez<strong>de</strong>le um monumento.SÃOLUIZFEV ~113 A 6 FEVQUINTA A DOMINGO ÀS 21H00SALA PRINCIPAL M/3W W W . T E A T R O S A O L U I Z . P TAproveitandoa comemoração<strong>dos</strong> 80anos daescritora aRelógioD’Água editouhá meses“Raparigas<strong>de</strong> Província”(1960),primeiroromance, eagora oúltimo, “Byrone o Amor”SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640SÃOLUIZFEV ~11PRODUÇÃOBILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSOALUIZ.PT,WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTESBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTSALA PRINCIPALM/3APOIO À DIVULGAÇÃO11 e 12 Fev21hwww.teatrosaoluiz.ptCarlos do CarmoconvidaAntónio Victorino d’AlmeidaAntónio SerranoCarlos Bicaguitarras:Carlos Manuel ProençaJosé Maria NóbregaFernando AraújoJosé Manuel NetoRicardo RochaeOrquestra Sinfonietta <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>Dirigida pelo MaestroVasco Pearce <strong>de</strong> AzevedoCarlosdo Carmoo fado e osmúsicosAPOIO À DIVULGAÇÃOÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 21


Gil J Wolman (aqui na GalerieValérie Schmidt, <strong>de</strong> Paris,em 1964) foi muito influenciadopor duas das mais importantesvanguardas do pós-guerra,o letrismo <strong>de</strong> Isidore Isou eo situacionismo <strong>de</strong> Guy Debord,mas o seu trabalho posteriorviria a superar essas filiaçõesParis, 1950. A ocupação acabou hácinco anos e a cida<strong>de</strong> francesa viveuma alegria furiosa, para a qual contribuium grupo <strong>de</strong> artistas que <strong>de</strong>sejasuperar to<strong>dos</strong> os domínios da criaçãoartística, sem poupar a socieda<strong>de</strong>.Com ou sem escândalo, atacam a escrita,a palavra, a imagem, o cinema,a publicida<strong>de</strong>, a arte. Querem discutirtudo, radical e urgentemente, e nesseímpeto reabrem as feridas <strong>de</strong>ixadaspelo dadaísmo. Entre eles estão IsidoreIsou, François Dufrene, Guy Debord,Jean-Louis Brau e, sobretudo,Gil J. Wolman (1925-1995).Gil J. Wolman. Apontem este nomesecreto e “marginal”, pois é ele queinva<strong>de</strong> torrencialmente, há uma semana,várias salas do Museu <strong>de</strong> Serralves.Com colagens, filmes, esculturas,pinturas, objectos. Ou, parasermos mais exactos, textos dissociadodo seu sentido original, imagenscortadas, palavras escritas sobre telas,cinema sem imagem. Falamos <strong>de</strong> umaexposição, claro está, comissariadapor Frédéric Acquavica e João Fernan<strong>de</strong>s,director do museu, mas “Souimortal e estou vivo” é mais do queisso: é uma viagem ao mundo insatisfeito<strong>de</strong> Gil J Wolman, artista-poetaque ao longo da segunda meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong>éculo XX nunca cessou <strong>de</strong> inventarnovas técnicas e <strong>de</strong> experimentar diferentessuportes.Descobrir a biografia e a obra <strong>de</strong>steartista transdisciplinar conduz-nos àhistória <strong>de</strong> duas das mais importantesvanguardas do pós-guerra: o letrismo<strong>de</strong> Isidore Isou e o situacionismo <strong>de</strong>Guy Debord. Foi inspirado na propostado primeiro (uma poesia sem sentido,feita <strong>de</strong> letras e sons corporais)que <strong>de</strong>senvolveu os seus poemas sonoros(ou “megapneumas”) e a suaspinturas letristas, escrevendo sobreas superfícies preparadas das telas. Efoi já com Debord que <strong>de</strong>senvolveuas “métagraphies”, colagens <strong>de</strong> imagense textos da publicida<strong>de</strong> e da imprensaque <strong>de</strong>compunham o mundoreal para compor <strong>outro</strong>, inquietantee incongruente. Como poemas visuaisassombra<strong>dos</strong> pela figura <strong>de</strong> KurtSchwitters. A relação com o autor <strong>de</strong>“A Socieda<strong>de</strong> do Espectáculo”, nãose ficou por aqui. Em 1956, no nº8 darevista “Les Lèvres Nues”, Wolmanassinou com Debord o artigo “Mo<strong>de</strong>d’emploi du détournement”, estabelecendoo conceito <strong>de</strong> “détournement”(<strong>de</strong>svio), tão caro, apropriadoe revisto nas décadas seguintes.Os objectivos eram claros: atirar aescrita, a palavra, ao chão. Atacar ossenti<strong>dos</strong> “autoritários” da coisas, <strong>de</strong>volveras mensagens “armadilhadas”sem estética. Mas para Wolman a superaçãoda arte não acabava numimpasse. Significava a continuação daarte. Daí, talvez, as suas zangas como letrismo e o facto <strong>de</strong>, no seguimentoda ruptura com Debord em 1957,nunca ter integrado a InternacionalSituacionista.As colagens(<strong>de</strong> que éexemplo a“Métagraphie”reproduzidaem baixo, àdireita) e atécnica da fitaa<strong>de</strong>siva (ou“arte scotch”)caracterizammuita daprodução <strong>de</strong>WolmanRadicalida<strong>de</strong> críticaWolman continuou, portanto, a serum artista, como <strong>de</strong>monstram os trabalhosrealiza<strong>dos</strong> com a “arte scotch”a partir <strong>de</strong> 1963: “Foi uma técnica novaque ele inventou com a fita a<strong>de</strong>siva,transparente”, revela João Fernan<strong>de</strong>s.“Ele já a usava para as colagens, masaqui aplicava-a sobre imagens e textos<strong>de</strong> livros, revistas e jornais, e retiravaa,arrancando esses pedaços. Depois,passava-a por água para per<strong>de</strong>r a colae, finalmente, colava-a sobre telaou <strong>outro</strong>s suportes, como varetas”. Ogesto era semelhante ao que guiava apresença da escrita nos quadros letristas,mas tomava como objecto ainformação visual e gráfica da imprensa.Assim “<strong>de</strong>struía a imprensa,os jornais, a cultura, os livros. Destruíao sentido das coisas para fazeroutras composições, Composiçõesque tinham a ver com os senti<strong>dos</strong> dapublicida<strong>de</strong>, da relação com o erotismo,a sexualida<strong>de</strong>, a política”. Textospolíticos (<strong>de</strong> Karl Marx), banda <strong>de</strong>senhada,partituras, fotografias: tudoera arrancando e co<strong>lado</strong>.Nos anos 70, inaugura <strong>outro</strong> ciclo<strong>de</strong> trabalhos com o movimento “separatista”,<strong>de</strong> que será o único membro.O contexto político internacional– em que muitas colónias, sobretudoem África, se libertavam <strong>dos</strong> colonizadores– ajuda a explicar a transpo-Gil J Wolman, um radical e“Sou imortal e estou vivo”: é com esta provocação que Gil J Wolman chega a Serralves, 16 anos <strong>de</strong>sculturas que fizeram <strong>de</strong>le figura-chave, seminal, <strong>dos</strong> últimos 50 anos da criação artística. E22 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


sição da i<strong>de</strong>ia para a arte. Wolmansepara os materiais, fotocopia e rasgatextos, frases, banda <strong>de</strong>senhada, o seupróprio retrato, para lhes dar novossenti<strong>dos</strong>. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> experimentarleva-o a transformar livros e textos emesculturas, a conceber novas formas<strong>de</strong> retrato, mostrando apenas os bolsos<strong>dos</strong> supostos retrata<strong>dos</strong>, ou a expor“pinturas líquidas”, que consistemtão-somente em frascos com osmateriais da pintura.Nas colagens, nas pinturas, nasobras separadas ou feitas com a “artescotch”, expostas em Serralves, é difícilnão reparar nos elementos dacultura e da comunicação <strong>de</strong> massasque espreitam por entre grelhas <strong>de</strong>papel. Como enten<strong>de</strong>r a relação <strong>de</strong>Wolman com esses elementos? JoãoFernan<strong>de</strong>s não encontra uma posiçãoambígua: “Ele fazia uma crítica radical[<strong>de</strong>sses fenómenos]. Se encontramosna crítica da cultura <strong>de</strong> massasda arte pop um elemento <strong>de</strong> fascínioe <strong>de</strong> sedução por essa mesma cultura,aqui temos uma gran<strong>de</strong> radicalida<strong>de</strong>crítica. Os artistas letristas e situacionistasrecusam completamente a práticada cultura <strong>de</strong> massas”. Adornonão anda longe, ou anda?“São diferentes manifestações <strong>de</strong>ssaimpossibilida<strong>de</strong> da arte e da poesia<strong>de</strong>pois do horror <strong>de</strong> Auschwitz,embora Wolman acrescente ao mundoos seus gestos, os seus não-signos,que por vezes se transformam emsignos. Há sempre essa vonta<strong>de</strong> contraditória.Por vezes o seu radicalismofoi injusto, como aconteceu emrelação a Chaplin [em 1952, com oletrista Jean-Louis Brau, fura as barreirasda polícia e lança panfletosinsultuosos ao cineasta, que fazia“Wolman trabalhavapara si mesmo,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<strong>de</strong> qualquer tipo<strong>de</strong> legitimação. Essaradicalida<strong>de</strong> foiexemplar, e era bomencontrá-la com maisfrequência”João Fernan<strong>de</strong>suma visita promocional a Paris]. Mashouve uma forma <strong>de</strong> fazer, uma prática<strong>de</strong> arte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que seconhecia como arte”.Uma ética do trabalhoartísticoA frase “Sou imortal e estou vivo” po<strong>de</strong>ser ouvida numa obra que é exemplarda radicalida<strong>de</strong> crítica <strong>de</strong> Wolman:“L’Anticoncept”, filme <strong>de</strong> 1951que questiona o cinema através <strong>dos</strong>om e do texto, sem imagem filmada.Não há ecrã, apenas uma projecção<strong>de</strong> planos brancos alterna<strong>dos</strong>, ao som<strong>de</strong> poemas, sobre um balão meteorológico.Recebido com escândalo noFestival <strong>de</strong> Cannes, on<strong>de</strong> foi mostradonuma sessão para críticos, acaboucensurado pelas autorida<strong>de</strong>s (por causa,dizia-se, <strong>dos</strong> seus efeitos estroboscópicos)e permanece hoje uma obraobscura. A sua influência em filmesposteriores é, no entanto, inegável.Seguiram-no, em 1952, “Hurlementsen faveur <strong>de</strong> Sa<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Guy Debord,e “Tambours du jugement premier<strong>de</strong> François Dufrêne”, este sem ecrãnem película e lido “in situ” (forçandoa genealogia, pensamos em “Branca<strong>de</strong> Neve”, <strong>de</strong> João César Monteiro).“Ele antecipa <strong>de</strong> alguma forma ocinema experimental americano”,sublinha João Fernan<strong>de</strong>s. “Só anos<strong>de</strong>pois [em 1966] é que o Tony Conradfaz o ‘The Flicker’. Com o“L’Anticoncept”, o Wolman põe emquestão não apenas a representaçãoem cinema, a relação do cinema coma realida<strong>de</strong>, ou a relação do texto coma imagem, como também a próprianatureza da sala <strong>de</strong> cinema. O ecrã<strong>de</strong>saparece para o filme convergirsobre um balão, abandona a bidimensionalida<strong>de</strong>e traz para a sala a tridimensionalida<strong>de</strong>”.A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>questionar o cinema prosseguiu atéao seu último filme, “L’Anticonceptà New York”, <strong>de</strong> 1990, on<strong>de</strong> os espectadoresnão são os que olham a obra,mas os que olham os <strong>outro</strong>s espectadores.Filmando a assistência que vêo “Anti-concept” <strong>de</strong> 1951, Wolman,criava um filme <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um filmee confrontava o espectador real coma sua experiência do cinema.Precursor do cinema experimental,criador <strong>de</strong> uma técnica (a “arte scotch”)contemporânea <strong>de</strong> algumas investigações<strong>de</strong> Andy Warhol e RobertRauschenberg, artista que retoma acolagem e contribui para o nascimentodo situacionismo, Wolman foi, aomesmo tempo, um nome relativamenteperiférico, marginal ao circuitoda arte, e uma figura chave nastransformações que ela conheceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o pós-guerra.Diz-nos João Fernan<strong>de</strong>s: “Ele foi umprotagonista <strong>de</strong> um questionamentoeticamente radical da arte e da culturatal como se conheciam e como podiamser protagonizadas pelos po<strong>de</strong>resdominantes numa socieda<strong>de</strong>.Nessa medida, foi radicalmente livree assumiu a sua singularida<strong>de</strong> comouma ética do trabalho artístico queestava para além <strong>dos</strong> contextos <strong>de</strong>apresentação <strong>de</strong>sse trabalho. Trabalhavapara si mesmo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> legitimação.Essa radicalida<strong>de</strong> foi exemplar,e era bom encontrá-la com mais frequêncianos nossos dias”.em Serralvess <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter morrido. Colagens, filmes, pinturas e. E não é que está mesmo vivo? José MarmeleiraÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 23


Angélica Lid<strong>de</strong>ll a“La Casa <strong>de</strong> la Fuerza” é o olho por olho, <strong>de</strong>nte por <strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Angélica Lid<strong>de</strong>ll por todas as mulheres bAntes <strong>de</strong> chegar a <strong>Lisboa</strong> (11 e 12) com uma orquestra <strong>de</strong> mariachis, um Ford Fiesta e um campeão <strong>de</strong> c“Borrachita <strong>de</strong> tequila llevo siempreel alma mía / Para ver si se mejora<strong>de</strong> esta cruel melancolía / Ay,por ese querer / Pues qué le voy ahacer / Si el <strong>de</strong>stino me lo dio parasiempre pa<strong>de</strong>cer”“Costumo trabalharcom o que me indigna,com o que <strong>de</strong>testo,e há coisas <strong>de</strong>testáveisno facto <strong>de</strong> sermulher. Quero falarda solidão <strong>de</strong>pois do<strong>de</strong>samor. Quero dizerque não há perdãopara isto. Acreditono castigo. Semcastigo não po<strong>de</strong>haver re<strong>de</strong>nção,não po<strong>de</strong> haveramanhecer, nãopo<strong>de</strong> haver epifania”O sanguetornou-se umritualobrigatórionos últimosespectáculos<strong>de</strong> AngélicaLid<strong>de</strong>ll: é asua forma <strong>de</strong>protestoATRA BILISPaulina Elizabeth Luján Morales tinha16 anos e queria ser hospe<strong>de</strong>ira, “paraconhecer o mundo”, mas isso foiantes <strong>de</strong> ser raptada, violada, assassinadae atirada pela porta do carronum belo 12 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 2008.Era um dia como os <strong>outro</strong>s em CiudadJuárez (Chihuahua, México): tãocomo os <strong>outro</strong>s que, para se dizer doque aconteceu a Paulina ElizabethLuján Morales, e, antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la,a milhares <strong>de</strong> outras (só entre Janeiroe Outubro <strong>de</strong> 2010 mais <strong>de</strong> 300 mulheresforam assassinadas naquelacida<strong>de</strong> da fronteira com os EUA, segundoda<strong>dos</strong> da Aministia Internacional),foi preciso inventar uma palavra,feminicídio.Também é por causa <strong>de</strong> Paulinaque a dramaturga, actriz e encenadoraespanhola Angélica Lid<strong>de</strong>ll traz àCulturgest nos dias 11 e 12 uma orquestra<strong>de</strong> mariachis, um Ford Fiesta e umcampeão <strong>de</strong> culturismo: para fazersangue, ao longo <strong>de</strong> cinco duríssimashoras, em nome <strong>de</strong> todas as mulheresbrutalizadas no inferno extraordinário<strong>de</strong> Ciudad Juárez, <strong>de</strong> que se aproximoucom horror na sua segundaviagem ao México através <strong>de</strong> algumasdas actrizes que dão o corpo a “LaCasa <strong>de</strong> la Fuerza”, mas também emnome <strong>de</strong> todas as mulheres brutalizadasno inferno ordinário da vida civilizada.Mulheres como ela, que naprimeira semana <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong>2009 foi para Veneza morrer <strong>de</strong> amorpor sms: “Queria estar sozinha. Quasesempre quero estar sozinha. Nãogosto das pessoas. Não me estavam aacontecer coisas boas. Tinha-me separado<strong>de</strong>finitivamente do único homemque me quis na vida [...], porculpa minha. Porque eu tinha-meapaixonado com loucura por outrapessoa. Quando digo apaixonar-medigo amar. Estava disposta a dar-lhetudo. A dar a vida [...]. E quando euestou disposta a dar-lhe tudo, essapessoa que eu amava loucamente começoua tratar-me como merda”,conta na segunda parte (a mais pessoal)<strong>de</strong> “La Casa <strong>de</strong> la Fuerza”.Ali estava ela, então, em Veneza, asentir-se como lixo (“E quando te sentescomo lixo ou pior, então começasa aguentar tudo, absolutamente tudo.Começas a acreditar que és mesmolixo. E não protestas. O lixo não po<strong>de</strong>protestar, não se po<strong>de</strong> queixar”) enquantoIsrael entrava a matar em Gaza.“La Casa <strong>de</strong> la Fuerza” podia tersido só essa Angélica Lid<strong>de</strong>ll atiradapara um quarto <strong>de</strong> hotel em Veneza,e a terrível jornada que começou quatromeses antes, quando <strong>de</strong>cidiuinscrever-se num ginásio (“Descobrique a extenuação física me ajudavaa suportar a <strong>de</strong>rrota espiritual. Esgotava-me.Eram exercícios <strong>de</strong> preparaçãopara a solidão”), e meses <strong>de</strong>pois,quando começou a <strong>de</strong>spir-se em“chats”, sem querer saber se os homenspara quem se <strong>de</strong>spia eram “gor<strong>dos</strong>,velhos, sujos, sujos, sujos, sujosou feios”. Vários <strong>dos</strong> seus trabalhosanteriores também tinham sido sóisso, Angélica Lid<strong>de</strong>ll a falar <strong>de</strong> AngélicaLid<strong>de</strong>ll, e é por isso que antes <strong>de</strong>ver “La Casa <strong>de</strong> la Fuerza” é importanteir conhecê-la pessoalmente aCoimbra, on<strong>de</strong> amanhã e <strong>de</strong>pois, às16h, estará no Teatro da Cerca <strong>de</strong> SãoBernardo para uma mini-maratona<strong>de</strong> conferências e leituras integradasnas Jornadas <strong>de</strong> Dramaturgia EspanholaContemporânea da Escola daNoite. Nela, como diz ao Ípsilon ArmandoValente, do Citemor, que atrouxe a Portugal pela primeira vezem 2007 (ver caixa) e amanhã a apresentaráem Coimbra, nunca se sabeon<strong>de</strong> acaba o teatro e começa a vida.Mesmo sendo muito sobre a vidarecente <strong>de</strong> Lid<strong>de</strong>ll, “La Casa <strong>de</strong> laFuerza” é também muito sobre a vidarecente do México (e sobre a vida recentedas mulheres em geral, do sítio<strong>de</strong> on<strong>de</strong> Lid<strong>de</strong>ll as vê), e é por issoque estas cinco horas começam commariachis, e uma canção mexicana:“El corrido <strong>de</strong> Chihuahua” é Lid<strong>de</strong>lla gritar “para o México!, para o México!”,com o mesmo <strong>de</strong>sespero comque em tempos “As Três Irmãs” <strong>de</strong>Tchékhov gritavam “para Moscovo!,para Moscovo!”. Ela tinha tudo istona cabeça quando começou a escrevera peça, diz ao Ípsilon, por telefone,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Madrid: “Esta obra nasce<strong>de</strong> uma dor profundíssima, <strong>de</strong> umaruptura amorosa muito difícil, e tambémdas consequências <strong>de</strong>ssa ruptura.Não trabalhámos tanto como actrizes;trabalhámos sobretudo comomulheres, confrontando-nos com osepisódios mais dolorosos das nossasvidas. Nesse sentido, é uma obra queaprofunda a dor. Mas além da minhahistória pessoal, e das histórias pessoaisdas actrizes, ‘La Casa <strong>de</strong> la Fuerza’tem outras coisas”. Coisas, diz,que passou a querer viver sobretudopara po<strong>de</strong>r contar: “A certa altura,como que converti a minha vida numaespécie <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> apontamentos.Durante um ano, achava que tudo oque me aparecia à frente tinha <strong>de</strong> entrarna peça. Nesse ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> apontamentos,as quatro horas por dia queeu passava no ginásio para suportara aflição <strong>de</strong> ter ficado sozinha são tãoimportantes como a viagem ao México,e a maneira como essa viagem mefez perceber que o México é um mundoterrível para as mulheres. A maneiracomo me fez perceber que, ali,to<strong>dos</strong> os rituais <strong>de</strong> humilhação quotidianaculminam no feminicídio, oassassinato sistemático <strong>de</strong> mulheresque vem ocorrendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década<strong>de</strong> 90 em Ciudad Juárez”, continua.Algumas <strong>de</strong>ssas mulheres estão vivasno espectáculo que agora chegaà Culturgest. Outras - como Paulina,a que tatuou a matrícula do carro nobraço, Angelina, a que tinha 16 anose estava grávida, Veronica, a que foiencontrada numa lixeira clan<strong>de</strong>stina,e Yolanda, a quem enterraram uma24 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


