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O que fizemos à memória do século XX? - Fonoteca Municipal de ...

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Sexta-feira15 Outubro 2010www.ipsilon.ptMICHAEL ST. MAUR SHEIL/CORBIS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7498 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTEO <strong>que</strong> <strong>fizemos</strong> à memória <strong>do</strong> século <strong>XX</strong>?Marcel Ophuls interroga-nos com os seus monumentais <strong>do</strong>cumentários<strong>que</strong> o DocLisboa exibeWilliam Boyd João Queiroz Robert Wyatt Massimo Furlan António Lobo Antunes


tin<strong>de</strong>rsticks27 outubrocoliseu porto28 outubrocoliseu lisboaUM MUNDO DE ESPECTÁCULOS A PENSAR EM SI!V A M P I R EW E E K E N D10 NOV CAMPO PEQUENO11 NOV COLISEU PORTO12 NOVEMBROCAMPO PEQUENO13 NOVEMBROHARD CLUB14 NOVEMBROAULA MAGNAARTEMREDEE TERRATREME APRESENTAM<strong>de</strong> Eva Ângelo, a partir <strong>de</strong> VALE, <strong>de</strong> Madalena Victorinoe produção Artemre<strong>de</strong>Photo: Al Seib Costume: Domini<strong>que</strong> Lemieux © 2007 Cir<strong>que</strong> du SoleilSaltimbanco and Cir<strong>que</strong> du Soleil are tra<strong>de</strong>marks owned by Cir<strong>que</strong> du Soleil and used un<strong>de</strong>r license.13 A 24 DE OUTUBROPAVILHÃO ATLÂNTICOOFFICIAL SPONSORSUM ESPECTÁCULO INTIMISTAcir<strong>que</strong>dusoleil.comMEDIA PARTNERSCATEGORIAS E PREÇOSPlateia VIP 65,00 €UM DOCUMENTO REALIZADO A PARTIR DO ESPECTÁCULO “VALE” - UMA COREOGRAFIA DE MADALENA VICTORINO COM MÚSICADE CARLOS BICA, EM TERRAS DO VALE DO TEJO.DOC LISBOA - VIII FESTIVALINTERNACIONAL DE CINEMAprojecto co-financia<strong>do</strong>pela União EuropeiaSEX 15 OUT 10 · 18H00CINEMA LONDRES · SALA 1www.artemre<strong>de</strong>.pt | www.blog.artemre<strong>de</strong>.ptBalcão 0 55,00 €Balcão 1 45,00 €Balcão 2 35,00 €BILHETES: FNAC, WORTEN, CTT, EL CORTE INGLÉS, MEDIA MARKT, AGÊNCIA ABEP,SALAS DE ESPECTÁCULOS, TICKETLINE 707 234 234 | WWW.TICKETLINE.PT | M/6


FlashSumárioMarcel Ophuls 6Vida e morte <strong>do</strong> século<strong>XX</strong>, em retrospectiva noDocLisboaJoaquin Phoenix eBenAffleck 14Um fala, o outro nãoTrienal <strong>de</strong> Arquitectura 16A casa como o mínimo<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r comumHugh Pope 20Do “Wall Street Journal” àAl-QaedaWilliam Boyd 23Um escritor à procuraJoão Queiroz 26Desenhos para ver com ocorpoMassimo Furlan 28Marca um golo <strong>do</strong> FC Portocom o calcanhar <strong>de</strong> MadjerMarilynMonroeKimNovak“A Comédia <strong>de</strong> Deus”,<strong>de</strong> João César Monteiro, é o únicofilme português na retrospectiva<strong>que</strong> acompanha a exposição “Brune Blon<strong>de</strong>”, em ParisJeanSebergOs cinéfilos preferemasloiras e as morenasHá um filme português naretrospectiva <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>seis <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> títulos com<strong>que</strong> a CinematecaFrancesa, em Paris,aborda o improvável temada cabeleira e <strong>do</strong>spentea<strong>do</strong>s femininos nahistória <strong>do</strong> cinema. Ofilme em causa, <strong>que</strong> jáfoi exibi<strong>do</strong> ontem, é “AComédia <strong>de</strong> Deus” (1995),<strong>de</strong> João César Monteiro, eterá si<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> pelorealiza<strong>do</strong>r Alain Bergala – ocomissário da iniciativa –certamente por causada<strong>que</strong>la cena bem conhecidaem <strong>que</strong> o realiza<strong>do</strong>r-actorpersonagemJoão <strong>de</strong> Deusanalisa à lupa um pêlopúbico da jovem Joaninha...Em <strong>que</strong> capítulo terá si<strong>do</strong>arrumada “A Comédia <strong>de</strong>Deus” entre os cinco <strong>que</strong>fazem o guião da exposição“Brune Blon<strong>de</strong>” – <strong>que</strong> foiinaugurada no passa<strong>do</strong> dia 6e vai até 16 <strong>de</strong> Janeiro?Talvez em “A caminho daabstracção”, já <strong>que</strong> os outroscapítulos – “O mito”,“História e geografia dacabeleira”, “Os gestos dacabeleira” e “A cabeleira nocentro da ficção” seguemparâmetros mais histórico<strong>de</strong>scritivos.João César Monteiro (1939-2003) faria seu, certamente,este verso <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire –“Quand je mordille tescheveaux élasti<strong>que</strong>s etrebelles, il me semble <strong>que</strong> jemange <strong>de</strong>s souvenirs” (“AsFlores <strong>do</strong> Mal”), mesmo <strong>que</strong>a poesia da cena <strong>do</strong> seu filme<strong>de</strong>va mais ao fetichismo <strong>do</strong><strong>que</strong> ao lirismo. Mas a gran<strong>de</strong>exposição “Brune Blon<strong>de</strong>”encena tanto a poesia, aliteratura e as artes plásticas– pintura, escultura,fotografia e instalação, <strong>do</strong>Renascimento até àcontemporaneida<strong>de</strong> –, comoo fetichismo e outrosimaginários <strong>que</strong> a cor <strong>do</strong>scabelos e o <strong>de</strong>sign <strong>do</strong>spentea<strong>do</strong>s sempre foramtransportan<strong>do</strong> para ahistória <strong>do</strong>s filmes.Vejam-se, como exemplo,os sucessivos significa<strong>do</strong>s emodas <strong>que</strong> os pentea<strong>do</strong>s das“stars” <strong>de</strong> Hollywood foramcrian<strong>do</strong>, década a década,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo em <strong>que</strong> oscabelos curtos e pretos <strong>de</strong>Louise Brooks/Loulou erama imagem da sensualida<strong>de</strong> e<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo (e aquipo<strong>de</strong>ríamos lembrartambém m a “nossa” BeatrizCosta) até <strong>que</strong> essa marcatransitou para o loiroplatina<strong>do</strong> <strong>de</strong> JeanHarlow ou para o loirosobre-erotiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>Marilyn Monroe. Ou como oo cinema francês da“Nouvelle Vague”estilhaçou também esseimaginário com oandrógino corte <strong>de</strong> cabelo<strong>de</strong> Jean Seberg em “OAcossa<strong>do</strong>”, <strong>de</strong> Godard.Tu<strong>do</strong> isto po<strong>de</strong> ser vistonuma selecção <strong>de</strong> filmesmais ou menos óbvios (oexemplo mais cita<strong>do</strong> pelosjornais franceses apropósito <strong>de</strong> “BruneBlon<strong>de</strong>” é o inevitável“jogo” das cabeleiras <strong>de</strong>Kim Novak em “A Mulher<strong>que</strong> Viveu Duas Vezes”, <strong>de</strong>Hitchcock), mas tambémnuma selecção <strong>de</strong> imagense sequências inéditas ouraras respigadas <strong>de</strong>arquivos e dascinematecas <strong>de</strong> to<strong>do</strong> omun<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s ao Japão, da ex-URSS à África francófona.E ainda, num pe<strong>que</strong>nocine-estúdio instala<strong>do</strong> nopercurso da exposição, emseis curtas-metragensrealizadas expressamentesobre o tema por Abbas basKiarostami, Isild Le Besco,Pablo Trapero, YousryNasrallah, Nobuhiro Suwae Ab<strong>de</strong>rrahmane Sissako.Sérgio C. Andra<strong>de</strong>Robert Wyatt 32A crise po<strong>de</strong> ter um final felizFicha TécnicaDirectora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara,Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial IsabelCoutinho, Óscar Faria, CristinaFernan<strong>de</strong>s, Vítor BelancianoDesign Mark Porter, SimonEsterson, Kuchar SwaraDirectora <strong>de</strong> arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Mariana SoaresEditor <strong>de</strong> fotografiaMiguel Ma<strong>de</strong>iraE-mail: ipsilon@publico.ptTiago Sousa temeditora americanaA música <strong>de</strong> Tiago Sousa, <strong>de</strong> umaca<strong>de</strong>mismo <strong>que</strong> recusa aca<strong>de</strong>miase <strong>que</strong> conjuga um ambiente <strong>de</strong>composição com a confiança noimproviso, é algo a <strong>que</strong> já nãoconseguimos escapar. Tornou-seimpossível ignorá-lo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>que</strong>, em2009, foi edita<strong>do</strong> o magnífico“Insónia”, o álbum on<strong>de</strong> se revelou<strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva a sua linguagemmusical, centrada no piano e numavisão pessoalíssima da músicaerudita contemporânea <strong>que</strong> acolheo jazz e a música exploratória daactualida<strong>de</strong>. Estejamos portantoatentos ao <strong>que</strong> se segue. O próximoálbum <strong>de</strong> Tiago Sousa será edita<strong>do</strong> <strong>do</strong>Março <strong>de</strong> 2011 pela americanaImmune Recordings, comdistribuição da histórica ThrillJockey, e tem por título “Wal<strong>de</strong>nPond’s Monk”. Inspira<strong>do</strong> na obra <strong>do</strong>americano Henry David Thoreau,autor <strong>de</strong> “Desobediência Civil” ou<strong>do</strong> “Wal<strong>de</strong>n” inscrito no título <strong>do</strong>álbum, é <strong>de</strong>scrito como umacontinuação da estética em<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>s<strong>de</strong>“Crepúsculo”, o álbum <strong>de</strong> estreia,edita<strong>do</strong> em 2006. Desta vez, aevolução foi ditada pelo encontrocom a obra citada <strong>de</strong> Thoreau,reflexão próxima <strong>do</strong> manifestomarcada por uma espiritualida<strong>de</strong>animista, algo <strong>que</strong>, <strong>de</strong> resto, sepressentia no pessoalíssimoromantismo mo da obra anterior <strong>de</strong>Tiago Sousa. Enquanto o álbumnão é edita<strong>do</strong>, continuam osconcertos. Dia 30, pelas 21h30, naLivraria Ler Devagar, em Lisboa;dia 19 <strong>de</strong> Novembro, na TremAzul, também emLisboa; e a 4 <strong>de</strong>Dezembro noCentro Cultural<strong>do</strong> Cartaxo,integra<strong>do</strong> noFestivalMuco.MárioLopesVERA MARMELOO novo disco<strong>de</strong> TiagoSousa,“Wal<strong>de</strong>nPond’s Monk”,sai em Marçopela ImmuneRecordings,comdistribuiçãoda históricaThrill JockeyÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 3