a doer na Culturgests brutalizadas no inferno extraordinário <strong>de</strong> Ciudad Juárez, e no inferno ordinário da vida civilizada.e culturismo, pára em Coimbra, amanhã e <strong>de</strong>pois, para se apresentar. É um <strong>de</strong>ver conhecê-la. Inês Nadaisestaca <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira na vagina - estãomortas, e por isso este espectáculo éum cemitério. Uma maneira <strong>de</strong> fazero luto? “Sim, completamente. É umamaneira <strong>de</strong> fazer o luto por todas asmulheres que não tiveram luto, e quecontinuarão a não ter. Ouve, esta históriacontinua a crescer. Nos últimosdias, chegou a terrível notícia <strong>de</strong> quea mãe <strong>de</strong> uma das meninas assassinadasque mencionamos no espectáculofoi ela própria assassinada à portado tribunal”.“Oxalá tivesse coragem <strong>de</strong> ir às putas/ E apanhar doenças <strong>de</strong> puta / PelaInternet não posso apanhar doenças<strong>de</strong> puta / Mas se me dizem para eume pôr <strong>de</strong> quatro eu ponho-me <strong>de</strong>quatro como uma puta, foda-se”Fazer o luto, para Angélica Lid<strong>de</strong>ll,significa usar to<strong>dos</strong> os meios, até aguerra, para que esta história não façaapenas correr o sangue das mulheresque morreram em Ciudad Juárez, mastambém o nosso. Até “La Casa <strong>de</strong> laFuerza”, Angélica Lid<strong>de</strong>ll nunca tinhatrabalhado com mariachis, nem comactrizes mexicanas, nem com o campeãoespanhol <strong>de</strong> strongman. Mas játinha trabalhado com o sangue, e comas suas feridas. “Se me perguntas porqueé que me mutilo em cena, respondo-tecom uma citação <strong>de</strong> Leonardoda Vinci: a dor <strong>de</strong> um homem é a dor<strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os homens. As minhas escarificaçõesresultam <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong>estética <strong>de</strong> trabalhar com o sangue, e<strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> ética <strong>de</strong> exibir superficialmenteum sofrimento muitoO nome <strong>de</strong>la é guerraEm 2010, Angélica Lid<strong>de</strong>ll rebentou em Avignon com aviolência do seu teatro em carne viva, e o mundo do teatro<strong>de</strong>corou este nome marginal. Em Portugal, já sabíamos dizerLid<strong>de</strong>ll: entre 2007 e 2009, o Citemor foi a sua segunda casa.Angélica Lid<strong>de</strong>ll (Figueres,1966) está em guerra como mundo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos <strong>de</strong>chumbo da miséria moralfranquista: filha única <strong>de</strong> ummilitar, cresceu entre quartéise colégios <strong>de</strong> freiras (foi láque apren<strong>de</strong>u a bordar, e eraprimorosa). Teve, diz, “umainfância infeliz e um <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong>adolescência” (“Estava semprea mudar <strong>de</strong> casa, nunca faziaamigos”), com tudo a que um<strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> adolescência temdireito (e o <strong>de</strong>sastre continuou:<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão em <strong>de</strong>pressão,<strong>de</strong> tratamento psiquiátrico emtratamento psiquiátrico, até àvitória final que é, em parte, “LaCasa <strong>de</strong> la Fuerza”).Foi aí, na adolescência, queAngélica, nascida González,encontrou o seu nome <strong>de</strong> guerra:Lid<strong>de</strong>ll, como a miúda paraquem Lewis Carroll escreveu“Alice no País das Maravilhas”(“A história da paixão <strong>de</strong> Carrollpela sobrinha parecia-meFilha única <strong>de</strong> ummilitar, AngélicaLid<strong>de</strong>ll cresceu entrequartéis e colégios<strong>de</strong> freiras. Teve “umainfância felize um <strong>de</strong>sastre<strong>de</strong> adolescência”imoral, além <strong>de</strong> que adoravao livro”, explica). Usou-o pelaprimeira vez em 1993,quandoestreou as suas primeiras peças,“Greta quiere suicidarse” e “El jardin <strong>de</strong> las mandrágoras”,mas já o tinha na cabeça <strong>de</strong>s<strong>de</strong>os anos em que lia tudo o quehavia na sua casa <strong>de</strong> classemédia: as selecções do Rea<strong>de</strong>r’sDigest, biografias, literaturapopular. “Venho <strong>de</strong> uma famílianão muito culta, e a minhamaneira <strong>de</strong> me rebelar contraisso era ler”. Escrever também:“Des<strong>de</strong> muito pequena quemantenho um diário, e aos 13anos já escrevia melodramaspesadíssimos”.Depois do colégio foi estudarPsicologia (uma frau<strong>de</strong>) e ArteDramática (outra). Apren<strong>de</strong>u“a colocar bem a voz” na suafase artista <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong>poispassou seis anos no parque <strong>de</strong>diversões Port Aventura vestida<strong>de</strong> havaiana. Em 1992, fundoucom Gumersindo Puche a AtraBilis Teatro, mas continuouem guerra com o mundo doteatro, que o<strong>de</strong>ia com paixãoe, “por fobia”, nem sequerfrequenta (“Estou sujeita aencontrar pessoas que nãoquero ver”). Não é uma pose,a marginalida<strong>de</strong>: Angélicafoge verda<strong>de</strong>iramente do meioteatral, e também é por isso queforam precisos mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anosa trabalhar na sombra paraque, <strong>de</strong> repente, o meio teatralpassasse a saber dizer Lid<strong>de</strong>ll,e a esten<strong>de</strong>r-lhe sucessivaspassa<strong>de</strong>iras vermelhas,do Prémio <strong>de</strong> DramaturgiaInovadora Casa <strong>de</strong> América(2003) até ao Valle-Inclán(2008).Agora, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter explodidoem Avignon com “La Casa <strong>de</strong> laFuerza” e “El Año <strong>de</strong> Ricardo”,chega à Culturgest, mas nãocomo uma <strong>de</strong>sconhecida: foitrês anos segui<strong>dos</strong> o fenómenodo Citemor, on<strong>de</strong> apresentou“Lesiones incompatibles con lavida”, “Broken blossoms” e “Yono soy bonita” (2007), “Boxeopara células y planetas” (2008)e “Yo te haré invencible con mi<strong>de</strong>rrota” (2009), e criou um culto.Supomos que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “La Casa<strong>de</strong> la Fuerza”, esse culto estejamais vivo do que nunca. I.N.Lid<strong>de</strong>ll era osobrenome daAlice <strong>de</strong> LewisCarroll e foi osobrenomeque AngélicaGonzálezescolheuquandochegou aoteatro: “Apaixão <strong>de</strong>Carroll pelasobrinhaparecia-meimoral, além<strong>de</strong> queadorava olivro”Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 25


JULIO CALVO“La Casa <strong>de</strong> laFuerza” é umaviagem ao<strong>lado</strong> podre doMéxico dofeminicídio“Po<strong>de</strong> haver umarecusa intelectualem relação ao meumodo <strong>de</strong> expressão.Mas o sangue nãoé mais pornográficodo que a violênciano mundo real”profundo. O que procuro, no fundo,é a i<strong>de</strong>ntificação com os espectadores”,diz. Mas haverá, argumentamos,espectadores que viram a cara:“Claro. Po<strong>de</strong> haver uma recusa intelectualem relação ao meu modo <strong>de</strong>expressão, é normal; eu também recusomuitas coisas no teatro. Mas osangue não é mais pornográfico doque a violência do mundo real”.O sangue, subenten<strong>de</strong>mos, não émais pornográfico do que a vida emCiudad Juárez; as actrizes mexicanasque integram o elenco <strong>de</strong> “La Casa <strong>de</strong>la Fuerza”, pelo menos, dispuseram-sea sangrar com Lid<strong>de</strong>ll: “São <strong>de</strong> umagenerosida<strong>de</strong> assombrosa. Não mostraramnenhum pudor na hora <strong>de</strong> trabalharcom as suas experiências pessoais,com a sua dor. Nem tive <strong>de</strong> lhesexplicar porquê”. Tal como não teve<strong>de</strong> explicar aos mariachis da OrquestaSolís, ao campeão <strong>de</strong> strongman JuanCarlos Heredia e ao violoncelista Pau<strong>de</strong> Nut porque é que os queria em palconum espectáculo que violenta tãoirredutivelmente os homens: “Esteespectáculo nasce <strong>de</strong> uma resistênciaem relação ao que significa ser mulhernum mundo que, quer queiramosquer não, é patriarcal e misógino. Costumotrabalhar com o que me indigna,com o que <strong>de</strong>testo, e há coisas <strong>de</strong>testáveisno facto <strong>de</strong> ser mulher. Tambémhá coisas <strong>de</strong>testáveis no facto <strong>de</strong> serhomem, mas eu escolho aquilo <strong>de</strong> quequero falar, e aqui quero falar da solidão<strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>samor. Quero dizerque não há perdão para isto. Não acreditono perdão, acredito no castigo.Sem castigo não po<strong>de</strong> haver re<strong>de</strong>nção,não po<strong>de</strong> haver amanhecer, não po<strong>de</strong>haver epifania”.Também parece não po<strong>de</strong>r haverepifania em “La Casa <strong>de</strong> la Fuerza”,um espectáculo que, ainda antes <strong>dos</strong>maricahis, abre com uma monstruosaprofecia (“Não há cerro, nem selva,nem <strong>de</strong>serto que nos livre do mal queos <strong>outro</strong>s preparam para nós”) e emque as formidáveis rancheras mexicanasda primeira parte se transformam“na verda<strong>de</strong>ira podridão emque toda a gente está empapada” naterceira. Mas este é o espectáculo emque a Angélica Lid<strong>de</strong>ll que <strong>de</strong>dica omanifesto “Lesiones incompatiblescon la vida” (editado em Portugal pelaIntensi<strong>de</strong>z, num volume que reúnetrês peças da espanhola) aos filhosque não vai ter (“Não quero filhos.Não quero ir mais longe. É a minhamaneira <strong>de</strong> protestar. O meu corpo éo meu protesto”) diz que vai ter filhos.E em que se emociona com um homem<strong>de</strong> 170 quilos que levanta umFord Fiesta: “Neste espectáculo sobrea força, a fragilida<strong>de</strong> tinha <strong>de</strong> estarencarnada na força bruta, na forçasem violência, na força inocente. Paramim esse é <strong>dos</strong> momentos maismaravilhosos da peça. É verda<strong>de</strong> quetenho uma visão muito pessimista <strong>dos</strong>er humano: acho que o progresso éa excepção e a <strong>de</strong>sdita é a norma. Masque sei eu? A verda<strong>de</strong> é que me fazfalta acreditar em alguma coisa, parapo<strong>de</strong>r continuar”.Para quem anda atrás <strong>de</strong> AngélicaLid<strong>de</strong>ll há anos, como Armando Valente,epifania é isto: “Foi a artista quemais gostei <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, a que maisme obcecou. Isso para mim é muitoclaro. Como é claro que o facto <strong>de</strong> aver a po<strong>de</strong>r trabalhar com condições<strong>de</strong> produção e a ser apresentada noâmbito <strong>de</strong> programações com maisvisibilida<strong>de</strong>; o facto <strong>de</strong> a ver reconhecida,premiada, traduzida, me <strong>de</strong>ixaparticularmente feliz. Não consigoperceber como é que se conseguiuescon<strong>de</strong>r durante tanto tempo umaobra daquelas, em que é tudo tão autênticocomo o sangue <strong>de</strong>la. Conhecêlafoi <strong>de</strong>terminante para mim”.E para <strong>outro</strong>s. É mais ou menos comodiz uma das personagens <strong>de</strong> “LaCasa <strong>de</strong> la Fuerza”: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> termosconhecido Angélica Lid<strong>de</strong>ll, estamosprepara<strong>dos</strong> para o fim do mundo.26 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


CharlesPortisReabilitação <strong>de</strong> umprazer secreto daliteratura americana.Pág. 35Dâm Funkna semana <strong>de</strong> festada Red Bull MusicAca<strong>de</strong>my no Porto.Pág. 29SofiaGubaidulinaUma compositora transcen<strong>de</strong>nteno CCB. Pág. 28WakamatsuSexo e revoluçãonuma caixa <strong>de</strong> cincofilmes. Pág. 34Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 27