Flash“Moebius-Transe-Forme” reúne mais<strong>de</strong> 300 <strong>de</strong>senhos originais,ilustrações inéditas incluídasAs metamorfoses <strong>de</strong>Moebius na FundaçãoCartierInquieto, <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>r,iconoclasta, imprevisível.Quase to<strong>do</strong>s os adjectivospo<strong>de</strong>m ser aplica<strong>do</strong>s à obra eao percurso <strong>de</strong> Giraud-Moebius mas é eleva<strong>do</strong> o risco<strong>de</strong> ficarem muito aquém <strong>do</strong><strong>que</strong> há <strong>de</strong> mais substancial nassuas criações. Uma exposiçãoinaugurada esta terça-feira naFundação Cartier para a ArteContemporânea, em Paris(po<strong>de</strong> ser visitada até 13 <strong>de</strong>Março <strong>do</strong> próximo ano)procura fixar esse corpo <strong>de</strong>trabalho.“Moebius-Transe-Forme” é otítulo da exposição, a primeira<strong>do</strong> autor em Paris com estadimensão, <strong>que</strong> reúne mais <strong>de</strong>três centenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhosoriginais, incluin<strong>do</strong> ilustraçõesinéditas. A palavra-chave paraver e enten<strong>de</strong>r a mostra é“metamorfose”, algo <strong>que</strong> tematravessa<strong>do</strong> o percurso <strong>do</strong>artista <strong>de</strong> forma constante econsistente.Moebius nasceu Jean Giraudno dia 8 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1938(Nogent-sur-Marne, França) ecomeçou por assinar como Gir asua primeira obra maior, apartir <strong>de</strong> 1963 – a série“western” Fort Navajo, <strong>de</strong>poisintitulada Blueberry. Moebiussó aparece em 1975, quan<strong>do</strong> oartista participou na fundaçãoda mítica revista “MétalHurlant”, surpreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>e to<strong>do</strong>s com um estilo gráfico etemáticas <strong>que</strong> estavam nosantípodas <strong>do</strong> registo realista dafase anterior. “Arzach” (1976),“Le Garage Herméti<strong>que</strong>” e,sobretu<strong>do</strong>, o genial “L’Incal”(1980, em parceria com oinclassificável AlexandroJo<strong>do</strong>rowski) são estaçõesfundamentais <strong>de</strong> uma viagem<strong>que</strong>stiona<strong>do</strong>ra e reflexiva <strong>que</strong> seprolonga em belíssimasilustrações, serigrafias, capas e,fora <strong>de</strong>ste registo, em incursõesno cinema – “O QuintoElemento”, <strong>de</strong> Luc Besson; “OAbismo”, <strong>de</strong> James Cameron;“Tron”, <strong>de</strong> Steven Lisberger;“Alien”, <strong>de</strong> Ridley Scott ou ofilme <strong>de</strong> animação “Les Maîtresdu Temps”, <strong>de</strong> René Laloux).Dois novos filmes sãoapresenta<strong>do</strong>s em antestreia: umfilme <strong>de</strong> animação em 3Dinspira<strong>do</strong> no álbum <strong>de</strong> Moebius“La Planète Encore” e um<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong> 52 minutossob a forma <strong>de</strong> um retrato <strong>do</strong>artista.Esta exposição na FundaçãoCartier não é uma estreia <strong>de</strong>Giraud-Moebius na<strong>que</strong>lainstituição, pois a obra <strong>do</strong>artista já ali tinha esta<strong>do</strong>exposta em 1999 no quadro <strong>de</strong>“1 Mon<strong>de</strong> Réel”, umaexposição articulada em tornodas relações entre a realida<strong>de</strong>,a ficção e a ficção científica.Carlos PessoaAi Weiwei planta 100milhões <strong>de</strong> sementes<strong>de</strong> girassol na TateJá tinha parti<strong>do</strong> uma urna com <strong>do</strong>ismil anos da dinastia Han,transforma<strong>do</strong> ca<strong>de</strong>iras com séculosreviran<strong>do</strong>-lhes os ângulos,envolvi<strong>do</strong> um estádio com 42 miltoneladas <strong>de</strong> aço, transforman<strong>do</strong>-onum ninho, pinta<strong>do</strong> potes <strong>do</strong>neolítico com tintas industriais.Agora, Ai Weiwei, o mais famoso<strong>do</strong>s artistas plásticos chineses (já severá como este título é redutor)lançou ao Turbine Hall da TateMo<strong>de</strong>rn 100 milhões <strong>de</strong> sementes<strong>de</strong> girassol. Ou melhor, pe<strong>que</strong>naspeças <strong>de</strong> porcelana feitas e pintadasà mão, mas iguaizinhas a sementes<strong>de</strong> girassol. Não há duas iguais.Falta ouvir o som <strong>que</strong> provocam<strong>de</strong>baixo <strong>do</strong>s pés. Mas sabemos <strong>que</strong>po<strong>de</strong>mos pisá-las, atirá-las ao ar,<strong>de</strong>itar-nos em cima <strong>de</strong>las, rebolarcom elas, dançar. Aparentementesó não vale levar para casa.Po<strong>de</strong>mos imaginar as horas, osdias, os meses e os anos (<strong>do</strong>is emeio) <strong>de</strong> <strong>que</strong> 1600 artesãos dacida<strong>de</strong> chinesa <strong>de</strong> Jing<strong>de</strong>zhenprecisaram para conseguir os 100milhões <strong>de</strong> sementes. Ai Weiwei feztrês: parecem simples, mas épreciso <strong>de</strong>streza, confessou.Por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> Ai não se limitou ausar sementes verda<strong>de</strong>iras epreferiu réplicas? Talvez (e émesmo só uma suposição) por<strong>que</strong> oartista tem esta<strong>do</strong> particularmenteinteressa<strong>do</strong> em explorar – já o fezem várias obras – a <strong>que</strong>stãoverda<strong>de</strong>iro/falso. A sua empresa(também é arquitecto e performer ecura<strong>do</strong>r e escultor e escritor eactivista e..) chama-se Fake Design.A cópia e a produção em massa, jáse sabe, fazem também parte dacultura chinesa.De qual<strong>que</strong>r forma, esta não seráa <strong>que</strong>stão principal neste maracinzenta<strong>do</strong> <strong>que</strong> se esten<strong>de</strong> aolongo <strong>de</strong> mil metros quadra<strong>do</strong>s peloTurbine Hall. Vicente To<strong>do</strong>lí,director da Tate Mo<strong>de</strong>rn, explicouassim a escolha para um espaço <strong>que</strong>já foi ocupa<strong>do</strong>, entre outros, porLouise Bourgeois, Anish Kapoor ouDoris Salce<strong>do</strong>, no âmbito daUnilever Series: “As instalações <strong>de</strong>Weiwei, fre<strong>que</strong>mente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>escala, estão entre as maissocialmente comprometidas obras<strong>de</strong> arte a serem feitas hoje”.Aparentemente simples, estemar, ou <strong>de</strong>serto como também já ochamaram, é muito mais <strong>do</strong> <strong>que</strong>aquilo <strong>que</strong> aparenta, como <strong>de</strong> restopraticamente todas as obras <strong>de</strong> AiWeiwei, um importante dissi<strong>de</strong>ntepolítico, <strong>que</strong> aos <strong>de</strong>z anos foienvia<strong>do</strong> para um campo <strong>de</strong> trabalhopor<strong>que</strong> o pai, o poeta Ai Qing, eraAs sementes,diz Ai Weiwei,são umsímbolo daChina: Maoera o sol, oschineses eramos girassóis<strong>que</strong> o seguiamum crítico <strong>do</strong> regime.Os chineses comem comfrequência sementes <strong>de</strong> girassol ehavia pouco mais <strong>do</strong> <strong>que</strong> issodurante os anos mais duros daditadura <strong>de</strong> Mao Ze<strong>do</strong>ng, on<strong>de</strong>também falharam as relaçõessociais. Para Ai Weiwei, estassementes reunidas na Taterepresentam o povo <strong>do</strong> seu país esão um “símbolo revolucionário”:Mao era o sol e os chineses girassóis<strong>que</strong> o seguiam.Eram necessários 100 milhões? Oartista referiu <strong>que</strong> o número équatro vezes superior à população<strong>de</strong> Pequim e um quarto <strong>do</strong>sutiliza<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Internet – sem aInternet, os chineses seriamesmaga<strong>do</strong>s pelos seus governantes,<strong>que</strong> se recusam a ver os indivíduos<strong>que</strong> fazem parte da massa, diz Ai,<strong>que</strong> tem um blogue activo epolémico. Até 2 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 2011ficaremos a saber o <strong>que</strong> nasce<strong>de</strong>stas sementes.Francisca Gorjão Henri<strong>que</strong>sSTEFAN WERMUTH/ REUTERSAl Pacino po<strong>de</strong> sero Phil Spector <strong>de</strong>David MametAl Pacino é o principal candidato arepresentar o produtor musicalPhil Spector num telefilme basea<strong>do</strong>na sua vida. O filme, ainda semtítulo, será produzi<strong>do</strong> <strong>do</strong> pela HBOFilms. e, adianta o “New YorkTimes”, terá argumento erealização <strong>de</strong> David Mamet.Phil Spector foi produtor <strong>de</strong>bandas como os Beatles e osRamones e inventor da “wall ofsound”, a sobreposição <strong>de</strong>nsa <strong>de</strong>várias camadas <strong>de</strong> sons <strong>de</strong>instrumentos numa peça musical.É uma figura chave na música pop,mas também uma figura polémica- <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2009, cumpre uma pena <strong>de</strong>prisão na Califórnia a peloassassinato da actriz LanaClarkson.A confirmar-se, esta seráa segunda colaboração<strong>do</strong> actor norteamericanocom a HBOFilms, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>telefilme “You Don’tKnow Jack” (2010),sobre o médico<strong>de</strong>fensor epraticante daeutanásia JackKevorkian, <strong>que</strong>valeu a Al Pacinoum Emmy <strong>de</strong>Melhor Actor.Apesar <strong>de</strong> o crime<strong>de</strong> Spector tersi<strong>do</strong> cometi<strong>do</strong> em2003, o produtorpermaneceu livresob pagamento <strong>de</strong>fiança (um milhão <strong>de</strong>dólares) até aoprimeiro julgamento, <strong>que</strong> começouem Março <strong>de</strong> 2007. Mais tar<strong>de</strong>, emSetembro <strong>de</strong>sse ano, o julgamentofoi anula<strong>do</strong>; só foi retoma<strong>do</strong> emOutubro <strong>de</strong> 2008. Em Abril <strong>de</strong>2009, Phil Spector foi con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> auma pena <strong>de</strong> 19 anos <strong>de</strong> prisão.Mesmona prisão,Phil Spectorvai dar um“biopic” <strong>de</strong>David MametKEVORK DJANSEZIAN/ AFP4 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


AGENDA CULTURAL FNACentrada livreAPRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃOAPRESENTAÇÃO/PROJECÇÃONOVOS TALENTOS DO CINEMA FRANCÊSIntegradas na programação da Festa <strong>do</strong> Cinema Francês, a FNAC apresenta cinco longas-metragens<strong>de</strong> novos realiza<strong>do</strong>res franceses, premia<strong>do</strong>s em festivais internacionais e nunca antes estrea<strong>do</strong>sem Portugal.TODAS AS LOJAS FNAC Consulte a programação em http://cultura.fnac.ptMÚSICA AO VIVOTHE GILBERT’S FEED BANDStrambolic CircusSegun<strong>do</strong> álbum <strong>que</strong> transmite uma alegria envolvente tanto pela energia rítmica como pelaexibição, em palco, <strong>de</strong> toda uma coreografia <strong>que</strong> lembra as artes circenses.16.10. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING16.10. 22H00 FNAC FORUM COIMBRAMÚSICA AO VIVOPAULO PRAÇADobro <strong>do</strong>s Senti<strong>do</strong>sApresentação <strong>do</strong> novo álbum <strong>que</strong> inclui o já famoso single, Um Amor Alheio.17.10. 17H00 FNAC GAIASHOPPING22.10. 21H30 FNAC ALGARVESHOPPING23.10. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING23.10. 22H00 FNAC FORUM COIMBRA30.10. 17H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING30.10. 22H00 FNAC BRAGA PARQUE31.10. 17H00 FNAC MAR SHOPPINGEXPOSIÇÃOAS INCRÍVEIS AVENTURAS DEDOG MENDONÇA E PIZZABOYDesenhos <strong>de</strong> Juan Cavia e argumento <strong>de</strong> Filipe MeloUma selecção <strong>de</strong> imagens <strong>que</strong> recorda algumas das peripécias vividas pelos três protagonistas <strong>de</strong>stelivro <strong>de</strong> aventuras: um jovem distribui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> pizzas, um ex-lobisomem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> e um <strong>de</strong>mónio<strong>de</strong> seis mil anos.01.10.2010 - 04.01.2011 FNAC VASCO DA GAMAConsulte to<strong>do</strong>s os eventos da Agenda Fnac,assim como outros conteú<strong>do</strong>s culturais em http://cultura.fnac.ptApoio:


CATHERINE MCGANN/GETTY IMAGESCapaMarcel Ophuls (em cima) e MaxOphuls, o pai (à direita, embaixo): “Sim, somos ambospessimistas”De Ophuls, Max, para Ophuls, Marcel:a História <strong>que</strong> se repete, uma circularida<strong>de</strong>incessante, o movimento, aHistória <strong>que</strong> não pára e a dança, a valsa,a valsa, mas a estação terminalestá ao fun<strong>do</strong>.De pai para filho, então. “Vamosfazer a psicanálise familiar?”, brinca,<strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> telefone, Marcel, <strong>que</strong>assumiu um dia <strong>que</strong> ser filho <strong>de</strong> um“génio”, Max, não lhe trazia complexos<strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> por<strong>que</strong> sabia <strong>que</strong>era inferior...“Sim, somos ambos pessimistas. Ogran<strong>de</strong> Max, o génio... Acho <strong>que</strong> somospessimistas por<strong>que</strong> o século <strong>XX</strong>não foi muito diverti<strong>do</strong>. E o século<strong>XX</strong>I não parece <strong>que</strong> vá ser muito diverti<strong>do</strong>.Mas acho <strong>que</strong> a maior parte<strong>do</strong>s escritores e <strong>do</strong>s cineastas, comhonrosas excepções, é pessimista.Shakespeare não era um optimista...O meu pai, quan<strong>do</strong> realizou ‘Libelei’,antes <strong>de</strong> 1933, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixou a suaterra, a Alemanha, era muito inteligente,muito diverti<strong>do</strong>, muito poético,cheio <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong>. Depois, passou aser apenas um génio <strong>de</strong> inteligência.”Os Ophuls, ju<strong>de</strong>us, fugiram da Alemanhaem 1933, em direcção a França(Marcel nascera em 1927), on<strong>de</strong>Max pô<strong>de</strong> continuar a sua carreira –“Werther” (1938) ou “De Mayerling aSarajevo” (1940), filme em <strong>que</strong> se vêo tiro <strong>que</strong> <strong>de</strong>u origem à I Guerra Mundial,o assassinato <strong>do</strong> arquidu<strong>que</strong>Franz Ferdinand, e <strong>que</strong> estava em rodagemno momento preciso em <strong>que</strong>eclodiu a II Guerra Mundial.Isto foi antes <strong>de</strong> os Ophuls seremobriga<strong>do</strong>s a fugir <strong>de</strong> novo, para osEUA – 1940, a tempo <strong>de</strong> evitarem Hitler<strong>que</strong> tomava Paris –, on<strong>de</strong> Maxcontinuou a sua carreira (“Letter froman Unknown Woman”, “Caught”, “RecklessMoment”) e on<strong>de</strong> Marcel cresceucomo a<strong>do</strong>lescente emHollywood.Haveriam <strong>de</strong> voltar à Europa, nos“O ser-se inquisi<strong>do</strong>r em relação a um agressor é uma característicajudaica. É uma condição para se fazer este trabalho. Por<strong>que</strong> só um ju<strong>de</strong>utem esta história nas suas raízes familiares”anos 50, on<strong>de</strong> o pai faria os seus títulosmais infesta<strong>do</strong>s pela “malaise”(“La Ron<strong>de</strong>”, “Le Plaisir”, “MadameDe...”, “Lola Montès”) e on<strong>de</strong> o filhotrabalharia como assistente (<strong>de</strong> JohnHuston, no “Moulin Rouge”, e <strong>do</strong> própriopai, em “Lola Montès”). E on<strong>de</strong>,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> frustrada experiência naficção, nos anos 60, Marcel cumpririaum <strong>de</strong>sígnio familiar: isto é, para o<strong>que</strong> aqui nos interessa, ju<strong>de</strong>u, pessimista,irónico e cineasta monumental.São seus os “monumentos” <strong>que</strong> oDocLisboa vai exibir em retrospectiva.É o nosso século <strong>XX</strong>: “Munich oula Paix pour Cent Ans” (1967), “LeChagrin et la Pitié” (1969), “Memoryof Justice” (1976), “Hotel Terminus:The Life and Times <strong>de</strong> Klaus Barbie”(1988) e “Veillée d’Armes” (1994). Quememória construímos <strong>de</strong>le? Como é<strong>que</strong> o re<strong>fizemos</strong>? A II Guerra no centro<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>terminante, mas sobretu<strong>do</strong>um mergulho em profundida<strong>de</strong>para <strong>de</strong>ntro da experiência humana.Como se tornasse disponível ahistória da vida privada <strong>de</strong> um tempo.E é um implacável espelho on<strong>de</strong> umpresente se <strong>de</strong>ve confrontar. Paraalém <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> saber “como foi?”– como foi possível o Holocausto? comoé <strong>que</strong> se po<strong>de</strong> dizer <strong>que</strong> não sesabia <strong>do</strong> Holocausto? (as manobras<strong>de</strong> reinvenção da memória, portanto)–, trata-se <strong>de</strong> encontrar os traços <strong>do</strong>passa<strong>do</strong> <strong>que</strong> ainda continuam presentes.Os filmes <strong>de</strong> Ophuls ambicionamser trata<strong>do</strong>s, épicos – ira<strong>do</strong>s mas lúci<strong>do</strong>s–, sobre a <strong>de</strong>ceptiva natureza humana.Por isso vários <strong>de</strong>sses filmeschegam às quatro horas <strong>de</strong> duração,a experiência é viciante.Veja-se “Le Chagrin et la Pitié”, ofilme <strong>que</strong> o obsessivo ju<strong>de</strong>u Alvy Singer<strong>que</strong>ria <strong>que</strong> a sua amada, a estouvadaAnnie Hall, visse, mas ela recu-6 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