ConcertosAGENDA CULTURAL FNACentrada livreAO VIVOAZEVEDO SILVA04.02. 21H30 FNAC VASCO DA GAMATo<strong>dos</strong> os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.ptSofia Gubaidulina, uma das maiores personalida<strong>de</strong>s da criação musical contemporâneaClássicaCompositorado transcen<strong>de</strong>nteAos 79 anos, uma dasmaiores personalida<strong>de</strong>sda criação musicalcontemporânea visitaPortugal pela primeira vezpara acompanhar o ciclo “AHora da Alma”, no CentroCultural <strong>de</strong> Belém. CristinaFernan<strong>de</strong>sA Hora da Alma - Ciclo SofiaGubaidulinaCoro da Rádio da LetóniaDirecção Musical <strong>de</strong> Sigvards Klava.Com David Geringas (violoncelo),Ivo Kruskops (percussão), IvarKalnins (percussão).<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. Império.Amanhã, às 21h. Tel.: 213612400. 10€ a 15€.Cântico do Sol - obras <strong>de</strong> Bach eGubaidulina.Geir Draugsvoll e Orquestra <strong>de</strong>Câmara PortuguesaDirecção Musical <strong>de</strong> Pedro Carneiro.Com Geir Draugsvoll (bayan -acor<strong>de</strong>ão).<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. Império. Dom.,6, às 17h. Tel.: 213612400. 15€.Obras <strong>de</strong> Bach, Gubaidulina eBeethoven.Schostakovich Ensemble<strong>Lisboa</strong>. CCB - Pequeno Auditório. Pç. Império. 4ª, 9,às 21h. Tel.: 213612400. 10€ a 15€.Obras <strong>de</strong> Webern, Schostakovich eGubaidulina.Sofia Gubaidulina (n. 1931) não éapenas uma das personalida<strong>de</strong>smaiores da criação musical do nossotempo. A sua obra exerce umfascínio junto do público e revelauma dimensão humana e espiritualpouco comum entre a geração quedominou as vanguardas <strong>dos</strong> anos 60e 70 do século XX no centro daEuropa. Com efeito, um <strong>dos</strong> rasgos<strong>dos</strong> compositores que realizaram oseu percurso em direcção àmaturida<strong>de</strong> durante a épocasoviética e que se negaram a seguiras directrizes estéticas ditadas peloregime é a vivência espiritual damúsica. Palavras como beleza,transcendência, mistério einacessível são recorrente emGubaidulina, cuja obra ganhouvisibilida<strong>de</strong> no Oci<strong>de</strong>nte a partir dadécada <strong>de</strong> 80. “A vida reduz ohomem a tantas peças que nãoconheço outra missão mais séria doque ajudar através da música areconstituir a sua integrida<strong>de</strong>espiritual”, escreveu a compositora.No ano em que comemora o seu80.º aniversário, Sofia Gubaidulinavisita pela primeira vez Portugal noâmbito <strong>de</strong> um ciclo organizado peloCentro Cultural <strong>de</strong> Belém, “A Horada Alma”, que retoma a <strong>de</strong>signação<strong>de</strong> uma das suas peças maisemblemáticas. Com direção artísticado pianista Filipe Pinto Ribeiro, ociclo inicia-se amanhã, às 21h, com aactuação do Coro da Rádio daLetónia e a estreia em Portugal <strong>de</strong>“Hommage a Marina Tsvetayeva” e“Cântico do Sol <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong>Assis”. Até dia 12, será possível ouvir“Fachwerk”, concerto para bayan(mo<strong>de</strong>lo russo <strong>de</strong> acor<strong>de</strong>ão), pelaOrquestra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa,com Geir Draugsvoll como solista(dia 6), obras <strong>de</strong> câmara como“Reflections on the theme B.A.C.H.”,“À Beira do Abismo” (com a própriaGubaidulina, tocando aquafone), oTrio <strong>de</strong> Cordas e uma nova peçaencomendada pelo CCB para oSchostakovich Ensemble (dia 9). Noencerramento, a OrquestraMetropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong> e FilipePinto-Ribeiro interpretam“Introitus”, concerto para piano eorquestra, e “Stimmen...Verstummen...”, sinfonia em 12andamentos. O documentário“Sophia, Biography of a ViolinConcet” (2008) será exibido no dia10, às 18h, seguindo-se um encontrocom a compositora com aparticipação <strong>de</strong> António PinhoVargas.Este percurso permitirámergulhar mais a fundo no universoexpressivo <strong>de</strong>sta compositora daRepública Tártara, que conseguiualcançar um reconhecimentoequiparável ao <strong>dos</strong> seus homólogosmasculinos no panoramainternacional. Depois <strong>de</strong> terestudado piano e composição emKazan, trabalhou com Nikolai Peyko,assistente <strong>de</strong> Schostakovich, noConservatório <strong>de</strong> Moscovo, e em1975 fundou o Astreya Ensemble,que se especializou na improvisaçãocom instrumentos tradicionais rarosda Ásia Central e Oriental. A estreiado seu concerto para violino“Offertorium” por Gidon Kremer,em 1981, foi a rampa <strong>de</strong> lançamentopara que a sua música começasse aser conhecida no Oci<strong>de</strong>nte, on<strong>de</strong> acompositora viria a fixar residência apartir <strong>de</strong> 1992, ano em que se mudoupara a Alemanha. Outro marco dasua carreira foi o seu segundoConcerto para Violino (“In tempuspraesuns”), estreado por AnneSophie Mutter. Associações místicase religiosas percorrem muitas dasobras <strong>de</strong> Gubaidulina, fazendoconfluir influências eslavas, tártaras,judaicas e ortodoxas russas. Ainfluência da música electrónica edas técnicas <strong>de</strong> improvisação,instrumentações fora do comum oua paixão por Bach e Webern sãoapenas algumas das referências <strong>de</strong>uma obra fora do comum, quepreten<strong>de</strong> “atingir o Absoluto atravésda música” e “transformar o tempoda alma.”PopSolo duoAté on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ir o piano?Gonzales testa-o amanhã.Vítor Belanciano“As Cobaias”, osegundo álbum <strong>dos</strong>Teratron, banda <strong>dos</strong> ex-Da Weasel João Nobree Pedro Quaresma, seráapresentado amanhãno Rivoli, no Porto, às21h45. Não é um merosegundo álbum. Odisco é também umaBD em ambiente <strong>de</strong>policial sci-fi, comargumento <strong>de</strong> AdolfoGonzales<strong>Lisboa</strong>. Space <strong>Lisboa</strong>. R. Isabel Saint-Léger, 12.Amanhã, às 22h e às 24h. Tel.: 966606961. 15€ a 25€.O canadiano Jason Charles Beck, 38anos, mais conhecido por Gonzales,vem a <strong>Lisboa</strong> para dois espectáculosna mesma noite, no espaço Space.Nada <strong>de</strong> mais para quem, em 2009,bateu o recor<strong>de</strong> do Guiness da maislonga performance a solo, tocandoao piano 27 horas, 3 minutos e 44segun<strong>dos</strong>, em Paris.Gonzales: duas vezesna mesma noiteNunca foi um músico linear.Nasceu no Canadá, mudou-se paraBerlim no final <strong>dos</strong> anos 90 e habitaem Paris. Gravou seis álbuns,remisturou Daft Punk ou Bjork, eproduziu gente como Feist ouCharles Aznavour. A galeria <strong>de</strong>amigos é rica, fazendo parte <strong>de</strong>laFeist, Tiga, Peaches, Mocky, JamieLi<strong>de</strong>ll ou Boys Noize, que produziu oseu último disco, “Ivory Tower”, oálbum que se transformou tambémnum filme. Em Novembro, dizia-nosque há <strong>de</strong>z anos tinham dificulda<strong>de</strong>em situá-lo. “Diziam-me que a minhamúsica era muito diversificada e queisso era um problema.” Agora, diz,aquilo que alimenta a ligação entrediferentes músicas é a suapersonalida<strong>de</strong>, a forma como age,aquilo que provoca. Faz sentido. Empalco é sério, é divertido, éincitador, mostrando que o piano éum instrumento repleto <strong>de</strong>possibilida<strong>de</strong>s, quando tocado porquem não receia esticar os seuslimites, como não se cansa <strong>de</strong> fazer.Luxúria Canibal(que também dá voza várias canções), e<strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> João MaiaPinto. O concerto teráa banda interagindocom as imagens e apresença <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> osenvolvi<strong>dos</strong> no projecto.Que são, para além <strong>dos</strong>já referi<strong>dos</strong>, o actorMiguel Guilherme e osmúsicos New Max e SP.Band of Horses: música com centroespiritual na paisagem americanaA América quepermaneceBand of Horses<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>. 2ª, 7, às21h. Tel.: 217967624. 25€ a 32€.Os Band Of Horses são a Américaque permanece: ora maissubterrânea, escondida da maioria<strong>dos</strong> olhares do público, oraressurgindo como força culturalinescapável. Esta América <strong>de</strong> quefalamos é aquela que no final <strong>dos</strong>anos 60 e na década seguinte reteveaquilo que a explosão rock’n’rolloferecera antes <strong>de</strong> se embrenhar napaisagem natural, nas histórias docancioneiro e nessas outras que,perscrutando o interior <strong>de</strong> quemcompunha, se iam revelando.Neil Young, que até é canadiano,surge como o nome mais relevanteda linhagem. Décadas <strong>de</strong>pois,<strong>de</strong>scobrem-se os Uncle Tupelo, WillOldham ou os primeiros Wilco. E, jáno século XXI, com a segunda vagada nação alt-country, apontam-senomes como Bright Eyes, avança-seaté aos Fleet Foxes e, entre uns e<strong>outro</strong>s, paramos neste nome, BandOf Horses.Forma<strong>dos</strong> em 2004, sãoessencialmente a banda do vocalista,guitarrista e compositor BenBridwell, o único fundador queresiste na formação actual.Começaram por assegurar asprimeiras partes <strong>de</strong> Iron & Wine,que habita as mesmas planíciesespirituais, editaram dois álbunsdiscretamente celebra<strong>dos</strong>,“Everything All The Time” e “Ceaseto Exist”, e com o mais recente“Infinite Arms”, aquele queapresentarão segunda-feira na AulaMagna (primeira parte <strong>dos</strong>australianos Mike Noga & TheGents), cresceram emreconhecimento popular sem seafastarem do seu território. Músicacom centro espiritual na amplitu<strong>de</strong>da gran<strong>de</strong> paisagem americana,música feita <strong>de</strong> introspecção poéticae um classicismo que, canção acanção, se alimenta dolegado <strong>de</strong> Neil Young, das texturassónicas <strong>dos</strong> que vieram décadas<strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>continuar a ser, noutra voz e n<strong>outro</strong>tempo, essa América quepermanece. Mário Lopes28 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


ApresentaçãoJohn Tilbury na GuardaO futuro,<strong>de</strong> Dâm-Funka Eurico CeboloRed Bull Music Aca<strong>de</strong>my PortoHubCom Reactable, Serial, Capicua + MCMaze, Ommas Keith.Porto. Passos Manuel. Rua Passos Manuel, 137. 4ª, 9,às 22h. Tel.: 222058351.Com Buckskins, Appleblim, Capicua+ MC Maze.Porto. Plano B. R. Cândido <strong>dos</strong> Reis, 30. 5ª, 10, às0h. Tel.: 222012500.Vai ser uma semana <strong>de</strong> festa, mas <strong>de</strong>festa didáctica, a Red Bull MusicAca<strong>de</strong>my – Porto Hub. Des<strong>de</strong>conversas com o mítico EuricoCebolo (autor <strong>de</strong> obras tão diversasquanto “A Flauta Mágica”, <strong>de</strong>dicadoà música, ou “O Falo Perdido”,<strong>de</strong>dicado, bem, a errr) a concertoscom nomes fundamentais naactualida<strong>de</strong> como Dâm-Funk, oPorto Hub aborda a música nas suasmais múltiplas vertentes. Porexemplo, na secção conferências, ouse preferirem, na secção conversasinformais, a ementa não podia sermais variada. Por um <strong>lado</strong> teremosOm’Mas Keith, que fazparte <strong>dos</strong> Sa-Ra Creative Partners,senhores <strong>de</strong> um r’n’b futuristairredutível a <strong>de</strong>scrições. E <strong>de</strong>pois háTozé Brito, compositor e nome daindústria nacional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os temposdo Paleolítico. Continuando comextremos: o inglês Appleblim, que semove nas áreas do dubstep,também será convidado a falar - talcomo Eurico cebolo, monstro dapedagogia musical e erótica. A GuyCalled Gerald completao cartaz <strong>dos</strong> fa<strong>lado</strong>res.Quanto à música propriamentedita, na quarta-feira, no PassosManuel, temos Serial a abrir e, aencerrar, Om’Mas Keith – só isto já<strong>de</strong>ixa água na boca. Mas há mais: nodia seguinte, no espaço da Red Bullna Rua Cândido <strong>dos</strong> reis, haverádubstep nub<strong>lado</strong> com Applebim. Nanoite seguinte, no Gare,A Guy Called Gerald será o senhor<strong>dos</strong> pratos. E na última noite,dia 12, no mítico Indústria,o gigante Dâm-Funk servirá uma<strong>dos</strong>e <strong>de</strong> boogie antes <strong>de</strong> o portuguêsDJ Ri<strong>de</strong> empilhar beats para o povo.O futuro é esta semana. JoãoBonifácioOm’MasKeith,<strong>dos</strong> Sa-RaAgendaSexta 4John Tilbury + DustinO’Halloran<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - SalaPrincipal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52, às 22h.Tel.: 218438801. 15€ (dia) a 22€ (passe).Perry BlakeSão João da Ma<strong>de</strong>ira. Paços da Cultura. R. 11 <strong>de</strong>Outubro, 89, às 21h45. Tel.: 256827783. 12€.Davell Crawford Organ Trio<strong>Lisboa</strong>. Culturgest - Pequeno Auditório. R. Arco doCego, às 21h30. Tel.: 217905155. 5€.Ciclo Hootenanny.Teresa Salgueiro<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília, às 21h30.Tel.: 213585200. 20€.Camané<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.R. Antº Maria Car<strong>dos</strong>o, 38-58, às 21h. Tel.:213257650. 10€ a 20€.Clashclub: Cyberpunkers +Noize Generation + DoubleDamage + Electro Junkie<strong>Lisboa</strong>. Space <strong>Lisboa</strong>. R. Isabel Saint-Léger, 12, às23h30. Tel.: 966606961. 13€.Mind da GapPorto. Rivoli Teatro <strong>Municipal</strong> - Gran<strong>de</strong> Auditório.Pç. D. João IV, às 21h45. Tel.: 223392200. 12,5€.Orquestra Sinfónica do PortoCasa da MúsicaDirecção Musical <strong>de</strong> ChristopherSeaman. Com Emma Bell (soprano).Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<strong>de</strong> Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.EUA 2011. Obras <strong>de</strong> Elgar, Barber eMen<strong>de</strong>lssohn.Coro e Orquestra GulbenkianDirecção Musical <strong>de</strong> LawrenceFoster. Com Larissa Savchenko(meio-soprano), Maria José Falcão(violoncelo), Sa Chen (piano).<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian- Gran<strong>de</strong> Auditório. Av. Berna, 45A, às 19h. Tel.:217823700. 12,5€ a 25€.Obras <strong>de</strong> Kabalevsky, Grieg eProkofiev.Carlos Bica + Matéria PrimaBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 12€.Sábado 5Onra + Infestus + Unite + Mr_Mute<strong>Lisboa</strong>. O<strong>de</strong>ssa. Av. Infante D. Henrique - ArmazémB, Lj.9, às 23H. Tel.: 218822898. 5€ a 7€.Ver texto na pág. 14.Alexan<strong>de</strong>r von Schlippenbach +Andrew Poppy<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos - SalaPrincipal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52, às 22h.Tel.: 218438801. 15€ (dia) a 22€ (passe).Ver texto na pág. 16.John TilburyGuarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda - PequenoAuditório. Rua Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.:271205241. 5€.Perry BlakeVila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa dasArtes- Gran<strong>de</strong> Auditório. Pq. <strong>de</strong> Sinçães,às 21h30. Tel.: 252371297. 8€.Tiago Sousa +ByPass + L’EnfanceRouge<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova doCarvalho, 24, às 23h30. Tel.:213430107. 10€ (dia) a 20€(passe).Perry Blakeem digressãonacionalII Festival Terapêutico do Ruído.Camané<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.R. Antº Maria Car<strong>dos</strong>o, 38-58, às 21h. Tel.:213257650. 10€ a 20€.Teresa Salgueiro<strong>Lisboa</strong>. Museu do Oriente. Av. Brasília, às 21h30.Tel.: 213585200. 20€.Rodrigo Leão & CinemaEnsemble<strong>Lisboa</strong>. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h30.Tel.: 213240580. 15€ a 40€.Pedro Abrunhosa & ComitéCaviarVila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real - Gran<strong>de</strong> Auditório.Alam. Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 15€.Queen Esther Marrow & HarlemGospel Singers ShowPorto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:223394947. 12€ a 37,5€.Suspensão - Ernesto RodriguesOcteto<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé <strong>dos</strong> Bois. R. Barroca, 59, às 23h.Tel.: 213430205. 5€.Domingo 6Orquestra Sinfónica do PortoCasa da MúsicaPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<strong>de</strong> Albuquerque, às 12h. Tel.: 220120220. 5€.“Sinfonia nº 5, Reforma”, <strong>de</strong>Men<strong>de</strong>lssohn.Jill Lawson e OrquestraMetropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>Direcção Musical <strong>de</strong> Augustin Dumay.Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala Principal. Av.Professor Egas Moniz. Dom. às 16h00. Tel.:212739360. 13€.Camané<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Sala Principal.R. Antº Maria Car<strong>dos</strong>o, 38-58, às 21h. Tel.:213257650. 10€ a 20€.Perry Blake<strong>Lisboa</strong>. Cinema São Jorge - Sala 2. Av. Liberda<strong>de</strong>,175, às 22h. Tel.: 213103400. 20€.Queen Esther Marrow & HarlemGospel Singers ShowPorto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.:223394947. 12€ a 37,5€.Terça 8Skunk Anansie<strong>Lisboa</strong>. Coliseu <strong>dos</strong> Recreios. R. Portas St. Antão,96, às 21h. Tel.: 213240580. 29€.Queen Esther Marrow & HarlemGospel Singers Show<strong>Lisboa</strong>. Casino. Alam. Oceanos Lote, às 21h30. Tel.:218929070. 30€ a 35€.Quarta 9Queen Esther Marrow & HarlemGospel Singers Show<strong>Lisboa</strong>. Casino. Alam. Oceanos Lote, às 21h30. Tel.:218929070. 30€ a 35€.Quinta 10Sei Miguel Unit Core<strong>Lisboa</strong>. Galeria Zé <strong>dos</strong> Bois. R. Barroca, 59, às22h. Tel.: 213430205. 5€.NoiservFaro. Teatro Lethes. R. Portugal, 58, às21h30. Tel.: 289820300. 7€.Queen Esther Marrow &Harlem Gospel SingersShow<strong>Lisboa</strong>. Casino. Alam. Oceanos Lote,às 21h30. Tel.: 218929070. 30€ a 35€.JazzUma noite <strong>de</strong>excepçãoJoão Paulo Esteves da Silva eOrquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong>MatosinhosPorto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albuquerque. Amanhã, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.Ciclo Jazz Galp.Têm sido frequentes as colaboraçõesda Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhoscom gran<strong>de</strong>s nomes do jazz nacionale internacional, mas aquilo que nosé proposto amanhã na Casa daMúsica é algo <strong>de</strong> especial. Há muitoque João Paulo Esteves da Silva temvindo a marcar o seu caminho, longe<strong>de</strong> modas, tendências ou vonta<strong>de</strong>sque não sejam a sua própria <strong>de</strong> fazermúsica relevante e verda<strong>de</strong>ira.Pianista virtuoso e gran<strong>de</strong>improvisador, possuidor <strong>de</strong> umestilo original (por vezes<strong>de</strong>sconcertante), próximo <strong>de</strong> umasensibilida<strong>de</strong> portuguesa <strong>de</strong> fazer aJoão PauloEsteves da Silva,longe das modas música,tem-semantidocomo um <strong>dos</strong>gran<strong>de</strong>s segre<strong>dos</strong> dojazz nacional, apesar <strong>de</strong> umadiscografia brilhante on<strong>de</strong> se<strong>de</strong>stacam as colaborações comSérgio Godinho, José Mário Branco,Carlos Bica, ou ainda, em nomepróprio, “Roda”, “Memórias <strong>de</strong>Quem”, “White Works” ou“Scapegrace”, este último gravadoem duo com o trompetista norteamericanoDennis González. DaOrquestra mais celebrada do paísserá justo dizer que está cada vezmais “expressiva”, graças aotrabalho notável <strong>de</strong> direcção e <strong>de</strong>orquestração <strong>de</strong> Carlos Azevedo ePedro Gue<strong>de</strong>s. Um solista <strong>de</strong>excepção com a mais po<strong>de</strong>rosaorquestra nacional. RodrigoAmadoÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 29


DiscosDAVIDELLISSLASHClássicaA vibranteestreiaoperática <strong>de</strong>VivaldiIl Giardino Armonico,dirigido por GiovanniAntonini, sente-se comopeixe na água na música <strong>de</strong>Vivaldi e associa-se nestagravação a um elenco <strong>de</strong>luxo. Cristina Fernan<strong>de</strong>sVivaldiOttone in villaSonia Prina, Julia Lezhneva,Veronica Cangemi, RobertaInvernizzi, Topi Lehitipuu(cantores), Il Giardino Armonico,Giovanni Antonini (direção)NaïvemmmmnGiovanni Antonini dirige um elenco <strong>de</strong> luxo,on<strong>de</strong> está Julia LezhnevaEstreada emVicenza a 17 <strong>de</strong>Maio <strong>de</strong> 1713,“Ottone in villa”foi a primeiraópera <strong>de</strong> Vivaldi,mas o compositor conhecia <strong>de</strong> pertoo género e contava jáno seu catálogocom várias obras vocais sacras eprofanas. Sabe-se inclusive que em1706 escreveu a maior parte damúsica <strong>de</strong> “Creso tosto alle fiamme”,uma ópera estreada como sendo daautoria <strong>de</strong> Girolamo Polani, que terápedido a ajuda do jovem veneziano.Deste modo, não admira que aaudição <strong>de</strong> “Ottone invilla” nosrevele um compositor que domina oseu “métier” com <strong>de</strong>senvoltura ecom um estilo próprio facilmentereconhecível. Traços da suavirtuosística música instrumental,<strong>dos</strong> seus ritmos vibrantes eexuberante colorido sãoreconhecíveis quer nas árias, querno tratamento da orquestra. Olibreto <strong>de</strong> Domenico Lalli, centradona infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> amorosa e nasintrigas <strong>de</strong> corte, dá origem a umaobra plena <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> asinfluências da antiga tradiçãoveneziana se cruzam com osmo<strong>de</strong>los da Arcádia.Como é habitual, Il GiardinoArmonico, dirigido por GiovanniAntonini, sente-se como peixe naágua na música <strong>de</strong> Vivaldi e associasenesta gravação a um elenco <strong>de</strong>luxo, constituído por Sonia Prina(Ottone), Julia Lezhneva (Caio Dilio),Veronica Cangemi (Cleonilla),Roberta Invernizzi (Tullia) e TopiLehitipuu (Decio). Quase to<strong>dos</strong> têmpergaminhos no repertório barroco,mas a po<strong>de</strong>rosa voz <strong>de</strong> contralto <strong>de</strong>Sonia Prina (ouça-se por exemplo aária “Frema pur”) e a prestação dajovem soprano russa Julia Lezhnevamerecem uma palavra especial.Curiosamente esta última é a menosrodada no âmbito da ópera barroca,mas tem uma prestação cintilante,mostrando uma invejável agilida<strong>de</strong> egran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> expressiva. Asua personagem é tambémpresenteada com alguns <strong>dos</strong>momentos mais inspira<strong>dos</strong> <strong>de</strong>Vivaldi como a estonteante ária “dibravura” “Gelosia” — quecuriosamente apresenta materialmusical comum a uma das Sinfoniasdo compositor português (filho <strong>de</strong>italianos) Pedro António Avondano— e o belíssimo lamento “L’ombre,l’aura, e ancora il rio”,acompanhado pelos violinos eflautas e pelos comentários em eco<strong>de</strong> Tullia.Uma novaimagem <strong>de</strong>PalestrinaNesta interpretaçãolapidar da “Missa PapaeMarcelli” o agrupamentoO<strong>de</strong>cathon contraria ashabituais versões ascéticas<strong>de</strong>ste repertório. CristinaFernan<strong>de</strong>sPalestrinaMissa Papae MarcelliO<strong>de</strong>cathonPaolo da Col (direcção)ArcanammmmmA lenda <strong>de</strong> que a “Missa PapaeMarcelli”, <strong>de</strong> Palestrina (ca. 1525-O ensemble O<strong>de</strong>cathon1594), teria salvo amúsica da igrejacatólica daproibição dapolifonia porocasião da Contra-Reforma está hoje mais que<strong>de</strong>smistificada. Efectivamente, oúnico <strong>de</strong>creto do Concílio <strong>de</strong> Trentoque fala <strong>de</strong> música (com data <strong>de</strong> 17<strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1562) limita-se arecomendar evitar qualquerelemento lascivo ou impuro noscantos litúrgicos ou nas peças <strong>de</strong>órgão. No entanto, tanto a históriada recepção da música <strong>de</strong> Palestrinaao longo <strong>dos</strong> séculos como aqualida<strong>de</strong> artística <strong>de</strong>sta obra,continuam a conferir-lhe uma auraespecial. Habituámo-nos a ouvir a“Missa Papae Marcelli” eminterpretações etéreas e <strong>de</strong>puradas,muitas vezes marcadas pelodistanciamento emocional,sobretudo nalgumas versões <strong>de</strong>agrupamentos ingleses, mas oensemble O<strong>de</strong>cathon, dirigido porPaolo da Col, contraria totalmenteessa imagem nesta gravaçãoextraordinária na etiqueta Arcana. Ainteligibilida<strong>de</strong> do texto (cara àsdirectrizes e à estética da Contra-Reforma) e a espiritualida<strong>de</strong> damúsica permanecem intactas, mas aobra emerge das vozes doO<strong>de</strong>cathon com um novo impactoexpressivo e uma profundida<strong>de</strong>sonora envolvente, com timbrescáli<strong>dos</strong> e <strong>de</strong>licadas nuances ao nível<strong>dos</strong> frasea<strong>dos</strong>. Parte da diferençaresi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong> ser interpretadapor um conjunto vocal masculino <strong>de</strong>20 vozes, transpondo um intervalo<strong>de</strong> quarta abaixo a notação dapartitura (um procedimentohabitual na época), e no recurso amudanças <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> na texturaatravés da variação do número <strong>de</strong>vozes por parte em <strong>de</strong>terminadassecções. Uma inteligente abordagemdas nuances dinâmicas (ao contráriodas leituras planas artificiais <strong>de</strong>outras interpretações) reforça ocarácter sublime <strong>de</strong> uma música queparece esculpida no espaço. Oprograma do CD faz uma recriaçãohipotética <strong>de</strong> um contexto litúrgico,fazendo acompanhar a Missa portrechos em canto gregoriano, poroutras peças <strong>de</strong> Palestrina (com<strong>de</strong>staque para o “LaudateDominum” a 12 vozes) e pelo Motete“Christus resurgens”, <strong>de</strong> FeliceAnerio.PopOs Soft Boysrevivem,vivam os SoftBoysNunca estiveram <strong>de</strong> acordocom a sua época – por issoos discos resistem. Reedição<strong>de</strong> duas obras-oprimas. JoãoBonifácioThe Soft BoysA Can of BeesYep Records; distri.PopstockmmmmnUn<strong>de</strong>rwaterMoonlightYep Records; distri.PopstockmmmmnNão foram os Velvet Un<strong>de</strong>rgroundmas a uma escala menor po<strong>de</strong> dizerse<strong>de</strong>les o mesmo que se dizia dabanda que Lou Reed formou e JohnCale tornou genial: foram muitopoucos os que lhes <strong>de</strong>ram atençãomas quem os ouviu foi a correr fazeruma banda. Os Soft Boys foram aprimeira encarnação musical <strong>de</strong>


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteOs Soft Boys nunca estiveram <strong>de</strong> acordo com a sua época – por isso os discos resistemRobyn Hitchcock que mais tar<strong>de</strong>enveredou por uma carreira a solosuficientemente multifacetada paraninguém saber bem on<strong>de</strong> o encaixar– razão pela qual 30 <strong>de</strong>pois ohomem ainda parece coberto poruma camada espessa <strong>de</strong> mistério. Naprática os Soft Boys foram doisdiscos, “A Can of Bees” (1979) e“Un<strong>de</strong>rwater Moonlight” (1980), osuficiente para influenciar gentecomo os R.E.M., os Replacements ouas bandas do movimento PaisleyUn<strong>de</strong>rground, como os Rain Para<strong>de</strong>ou Dream Syndicate. Em particular“Un<strong>de</strong>rwater Moonlight” tornou-seum disco icónico: mais melódicoque o seu pre<strong>de</strong>cessor, maisestruturado, baseado em harmonias<strong>de</strong> guitarras e sempre, semprepossuído por uma corrente eléctricaà flor da pele, é um pouco como seos Television se juntassem a SydBarrett e, <strong>de</strong>ixando-se <strong>de</strong> tretas, seatiram-se à feitura <strong>de</strong> canções pop.Não se menciona Barrett por acaso– há aqui psica<strong>de</strong>lismo mas acima <strong>de</strong>tudo a voz <strong>de</strong> Hitchcock tem aquelecharme nasa<strong>lado</strong> britânico drogadoque o primeiro lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> Floydpossuía, e com contornos teatraisque atribuem outra dimensão àscanções. Basta ouvir a canção <strong>de</strong>abertura, “I wanna <strong>de</strong>stroy you”,para perceber que “Un<strong>de</strong>rwaterMoonlight” não foi feito para possuirmassa adiposa. Mas é para o fim dodisco que se atinge o mais purobrilhantismo pop, em particular em“Queen of Eyes”, cujo rendilhado <strong>de</strong>guitarra e melodia etérea revela umapesada herança <strong>dos</strong> Byrds. O que sepassa com este par <strong>de</strong> discos é omesmo que com pares <strong>de</strong> irmãos:com o mais velho há mais atençãomas mais medo e cometem-se maisasneiras. Ora se “Un<strong>de</strong>rwaterMoonlight”, como filho mais novo,reflecte a da confiança <strong>de</strong> quem jásobreviveu a muitas noites semdormir, já “A Can of Bees” tem todasas qualida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos <strong>dos</strong>primeiros nascituros: notam-seerros, <strong>de</strong>feitos, excessos aqui,ausências ali – é uma criança umpouco selvagem. Mas é exactamenteisso que o torna um disco maisfascinante (embora menos fácil <strong>de</strong>ouvir) que o seu sucessor. As duasprimeiras faixas, “Give it to the SoftBoys” e “The pigworker” assentamem dois <strong>dos</strong> melhores riffs dahistória do rock – a segunda temaquele <strong>lado</strong> <strong>de</strong> jam progressiva quefazia <strong>dos</strong> Television uma bandamaior que a vida, só que os Soft Boyssubstituíram a geometria <strong>dos</strong>americanos pela anarquia. O que éextraordinário em “A Can of Bees” éo seu anacronismo temporal. Saídona ressaca do punk e em plena newwave,não brincava aos africanismosque contaminaram muitos <strong>dos</strong>primos americanos (mesmo quealgumas linhas <strong>de</strong> baixo assumamcontornos <strong>de</strong> funk branco), nãobrincava às <strong>de</strong>pressões urbanas(embora bandas como osChameleons tivessem por vezes umsom semelhante). Na realida<strong>de</strong>,refrões com coros em ascensão,como o <strong>de</strong> “Human music” revelaminfluências tão inesperadas numabanda <strong>de</strong> guitarras esquizói<strong>de</strong>scomo os Beatles. Mas o queverda<strong>de</strong>iramente, mais queencontrar palavras espertalhonaspara formular proto-<strong>de</strong>finiçõesinovadoras resume-se muitosimplesmente: é aquela coisa únicado rock, <strong>de</strong> um baixo a bombar eguitarras rasgadas, aquela coisa quenos põe os pelos em pé, que faz osangue galgar danado pelas veias. Eouve-se uma maravilha chamada“Leppo and the Jooves” e é isso e sóisso que interessa. “Give to the SoftBoys”!Era tão bom quefosse como daprimeira vezThe Go! TeamRolling BlackoutsMemphis Industries; distri. NuevosMediosmmmnn“Oh <strong>de</strong>uses,porque meagraciaram com odom daoriginalida<strong>de</strong>?”Assim pareceestar Ian Parton, o homem que noinício <strong>de</strong>sta década inventou os TheGo! Team no seu quarto <strong>de</strong> Brighton.“Thun<strong>de</strong>r Lightning Strike!”, oálbum <strong>de</strong> estreia, ano 2004, foi umaexplosão <strong>de</strong> cor e inventivida<strong>de</strong> que<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ixou arroja<strong>dos</strong> a seus pés:eram tudo o que queríamos, e nãosabíamos que o queríamos até ouviristo: um melting-pot <strong>de</strong> melodias<strong>de</strong>licodoces <strong>de</strong> girl-group e <strong>de</strong>bravado hip hop abraçandoorquestrações blaxploitation,bandas-sonoras <strong>de</strong>scartáveis, mastão trauteáveis, <strong>de</strong> séries policiais dadécada <strong>de</strong> 1970, guitarras <strong>de</strong> altoteor sónico e, tão importante quantotudo o resto, uma capacida<strong>de</strong> etransformar essa bizarra fórmulaquímica em matéria pop <strong>de</strong> primeiragran<strong>de</strong>za.Três anos <strong>de</strong>pois chegou “Proof OfYouth” e tudo continuou perfeitonesse magnífico calei<strong>dos</strong>cópiochamado The Go! Team. Quatroanos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse, ouvimos “RollingBlackouts” e algo se alterou. Não namúsica <strong>dos</strong> Go! Team, mas nacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos maravilharmoscom ela. E por isso Ian Parton,quando à noite se <strong>de</strong>ita no seuquarto <strong>de</strong> Brighton, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se terocupado nas horas anteriores apassar os ouvi<strong>dos</strong> por mais <strong>de</strong>zenas<strong>de</strong> vinis obscuros em busca <strong>de</strong>samples e novas i<strong>de</strong>ias, lança apergunta “Oh <strong>de</strong>uses, etc, etc.”É precioso, inventivo e luxurianteo que criou, perfeito para estestempos que vivemos por seramálgama <strong>de</strong> tempos, <strong>de</strong> estéticas e<strong>de</strong> iconografias teci<strong>dos</strong>fervorosamente. Mas chega<strong>dos</strong> a“Rolling Blackouts”, que é, assinalese,um belíssimo álbum, <strong>de</strong>paramonoscom 13 novas canções que soama 13 velhas conhecidas.“T.O.R.N.A.D.O.”, o primeiro single,tem a sofreguidão e o tombombástico <strong>de</strong> “Grip like a vice”, doanterior “Proof of youth”, “Bust-outbriga<strong>de</strong>” aplica o método “JohnBarry (paz à sua alma) e comporpara um blaxploitation” que lhesouvimos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início e “Yosemitetheme” tem, como em cançõesanteriores, o sopro da harmónica adar ambiente bucólico a música quenasce essencialmente <strong>dos</strong>obrepovoado mundo urbano. Étudo belíssimo como sempre – maspela primeira vez previsível: é essa afrustração que se nos apresenta, a<strong>de</strong> os Go! Team terem criado algoque nunca ouvíramos antes e, porisso mesmo, se estarem aencaminhar para um beco semsaída. Beth Cosentino, <strong>dos</strong> BestCoast, surge enquadrada na versãoTechnicolor <strong>de</strong> banda <strong>de</strong> garagemque é “Buy nothing day”, e SatomiMatsuzaki, vocalista <strong>dos</strong> Deerhoof,The Go! Team: 13 novas canções que soam a 13 velhas conhecidascanta a opulência lo-fi da<strong>de</strong>liciosamente adolescente “Apollothrowdown”, mas não são as duasdigníssimas convidadas quealterarão este estado <strong>de</strong> coisas.Ouvíssemos “Rolling Blackouts”sem nada conhecer <strong>de</strong> uma banda<strong>de</strong> Brighton chamada The Go! Teame teríamos encontrado o álbum quegarantiria a nossa felicida<strong>de</strong> até aofinal <strong>de</strong> 2011. Conhecendo a históriaque o antece<strong>de</strong>u, ouvimo-los comentusiasmo e admiração, mas comcontida frustração, suspiramos: “eratão bom que fosse como da primeiravez.” M.L.Avey Tare: apostadoem minar quaisquerhipóteses <strong>de</strong> facilitismoDepois da popAvey TareDown TherePaw Tracks, distri. Flurmmmnn“Down There”, oprimeiro disco asoloverda<strong>de</strong>iramentedito <strong>de</strong> DavidPortner, surge<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os seus Animal Collectiveterem lançado “Merriweather PostPavilion” (2009). Parece o negativo<strong>de</strong>ste, quase como se surgisse porreacção ao momento mais pop davida <strong>de</strong> Portner (e <strong>dos</strong> restantesCollective).É um disco difícil, apostado emminar quaisquer hipóteses <strong>de</strong>facilitismo, aproximando-se daabstracção em que os AnimalCollective mergulhavam na era pré-“Sung Tongs”. Ouça-se “3Umbrellas”, que leva às últimasconsequências o <strong>lado</strong> excêntrico <strong>dos</strong>Beach Boys, mas com aci<strong>de</strong>ntessonoros a poluir, em contínuo, umamelodia que po<strong>de</strong>ria ter resultadonum êxito. “Ghost of books” parecequerer arrancar um refrãomemorável, mas o resto da canção –linhas <strong>de</strong> baixo pantanosas,manipulação excessiva da voz – temprazer em não acompanhar oesforço.É esse o calcanhar <strong>de</strong> Aquiles <strong>de</strong>“Down There”: uma fuga constante àcanção pop, sem que daí advenhamganhos exploratórios significativos.“Lucky 1” (linha <strong>de</strong> sintetizador em“loop” durante três minutos e a voz<strong>de</strong> Portner multiplicada num bonitoefeito coral) e “Cemeteries”, baladadolente que parece <strong>de</strong>senrolar-se<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> água, são bons momentos(não são os únicos), mas não sãosuficientes para elevar “Down There”à primeira categoria do universoAnimal Collective. É apenas um bomdisco, o que é pouco face à fantásticaprodução recente da banda e <strong>dos</strong>seus membros a solo. Pedro RiosMichael Leonhart & TheAvramina 7Seahorse and The StorytellerTruth & SoulmmmmmAí está um <strong>de</strong>ssesdiscos fun(k)tástico,que não vai a <strong>lado</strong>nenhum. Não émúsica comercial,mas também não érevolução, nem coisa da tendência.É simplesmente um discotransversal <strong>de</strong> boa cepa, que intrigae exige muitas audições até secomeçar a absorver. Assina-oMichael Leonhart, menino-prodígioque com apenas 17 anos ganhou oseu primeiro Grammy, vindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong>então a acompanhar os Steely Dan ea colaborar com meio mundo <strong>dos</strong> ATribe Called Quest a Yoko Ono,passando por Caetano Veloso. Aqui,já o seu sétimo álbum em nomepróprio, ele convoca um escol <strong>de</strong>pesos pesa<strong>dos</strong> da cena funkrevivalista <strong>de</strong> Brooklyn li<strong>de</strong>radapelos Dap Kings (Sharon Jones, AmyWinehouse), mas o que ele produzcom eles reuni<strong>dos</strong> sob a sigla TheAvramina 7 é tudo menos uma festaretro funk, <strong>de</strong>ssas que agora estãona moda.“Seahorse and The Storyteller”tem por guião o idioma funk,sobretudo o seu jogo <strong>de</strong> guitarrassincopadas e ritmos chocalha<strong>dos</strong>,conjugado com um sortido <strong>de</strong>referências dispares, on<strong>de</strong> se<strong>de</strong>stacam riffs <strong>de</strong> sopros estilopaquete, como escuta<strong>dos</strong> nosclássicos <strong>de</strong> afrobeat, vocais e letrasaquáticas que reconduzem à poppsicadélica inglesa <strong>dos</strong> anos 60, ouainda percussões indianas emcascata à moda <strong>de</strong> Bollywood. Essassão as premissas, mas o que fazemcom elas os Avramina 7 sob a batuta<strong>de</strong> Michael Leonhart é<strong>de</strong>finitivamente outra coisa. To<strong>dos</strong>os temas soam como peçasinacabadas, ainda em ensaio eturbilhão criativo, evitando sempreo tipo <strong>de</strong> consumação dançante paraque progri<strong>de</strong> naturalmente o funk.Po<strong>de</strong>-se censurar a Leonhart não daro passo seguinte e tornar a suamúsica mais imediata, mas é muitomais interessante apreciá-la assimmesmo neste estado <strong>de</strong> constantelaboratório. Luís MaioÍpsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 31