O carrossel<strong>do</strong> século<strong>XX</strong> passapor aquiCarrascos, SS, arquitectos <strong>do</strong> regime nazi, <strong>de</strong>latores,resistentes, sobreviventes, repórteres e mercenáriosda emoção - o carrossel <strong>do</strong> século <strong>XX</strong>, <strong>que</strong> vem <strong>de</strong>Auschwitz, <strong>que</strong> vem <strong>de</strong> Sarajevo, passa por nós.Mestre <strong>de</strong> cerimónias e <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>r das reinvençõesda memória: Marcel Ophuls. Retrospectiva noDocLisboa da obra <strong>do</strong> homem <strong>que</strong> <strong>de</strong>struiu o mitoda França resistente a Hitler, <strong>que</strong> postula <strong>que</strong> ojornalismo não po<strong>de</strong> ser neutral – e <strong>que</strong> foi seduzi<strong>do</strong>por um criminoso <strong>de</strong> guerra chama<strong>do</strong> Albert Speer.Vasco Câmarasava-se sempre a ver esse “<strong>do</strong>cumentário”<strong>de</strong> quatro horas sobre nazis”– embora no fim (isto é, no fim <strong>de</strong> “AnnieHall”, <strong>de</strong> Woody Allen) Alvy (Allen)e Annie (Diane Keaton) se encontrassem,e Annie levasse o novo namora<strong>do</strong>para ver o <strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong>quatro horas sobre nazis...É mais <strong>do</strong> <strong>que</strong> isso “Le Chagrin etla Pitié”. “Filho” da contestação <strong>de</strong>Maio <strong>de</strong> 68, mostra a França e a sua“necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>”.Toma Clermont-Ferrand –cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> província, ao la<strong>do</strong> da Vichyon<strong>de</strong> se instituiu a França colaboracionista<strong>de</strong> Pétain – como “case study”.A vida entre os anos 1940-1944:os SS e os <strong>que</strong> resistiram e os <strong>que</strong> secomprometeram através da <strong>de</strong>lacçãoou tão-só pela neutralida<strong>de</strong>, comoa<strong>que</strong>le Marius Klein, comerciante,<strong>que</strong>, recean<strong>do</strong> represálias e mesmo a<strong>de</strong>portação, manteve anuncia<strong>do</strong> nosjornais, durante a ocupação, <strong>que</strong> apesar<strong>do</strong> nome não era ju<strong>de</strong>u.Um filme sobre as raízes burguesas<strong>de</strong> um compromisso com o invasor,portanto. O país da Resistência, De-Gaulle e tu<strong>do</strong> o mais? O mito cai porterra, na<strong>que</strong>les anos <strong>do</strong> final <strong>do</strong>s anos60 fazia-se pontaria às estátuas daburguesa França. E a televisão francesa<strong>de</strong>morou <strong>de</strong>z anos a exibir “LeChagrin et la Pitié”.Maurice Chevalier acompanha-nosao longo <strong>de</strong>stas quatro horas: o motivomusical vai sen<strong>do</strong> repeti<strong>do</strong>, umaprecisão <strong>de</strong> arma política, a leveza atransformar-se em coisa <strong>de</strong>nsa até àestocada final, quan<strong>do</strong> ficamos comChevalier a <strong>de</strong>sfazer-se em explicações,justificações e <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>s, aopúblico americano, negan<strong>do</strong> <strong>que</strong> algumavez tenha canta<strong>do</strong> para os alemães,só cantou para os prisioneiros<strong>do</strong>s alemães. O cinema <strong>de</strong> Marcel fazse<strong>de</strong> “palavras e música”, para citaro título <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário-retrato <strong>que</strong><strong>de</strong>le faz Bernard Bloch. E na verda<strong>de</strong>– isto não é para fazer favores a Marcel– <strong>de</strong>sta leveza e <strong>de</strong>sta gravida<strong>de</strong> sefaziam também os filmes <strong>do</strong> pai Max,em <strong>que</strong> se dançava e cantava a caminhoda <strong>de</strong>struição.“Tenho gran<strong>de</strong> admiração por Chevalier,fez filmes maravilhosos, comLubitsch, por exemplo”, diz-nos Marcel.“Era um actor maravilhoso. O <strong>que</strong>ele fez foi característico das pessoasda<strong>que</strong>la época. Ninguém é obriga<strong>do</strong>a gostar <strong>de</strong>le, mas também ninguémé obriga<strong>do</strong> a <strong>de</strong>testá-lo. Ele apenas eraum francês na França ocupada a fazero seu trabalho.” E convenceu os americanos,e chegou a Hollywood.Opiniões à vistaMarcel reserva-se o direito <strong>de</strong> gostarou não <strong>do</strong>s seus entrevista<strong>do</strong>s, SS,torcionários, resistentes, trai<strong>do</strong>res,tu<strong>do</strong> aquilo <strong>de</strong> <strong>que</strong> se faz a experiênciahumana. A entrevista é a base <strong>do</strong>trabalho <strong>do</strong> cineasta, herança <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lotelevisivo <strong>que</strong> ele astutamentereformula, com um trabalho <strong>de</strong> montagem<strong>que</strong> também é comentário e<strong>que</strong> puxa o especta<strong>do</strong>r para o bancodas testemunhas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-lhe o peso<strong>do</strong> julgamento.Ophuls reserva-se o direito <strong>de</strong> osconfrontar e fazer cair em “ratoeiras”,simulan<strong>do</strong> cumplicida<strong>de</strong>s. É um estatuto<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>que</strong> assume e <strong>que</strong>exibe (e isso, o facto <strong>de</strong> não ser subreptício,torna-o igualmente humano).Mas não o isenta <strong>de</strong> um olhar“compreensivo”. É uma espécie <strong>de</strong>convocação <strong>de</strong> toda a matéria da experiênciahumana, eufórica ou torpe,espectacular e sombria, e por isso ocrítico David Thomson viu bem quan<strong>do</strong>viu em Marcel um mestre <strong>de</strong> cerimónias,como o Anton Walbrook <strong>de</strong>“La Ron<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Max Ophuls.“Sem câmara eu sou uma pessoamuito tímida. Sobretu<strong>do</strong> com as mulheres.Mas quan<strong>do</strong> tenho uma câmara,<strong>que</strong> é um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,faço o <strong>que</strong> <strong>que</strong>ro. Há muitos anos, fuiconvida<strong>do</strong> para a segunda mais importanteescola <strong>de</strong> psicanálise, emChicago – a <strong>de</strong> Bruno Bettelheim [prisioneiroem Dachau e Buchenwald] e<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros... <strong>que</strong>riam <strong>que</strong> euexplicasse por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> eu era tão<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nas minhas perguntase por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> fazia perguntas tãointeligentes. Eu respondi: eu edito asminhas perguntas. E mais: eu editoas respostas. Não <strong>que</strong>ro parecer umÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 7


O nazidançaMauriceChevalier: em“Le Chagrin etla Pitié” nega<strong>que</strong> tenhacanta<strong>do</strong> paraos alemãesUm criminoso<strong>de</strong> guerra,Albert Speer:“Sim, gosto<strong>de</strong>le. Gosto daspessoas <strong>que</strong>colaboramcom o meutrabalho. Eleera muitocarismático eum ‘charmeur’idiota [risos]. O acusa<strong>do</strong>r britâniconos Julgamentos <strong>de</strong> Nuremberga dizia,e isso está em ‘The Memory ofJustice’, <strong>que</strong> não se <strong>de</strong>via fazer umapergunta quan<strong>do</strong> não se sabe qual vaiser a resposta. Concor<strong>do</strong> – embora àsvezes seja preciso não saber as respostas,para o suspense e o espontâneopo<strong>de</strong>rem acontecer.”“Tem tu<strong>do</strong> a ver com um ponto <strong>de</strong>vista subjectivo. Ou seja, um cinemaem <strong>que</strong> as nossas opiniões estão à vis-ta. O jornalismo também <strong>de</strong>via serassim. Acima<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, o jornalismotem <strong>de</strong> ter uma assinatura. O <strong>que</strong> sefaz à objectivida<strong>de</strong>? Nada a fazer comela. Devemos <strong>de</strong>ixá-la para as ciên-cias exactas. Na maior parte dasvezes a objectivida<strong>de</strong> é uma<strong>de</strong>sculpa para a neutralida<strong>de</strong>.”E o relativismo <strong>que</strong> vá para odiabo! As pessoas es<strong>que</strong>cem,e es<strong>que</strong>cem por<strong>que</strong> preci-sam <strong>de</strong> negociar e <strong>de</strong> se reconciliar.O papel <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentarista– como <strong>do</strong> jornalista– é contrariar essetrabalho. Se isto nos po<strong>de</strong>lembrar o senhor chama<strong>do</strong>Michael Moore, sim, Micha-el consi<strong>de</strong>ra-se discípulo <strong>de</strong>Marcel, e este até se admirapor a<strong>que</strong>le fazer os filmes <strong>que</strong>faz e não ser ju<strong>de</strong>u.