CinemaEstreiamPulp fictionDo melodrama ao terrorbiológico, passa portudo. Suspendamos aincredulida<strong>de</strong> perantea metamorfose.Vasco CâmaraCisne NegroBlack SwanDe Darren Aronofsky,com Natalie Portman, Vincent Cassel,Mila Kunis, Barbara Hershey, WinonaRy<strong>de</strong>r, John McLaughlin. M/16MMMnn<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h,21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª3ª 4ª 15h20, 18h, 21h30 6ª 15h20, 18h, 21h30,00h10 Sábado 13h, 15h20, 18h, 21h30, 00h10Domingo 13h, 15h20, 18h, 21h30; Castello Lopes- Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30,24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40,21h40, 00h10; CinemaCity AlegroAlfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50,18h, 21h25, 00h05 Sábado Domingo 11h30, 13h40,15h50, 18h, 21h25, 00h05; CinemaCity BelouraShopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª4ª 13h30, 15h35, 17h40, 19h45, 21h50,23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong>Touros: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h10, 19h05,21h30, 23h55 Sábado Domingo 11h40, 14h, 16h10,18h25, 21h30, 23h55; CinemaCity ClassicAlvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 21h40 6ªSábado 21h40, 23h50; CinemaCity ClassicAlvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h30, 15h45, 17h50, 19h55; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h45,19h15, 21h45; Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª4ª 15h30, 17h40, 19h50, 22h 6ª Sábado 2ª 15h30,17h40, 19h50, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>iaMonumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,22h, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9:5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h05,21h40, 00h05 Domingo 11h30, 14h10, 16h35, 19h05,21h40, 00h05; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 9: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ªSábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 00h10; ZONLusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª3ª 4ª 13h20, 15h45, 18h15, 21h30, 24h; ZONLusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h40, 21h, 23h30; ZONLusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40,00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h25, 21h,23h40; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª4ª 16h, 18h30, 21h40 6ª 16h, 18h30, 21h40, 00h15Sábado 13h10, 16h, 18h30, 21h40, 00h15 Domingo13h10, 16h, 18h30, 21h40; ZON Lusomundo OeirasParque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,15h40, 18h20, 21h15, 23h55; ZON Lusomundo TorresVedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15,16h, 18h30, 21h, 23h45; ZON Lusomundo Vasco daGama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,15h50, 18h25, 21h20, 24h; Castello Lopes - Rio SulShopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30,21h20, 23h50 Sábado Domingo 13h10, 15h40,18h30, 21h20, 23h50; ZON Lusomundo AlmadaFórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40,15h10, 17h50, 21h, 23h45Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 14h, 16h35, 19h05, 21h45, 00h35 3ª 4ª16h35, 19h05, 21h45, 00h35; ZON Lusomundo DolceVita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10; ZONLusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª13h05, 15h35, 18h15, 21h20 6ª Sábado 13h05, 15h35,18h15, 21h20, 00h20; ZON LusomundoMarshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h20; ZON LusomundoNorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h30, 16h30, 19h10, 22h, 00h35; ZON LusomundoParque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª4ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h30, 00h30; ZONLusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª13h30, 16h10, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h30, 16h10,18h50, 21h30, 00h30Explica o mestre <strong>de</strong> ballet (VincentCassel) que “O Lago <strong>dos</strong> Cisnes”conta a história <strong>de</strong> uma raparigaencerrada no corpo <strong>de</strong> um cisne quesó o amor po<strong>de</strong> libertar; eis queaparece então o Cisne Negro, queboicota a aproximação do Príncipe àrapariga encerrada no Cisne Branco;ela suicida-se e assim, finalmente, seliberta. Vincent Cassel fala menos dobai<strong>lado</strong> do que do filme <strong>de</strong>Aronofsky, e a coisa é igualmenteliteral quando o mestre diz à suabailarina (Natalie Portman): “gohome and touch yourself”. É o queela faz, vai para casa masturbar-se.“Cisne Negro” é menos a história<strong>de</strong> uma rivalida<strong>de</strong> em pontas, doque a vertigem da ponta sexual <strong>de</strong>uma reprimida, que se estatela, eassim se liberta, no seu labirinto.Aronofsky, nessa nova forma,encontrada com “O Wrestler”, paraestar junto do filme e daspersonagens, tão perto que as po<strong>de</strong>ir moldando, dando formasdiferentes ao “boneco” (em vez <strong>de</strong>,como acontecia em “O ÚltimoCapítulo”, “A Vida não é um Sonho”ou “Pi”, ficar a olhar para sipróprio), arrisca, em pleno campodo “mainstream”, com o óbvio, ovisceral e o inverosímil – domelodrama ao terror biológicopassando pelo “slasher movie”,“Cisne Negro” passa por tudo, e anossa experiência é essa, a<strong>de</strong>rir aessa metamorfose tão <strong>de</strong>lirante eberrante com as aventuras“escapistas” <strong>de</strong> uma “pulp fiction” –e que gesto mais “slasher” o <strong>de</strong> dar aoportunidada a Winona Ry<strong>de</strong>r,“prima ballerina” da geraçãoanterior que é mandada para areforma, <strong>de</strong> se mutilar...Essa plasticida<strong>de</strong>, que parte donaturalismo para se esticar até àaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentefábula, faz “Cisne Negro”. E torna ofilme, para além das referências(Aronofsky assume “Repulsa”, <strong>de</strong>Polanski, ou “A Mosca”, doCronenberg, e iríamos jurar que viuem Veneza 2008, no ano em que oseu “Wrestler” recebeu o Leão <strong>de</strong>Ouro, “L’Autre”, <strong>de</strong> Patrick-MarioBernard e Pierre Trividic, quetambém filmava assim DominiqueBlanc em rota <strong>de</strong> colisão, tal comoPortman, com a sua dupla), umparente do exibicionismo <strong>de</strong> Brian<strong>de</strong> Palma nos anos 70. Falamos dooperático “O Fantasma do Paraíso”(“Cisne Negro” não tem medo <strong>de</strong>entrar pelo <strong>de</strong>svario <strong>de</strong> palco) e <strong>de</strong>“Carrie” – a inquietante BarbaraHershey, mãe amorosa, castradora eassustadora (repare-se como sepercebem os sinais <strong>de</strong>la nasprimeiras sequências), e NataliePortman, a filha virginal, presaassustada capaz <strong>de</strong> passar apredadora, projectam-nos para aPiper Laurie e Sissy Spacek daquelefilme, e até <strong>de</strong>sejamos que Nataliecrucifique Barbara com facas.É isto e mais: a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>investir um cenário, Nova Iorque, <strong>de</strong>uma expressivida<strong>de</strong> doentia, comonaqueles planos, breves, do LincolnCenter, fugaz imagem <strong>de</strong> uma casaassombrada.Não há <strong>outro</strong> filme assim, queproce<strong>de</strong> a experiências ebrinca<strong>de</strong>iras com o “gran<strong>de</strong> público”,na lista <strong>dos</strong> títulos nomea<strong>dos</strong> aoÓscar. Esse tipo <strong>de</strong> filmespraticamente <strong>de</strong>sapareceu do“mainstream” americano, e não oencontramos nem num filme tãocheio <strong>de</strong> si como “A Re<strong>de</strong> Social” nemno paquidérmico “Inception”. Paraalém disso, “Cisne Negro” nãoprecisa <strong>de</strong> programa <strong>de</strong> intençõesliberais para filmar o sexo entremulheres como o envergonhado e,afinal, nada liberto (comparem-se ascenas...) “The Kids are All Right”.Green HornetThe Green HornetDe Michel Gondry,com Seth Rogen, Jay Chou, CameronDiaz, Tom Wilkinson, ChristophWaltz. M/12Mnnnn“Cisne Negro”é menosa história<strong>de</strong> umarivalida<strong>de</strong> empontas, do quea vertigemda pontasexual <strong>de</strong> umareprimida, quese estatela,e assim seliberta, no seulabirinto<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30,21h30, 24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h55, 18h20,21h35, 24h; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2:5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h05,18h40, 21h25, 23h50; CinemaCity Campo PequenoPraça <strong>de</strong> Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 3ª 4ª 13h30, 16h05, 18h30, 21h40, 00h05; UCICinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª3ª 4ª 14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30 Domingo11h30, 14h10, 16h45, 19h20, 21h55, 00h30; UCI DolceVita Tejo: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45,16h15, 18h45, 21h15 6ª Sábado 13h45, 16h15, 18h45,21h15, 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 16h20, 19h,21h50, 00h30; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h,21h40, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping:5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30,18h15, 21h10, 24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h55, 18h45,21h30, 00h15; ZON Lusomundo Dolce VitaMiraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30,21h30 6ª Sábado 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZONLusomundo Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50,18h40, 21h30 6ª 15h50, 18h40, 21h30, 00h10 Sábado13h05, 15h50, 18h40, 21h30, 00h10 Domingo 13h05,15h50, 18h40, 21h30; ZON Lusomundo OeirasParque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,15h45, 18h30, 21h20, 00h10; ZON LusomundoTorres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h30, 16h15, 18h55, 21h40, 00h30; ZONLusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40,00h20; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1: 5ª 2ª3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h30 6ª 15h40, 18h20, 21h30,00h10 Sábado 13h10, 15h40, 18h20, 21h30, 00h10Domingo 13h10, 15h40, 18h20, 21h30; Castello Lopes- Fórum Barreiro: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h30,21h30 6ª 15h50, 18h30, 21h30, 00h10 Sábado 12h50,15h50, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 12h50, 15h50,18h30, 21h30; Castello Lopes - Rio SulShopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40,21h30, 00h10 Sábado Domingo 13h20, 15h50,18h40, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo AlmadaFórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,15h35, 18h20, 21h10, 00h10Porto: Arrábida 20: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 13h45, 16h15, 18h55, 21h35, 00h25 3ª 4ª 16h15,18h55, 21h35, 00h25; Vivacine - Maia: Sala 1: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40,21h20, 24h; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 18h50,32 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


As estrelas do públicoJorgeMourinhaLuís M.OliveiraMárioJ. TorresVascoCâmaraUm ano mais mmmmn nnnnn mmmmn mnnnnO amor é o melhor remédio mmmnn nnnnn nnnnn mnnnnBiutiful A mnnnn nnnnn ACisne Negro mmmmn nnnnn nnnnn mmmnnAlain Oulman- com que voz mmnnn nnnnn mmnnn nnnnnGreen Hornet mnnnn nnnnn nnnnn nnnnnHereafter - Outra Vida mmnnn nnnnn mmmmn mnnnnA Minha Alegria mmmnn mmmnn nnnnn mmmmn72 horas mmnnn nnnnn nnnnn nnnnnVais conhecer o homem <strong>dos</strong> teus sonhos mmnnn mmmnn mmmmn mmnnn21h40, 00h25; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h, 21h30 6ª Sábado15h20, 18h, 21h30, 00h10; ZON LusomundoGaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,18h50, 21h50 6ª Sábado 13h15, 16h, 18h50, 21h50,00h35; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 21h10 6ª Sábado14h30, 17h, 21h10, 00h05; ZON LusomundoMarshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h, 15h40, 18h30, 21h30, 00h30; ZON LusomundoNorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª12h30, 15h20, 18h10, 21h20, 00h20; ZONLusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h20, 18h10, 21h20,00h25; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª 3ª4ª 15h50, 18h30, 21h40 6ª 15h50, 18h30, 21h40,00h20 Sábado 13h10, 15h50, 18h30, 21h40, 00h20Domingo 13h10, 15h50, 18h30, 21h40; ZONLusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª13h, 15h55, 18h50, 21h40 6ª Sábado 13h, 15h55,18h50, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 17h40,21h20, 00h20Se o leitor está a pensar em vir a“Green Hornet” atraído pelasensibilida<strong>de</strong> peculiar do realizadorMichel Gondry, insigne director <strong>de</strong>telediscos para gente como Björk ouos White Stripes e autor <strong>de</strong> “ODespertar da Mente” e “A Ciência <strong>dos</strong>Sonhos”..., tire daí o sentido. Essecineasta fervilhante <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, a<strong>de</strong>ptodo bricolage visual “faça-vocêmesmo”está quase inteiramenteausente <strong>de</strong>ste “blockbuster” genéricoque adapta um herói da era clássicada rádio e da televisão <strong>dos</strong> anos 1960à estética <strong>de</strong> comédia <strong>de</strong> acção emmodo Judd Apatow à medida da suave<strong>de</strong>ta e argumentista, Seth Rogen.Infelizmente, é um projecto inglório:Gondry apaga-se por trás do humorsituacional <strong>de</strong> Rogen, as tentativas <strong>de</strong>introduzir um <strong>lado</strong> meta-ficcionalcaem por terra, só a espaços, emduas ou três sequências inspiradas <strong>de</strong>efeitos visuais, reconhecemos amãozinha do realizador francês. Nopapel, não era necessariamente umamá i<strong>de</strong>ia, há até a espaços algunsmomentos felizes (Christoph Waltz é<strong>de</strong>licioso no seu vilão inseguro,mesmo que o papel seja quaseinexistente), mas na prática “GreenHornet” <strong>de</strong>sperdiça vergonhosamenteo talento reunido. J. M.ContinuamA Minha AlegriaSchastye MoieDe Sergei Loznitsa,com Viktor Nemets, Vladimir Golovin,Alexei Vertkov, Dmitri Gotsdiner, OlgaShuvalova, Maria Varsami. M/16MMMnn<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h; ZON Lusomundo Alvaláxia:5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 19h 6ª Sábado 13h30,19h, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h10Como <strong>outro</strong> Sergei que também temum filme em cartaz (falamos <strong>de</strong>Dvortsevoy e <strong>de</strong> “Tulpan”) Loznitsaé um realizador <strong>de</strong> créditosfirma<strong>dos</strong> no documentário, pelaprimeira vez a aventurar-se naficção. Ou a embrenhar-se, aembrenhar-se pelas profun<strong>de</strong>zas daRússia a<strong>de</strong>ntro, num registo que tiramuita da sua força da terrívelneutralida<strong>de</strong> do seu olhar – semnunca ser, digamos, um olhar“atónito” – e da espécie <strong>de</strong>abandono do espectador (é umfilme que o faz sentir sozinho) queatravés <strong>de</strong>le se pratica. Esta Rússiasombria e assombrada (passe opleonasmo, que em rigor não é bemum pleonasmo) é enigmática, certo;mas, sem paradoxo, também étradicional – as elipses, as suspeitasda existência <strong>de</strong> uma chavealegórica, a sacralização <strong>dos</strong>movimentos <strong>de</strong> câmara, tudo istolembra o cinema soviético <strong>dos</strong> anos70, e <strong>outro</strong>s cinemas <strong>de</strong> Leste (oshúngaros, por exemplo).“Enigmático”, portanto, é isto: queo mundo tenha supostamente“mudado” mas que haja aqui um“código” que continua a fazersentido. Luís Miguel OliveiraO Amor é o Melhor RemédioLove &amp; Other DrugsDe Edward Zwick,com Jake Gyllenhaal, Anne Hathaway,Oliver Platt, Hank Azaria, Josh Gad.M/12Mnnnn<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 18h50,21h50, 00h15; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 6:5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h35, 21h50, 00h05Sábado Domingo 11h35, 13h45, 16h, 18h35, 21h50,00h05; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 5: 5ª6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h20, 18h35, 21h35, 23h45Sábado Domingo 13h55, 18h35, 21h35,23h45; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong>Touros: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h25, 16h35, 19h15,22h, 00h10 Sábado Domingo 14h25, 16h35, 18h45,22h, 00h10; Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,22h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ªSábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24hDomingo 19h, 21h30, 24h; UCI Cinemas - El CorteInglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,16h30, 18h55, 21h30, 23h50 Domingo 11h30, 14h05,16h30, 18h55, 21h30, 23h50; UCI Dolce VitaTejo: Sala 10: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25,19h10, 21h35 6ª Sábado 13h50, 16h25, 19h10, 21h35,00h05; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h55, 21h20,23h50; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30,21h20, 00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h35, 18h15,21h40, 00h20; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h45, 18h15,21h20, 23h50; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10,21h10, 23h50; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 18h10,21h10, 23h50; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h40, 21h10 6ª 15h30,18h40, 21h10, 23h40 Sábado 13h, 15h30, 18h40,21h10, 23h40 Domingo 13h, 15h30, 18h40,21h10; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 6: 5ª6ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 19h, 22h, 00h30 SábadoDomingo 13h30, 16h10, 19h, 22h, 00h30; ZONLusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h40, 21h20,24h; Zon Lusomundo Freeport: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h,18h20, 21h15 6ª 16h, 18h20, 21h15, 23h40 Sábado13h30, 16h, 18h20, 21h15, 23h40 Domingo 13h30,16h, 18h20, 21h15Porto: Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 13h55, 16h40, 19h20, 22h05, 00h50 3ª4ª 16h40, 19h20, 22h05, 00h50; ZON LusomundoDolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª16h20, 21h45; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h55, 22h 6ªSábado 13h20, 16h10, 18h55, 22h, 00h40; ZONLusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª13h40, 16h20, 19h, 21h40 6ª Sábado 13h40, 16h20,19h, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Marshopping:5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20,17h50, 21h, 23h30; ZON Lusomundo NorteShopping:5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10,19h, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo ParqueNascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,15h50, 18h30, 21h10, 24h; ZON LusomundoGlicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50,16h25, 19h05, 21h45, 00h25;Lá estão Jill Clayburgh e GeorgeSegal (numa sequência, fazem ospais da personagem <strong>de</strong> JakeGyllenhaal), e isto é a homenagem<strong>de</strong> Zwick a um <strong>outro</strong> tempo dacomédia (sexual) americana, a <strong>dos</strong>anos 70. O filme está carregado <strong>de</strong>missão: fazer comédia (sexual) paraadultos. Louvável intento. Massobra-lhe em programa o que lhefalta em sensualida<strong>de</strong> - Zwick é umrealizador solene, e é apanhado emfalso na comédia como o amanteinábil na cama. Os actores sãoobriga<strong>dos</strong> a <strong>de</strong>spir-se cena sim,cena não, e como eles são bonitos!Só que a coisa se torna compulsivae angustiante. Fala-se do Viagra,Jake e Anne são monotemáticos, é osexo, o sexo – incapazes <strong>de</strong> ligaçãoafectiva, ela por causa do Parkinsonque lhe cortou o futuro, ele pelanatureza predadora –, e um dia,claro, vão <strong>de</strong>scobrir o sentimento.(Ou seja, o mesmo <strong>de</strong> sempre, agorasem roupa). Mas progri<strong>de</strong>-se <strong>de</strong><strong>de</strong>monstração em <strong>de</strong>monstração. Emesmo não esquecendo a mama<strong>de</strong>la e o rabo <strong>de</strong>le, é umacontradição uma comédia sexualser cinema com a libido em perda.V.C.“O Amoré o MelhorRemédio”:cinemasem libidoUm Ano MaisAnother YearDe Mike Leigh,com Jim Broadbent, Lesley Manville,Ruth Sheen, Peter Wight, OliverMaltman, David Bradley. M/12Mnnnn<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª Sábado 2ª 14h15,16h45, 19h15, 21h45, 00h15; Me<strong>de</strong>ia SaldanhaResi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h40, 00h10; UCI Cinemas- El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª14h, 16h35, 19h10, 21h50, 00h30 Domingo 11h30,14h, 16h35, 19h10, 21h50, 00h30; UCI Dolce VitaTejo: Sala 5: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h25,19h05, 21h45 6ª Sábado 13h55, 16h25, 19h05, 21h45,00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 16h10, 21h40 3ª 4ª 16h10; ZONLusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª3ª 4ª 13h30, 16h, 21h50, 00h25; ZON LusomundoOeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h05, 18h25, 00h15; ZON Lusomundo AlmadaFórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25,16h05, 18h45, 21h35, 00h15Porto: Arrábida 20: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 13h45, 16h25, 19h10, 22h, 00h50 3ª 4ª 16h25,19h10, 22h, 00h50; ZON Lusomundo Dolce VitaPorto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30,21h20; ZON Lusomundo Marshopping: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h30, 21h50Daqueles momentos intimidantes docinema <strong>de</strong> Mike Leigh - a intimida<strong>de</strong>nua e crua que se agiganta perante oespectador – só resta a abertura,participação especial <strong>de</strong> ImeldaStanton. Não há mais nada assim em“Another Year”, e o filme parece atéir traindo esse momento <strong>de</strong>stemido,vergando-se a algo <strong>de</strong> conhecido. Éum Mike Leigh em formatoestabilizado, como segura é a casa,com jardim inglês, <strong>dos</strong> sábios (tãoirritantemente estáveis...) Tom eGerri ( Jim Broadbent e Ruth Sheen),por on<strong>de</strong> passam Mary e os seus<strong>de</strong>sastres (Lesley Manville), Ken e oseu álcool (Peter Wright) e oscalorosos e apaixona<strong>dos</strong> Joe (OliverMaltman), o filho <strong>de</strong> Tom e Gerri, eKatie, a namorada (KarinaFernan<strong>de</strong>z). “Irritantemente”porque Leigh não questiona aestabilida<strong>de</strong> e a dá por adquirida.Desenrolando-se ao longo dasestações, “Another Year” estabeleceuma família que é mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> calorhumano e bom senso, em cuja casapassam os “<strong>outro</strong>s” a quem cabe oespectáculo da disfunção - LesleyManville <strong>de</strong>staca-se na performance.Esta distinção entre o bom senso <strong>de</strong>uns e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m afectiva enche“Another Year” <strong>de</strong> algo que Leigh<strong>de</strong>via ter evitado a todo o custo: opaternalismo <strong>de</strong> um palco pronto ahabitar para o espectáculo alheio.V.C.Hereafter - Outra VidaHereafterDe Clint Eastwood,com Matt Damon, Cécile <strong>de</strong> France,Jay Mohr, Bryce Dallas Howard,George McLaren, Frankie McLaren.M/12MMnnn<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h 6ª 15h30, 18h20, 21h, 23h40Sábado 12h50, 15h30, 18h20, 21h, 23h40 Domingo12h50, 15h30, 18h20, 21h; Castello Lopes -Londres: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª14h15, 16h45, 19h15; Castello Lopes - LouresShopping: Sala 7: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª4ª 12h50, 15h20, 18h10, 21h10, 23h50; CinemaCityAlegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 3ª 4ª 13h35, 16h15, 19h, 21h40,00h20; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 6: 5ª6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25, 19h, 21h40, 00h15Sábado Domingo 19h, 21h40, 00h15; CinemaCityCampo Pequeno Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 1: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h, 18h40,21h35, 24h; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h10, 18h40, 21h30 6ªSábado 13h45, 16h10, 18h40, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>iaSaldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50,00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ªSábado 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h20, 19h20, 21h50,00h25 Domingo 11h30, 14h05, 16h20, 19h20, 21h50,00h25; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 11: 5ª Domingo 2ª3ª 4ª 14h05, 16h35, 19h15, 21h45 6ª Sábado 14h05,16h35, 19h15, 21h45, 00h20; ZON LusomundoAlvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h50, 16h40, 21h10, 00h10; ZON LusomundoAmoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h,15h40, 18h30, 21h30, 00h15 4ª 13h, 15h40, 18h30,00h15; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h15, 18h, 21h,23h45; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h05, 23h55; ZONLusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado 15h20, 18h20,21h20, 00h20; ZON Lusomundo Odivelas Parque:5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h20 6ª 15h40, 18h20,21h20, 24h Sábado 12h55, 15h40, 18h20, 21h20, 24hDomingo 12h55, 15h40, 18h20, 21h20; ZONLusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, 21h40,00h25; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h40,21h25, 00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h45, 18h35, 21h30,00h15; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª 2ª3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h20 6ª 15h40, 18h20, 21h20,23h50 Sábado 13h10, 15h40, 18h20, 21h20, 23h50Domingo 13h10, 15h40, 18h20, 21h20; Castello Lopes- Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10,21h20 6ª 15h20, 18h10, 21h20, 24h Sábado 12h40,15h20, 18h10, 21h20, 24h Domingo 12h40, 15h20,18h10, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h, 23h40 SábadoDomingo 12h40, 15h20, 18h10, 21h, 23h40; ZONLusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30, 21h30,00h25Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 13h50, 16h30, 19h15, 22h, 00h45 3ª 4ª 16h30,19h15, 22h, 00h45; Vivacine - Maia: Sala 3: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, 21h,23h50; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30,21h10, 24h; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h20 6ª Sábado15h40, 18h30, 21h20, 00h05; ZON LusomundoGaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50,18h40, 21h30 6ª Sábado 13h, 15h50, 18h40, 21h30,00h15; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 4ª 12h50, 15h40, 18h50,21h50, 00h45 3ª 12h50, 15h40, 18h50, 00h45; ZONLusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40, 19h40,22h40; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 4: 5ª 2ª3ª 4ª 16h, 18h50, 21h20 6ª 16h, 18h50, 21h20, 24hSábado 13h20, 16h, 18h50, 21h20, 24h Domingo13h20, 16h, 18h50, 21h20; ZON Lusomundo FórumAveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h25, 21h206ª Sábado 14h30, 17h25, 21h20, 00h20Tire-se o chapéu a Clint Eastwood:hoje, só mesmo o veterano realizadorconseguiria convencer um gran<strong>de</strong>estúdio <strong>de</strong> Hollywood a embarcarnum filme adulto e pensativo sobre avida e a morte, parcialmentelegendado e sem estrelas <strong>de</strong> primeiragran<strong>de</strong>za no elenco, nos antípodascompletos das receitas supostamenteinfalíveis que os estúdios insistem emreciclar. “Outra Vida” tem muito maisa ver com o cinema <strong>de</strong> personagensque Hollywood ainda sabia fazerquando Eastwood se impôs comoactor, e só isso já justifica o interesseneste peculiar drama <strong>de</strong> câmara sobretrês personagens (uma jornalistafrancesa, um operário americano,Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 33


Cinemaum miúdo londrino) cujas vidas sãotransformadas pela proximida<strong>de</strong> damorte. É, claro, impossível não olharpara o filme sem ter uma sensaçãoque este reflexão é grata ao realizador,tornando-o num “pendant” esotérico<strong>de</strong> “Gran Torino”. Mas, dê lá por on<strong>de</strong><strong>de</strong>r, há um <strong>lado</strong> <strong>de</strong>masiadoesquemático na construção do guião<strong>de</strong> Peter Morgan (“A Rainha”), umasensação <strong>de</strong> uma narrativa incompletaou insuficientemente <strong>de</strong>senvolvida,que Eastwood filma com bonomia ecarinho pelos seus actores mas semnunca resolver as fraquezas <strong>de</strong> umguião mais entusiasta que acabado.Não é filme em piloto automáticocomo o anterior “Invictus”, mas nãofica como um Eastwood “vintage”.J.M.Alain Oulman - Com Que VozDe Nicholas Oulman,com . M/12MMnnn<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 4: 5ª 6ª2ª 3ª 4ª 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 23h55 SábadoDomingo 19h50, 23h55; CinemaCity Campo PequenoPraça <strong>de</strong> Touros: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 3ª 4ª 13h45, 17h55; CinemaCity ClassicAlvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 22h 6ªSábado 22h, 00h05; CinemaCity ClassicAlvala<strong>de</strong>: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40,17h40, 19h40 Sábado Domingo 11h40, 13h40,15h40, 17h40, 19h40Porto: ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 22h10, 00h40É ingrato: para os portugueses, onome <strong>de</strong> Alain Oulman, filho <strong>de</strong> paisfranceses, nascido em Portugal, éinseparável do <strong>de</strong> Amália Rodrigues,para quem escreveu alguns <strong>dos</strong> maisnotáveis momentos da músicaportuguesa do século XX, quando hátanto mais para <strong>de</strong>scobrir na vida <strong>de</strong>um homem que foi encenador,agente literário, editor, militanteanti-fascista quase casual, figurafulcral no Portugal cultural <strong>dos</strong> anos1960. Apesar <strong>de</strong> Amália ser a porta<strong>de</strong> entrada (e <strong>de</strong> saída) <strong>de</strong>stedocumentário, Nicholas Oulman,filho do compositor, estrutura ofilme cronologicamente para nos dara conhecer, <strong>de</strong> modo escorreito edinâmico, as mútiplas facetas <strong>de</strong> umhomem muito maior do que alegenda “compositor <strong>de</strong> Amália”daria a enten<strong>de</strong>r. Ainda assim, “Comque Voz” sofre <strong>de</strong> dois problemas:primeiro, a sua conformação formala um vulgar documentário telvisivo,<strong>de</strong> “cabeças falantes” cruzadas comimagens <strong>de</strong> arquivo (pontualmentereve<strong>lado</strong>ras). Segundo, Oulmannunca consegue resolver a contentoo dilema da dupla personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>um filme que quer mostrar o homempara lá <strong>de</strong> Amália, mas não hesita emapoiar-se nisso como argumentoprincipal. Talvez fosse tarefa inútiltentá-lo, mas “Com que Voz” é umesforço mais que honroso. J. M.Vais Conhecero Homem <strong>dos</strong> Teus SonhosYou Will Meeta Tall Dark StrangerDe Woody Allen,com Antonio Ban<strong>de</strong>ras, Josh Brolin,Anthony Hopkins, Gemma Jones,Freida Pinto, Lucy Punch, NaomiWatts. M/12MMnnnHá mais para<strong>de</strong>scobrir emAlain Oulman,que não é sóo compositorque escreveupara Amálianotáveismomentosda músicaportuguesa <strong>dos</strong>éculo XX<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª15h45, 21h45 Sábado Domingo 15h45, 18h15,21h45; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª3ª 4ª 16h, 18h10, 21h20 6ª 16h, 18h10, 21h20, 23h50Sábado 13h20, 16h, 18h10, 21h20, 23h50 Domingo13h20, 16h, 18h10, 21h20; Castello Lopes -Londres: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 21h45 6ªSábado 21h45, 00h15; CinemaCity AlegroAlfragi<strong>de</strong>: Sala 10: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h45,19h55, 22h Sábado Domingo 19h55,22h; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong>Touros: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª15h50, 20h, 22h10; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h,20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h50, 19h10,21h30, 23h55 Domingo 11h30, 14h15, 16h50, 19h10,21h30, 23h55; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 18h45, 22h 6ªSábado 13h55, 16h30, 18h45, 22h, 00h15; ZONLusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª3ª 13h10, 15h20, 18h10, 21h10, 23h40 4ª 13h10,15h20, 18h10, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 17h, 00h05; ZONLusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 15h55, 21h45; ZON LusomundoAlmada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h05, 15h35, 18h05, 21h05, 23h30Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 14h10, 16h35, 19h, 21h25, 00h05 3ª 4ª16h35, 19h, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo DolceVita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª13h40, 19h20, 00h25; ZON LusomundoNorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª14h, 21h; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h50, 22h,00h15; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h05, 21h40,00h15Woody Allen marca a cruzinha dofilme anual com uma comédia <strong>de</strong>humor tão cruel, cínico e escarninhoque mesmo os ferrenhos <strong>de</strong> longadata terão alguma dificulda<strong>de</strong> emsorrir sem que a gargalhada seestrangule a seguir. Variaçãodoméstica sobre a matriz “Crimes eEscapa<strong>de</strong>las”, traça meticulosamentea <strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong> um clã londrino apartir do momento em que opatriarca aterrorizada pela velhicepe<strong>de</strong> o divórcio e se amanceba comuma prostituta bimba e a esposatraumatizada se refugia no uísque enas vi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> vão <strong>de</strong> escada. Allen<strong>de</strong>senha uma espiral <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>insatisfações, traições, humilhaçõese más <strong>de</strong>cisões que filmaindiferentemente (apesar dapresença <strong>de</strong> Vilmos Zsigmond nafotografia) e estruturapreguiçosamente (apesar <strong>de</strong> um finalgloriosamente cínico, ainda maiscruel do que o que ficou para trás),mas fá-lo com uma cruelda<strong>de</strong> e um<strong>de</strong>sencanto que não lheconhecíamos tão sádicos, como se o<strong>de</strong>sespero que sempre vimos latenteno seu humor já não se conseguisseescon<strong>de</strong>r. Por uma vez, o elencofeminino é constantemente soberbo(palmas a Gemma Jones, Lucy Punche Naomi Watts) enquanto os homensliteralmente andam em pilotoautomático. A evidência é só uma:tinha tudo para ser uma boacolheita, mas Allen precisaria <strong>de</strong> seteria empenhado mais para láchegar. J.M.BommmmmmExcelenteAs mulheres, em Wakamatsu, são as criaturas mais vivas e maisindomáveis – aos homens está reservada uma situação <strong>de</strong> falênciafilmes agora editada comprova-oO Japãobem. São cinco <strong>dos</strong> mais célebresfilmes <strong>de</strong> Wakamatsu: “O Embrião<strong>de</strong> 60, emCaça em Segredo”, “O Êxtase <strong>dos</strong>Anjos”, “Sex Jack – Sistemacinzento eVio<strong>lado</strong>”, “Os Segre<strong>dos</strong> Atrás dasPare<strong>de</strong>s” e “Vai, Vai, Virgem PelaSegunda Vez”, realiza<strong>dos</strong> entre 1965cor <strong>de</strong> rosae 1972. Vê-los <strong>de</strong> seguida é comoDVDaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuitoentrar num longo filme, tãoevi<strong>de</strong>nte é a coerência interna doCinco filmes <strong>de</strong> Kojiuniverso <strong>de</strong>senhado porWakamatsu cheios <strong>de</strong> raiva, Wakamatsu. Como em Nagisadirigida para quase tudo Oshima ou Shohei Imamura,o que estava a volta. Luís expoentes da “nova vaga japonesa”e contemporâneos <strong>de</strong> WakamatsuMiguel Oliveira(que foi o produtor do “Império <strong>dos</strong>Caixa Koji WakamatsuSenti<strong>dos</strong>” <strong>de</strong> Oshima), são filmescheios <strong>de</strong> raiva, dirigida para quasemmmmntudo o que estava a volta: oconformismo passivo da socieda<strong>de</strong>,Sem extrasos mais velhos (a geração queGraças ao sucesso conduziu o Japão à II Guerra), a<strong>de</strong> filmes como família, a recodificação do Japão do“United Red pós-guerra a partir <strong>de</strong> parâmetrosArmy” eoci<strong>de</strong>ntais, as relações entre“Caterpillar” (que homens e mulheres. O fantasma <strong>de</strong>vão ser estrea<strong>dos</strong> Hiroshima aparece explicitamente,em Portugal para através da cicatriz <strong>de</strong> uma dasa semana,personagens <strong>de</strong> “Os Segre<strong>dos</strong> Atrássimultaneamente) das Pare<strong>de</strong>s” (em cenas que, quaseo japonês Koji <strong>de</strong> certeza não é um acaso,Wakamatsu vive uma espécie <strong>de</strong> lembram o “Hiroshima Monsegunda vida. Nascido em 1936, Amour” <strong>de</strong> Resnais e Duras). E, oassinou larguíssimas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> que também não é um acaso,filmes, a maior parte <strong>de</strong>les <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> apesar do “exploitation”, do sexo eum género intrínseco à indústria da nu<strong>de</strong>z (feminina), as mulheresjaponesa, o “pink film”. Filmes são por regra as criaturas mais vivasmuito curtos, roda<strong>dos</strong> rapidamente, e mais indomáveis – aos homenscom uma agenda erótica <strong>de</strong> códigos está reservada uma situação <strong>de</strong>“Sex Jack”: muito próprios a cumprir – <strong>de</strong> algum falência (a impotência, aa “Revolução” modo, e não especialmente bem esterilida<strong>de</strong>) que vira tudo doé um “gang comparado, o equivalente japonês avesso (o fetichismo ritualizado <strong>de</strong>bang”, que do cinema <strong>de</strong> “exploitation”“O Embrião Ataca em Segredo”,<strong>de</strong>pois acaba americano. Wakamatsu tem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> on<strong>de</strong> um homem rapta um mulhere estão to<strong>dos</strong> os anos 60, dúzias <strong>de</strong> títulos feitos para a transformar em “ca<strong>de</strong>la” põetristes e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste género. Alguns <strong>de</strong>les o “exploitation” <strong>de</strong> pernas para oesgota<strong>dos</strong> saltaram, em 60 e 70, as fronteiras ar, quase sentimos pena <strong>dos</strong>japonesas, e foram vistos emhomens japoneses que, em 1966,festivais importantes, como Cannes nele foram à procura <strong>de</strong> “titilação”),ou Berlim. Frequentementee uma frustração agressiva (aWakamatsu tratava o “pink film” violação é outra recorrência). Nestecomo uma ferramenta, e mais do Japão atravancado, dado quase sóque cumprir a agenda erótica por interiores sobrepovoa<strong>dos</strong>,utilizava os seus códigos para fazer apartamentos pequeninos,passar um discurso pessoal, e banheiras do tamanho <strong>de</strong> bal<strong>de</strong>s,eminentemente político, sobre o num preto e branco áspero (nalgunsJapão seu contemporâneo. Próximo filmes cortado por breves explosões<strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> esquerda <strong>de</strong> cor), sufoca-se. O activismo“radicais” que se <strong>de</strong>dicaram ao político violento – tema <strong>de</strong> “Sex“terrorismo” ou, segundo aJack” e <strong>de</strong> “O Êxtase <strong>dos</strong> Anjos”, umterminologia da época, à “guerrilha gran<strong>de</strong> filme – era pelo menos umaurbana” nessas décadas <strong>de</strong> 60 e 70, tentativa <strong>de</strong> respirar. Mas que filmachegou a filmar “manifestos” e Wakamatsu? Ainda, e quase só, aspropaganda pró-palestiniana. O seu coisas em dissolução: um grupo que“ocaso”, em parte, explica-se por aí se <strong>de</strong>sfaz, por dissensões internas,– como dizia numa entrevista no “Êxtase”; a orgia <strong>de</strong>solada dorecente, “ainda hoje” lhe está final <strong>de</strong> “Sex Jack”, on<strong>de</strong> avedada a entrada nos Esta<strong>dos</strong> “Revolução” é um “gang bang”, queUni<strong>dos</strong>.<strong>de</strong>pois acaba e estão to<strong>dos</strong> tristes e“United Red Army”, <strong>de</strong> que esgota<strong>dos</strong>.teremos ocasião <strong>de</strong> falar, é umEdição sem extras, e transcriçõesajuste <strong>de</strong> contas com o seu passado, impecáveis, respeitando os formatose uma gélida revisão do método e das imagem (quase sempre em écranda psicologia <strong>de</strong>sses movimentos. largo). Pena que a legendagem,Mas já em 60 e 70 havia algo <strong>de</strong> aparentemente adaptada do francês,gélido na forma como Wakamatsu dê alguns tropeções, mas éos filmava, e esta caixa <strong>de</strong> cinco pormenor <strong>de</strong> somenos.34 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