“Ser ju<strong>de</strong>u.” O <strong>que</strong> é isso? Res-pon<strong>de</strong> Marcel <strong>que</strong> é aquilo <strong>que</strong>lhe dá a caução para fazer os fil-mes <strong>que</strong> fez. Nisso, mas poucomais <strong>do</strong> <strong>que</strong> nisso, concordacom Clau<strong>de</strong> Lanzmann, orealiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> “Shoah”(1985). “O ser-se inquisi-<strong>do</strong>r em relação a um agressoré uma característica judaica. Éuma condição para se fazer este trabalho.Nesse senti<strong>do</strong>, concor<strong>do</strong> comClau<strong>de</strong> Lanzmann, embora em relaçãoa tu<strong>do</strong> o resto não concor<strong>de</strong>mos,por<strong>que</strong> ele é uma pessoa <strong>de</strong> vistascurtas – e não é muito generoso. Massó um ju<strong>de</strong>u po<strong>de</strong> fazer este trabalho.Por<strong>que</strong> só um ju<strong>de</strong>u tem esta histórianas suas raízes familiares.”Provas da naturezahumanaEste cepticismo agressivo – mascom algo <strong>de</strong> didáctico: inquirirjunto das provas da naturezahumana – faz-se guerrilheiro em“Hotel Terminus: The Life andTimes <strong>de</strong> Klaus Barbie” (Óscarem 1988), <strong>do</strong>cumentário <strong>que</strong> segueos traços <strong>do</strong> “carrasco <strong>de</strong> Lyon” atéchegar à“network” nazi na América<strong>do</strong> Sul, passan<strong>do</strong> pela contrataçãopela CIA<strong>de</strong>sse homem “simpático”<strong>que</strong> esmurrava as cabeças <strong>de</strong> encon-tro às esquinas <strong>do</strong>s móveis enquan-to fazia festas aos gatos. A banda“Se não temos senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreensãopara com as pessoas, como é <strong>que</strong> se tema arrogância <strong>de</strong> se colocar à frente <strong>de</strong>las umacâmara <strong>de</strong> filmar?”sonora, com cânticos <strong>de</strong> Natal, talvezdiga da <strong>de</strong>vastação <strong>de</strong> Marcel ao darseconta <strong>de</strong> <strong>que</strong> o mun<strong>do</strong>, e não apenasa II Guerra lá atrás, estava infesta<strong>do</strong><strong>de</strong> nazis.Mostra-se mais <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong> em“Veillée d’armes”, um fracasso nasbilheteiras tal como “Le Chagrin et laPitié” foi um sucesso. Mas é a apoteose<strong>de</strong> um méto<strong>do</strong>, e <strong>do</strong> seu fogo-<strong>de</strong>artifício,este olhar sobre o jornalismovisto no momento <strong>do</strong> cerco a Sarajevo,quan<strong>do</strong> a Europa se <strong>de</strong>sintegrava.“É verda<strong>de</strong>, é o meu filme mais <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>.O <strong>que</strong> aconteceu na Bósnia,e acontece agora em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>,é apenas uma repetição <strong>do</strong> <strong>que</strong> játínhamos ti<strong>do</strong>”, diz-nos Ophuls, <strong>que</strong>começa “Veillée d’armes” assim, adizer <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Auschwitz nadadisto po<strong>de</strong>ria voltar a acontecer, masaconteceu. “Opressores e oprimi<strong>do</strong>s,vitoriosos e venci<strong>do</strong>s.”O <strong>que</strong> se segue é um carrossel (temos<strong>de</strong> dizer “ophulsiano”, tal pai, talfilho) <strong>que</strong> parte <strong>do</strong> Holiday Inn da cida<strong>de</strong>sitiada e <strong>do</strong>s seus “hóspe<strong>de</strong>s”– repórteres <strong>de</strong> guerra em busca dacausa justa e mercenários da emoção,e ao longe, talvez perto <strong>de</strong> mais, ostiros <strong>do</strong>s “snipers” – para fazer a psicanálise<strong>do</strong> repórter e inventariar osdi-lemas <strong>que</strong> ainda hoje são os <strong>do</strong>jornalismo: <strong>do</strong> narcisismo à cultura<strong>do</strong> espectáculo, e dan<strong>do</strong> uma sapatadana “equidistância”. Talvez por<strong>que</strong>tenha si<strong>do</strong> um filme <strong>que</strong> procurou enão um <strong>que</strong> lhe tenha si<strong>do</strong> encomenda<strong>do</strong>,talvez por<strong>que</strong> era feito a <strong>que</strong>nte,inquirin<strong>do</strong> o presente e não só asmarcas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> <strong>que</strong> sobreviveram,o realiza<strong>do</strong>r dá largas ao seu <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>anti-relativismo, encenan<strong>do</strong>-secomo jornalista, com chapéu fellinianoe tu<strong>do</strong>, mais champanhe e prostitutaa condizer, a gozar as férias <strong>de</strong>um gran<strong>de</strong> repórter <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> reportagem <strong>de</strong> risco. Os excertos<strong>de</strong> “Only Angels Have Wings”, <strong>de</strong> Hawks(i<strong>de</strong>alismo primitivo e romântico),<strong>de</strong> “Lola Montès”, <strong>de</strong> Ophuls,Max (premonição da infernal espectacularização<strong>que</strong> estava para vir) e<strong>de</strong> “De Mayerling a Sarajevo”, outro<strong>de</strong> Max Ophuls (e outra catástrofeanunciada, a da Europa) ajudam acompor a fantasmagoria. Filmes, filmes,filmes... “Hey, eu fui um miú<strong>do</strong><strong>de</strong> Hollywood”, ri-se.É em “Hotel Terminus: The Lifeand Times <strong>de</strong> Klaus Barbie” <strong>que</strong> apareceuma das “personagens” maisinquietantes <strong>do</strong> cinema <strong>de</strong> Marcel, amulher francesa <strong>que</strong> terá, ou talveznão, <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> um compatriota, e<strong>que</strong> às tantas <strong>de</strong>ixa cair <strong>que</strong> “Noite e“Hotel Terminus: The Life andTimes <strong>de</strong> Klaus Barbie”, norasto <strong>de</strong> um torcionário: “LeChagrin et la Pitiè”: bravuras ecobardias na França ocupadaNevoeiro” <strong>de</strong> Alain Resnais (1955) é“um filme <strong>de</strong> propaganda”. “Umamulher velha e estúpida”, resumeOphuls, <strong>que</strong> tem menos respeito porela (veja-se o trabalho <strong>de</strong> montagem,a<strong>que</strong>le nervosismo <strong>de</strong> roe<strong>do</strong>r nasmãos <strong>de</strong>la) <strong>do</strong> <strong>que</strong> o <strong>que</strong> mostrou porAlbert Speer, o arquitecto-chefe e ministro<strong>do</strong> Armamento <strong>do</strong> TerceiroReich. Em “Memory of Justice”, interrogaçãoda responsabilida<strong>de</strong> individualnesse enorme chapéu-<strong>de</strong>-chuva<strong>que</strong> são os crimes cometi<strong>do</strong>s emnome <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Speer é um homem<strong>que</strong> já cumpriu a sentença <strong>que</strong> lheditou Nuremberga (embora alguémnote <strong>que</strong> as maneiras aristocráticasproporcionaram menos anos <strong>de</strong> prisãoa alguém com maiores responsabilida<strong>de</strong>scriminosas <strong>do</strong> <strong>que</strong> outroscon<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s). O céptico Ophuls parece<strong>de</strong>ixar-se encantar pelos tempose ritmos <strong>de</strong> Speer. Que é capaz <strong>de</strong>assumir <strong>que</strong> na monumentalida<strong>de</strong>das suas obras já estava tu<strong>do</strong> explícito,mesmo antes <strong>de</strong> os ju<strong>de</strong>us seremmortos, mas <strong>que</strong> não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> persistircomo figura velada, opaca. Comoé <strong>que</strong> foi capaz <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong>le,Marcel?“Não podia matá-lo, pois não?!!!Sim, gosto <strong>de</strong>le. Em primeiro lugar,gosto das pessoas <strong>que</strong> colaboramcom o meu trabalho. Ele era muitocarismático e um ‘charmeur’... Passámosquatro dias juntos a filmar.Claro <strong>que</strong> ele diz <strong>que</strong> esteve no campo<strong>de</strong> Mauthausen mas <strong>que</strong> nunca viua máquina <strong>de</strong> morte – é o <strong>que</strong> ele diz,os especta<strong>do</strong>res <strong>que</strong> tirem as suasconclusões. Gostei <strong>de</strong>le. Mas ele é um<strong>do</strong>s maiores criminosos <strong>de</strong> guerra.Se não temos senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreensãopara com as pessoas, como é <strong>que</strong>se tem a arrogância <strong>de</strong> se colocar àfrente <strong>de</strong>las uma câmara <strong>de</strong> filmar?”Marcel Ophuls, filho <strong>de</strong> Max, ju<strong>de</strong>u,83 anos.Le Chagrin et la Pitié19, 11h30, Alvala<strong>de</strong> 1; 22, 11h, CulturgestVeillée d’armes20, 11h30, Alvala<strong>de</strong> 1; 23, 11h, CulturgestMunich ou la paix pour cent ans23, 21h30, CinematecaHotel Terminus- The life andtimes of Klaus Barbie26, 21h30, CinematecaThe Memory of Justice28, 21h30, CinematecaOs anos 1960 e omun<strong>do</strong> em volta“Johann Sebastian Bach. É oprincípio e o fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”, dizo homem senta<strong>do</strong> ao piano àpe<strong>que</strong>na starlet embevecida. “Éverda<strong>de</strong>, toda a gente o sabe”,respon<strong>de</strong> ela. Mas, acrescenta,também <strong>que</strong> existir músicaromântica, música alegre,música <strong>que</strong> acompanhe o corrernormal <strong>do</strong>s dias normais. E comoera glamorosa a normalida<strong>de</strong><strong>que</strong> aqui vemos. Coreografiasà musical <strong>de</strong> Busby Berkeley,vaporosas estrelas da tela emmini vesti<strong>do</strong>s revela<strong>do</strong>res,carros mo<strong>de</strong>rnos aceleran<strong>do</strong> emestradas mo<strong>de</strong>rnas, or<strong>que</strong>strasjazz a dar swing à nação. Porém,algo não bate certo. Algo estáerra<strong>do</strong> neste mosaico musical ena sofisticada e luminosa culturapopular <strong>que</strong> nele se representa.A mera citação <strong>do</strong> título da obracondiciona irremediavelmente oolhar: “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>”. É com aterrível inscrição da<strong>que</strong>le apeli<strong>do</strong>na<strong>que</strong>le título <strong>que</strong> entramosna parada <strong>que</strong> o DocLisboaSão como <strong>que</strong> duas linhas nasecção “musical” <strong>do</strong> DocLisboa2010, a Heartbeat: o revisitar dahistória, centrada em momentos<strong>de</strong>cisivos na década <strong>de</strong> 1960, e umpercurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta para além<strong>do</strong> universo anglo-saxónico.Mergulhan<strong>do</strong> nos<strong>do</strong>cumentárioshistóricos, cria-se umanarrativa da década <strong>de</strong>1960. Começamos coma Beatlemania noauge, no momentoem <strong>que</strong> Paul,George, John eRingo aterram nosEUA – “The Beatlesin The USA”, <strong>do</strong>sirmãos Maysles, éum retrato <strong>do</strong>s FabFranz Zappa porFrank Scheffer8 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” é uma obra terrível. Alemanha nazi:já conhecíamos o terror; a surpresa é o glamour <strong>que</strong> oescondia. Mário Lopesprogramou para a secçãoHeartbeat (dia 17, na sala 3 <strong>do</strong> SãoJorge, às 19h; dia 24, na sala 1 <strong>do</strong>São Jorge, às 21h30).Realiza<strong>do</strong> pelos alemães OliverAxer e Susanne Benze, “Hitler’sHit Para<strong>de</strong>”, estrea<strong>do</strong> em 2005, foimonta<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> programas<strong>de</strong> entretenimento, filmespublicitários e <strong>de</strong> propagandae filmagens caseiras registadasentre 1936, no auge <strong>do</strong> nacionalsocialismo,e a sua agonia final.Ao longo <strong>de</strong> 75 minutos, as duasdimensões <strong>que</strong> suportam o filme,a música escapista, próxima <strong>do</strong>swing <strong>que</strong> reinava nos EUA, eas imagens <strong>que</strong> a acompanham,unem-se para criar uma trágicasinfonia. Não sabemos <strong>que</strong>msão a<strong>que</strong>les cantores, nãosabemos <strong>que</strong>m é a<strong>que</strong>la locutoratelevisiva jovem e sorri<strong>de</strong>nte<strong>que</strong> se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais umaemissão com o obrigatório “HeilHitler”. Não percebemos, por<strong>que</strong>sabemos o <strong>de</strong>pois e conhecemosos maquinações <strong>de</strong> então, comoera possível a felicida<strong>de</strong> emtempos assim. Esse é o cho<strong>que</strong><strong>que</strong> “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” provoca.Conhecemos a máquina <strong>de</strong>repressão e o barroquismoda representação <strong>do</strong> nazismo,conhecemos “O Triunfo daVonta<strong>de</strong>” e restante a obra <strong>de</strong> LeniRiefenstahl, mas não conhecíamosisto. “Os aviões eram gran<strong>de</strong>s ebonitos. Havia barcos elegantes,os carros mais maravilhosos,boa roupa, cafés <strong>de</strong> bom gosto”,<strong>de</strong>screvia Oliver Axer, em 2005, aodiário alemão “Die Tageszeitung”.Continuava: “Os bares <strong>de</strong> Berlimeram vistos como chi<strong>que</strong>s emo<strong>de</strong>rnos, gran<strong>de</strong>s e vistosos.Tu<strong>do</strong> tinha standard internacional.Não se tem a sensação <strong>de</strong> <strong>que</strong> algoestivesse ausente”.Axer, provoca<strong>do</strong>r, referiu-se aofilme como “uma mistura <strong>de</strong> TexAvery com Leni Riefenstahl” enão é por acaso <strong>que</strong>, enquanto oglamour sexualiza<strong>do</strong> das cenas<strong>de</strong> cabaret se cruza com <strong>de</strong>senhosanima<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um grotesco antisemitismo,o <strong>de</strong>sconforto se torneinsuportável. Não só por<strong>que</strong>a guerra se há-<strong>de</strong> atravessarna<strong>que</strong>le oásis <strong>de</strong> harmonia, enão só por<strong>que</strong> também veremosgente feliz acenar aos vagões <strong>que</strong>se encaminham para campos <strong>de</strong>concentração.“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” é umaobra fascinante, tanto quanto étenebroso o <strong>que</strong> mostra. Nele,revela-se como um esta<strong>do</strong>totalitário anestesia e formataum povo. E por isso torna-se umfilme <strong>que</strong> não se fixa no seu tempo.Aos nossos olhos, o nazismoO realiza<strong>do</strong>r, provoca<strong>do</strong>r, referiu-se ao filmecomo “uma mistura <strong>de</strong> Tex Avery com LeniRiefenstahl”Recorren<strong>do</strong> a arquivos daAlemanha nazi, é a sinfonia <strong>de</strong>uma tragédiaé a verda<strong>de</strong>ira encarnação <strong>do</strong>mal, e torna-se inquietanteperceber <strong>que</strong> os seus méto<strong>do</strong>s<strong>de</strong> controlo da cultura popular,salvaguardadas as distâncias a<strong>que</strong> o seu terrível objectivo finalobriga, não estão distantes dacultura <strong>do</strong> espectáculo <strong>de</strong> hoje,on<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>mina um discursopublicitário infantil, <strong>de</strong>sgoverna<strong>do</strong>e subjuga<strong>do</strong> à lógica da reality TVe <strong>do</strong> consumo pelo consumo.Na altura da sua estreia, “Hitler’sHit Para<strong>de</strong>” foi critica<strong>do</strong> comouma banalização <strong>do</strong> nazismo.Tal posição ignora um pormenoressencial: a<strong>que</strong>la “banalida<strong>de</strong>”surge como parte integrante <strong>do</strong>regime em si. Como referiu naentrevista supracitada OliverAxer, filho da geração <strong>que</strong> viveuo nazismo, “como estética <strong>do</strong>Terceiro Reich apresentavamnosLeni Riefenstahl. [...] Amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>que</strong> nos tentavamensinar na escola parava em1933, e recomeçava na RepúblicaFe<strong>de</strong>ral [da Alemanha]”. O vazio<strong>que</strong> “Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>” preencheé uma revelação terrível, nuncabanal. O seu mérito está na formacomo <strong>de</strong>svenda a infiltração dai<strong>de</strong>ologia em to<strong>do</strong>s os aspectos davida – algo <strong>que</strong> o contraste com amúsica suave, quase encantatória,torna ainda mais pungente.“Hitler’s Hit Para<strong>de</strong>”: a criançaà janela <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> brincarem cujas pare<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>scobreum retrato <strong>do</strong> Führer. O Führerele mesmo como estrela pop,distribuin<strong>do</strong> autógrafos às fãs,brincan<strong>do</strong> com cães e crianças,afastan<strong>do</strong> a ma<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cabelosob a testa num gesto <strong>que</strong> aquiparece o <strong>de</strong> um galã. Os rapazesda Juventu<strong>de</strong> Hitleriana, to<strong>do</strong>srepetin<strong>do</strong> os mesmos gestos,to<strong>do</strong>s ouvin<strong>do</strong> a mesma voz:“atravessas os meus sonhos /vens até mim todas as noites”. E,mais directo, o homem <strong>que</strong> alertana televisão para os músicos <strong>que</strong>tocam <strong>de</strong>safina<strong>do</strong>s, “guia<strong>do</strong>s porinfluência estrangeira”, e para osquais tem solução, “um ‘campo <strong>de</strong>música’” on<strong>de</strong> os ensinarão a tocarafina<strong>do</strong>s novamente.À medida <strong>que</strong> o filmeavança, mantém-se a cadênciamusical, mas tu<strong>do</strong> se torna maisescancara<strong>do</strong>: o Zyklon B, filma<strong>do</strong>como uma caixa Berio <strong>de</strong> Warhol,e as câmaras <strong>de</strong> gás on<strong>de</strong> foiutiliza<strong>do</strong>, as estrelas <strong>de</strong> David nopeito <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us, as <strong>de</strong>portações,o gueto <strong>de</strong> Varsóvia, a guerra e osmortos e uma grotesca parada <strong>de</strong>próteses.Um eléctrico atravessauma cida<strong>de</strong> em escombros.Uma mulher chora à saída <strong>de</strong>um campo <strong>de</strong> concentração.Desaparece a narrativa gloriosa <strong>do</strong>regime, extingue-se a banalida<strong>de</strong>.Sobra o horror. Esgotaram-se osêxitos da parada.Four em tempos <strong>de</strong> inocência (dia 22,21h30, São Jorge). Três anos <strong>de</strong>pois,em 1967, a inocência pintava-se comas cores garridas <strong>do</strong> psica<strong>de</strong>lismo.Peter Whitehead filmou-a no<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong>finitivo da “swingingLon<strong>do</strong>n”, “Tonite Let’s All Make LoveIn Lon<strong>do</strong>n” (dia 21, 23h, São Jorge - 3,e dia 24, 17h30, São Jorge). Entre<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> Vanessa Redgrave,David Hockney, Michael Caine ou osAnimals, Mick Jagger fala <strong>de</strong> umfuturo em <strong>que</strong> as máquinastrabalharão para <strong>que</strong> a humanida<strong>de</strong>se entregue ao lazer e à arte. O mesmoJagger em “Stones In Exile”, <strong>de</strong>Stephen Kijak, está diferente. Quan<strong>do</strong>os Stones se refugiaram numamansão da Côte D’Azur, o sonhogeracional acabara e restavam osexcessos e o blues <strong>que</strong> conduziram asgravações <strong>de</strong> “Exile On Main