LivrosCharlesPortis é um<strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>sreclusos daliteraturanorteamericana,mas o“remake”<strong>de</strong> “A VelhaRaposa”(“True Grit”)pelos irmãosCoen está asuscitar umaoperação <strong>de</strong>reabilitaçãodo escritorNovaeditoraFicçãoJohnWaynelessCortesia <strong>de</strong> Hollywood,um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s prazeressecretos da literaturaamericana prepara-se paramais uma reabilitação.Rogério CasanovaTrue Grit - IndomávelCharles Portis(Trad. Fátima Andra<strong>de</strong>)Editorial PresençammmmnJosé Luís Peixoto vai tereditora nova no Brasil:o romance “Livro”,que foi lançado emSetembro em Portugal,vai ser publicado pelaCompanhia das Letras.Membro nãooficialda igreja<strong>dos</strong> Gran<strong>de</strong>sReclusosAmericanos,Charles Portiscostuma ser umanota <strong>de</strong> rodapéem artigos sobreos seus lacónicosparceiros <strong>de</strong> invisibilida<strong>de</strong>. ComoSalinger, não dá entrevistas; comoPynchon, não se <strong>de</strong>ixa fotografar;como Gaddis, publica em média umlivro por década. Mas, ao contrário<strong>de</strong>les, a própria obra po<strong>de</strong> orgulharse<strong>de</strong> um nível estratosférico <strong>de</strong>reclusivida<strong>de</strong>. Constituída tu porquatro romances e um par <strong>de</strong>contos publica<strong>dos</strong> na“Atlantic Monthly”, temcumprido com brio oextenuante circuitodo secretismo:mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong>perímetrosreduzi<strong>dos</strong> das“reputações <strong>de</strong>culto”, o talento<strong>de</strong> Portis nunca fezbarulho suficiente.Os seusJONATHAN PORTISO escritor portuguêsjá tinha duas obraspublicadas no Brasil pelaeditora Record: “Cemitério<strong>de</strong> Pianos” (2006) e“Uma Casa na Escuridão”(2009).a<strong>de</strong>ptos, no entanto, têm feitobarulho nos sítios certos. Durante olongo período <strong>de</strong> ostracismoeditorial, em que to<strong>dos</strong> os livrosestavam esgota<strong>dos</strong> e reduzi<strong>dos</strong> a<strong>de</strong>scobertas fortuitas em caves <strong>de</strong>alfarrabistas, o culto foi sendomantido por uma minoria <strong>de</strong> fãscélebres, entre os quais NoraEphron, Stephen Malkmus, ConanO’Brien e o jornalista RonRosenbaum, cujo artigo <strong>de</strong> 1999 na“Esquire” levou a Overlook Press areeditar todo o catálogo perdido.O maior pico <strong>de</strong> notorieda<strong>de</strong> atéentão terá sido provocado por outracelebrida<strong>de</strong> improvável: JohnWayne, que ganhou o único Oscarda carreira à conta <strong>de</strong> “True Grit”(em português, “A Velha Raposa”),em 1969. O filme era mau e causouincómo<strong>dos</strong> vitalícios ao ciosopelotão <strong>de</strong> evangelizadores. O velhodilema “indie”: <strong>de</strong> súbito, a banda<strong>de</strong> garagem que sempre conhecemostorna-se famosa – e por to<strong>dos</strong> osmotivos erra<strong>dos</strong>.Felizmente para to<strong>dos</strong> osenvolvi<strong>dos</strong>, a notorieda<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>curta duração, e Portis regressou auma peremptória oscurida<strong>de</strong>. “TrueGrit” manteve-se sempre naslivrarias como uma espécie <strong>de</strong>relíquia, mas o resto da obra – emque se incluem duas obras-primascómicas, “The Dog of the South” e“Masters of Atlantis” - foi durantemuito tempo impossível <strong>de</strong>encontrar. O novo “remake” <strong>dos</strong>irmãos Coen (estreia em Portugal a17 <strong>de</strong> Fevereiro) parece terinaugurado mais um processo <strong>de</strong>reabilitação canónica do autor, que,na sua serena terceira ida<strong>de</strong> (nasceuem 1933), até já nem se importa <strong>de</strong>conversar com jornalistas do “NewYork Times” – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nãotranscrevam uma palavra do que elediga. Em mais do que um sentido, ohomem é um resistente.“Grit”. No sentido literal, brita oucascalho, mas também coragem,<strong>de</strong>terminação, firmeza <strong>de</strong> carácter- e resistência. A palavra é traduzidacomo “garra” na edição portuguesa,uma opção aceitável (“fibra” seriaoutra) que reúne toda a polissemiadispersa. Os responsáveis pelaprimeira adaptação cinematográfica<strong>de</strong>cidiram que era um termo<strong>de</strong>scritivo apenas para a figura <strong>de</strong>“Rooster” Cogburn e –compreensivelmente, embora comperdas óbvias – transformaram“True Grit” num veículo para JohnWayne. Mas o livro pertence a MattieRoss, cuja voz narra a história,quatro décadas <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong>acontecimentos.“Eis o que aconteceu”. A frase,que aparece logo no segundoparágrafo e é repetida uma boa<strong>de</strong>zena <strong>de</strong> vezes ao longo do livro,serve <strong>de</strong> mote a um <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong>intratável honestida<strong>de</strong>. O queacontece é isto. No Inverno <strong>de</strong> 1873,uma rapariga <strong>de</strong> 14 anos <strong>de</strong> YellCounty, Arkansas, sai <strong>de</strong> casa paraaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteencontrar Tom Chaney, o homemque matou o seu pai. A lei nãofuncionou pelos canais oficiais e,além disso, ela tem os seus própriosplanos para o assassino: “Sequeremos que uma coisa seja feitacomo <strong>de</strong>ve ser, temos sempre <strong>de</strong> nosencarregar pessoalmente doassunto”. Para a ajudar, alista umvai<strong>dos</strong>o Texas Ranger chamadoLaBoeuf, que procura Chaney paraobter uma recompensa, e “Rooster”Cogburn, um “marshal” <strong>de</strong>crépito,alcóolico e zarolho que lhe garantemser o homem com mais “garra”disponível. Encontramo-lo pelaprimeira vez num tribunal, on<strong>de</strong> éinterrogado por um procuradorzeloso sobre um caso potencial <strong>de</strong>abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> (quando oprocurador lhe pergunta quantoshomens já baleou na sua carreira, aresposta <strong>de</strong> Cogburn é “baleei oumatei?”). Convencer os dois homensa auxiliá-la, além <strong>de</strong> garantirtransporte e <strong>outro</strong>s imperativoslogísticos, exige uma consi<strong>de</strong>rávelsérie <strong>de</strong> negociações e semichantagens,ao longo da qual MattiePEDRO CUNHAse revela simultaneamente maisadulta do que muitos <strong>dos</strong> adultosque enfrenta, e na posse <strong>de</strong> umatenacida<strong>de</strong> cega e infantil.Essa tenacida<strong>de</strong> é totalmentetransmitida pela voz: umaquantida<strong>de</strong> misteriosa que Portismantém, sem uma única nota falsaao longo <strong>de</strong> quase 200 páginas. Umregisto coloquial, mas com umformalismo emocional que prescin<strong>de</strong><strong>de</strong> frivolida<strong>de</strong>s e não vacila perante averda<strong>de</strong>, mesmo quando esta seencontra manchada <strong>de</strong> sangue. Portisresolve o problema técnico da dicçãonão com uma reconstrução <strong>de</strong>laboratório, com o paciente recursoaos regionalismos correctos, masatravés <strong>de</strong> uma criação genuína eplausível. A voz <strong>de</strong> Mattie é, acima <strong>de</strong>tudo, prática: “É verda<strong>de</strong> que gostoda minha igreja e do meu banco”.Equilibrada entre esses dois pólos –as necessida<strong>de</strong>s terrenas e umamoralida<strong>de</strong> à Antigo Testamento –,solteirona, obstinada, dada a refrões<strong>de</strong> catequese, e com a mais atarefadacolocação <strong>de</strong> aspas do Oeste, ela falacom a veemência da honestida<strong>de</strong>:Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 35


LivrosaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente“Ao longo da vida conheci algunscavalos e ainda mais porcos quealimentavam, sem dúvida, másintenções no seu coração. Irei aindamais longe e direi que to<strong>dos</strong> os gatossão malva<strong>dos</strong>, embora possam sermuito úteis. Quem nunca viu Satanásnos seus focinhos astutos? Hápregadores que dirão que isto nãopassa <strong>de</strong> ‘tretas’ supersticiosas. Aminha resposta é a seguinte:pregador, pegue na sua Bíblia e leiaLucas 8, 26-33”.O excesso é típico, masinteiramente merecido. E Rooster eLaBoeuf falam <strong>de</strong> maneirasemelhante: a energia cómica dolivro resulta da furiosa colisão <strong>de</strong>monólogos indigna<strong>dos</strong>. Portismostra o respeito <strong>de</strong>vido a to<strong>dos</strong> osressentimentos incoerentes easpirações grandiosas, sem tentarrasurar a sua capacida<strong>de</strong> para oridículo. Pensar em si próprioformalmente é a característicadominante <strong>de</strong> todas as suaspersonagens, uma formalida<strong>de</strong><strong>de</strong>scabida e traduzida numa retóricainflacionada que faz com que to<strong>dos</strong>os diálogos soem como <strong>de</strong>clamaçõesnuma tertúlia e ao mesmo tempointeiramente naturais, num efeitoque consegue um <strong>dos</strong> mais árduosactos <strong>de</strong> equilibrismo literário: serreve<strong>lado</strong>r sobre pessoas sem autoconsciênciae ser engraçado sobrepessoas sem sentido <strong>de</strong> humor.Mas atípica é a nota elegíaca dasúltimas páginas. Mais <strong>de</strong> 40 anospassaram, e ao tentar reencontrar oseu parceiro <strong>de</strong> aventura, Mattie<strong>de</strong>scobre que o octogenário “Rooster”faz parte <strong>de</strong> um espectáculo itinerantechamado “Oeste Selvagem”, on<strong>de</strong>mostra “a sua perícia e ousadia com orevólver <strong>de</strong> seis tiros e a espingarda <strong>de</strong>repetição”. O cenário é<strong>de</strong>liberadamente confrangedor, epassa por comentário oblíquo àvulgarização da mitologia do Oesteamericano, um processo para o qual ahirta honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mattie éproposta como antídoto. Mas o tom édiferente, e o leitor <strong>de</strong>scobre comassombro que a nostalgia é umaemoção “viável” no universo <strong>de</strong>Portis: “O tempo foge-nos”, diz, antes<strong>de</strong> um último assomo <strong>de</strong> “true grit”,terminando o relato com um floreadoque se assemelha a um encolher <strong>de</strong>ombros.AndrewO’Haganinventa todauma vidapara o cãoque Sinatraofereceu aMarilyn eque aqui seoferece comotestemunhaocular do“esplendorem <strong>de</strong>clínio”da mais<strong>de</strong>finitiva“star” <strong>de</strong>HollywoodUm cão emManhattanRomance comoventee melancólico sobreum <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s mitos <strong>dos</strong>éculo XX.José Riço DireitinhoA Vida e as Opiniões do Cão Mafe da sua Amiga Marilyn MonroeAndrew O’Hagan(Trad. Ana FalcãoBastos e Cláudia Brito)BertrandmmmmnContar o mundoatravés do olhar e<strong>dos</strong> pensamentos<strong>de</strong> um cão não éuma i<strong>de</strong>ia literáriapropriamenteoriginal. E sedissermos aindaque esse mundo éHollywood, ointeresse po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cair na proporçãocorrespon<strong>de</strong>nte ao brilho estelar dodono ou da dona do caní<strong>de</strong>o. Oescritor escocês Andrew O’Hagan (n.1968) – autor <strong>de</strong> “Os Nossos Avós” (D.Quixote, 2002), romance nomeadopara o Booker Prize – quis correr esserisco ao ficcionar a autobiografia docão <strong>de</strong> Marilyn Monroe, a estrela dasestrelas. O resultado é um textobrilhante, por vezes comovente emelancólico, pois conseguiu fazê-loIsabelCoutinhoCiberescritasHá editores e editores, editoras e editoras. ACotovia é uma editora <strong>de</strong> editores. Quemvive em <strong>Lisboa</strong> sabe que, entre o Chiado e oBairro Alto, num rés-do-chão por on<strong>de</strong> sepasseia um gato, fica a Livros Cotovia. É alivraria on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m comprar clássicos com traduçõesimpecáveis, livros <strong>de</strong> poesia, colecções <strong>de</strong> teatro, to<strong>dos</strong>os títulos do curso breve <strong>de</strong> literatura brasileira, ensaios eaté ficção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>dos</strong> que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alipublicarem, entraram na história da literaturaportuguesa.Neste ano novo, a Cotovia inaugurou uma livrariaonline. Ali, os leitores têm a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler asprimeiras páginas <strong>de</strong> títulos recentes. É o caso <strong>de</strong> “Entreárabes e ju<strong>de</strong>us”, da jornalista Helena Salem, que emOutubro <strong>de</strong> 1973 foi cobrir a chamada guerra do YomKippur. Po<strong>de</strong>mos ler as primeiras 16 páginas e atépartilhá-las em re<strong>de</strong>s sociais, mandar por email ouintegrar num blogue. “O que significa ser uma meninajudia, <strong>de</strong> nome árabe, a viver num país católico afrequentar escola protestante? O que significa ser umajornalista brasileira, <strong>de</strong> origem judaica, a cobrir umaguerra árabe-israelense, nos países árabes e composições solidárias aos palestinianos?”Mas as novida<strong>de</strong>s não ficam por aqui. Em Janeiro, aeditora Fernanda Mira Barros inaugurou o Blog daCotovia com um “post” on<strong>de</strong> explicava que tinha<strong>de</strong>cidido concentrar-se numa i<strong>de</strong>ia simples: “Esta: ACotovia é uma editora muito boa.” E continuava: “Nãome fica bem dizer isto, é claro, trabalhando nela e paraela há 20 anos, mas a humilda<strong>de</strong> é uma virtu<strong>de</strong> que emexcesso se torna <strong>de</strong>feito. E, sem mim, a Cotovia seria tãoboa como é, portanto estou àEm Janeiro, a editoraFernanda Mira Barrosinaugurou o Blog daCotovia com uma i<strong>de</strong>iamuito simples: “ACotovia é uma editoramuito boa”Blog da Cotoviahttp://blogdacotovia.blogspot.com/Livraria e editoraCotoviahttp://www.livroscotovia.pt/A editora muito boavonta<strong>de</strong>.” Quem se dispuser aacompanhar o blogue daeditora “muito boa”, terá asorte <strong>de</strong> ler textos inéditos <strong>dos</strong>seus autores (para já, JacintoLucas Pires, António PintoRibeiro, Tatiana Salem Levy,Luís Quintais, Daniel Jonas), eficará informado sobre asnovida<strong>de</strong>s.Também André Fernan<strong>de</strong>sJorge, editor da Cotovia,publicou um texto no blogue apropósito da nova colecçãoJudaica, on<strong>de</strong> está incluído o livro <strong>de</strong> Salem: “Não merecordo quando começou o meu interesse pelo judaísmo.De muito pequeno, com certeza. Talvez venha daadmiração que o meu Pai tinha pelos ju<strong>de</strong>us. E <strong>de</strong> eledizer aos filhos, sem que percebêssemos porquê, queéramos diferentes. Des<strong>de</strong> muito cedo terei ficado comessa noção <strong>de</strong> que havia uma diferença na família.Depois, na adolescência, claro, tudo isso se tornouinsuportável: eu não queria ser diferente <strong>de</strong> nada nem <strong>de</strong>ninguém na vida”. “Sinto que é necessário recordarsempre os gran<strong>de</strong>s crimes contra a humanida<strong>de</strong>. To<strong>dos</strong>.Esta colecção vem daí, <strong>de</strong>ssa minha necessida<strong>de</strong> tornadaconvicção”, afirma o editor.A equipa da Cotovia e os seus autores estão agora maisperto <strong>de</strong> nós. Neste Inverno frio, vem mesmo a calhar.Twitter@livroscotovia/isabel.coutinho@publico.pt(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas)36 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


sem pretensiosismo nemcon<strong>de</strong>scendências, e sobretudo sementrar nas <strong>de</strong>snecessárias “águasturvas” amorosas que <strong>de</strong> vez emquando fazem as <strong>de</strong>lícias <strong>dos</strong>tablói<strong>de</strong>s, ou nas muitas teoriasconspiratórias sobre a morte <strong>de</strong>Marilyn. O título, apesar <strong>de</strong> lembrarLaurence Sterne e o seu “TristramShandy”, parece mais inspirado em“A Vida e as Opiniões do TomcatMurr”, uma curiosa sátira narradapor um gato, da autoria do alemãoE.T.A. Hoffmann.O cão, um “terrier maltês” (raçatambém conhecida como “bichonmaltais”, e, segundo o próprio, a raça<strong>dos</strong> “aristocratas do mundo canino”,que têm entre os seus ascen<strong>de</strong>ntes oscompanheiros inseparáveis <strong>de</strong> MariaStuart, a rainha <strong>dos</strong> escoceses, e <strong>de</strong>Maria Antonieta), nasceu na Escócia,na Primavera <strong>de</strong> 1960, mas <strong>de</strong>pressafoi levado para Inglaterra pelojardineiro da pintora Vanessa Bell(irmã <strong>de</strong> Virgínia Woolf). Por caminhosínvios que só o <strong>de</strong>stino parececonhecer, o escritor ChristopherIsherwood informou da sua existênciaa mãe <strong>de</strong> Natalie Wood, uma emigranterussa que se compa<strong>de</strong>cia com cãesingleses e que os levava para a Américapara os negociar com as estrelas <strong>de</strong>Sunset Boulevard. Já em Los Angeles,em casa da família <strong>de</strong> Natalie Wood,que ele <strong>de</strong>screve como “uma visão <strong>de</strong><strong>de</strong>coração <strong>de</strong> interiores num estado <strong>de</strong>calamida<strong>de</strong>, o cenário <strong>de</strong> umcasamento à força entre a ligeirezaamericana e a morbi<strong>de</strong>z russa”, vê pelaprimeira vez o senhor Frank Sinatra,que “emanava um ligeiro aromasiciliano”, enquanto este gritava comNick (o pai <strong>de</strong> Natalie Wood), quepassava o tempo bêbado e a assistir aepisódios do “Bonanza” com umaespingarda <strong>de</strong>scarregada nas mãos.O cão (que por esta altura aindanão tinha nome) começa a mostrarser sábio, astuto e cheio <strong>de</strong>referências culturais em várioscampos – que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a filosofia aocinema, passando pela literatura epelo <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> interiores –, tudo istoporque, segundo ele, os caní<strong>de</strong>osabsorvem “o melhor do que os donossabem”. Ele conhece os gran<strong>de</strong>sromances e cita as personagenscaninas, por exemplo. E uma dassuas primeiras observações ao verSinatra e Natalie Wood juntos é:“Nunca iriam crescer. Sinatra eraeternamente o soldado Maggio, ocontestatário magricela e carente <strong>de</strong>‘Até à Eternida<strong>de</strong>’. E Natalie seriasempre a rapariga que queria ser fixeem ‘Fúria <strong>de</strong> Viver’.Mas Marilyn Monroe tinha acabado<strong>de</strong> se divorciar <strong>de</strong> Arthur Miller,estava <strong>de</strong>primida, e Sinatra queriaoferecer-lhe um cão. Ali estava um. EFrank levou-o para Nova Iorque,on<strong>de</strong> ele iria finalmente conhecer asua “companheira pre<strong>de</strong>stinada”,essa “pessoa estranha e infeliz”, quevivia num apartamento do UpperEast Si<strong>de</strong> <strong>de</strong> Manhattan, mas que –isto notou ele mais tar<strong>de</strong> – tinha o“maior pendor para a comédia”.É esta Marilyn que por esta alturaoscilava entre a esperança e o<strong>de</strong>sespero (não terá osci<strong>lado</strong>sempre?) que lhe dá o nome, MafiaHoney (diminutivo Maf ), emdivertida homenagem a Sinatra, àssuas pretensas ligações aosubmundo. A partir <strong>de</strong>sse dia, osensível cão Maf, que aos poucos sevai mostrando também pomposo,snob e pedante, está sempre comMarilyn e torna-se numa espécie <strong>de</strong>seu aliado espiritual. Vai com ela àsfestas, passeia com uma Marilynincógnita pela cida<strong>de</strong>, presenciaalguns encontros amorosos, e assistea sessões <strong>de</strong> psicanálise em que seprocura contornar a problemáticaquestão do “pai ausente”. Dá-setambém conta das tentativas <strong>de</strong>Marilyn para se reinventar como“actriz séria”, sob a tutela <strong>de</strong> LeeStrasberg; Marilyn quer oreconhecimento da sua serieda<strong>de</strong>,mas é já o seu “esplendor em<strong>de</strong>clínio” o que sente, apesar <strong>de</strong> serainda, diz Maf, “a única pessoa queconseguia murmurar umaexclamação” e que “sabia fazer aspessoas sonhar”. O autor intercala notexto citações <strong>de</strong> entrevistas ou falas<strong>de</strong> filmes, e consegue fazer o leitorperceber que há ali uma Marilyn quemascara o seu verda<strong>de</strong>iro “eu”, e quepermanece ao longo <strong>de</strong> todo oromance uma espécie <strong>de</strong> presençailusória, melancólica e comovente.O’Hagan não tenta <strong>de</strong>claradamenteexplicar o mito Marilyn Monroe, dáapenas uma amostra – e essa é agran<strong>de</strong> ambição (conseguida) do livro– do que teria sido conhecê-la, e sercapaz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar “qualquer coisa<strong>de</strong> in<strong>de</strong>cente na maneira como elaadmirava o seu reflexo ao espelho”.Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, oromance não termina com a morte<strong>de</strong> Marilyn, mas com ela a cantar“Happy Birthday, Mister Presi<strong>de</strong>nt”.PoesiaVer-se gregoA Grécia da cultura e aGrécia da sensação.Pedro MexiaUm A<strong>de</strong>us aos DeusesRuben A.Assírio & AlvimMMMMnTodo o leitorculto tem umai<strong>de</strong>ia da Grécia,mas o que é isso,“uma i<strong>de</strong>ia daGrécia”, o que éque isso vale?Ruben AndresenLeitão tambémconhecia imagensRUI GAUDÊNCIOMal chega à Grécia, o inquisitivo Ruben A.torna-se voraz e, em genial metamorfose,vê-se literalmente grego: “Não quero mais nada.Estou petrificado por <strong>de</strong>ntro”e palavras gregas, <strong>de</strong>Homero a Seferis. E a sua primaSophia <strong>de</strong> Mello Breynerpraticamente vivia numa Gréciamental. Mas ele sentia “a Grécia”como um dado simplesmentecultural, impreciso e distante.Então, uma conversa com o poetabrasileiro Murilo Men<strong>de</strong>s, quechegava, extasiado, da Grécia,contagia-o. Ruben <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> tentarperceber “in loco” o que é isso, “aGrécia”, que tanto fascina osespíritos eleva<strong>dos</strong>.O menos que po<strong>de</strong>mos dizer <strong>de</strong>“O A<strong>de</strong>us aos Deuses” é que oescritor português superou todas asexpectativas. O relato daexperiência grega foi publicado em1963, e reaparece agora, com edição<strong>de</strong> Liberto Cruz e prefácio <strong>de</strong>Rosado Fernan<strong>de</strong>s. E, diga-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong>já, não é uma tradicional narrativa<strong>de</strong> viagens, mas antes o itinerário<strong>de</strong> um encantamento.Ruben A. faz as <strong>de</strong>vidasanotações históricas, paisagísticas,turísticas, conta episódios, comentapersonagens, mas nada disso éessencial. Essencial é omaravilhamento perante a Grécia,que ele vê com um reino <strong>de</strong>divinda<strong>de</strong> sem <strong>de</strong>us, <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong>quotidianamente vivida, vivida <strong>de</strong>modo profano, em cida<strong>de</strong>s com ajusta medida, cida<strong>de</strong>s vivas mesmose em ruínas, cida<strong>de</strong>s quetransmitem uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “polis” emliberda<strong>de</strong> ausente das cida<strong>de</strong>sportuguesas em 1963. Mal chega àGrécia, o inquisitivo Ruben torna-sevoraz, faz inventários <strong>de</strong> coisasvistas, e to<strong>dos</strong> os sítios que <strong>de</strong>screvese transformam em cenários <strong>de</strong>uma experiência eufórica, e àsvezes alucinada.Ruben chega ao Museu Nacional<strong>de</strong> Atenas e pe<strong>de</strong> autorização paraver os Kouroi integralmente nu, tãonu como as estátuas <strong>dos</strong> rapazes, ejá não são estátuas mas gente, nadaé museu e tudo se faz sensação. EmEpidauro, encontra o teatro <strong>dos</strong>teatros, construído para garantir adignida<strong>de</strong> da palavra, e representaÉsquilo para uns inglesescomovi<strong>dos</strong>. Em Creta, convive como Zorba <strong>de</strong> Kazantzakis como sefosse um inesquecível companheiro<strong>de</strong> viagem. Em Ro<strong>de</strong>s, a acuida<strong>de</strong>visual aumenta e Ruben vê “o roxomagenta <strong>de</strong> buganvília, o encarna<strong>dos</strong>almão do hibisco e o rosa branco<strong>dos</strong> oleandros”. Em Lin<strong>dos</strong>,anota: “É tudo um domíniodo mais alto – uma tentativa <strong>de</strong>Ícaro – ao subir perdido no espaço<strong>de</strong> mim para o céu aberto. Nãoquero mais nada. Estou petrificadopor <strong>de</strong>ntro, sou coluna, resto <strong>de</strong>estátua, mão <strong>de</strong> Deus menor,cabeça <strong>de</strong> Poseidon, torso <strong>de</strong> cavalomarinho, calcanhar <strong>de</strong> Aquiles” (p.131).Embora Ruben diga que não hánada <strong>de</strong> pitoresco na Grécia,aparecem aqui e ali notas afáveissobre a hospitalida<strong>de</strong> grega, sobreconvivas anima<strong>dos</strong>, passeios ao fimda tar<strong>de</strong>, uma Grécia <strong>de</strong> vinho eQUARTA A SÁBADO 21H30DOMINGO-MATINÉE 16H00BERTOLT BRECHTESTRUTURA PATROCINADA PELOazeitonas, <strong>de</strong> calor e banhos <strong>de</strong>mar, que às vezes lembra Portugal.Mas <strong>de</strong>pois o texto liberta-se <strong>de</strong>to<strong>dos</strong> os protocolos da literatura<strong>de</strong> viagens e entra em sinestesias,metáforas musicais, citações,<strong>de</strong>talhes surrealizantes, verbosamotina<strong>dos</strong>, neologismos,esboços ficcionais, divertimentos,uma torrencialida<strong>de</strong> poética,excessiva. O sublime grego nãoassume a habitual linguagemapolínea, como em Sophia, masuma exuberância discursiva queé aliás uma marca estilística <strong>de</strong>Ruben A,Quando o escritor recorre àexpressão “ver-se grego”, usa-a<strong>de</strong> modo quase literal. De facto,o milagre grego consiste emtornar grego quem estejadisponível. E Ruben, em genialmetamorfose, vê-se grego. Tudoentão se agiganta: a família <strong>dos</strong>Atridas confun<strong>de</strong>-se com a históriada humanida<strong>de</strong>, o oráculo <strong>de</strong> Delfosé o paradigma universal domaravilhoso útil, e até um pelicanoem Miconos se transfigura empequeno <strong>de</strong>us. Os <strong>de</strong>uses morreramcomo i<strong>de</strong>ia, talvez, mas<strong>de</strong>smultiplicam-se comoexperiência vivida.“Um A<strong>de</strong>us aos Deuses” não é umguia da Grécia, mas é um guia dacivilização grega, porqueacompanha uma Grécia <strong>de</strong>sensações exaltadas, tantoharmoniosas como angustiantes,hedonistas mas também sau<strong>dos</strong>as,vividas numa acumulação <strong>de</strong>“instantes imortais”. Longe dasi<strong>de</strong>ias livrescas, a Grécia <strong>de</strong> RubenA. é isso: o imediato feitoeternida<strong>de</strong>.ÚLTIMOS DIASSÓ ATÉ27 DE FEVEREIROVERSÃOJOÃO LOURENÇOVERA SAN PAYO DE LEMOSDRAMATURGIAVERA SAN PAYO DE LEMOSENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEOJOÃO LOURENÇO[ m/12 ]Ípsilon • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • 37


TeatroPerguntasexistenciais“Beckett: O Quê - On<strong>de</strong>”compila três textos separa<strong>dos</strong>no tempo, mas uni<strong>dos</strong> pelasquestões que <strong>de</strong>ixam nacabeça do espectador. DavidPinheiro SilvaBeckett: O Quê - On<strong>de</strong>A partir <strong>de</strong> Samuel Beckett. PeloTeatro Plástico. Encenação <strong>de</strong>Francisco Alves. Com Mário Santos,André Amálio, Viriato Morais,Eurico Santos.Porto. Teatro Helena Sá e Costa. R. Escola Normal,39. De 05/02 a 13/02. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.:225189982/3. 5€ a 10€.Como é que se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>um homem? Será tão linear comocontabilizar as boas atitu<strong>de</strong>s contraas más? Dividi-las entre os doispratos da balança e sentenciar ojuízo <strong>de</strong> acordo com o <strong>lado</strong> quepesar mais, portanto. É esta apremissa <strong>de</strong> “Rough for Theatre II”(1958), <strong>de</strong> Samuel Beckett, um <strong>dos</strong>três textos que integram o novoespectáculo do Teatro Plástico,“Beckett: O Quê – On<strong>de</strong>”, comencenação <strong>de</strong> Francisco Alves.Duas escrivaninhassimetricamente colocadas ocupamas pontas do cenário. Bertrand (ou A)senta-se na primeira e Morven (ou B)na segunda, os dois o espelho um do<strong>outro</strong>: chapéu <strong>de</strong> côco, fato e gravata.Dois burocratas, ou contabilistas,INÊS D’OREY“Beckett: O Quê - On<strong>de</strong>” prolonga a incursãopor alguns <strong>dos</strong> textos menos conheci<strong>dos</strong>do dramaturgo irlandês iniciada pelo Teatro Plásticovisto estarem a somar a vida do Sr.Croack (ou C), imóvel, <strong>de</strong> costaspara a plateia, voltado para umpainel on<strong>de</strong> corre uma projecçãocontinua <strong>de</strong> céu e nuvens que evocaum precipício, um salto para amorte.Separando as personagens emdois planos, Beckett cria doisaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentetempos <strong>de</strong> acção: um tempometafísico, em que as personagensA e B, uma espécie <strong>de</strong> recursoshumanos do <strong>outro</strong> mundo, avaliamas acções <strong>de</strong> uma vida que seencontra em “pause”, e o darealida<strong>de</strong> concreta, da personagemC, que se encontra congelada, comotão bem nos ensinaram os filmes:sempre que o homem olha a morte<strong>de</strong> frente, o tempo pára. O Sr.Croack (Viriato Morais) está naiminência <strong>de</strong> cometer suicídio, e oseu <strong>de</strong>stino será <strong>de</strong>cidido pelaavaliação criteriosa <strong>de</strong> Bertrand(Mário Santos) e <strong>de</strong> Morven (AndréAmálio), apoiada em testemunhos eregistos que, a princípio, nãoabonam em favor <strong>de</strong> C.Além <strong>de</strong> “Rough For Theatre II”,“Beckett: O Quê - On<strong>de</strong>” inclui<strong>outro</strong>s dois textos <strong>de</strong> Beckett:“What Where” (1983), um retrato <strong>de</strong>uma consciência singular em autoreflexão “em que a luz e omovimento têm tanta importânciaquanto o texto”, explica FranciscoAlves, e o poema “What is theWord” (1984), narrado por AntónioDurães (em off). Estes são dois <strong>dos</strong>últimos trabalhos do prémio Nobelda Literatura, que com o tempo sefoi tornando cada vez maisminimalista na sua estética, masnão menos político e inquisitivo:“Mais do que estabelecer] verda<strong>de</strong>soficiais, Beckett levanta questões econfia no julgamento do espectadoro suficiente para <strong>de</strong>ixar as coisasem aberto”, continua o encenador.“Beckett: O Quê – On<strong>de</strong>” prolongauma incursão por alguns textosmenos conheci<strong>dos</strong> do autor irlandêsque, ainda que escritos em momentosdistantes, têm em comum o teorinterrogativo e existencial, e o modo<strong>de</strong> olhar o homem como uma espécie“que se <strong>de</strong>vora a si própria”.Para Francisco Alves, “este não émais um ‘pot-pourri’ beckettiano,mas sim um espectáculoconstituído por vários textosfuncionando como um todo, comuma coerencia interna”.AgendaTeatroEstreiamRosmersholmDe Henrik Ibsen. Encenação <strong>de</strong>Gonçalo Waddington. Com GonçaloWaddington, Carla Maciel, PedroLacerda, Peter Michael, FláviaGusmão, João Lagarto.<strong>Lisboa</strong>. CCB - Sala <strong>de</strong> Ensaio. Pç. Império. De 10/02 a13/02. 5ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.: 213612400.10€.Azul Longe nas ColinasDe Dennis Potter. Encenação <strong>de</strong>Beatriz Batarda. Com AlbanoJerónimo, Bruno Nogueira, DinarteBranco, Luísa Cruz, entre <strong>outro</strong>s.<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio.Pç. D. Pedro IV. De 10/10 a 20/03. 4ª a Sáb. às 21h45.Dom. às 16h15. Tel.: 213250835. 6€ a 12€.ContinuamAntígonaDe Sófocles. Encenação <strong>de</strong> NunoCarinhas. Com Alexandra Gabriel,António Durães, Emília Silvestre,Maria do Céu Ribeiro, entre <strong>outro</strong>s.Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor EgasMoniz. Até 04/02. 5ª e 6ª às 21h30. Tel.: 212739360.7€ a 12€.OteloDe William Shakespeare. Pelo Teatrodo Bolhão. Encenação <strong>de</strong> KuniakiIda. Com António Capelo, João PauloCosta, António Júlio, João Melo,entre <strong>outro</strong>s.<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. Trinda<strong>de</strong>, 7 A. Até27/02. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às 16h. Tel.:213420000. 8€ a 14€.A Porta Fechou-se e a Casa eraPequenaDe Ricardo Neves-Neves. Pelo Teatrodo Eléctrico. Encenação: RicardoNeves-Neves. Com Ricardo Neves-Neves, Vitor Oliveira.<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 17/02.3ª a 5ª às 21h45. Tel.: 217221770. 5€ a 7,5€.DrákulaPela Companhia do Chapitô.Encenação <strong>de</strong> John Mowat. ComJorge Cruz, José Carlos Garcia, TiagoViegas.<strong>Lisboa</strong>. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,91. Dia 04/02. 6ª às 21h30. Tel.: 213111400. 7,5€ a10€.Demónios <strong>de</strong> MacbethDe William Shakespeare. Encenação<strong>de</strong> Sofia <strong>de</strong> Portugal. Com ElsaValentim.<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Lg. da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.Até 27/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h. Tel.:213420000. 8€.DançaContinuamAs Lágrimas <strong>de</strong> SaladinoDe Rui Horta. Com Katarzyna Sitarz,Gilles Baron, Marcus Bal<strong>de</strong>mar, entre<strong>outro</strong>s.Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De05/02 a 06/02. Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:223401910. 3,75€ a 16€.Paisagens... On<strong>de</strong> o Negro é CorDe Paulo Ribeiro. Com Leonor Keil,Peter Michael Dietz, Romulus Neagu,entre <strong>outro</strong>s.Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.República. Dia 04/02. 6ª às 21h30. Tel.: 239855636.10€.38 • Sexta-feira 4 Fevereiro 2011 • Ípsilon


O TNSJ É MEMBRO DAMECENAS TNSJwww.casadamusica.com | www.casadamusica.tvT 220 120 220MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICASEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLOPARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES E VÁLIDA APENAS PARA UM CONVITE POR JORNAL.TeatroCarlosAlberto11-13Fev2011Rui Hortafotografia Rui Horta, <strong>de</strong>sign Joana Monteirocoreografia,espaço cénico,<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luz,multimédiaRui Hortamúsica originalTiago CerqueiratextosRui HortaTiago Rodriguescomposição ví<strong>de</strong>oGuilherme MartinsinterpretaçãoAnton SkrzypicielVivien WoodBeatriz PereiraJoão Martinsco-produçãoCentro Cultural<strong>de</strong> BelémO Espaço do TempoCentro CulturalVila FlorTEMPO – Teatro<strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> PortimãoTeatro <strong>de</strong> la LaboralTNSJdur. aprox. 1:15M/12 anossexta-feira+ sábado 21:30domingo 16:00www.tnsj.ptLINHA VERDE 800-10-8675

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