St”,edita<strong>do</strong> em 1972 (dia 20, 23h, SãoJorge; dia 23, 21h30, São Jorge).A Beatlemania no auge: “TheBeatles in The USA”, <strong>do</strong>s irmãosMayslesPara compor a narrativa, surge oretrato <strong>de</strong> Frank Zappa, outsi<strong>de</strong>rgenial, <strong>que</strong> o holandês FrankScheffer realizou em 2006 - divi<strong>de</strong>seem duas partes e passará hoje(22h15, Alvala<strong>de</strong>), dia 20 (16h15,Alvala<strong>de</strong> 3), dia 21 (21h30, São Jorge)e dia 24 (19h, São Jorge). Surgeainda “Uma Noite em 67”, <strong>que</strong>acompanha o final <strong>do</strong> Festival daMúsica Popular Brasileira <strong>de</strong> 1967,momento em <strong>que</strong> o tropicalismo<strong>de</strong> Gil e Caetano se anunciou e em<strong>que</strong> Chico Buar<strong>que</strong> e Edu Loboforam “velhos” por um brevemomento (realiza<strong>do</strong> Renato Terra eRicar<strong>do</strong> Calil, passa <strong>do</strong>mingo nasala 1 <strong>do</strong> São Jorge, às 21h30, erepete dia 24, às 15h, no mesmocinema, sala 3).O outro eixo <strong>de</strong> “Heartbeat” levanosaté ao mosaico <strong>de</strong> Istambu(“Crossing The Bridge: The SoundOf Istambul”; segunda-feira, 21h30,no São Jorge – 1, e dia 23, 23h, noSão Jorge – 3). Leva-nos aacompanhar Youssou N’Dour pelarota musical da escravatura até aoregresso a Gorée, no Senegal, omaior entreposto <strong>de</strong> escravosafricano no tempo da escravatura(“Retour À Gorée”, <strong>de</strong> Pierre-YvesBorgeaud: segunda-feira, 17h30, SãoJorge – 1, e dia 23, 21h, São Jorge – 3).mecenas principalmecenas <strong>do</strong>s espectáculosHITTHITT é conheci<strong>do</strong> pelo seu visual irreverente (relaciona<strong>do</strong> com o movimentomuito em voga entre a juventu<strong>de</strong> japonesa, o visual kei) e pelo <strong>que</strong> ele próprioclassifica como o seu estilo musical “piano rock”. Há muito aguarda<strong>do</strong> emPortugal, HITT chega agora ao Museu <strong>do</strong> Oriente com um espectáculo on<strong>de</strong>apresenta as suas mais aclamadas composições.INFORMAÇÕES E RESERVAS: 213 585 244707 234 234 (TICKETLINE) | www.ticketline.sapo.ptBILHETES À VENDA: MUSEU DO ORIENTE, FNAC, WORTEN, LOJAS VIAGENS ABREU,BLISS, LIV. BULHOSA (Oeiras Par<strong>que</strong> e C. C. <strong>do</strong> Porto) e pontos MEGAREDE.Av. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 Lisboa | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museu<strong>do</strong>oriente.ptÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 9


O DocLisboa faz serviço públicoMais salas, mais filmes, mais retrospectivas, num ano on<strong>de</strong> o DocLisboa assume a sua missão forma<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> públicos. Serge Tréfaut,director <strong>de</strong> saída, Augusto M. Seabra, programa<strong>do</strong>r, explicam os porquês <strong>de</strong> um festival simultaneamente radical e dialogante.PEDRO MARTINHO“Tomara <strong>que</strong> as pessoas nãolevem a mal!” As gargalhadas<strong>de</strong> Serge Tréfaut ecoam peloscorre<strong>do</strong>res da Culturgest. A umasemana <strong>do</strong> arran<strong>que</strong> da oitavaedição <strong>do</strong> DocLisboa, a equipa<strong>do</strong> festival afadiga-se envian<strong>do</strong>e-mails, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> telefones,<strong>de</strong>senrolan<strong>do</strong> cartazes. Lá fora achuva cai torrencialmente, Tréfautentusiasma-se e espera <strong>que</strong> aspessoas não entendam mal o <strong>que</strong>ele diz sobre a “missão forma<strong>do</strong>ra”<strong>do</strong> Doc, “uma estratégia quasepolítica”, nas suas palavras, “<strong>de</strong>fazer aquilo <strong>que</strong> as entida<strong>de</strong>sprincipais não fazem”.Ou seja? “Há qual<strong>que</strong>r coisa <strong>de</strong>missão – ‘missão’ é uma palavraum boca<strong>do</strong> pretensiosa e tonta; secalhar é mais ambição — <strong>de</strong> ser umespaço <strong>que</strong> traz às pessoas aquilo<strong>que</strong> elas <strong>de</strong> alguma maneira<strong>de</strong>vem precisar. Fazemos aquilo<strong>que</strong> outras instâncias <strong>de</strong>veriamfazer, a começar pela televisão.”Tréfaut, <strong>do</strong>cumentarista,realiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> “Lisboetas”, director<strong>do</strong> DocLisboa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, dirigeeste ano pela última vez o certame.É uma “saída em beleza”: a maioredição <strong>de</strong> sempre, com trêsretrospectivas importantíssimas,um gran<strong>de</strong> ciclo temático históricoe uma competição e secçõesparalelas fortes. Uma “sobre<strong>do</strong>se”<strong>que</strong> vai até contra os princípios<strong>de</strong> Augusto M. Seabra, crítico esociólogo, programa<strong>do</strong>r associa<strong>do</strong><strong>do</strong> Doc há alguns anos, este anodirector <strong>de</strong> programação a tempointeiro.(Não po<strong>de</strong>m ser mais diferentesentre si: Seabra, 55 anos, pausa<strong>do</strong>,pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, reflecti<strong>do</strong>; Tréfaut, 45,expansivo, extroverti<strong>do</strong>, quasehiperactivo. Mas, entrevista<strong>do</strong>sseparadamente, estão em perfeitasintonia, completam as i<strong>de</strong>ias um<strong>do</strong> outro.)No texto com <strong>que</strong> apresenta aprogramação no catálogo, falan<strong>do</strong><strong>de</strong> “transição e novos rumos”para o festival, Seabra confessase“crítico <strong>do</strong> discurso insistente<strong>de</strong> ‘mais filmes, mais salas, maissessões’” - precisamente aquilo<strong>que</strong> acontece em 2010, com o Doca expandir-se para o Cinema CityClassic Alvala<strong>de</strong> e para aCinematecaSerge Tréfaut,pela última vezna direcção<strong>do</strong> DocPortuguesa para lá das salashabituais (Culturgest, São Jorgee Londres). Reconhece a ironia:“assumo completamente sercrítico <strong>de</strong> mim mesmo”, diz,e avança <strong>que</strong> se trata <strong>de</strong> algopontual — “nestas dimensões”,o festival só ocorrerá esteano, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a compromissospreviamente assumi<strong>do</strong>s.Mas confirma a tal “missãoforma<strong>do</strong>ra” <strong>de</strong> <strong>que</strong> Tréfaut fala.“O DocLisboa é um festival <strong>de</strong>imenso público e um <strong>do</strong>s festivais<strong>de</strong> cinema <strong>do</strong>cumental com maispúblico, num país on<strong>de</strong> não se vê<strong>do</strong>cumentário... Conseguimos umequilíbrio instável por natureza,ao ser ao mesmo tempo um <strong>do</strong>sfestivais <strong>do</strong>cumentais maisradicais e com mais público.Faltava apenas acentuar avertente forma<strong>do</strong>ra em relação àhistória <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário.”Os monumentosDaí <strong>que</strong>, este ano, graças umajanela <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>, parteda programação se <strong>de</strong>di<strong>que</strong>aos momentos/monumentoshistóricos <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário. Trêsretrospectivas <strong>de</strong> peso – JorisIvens, Marcel Ophuls, Jørgen Leth;um ciclo programa<strong>do</strong> por Ricar<strong>do</strong>Matos Cabo, “A Cida<strong>de</strong> e o Campo”;uma presença transversal dahistória através das váriassecções (por exemplo na secçãoHeart Beat, com um conjunto <strong>de</strong><strong>do</strong>cumentários sobre a músicarock).Para Seabra, essa vertentehistoricista é um complementoàquilo <strong>que</strong> o Doc vem fazen<strong>do</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, “implica umaposição relativamente aosmeios e às possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> conhecimento actual <strong>do</strong>sclássicos”, praticamenteinexistentes entre nós <strong>de</strong> háalguns anos a esta parte, e surgiuda “necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar àspessoas <strong>que</strong> vêm ao festivalprocurar as presenças <strong>do</strong> real eda actualida<strong>de</strong> os monumentos <strong>do</strong><strong>do</strong>cumentarismo.”Tréfaut, no entanto, avisa:“Não gostaria <strong>que</strong> isso levasse aspessoas a crerem <strong>que</strong> o festival<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser contemporâneo.Falei com programa<strong>do</strong>resinternacionais <strong>que</strong> ficaramsurpreendi<strong>do</strong>s coma altíssimaqualida<strong>de</strong> da programação <strong>de</strong>steano.” Seabra anui, “éum <strong>do</strong>s anosmais fortes <strong>do</strong> Doc. Suce<strong>de</strong>u.É um facto <strong>que</strong> há anos maisfortes e mais fracos, mas haviafilmes, <strong>fizemos</strong> as nossas opçõese a competição internacional éparticularmente forte.”Mesmo <strong>que</strong> sejao la<strong>do</strong>histórico <strong>que</strong> salte à vista?“Tem razão <strong>que</strong> há algo <strong>de</strong>muito maispesa<strong>do</strong>, maishistórico, este ano,” dizTréfaut, <strong>que</strong> almejavahá anos po<strong>de</strong>rapresentar umaretrospectiva JorisIvens. “Masfico muitofeliz por ter oIvens nesteTréfaut falana “indiferençaescandalosa”<strong>do</strong> primeiro-ministro,<strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nteda República, daministra da Culturarelativamenteaos instrumentos<strong>de</strong> formaçãoda socieda<strong>de</strong>”momento, por<strong>que</strong> é o seu la<strong>do</strong>combativo <strong>que</strong> vem ao <strong>de</strong> cima,com o qual me i<strong>de</strong>ntifico, e <strong>que</strong>continua sen<strong>do</strong> o <strong>do</strong> festival.”Isto é uma ilhaLa<strong>do</strong> combativo <strong>que</strong> é tambémo <strong>que</strong> mais frustra Tréfaut, “namedida em <strong>que</strong>, na guerra <strong>de</strong>se tentar fazer mudar algumacoisa, não conseguimos. Nãoconseguimos por<strong>que</strong> passa pelosdirectores das televisões, por umaindiferença absoluta e vergonhosae escandalosa <strong>do</strong> primeiroministro,<strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte daRepública, da ministra da Cultura,relativamente aos instrumentos<strong>de</strong> formação da socieda<strong>de</strong> <strong>que</strong> sãoa televisão e, <strong>de</strong> alguma forma,a educação. E assumimos umboca<strong>do</strong> <strong>que</strong>, já <strong>que</strong> os outros nãofazem, fazemos nós. Isto é umboca<strong>do</strong> uma ilha e aqui existe,pronto.”Uma ilha <strong>que</strong> existe para <strong>que</strong>“o cinema seja instrumento<strong>do</strong> pensamento”. Seabra: “O<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong>ve fazer-nospensar, não apenas em termosdas <strong>que</strong>stões <strong>de</strong> actualida<strong>de</strong>, mastambém <strong>de</strong> reflexão histórica.Po<strong>de</strong>-se fazer uma história <strong>do</strong>século <strong>XX</strong> através <strong>do</strong> cinema.” E éimportante sublinhar esta palavra:cinema. “É uma posição <strong>de</strong>princípio <strong>que</strong> este seja um festival<strong>de</strong> cinema <strong>do</strong>cumental, e maislatamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há três anos <strong>de</strong>cinema <strong>do</strong> real. Não é um festivalpara reportagens, para o chama<strong>do</strong>audiovisual.”Tréfaut faz <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> sublinharo ponto: “Fico <strong>do</strong>ente quan<strong>do</strong> aspessoas confun<strong>de</strong>m <strong>do</strong>cumentárioe reportagem. Há uma diferençaentre as duas coisas. Apreocupação é a <strong>de</strong> <strong>que</strong> hajamais conhecimento <strong>do</strong> <strong>que</strong> é o<strong>do</strong>cumentário no geral, para<strong>que</strong> as pessoas comecem aassociar <strong>do</strong>cumentário ecinema.”Seabra apontauma outra peculiarcontradição: “o<strong>do</strong>cumentário estámuito estandardiza<strong>do</strong>,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da suapassagem televisiva, mashá muitos filmes feitosna mais total liberda<strong>de</strong>. O<strong>do</strong>cumentário é ainda um <strong>do</strong>súltimos espaços <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>que</strong>um cineasta tem hoje – com asnovas tecnologias, tem hipótese<strong>de</strong> avançar e fazer o filme <strong>que</strong> <strong>que</strong>rcom completa liberda<strong>de</strong>.”Uma coisa vivaUma liberda<strong>de</strong> <strong>que</strong> está patentena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ainda seconseguir ser <strong>de</strong>slumbra<strong>do</strong> porum filme. “Programar implica vercentenas <strong>de</strong> filmes, é um trabalhoesgotante, <strong>que</strong> tem o gran<strong>de</strong> risco<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r alterar a nossa relaçãocom o cinema – ver imagens emfunção <strong>de</strong> um objectivo, em vez<strong>de</strong> estar a ver cinema. Mas hámomentos nesse processo em <strong>que</strong>fi<strong>que</strong>i em êxtase. O ‘Passion – LastStop Kinshasa’ [secção HeartBeat], por exemplo, <strong>de</strong>ixou-me emesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> levitação... E é muitoimportante criar esse espaço paranos <strong>de</strong>slumbrarmos.”É, aliás, isso <strong>que</strong> explicaos novos prémios da edição2010. Um <strong>de</strong>les é um prémiopara as melhores primeirasobras, transversal às diferentessecções <strong>do</strong> festival. “Já havia, econtinua a haver, um prémio paraprimeiras obras na competiçãoportuguesa, mas uma das coisasmais gratificantes, como crítico,é <strong>de</strong>scobrir um novo autor, dar aconhecê-lo. E garanto <strong>que</strong> alguns<strong>do</strong>s melhores filmes <strong>do</strong> festivalsão primeiras obras.”O outro é um Prémio Especial<strong>do</strong> Júri <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à obra maisinova<strong>do</strong>ra, reflectin<strong>do</strong> tambémaquilo <strong>que</strong> Tréfaut consi<strong>de</strong>ra sera essência <strong>do</strong> DocLisboa. “Umfestival é uma coisa viva, on<strong>de</strong> asobras apresentadas são bastantediferentes umas das outras – umfestival <strong>que</strong> se limite apenas aconceitos estan<strong>que</strong>s po<strong>de</strong> morrer.”Não é o caso <strong>do</strong> Doc, <strong>que</strong> em2010 está vivo e bem vivo: “Gosto<strong>que</strong> os nossos filmes tenham força,tenham po<strong>de</strong>r, tenham capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> transmitir algo”, diz SergeTréfaut. “A nossa programaçãoconsegue dialogar com o público.”Augusto M. Seabra,este ano director<strong>de</strong> programaçãoa tempo inteiroPEDRO MARTINHO10 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


Joris Ivens moveumontanhasEntrar numa retrospectiva Joris Ivens é ir aoencontro <strong>do</strong> rumor <strong>de</strong> um século. Luís MiguelOliveiraDe entre as várias maneiraspossíveis <strong>de</strong> medir a imponência<strong>de</strong> Joris Ivens e da sua obraatentemos nesta: não noslembramos <strong>de</strong> outro cineasta<strong>que</strong> tenha trabalha<strong>do</strong>, e filma<strong>do</strong>,em to<strong>do</strong>s os cinco continentes<strong>que</strong> a Humanida<strong>de</strong> conhece. Sólhe ficaram a faltar os pólos. MasIvens não cruzou só o mun<strong>do</strong>,cruzou também o século <strong>XX</strong>. Asua obra este n<strong>de</strong>-se por 60 anos,entre o final <strong>do</strong>s anos 20 e o final<strong>do</strong>s anos 80, e é o testemunho <strong>de</strong>um século, testemunho históricoe testemunho político. Da GuerraCivil <strong>de</strong> Espanha à Guerra <strong>do</strong>Vietname, da in<strong>de</strong>pendência daIn<strong>do</strong>nésia à revolução cubana,da vida <strong>do</strong>s camponeses <strong>do</strong>“midwest” americano saí<strong>do</strong>sda Gran<strong>de</strong> Depressão à vida<strong>do</strong>s camponeses chinesesmergulha<strong>do</strong>s na “revoluçãocultural” <strong>de</strong> Mao. Sobre tu<strong>do</strong> istoIvens <strong>de</strong>ixou testemunho, sobretu<strong>do</strong> isto <strong>de</strong>ixou a marca da suapresença e da sua personalida<strong>de</strong>– esse lirismo <strong>que</strong> pontua to<strong>do</strong>sos seus filmes, mesmo os mais“políticos”, e <strong>que</strong> se libertou nesseelegíaco filme <strong>de</strong> fecho, fecho <strong>de</strong>uma obra e <strong>de</strong> uma vida, “UneHistoire <strong>de</strong> Vent” (1988) – dia 15,21h30, Cinemateca; 18, 19h30,Cinemateca.Entrar numa retrospectivaJoris Ivens é, por tu<strong>do</strong> isto, ir aoencontro <strong>do</strong> rumor <strong>de</strong> um século.Um rumor <strong>que</strong> Ivens procurou,mas um rumor <strong>que</strong> também osacudiu. As suas andanças, assimcomo os filmes <strong>que</strong> pô<strong>de</strong> fazer(<strong>que</strong> nem sempre serão os filmes<strong>que</strong> quis fazer), <strong>de</strong>rivam tanto <strong>de</strong>uma vonta<strong>de</strong> própria como daforça das circunstâncias, tambémsão um produto das convulsões<strong>do</strong> século <strong>XX</strong>. Em consequência,dificilmente se lhe chamariauma obra “linear” – os críticos ecomenta<strong>do</strong>res têm a tendência <strong>de</strong>dividir a sua obra em blocos, em“unida<strong>de</strong>s” – mas antes uma obrasinuosamente “plural”, no <strong>que</strong> tocaa registos, a estilos, a intenções,a condições <strong>de</strong> produção. A suagran<strong>de</strong>za também vem <strong>de</strong>staprogressão labiríntica: não noslembramos <strong>de</strong> outro cineasta <strong>que</strong>na mesma vida tenha filma<strong>do</strong>propaganda soviética (“A Canção<strong>do</strong>s Heróis”, <strong>de</strong> 1932 - dia 18,17h30, S. Jorge; 24, 19h30, S. Jorge)e propaganda rooseveltiana(“Power and the Land”, <strong>de</strong> 1941,feito sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pare Lorentz,um <strong>do</strong>s principais intérpretes<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong> inspiraçãorooseveltiana e ele próprio umgran<strong>de</strong> cineasta – dia 18, 19h30,Alvala<strong>de</strong>; 23, 15h30, Alvala<strong>de</strong>; 27,18h30, Cinemateca). Que Ivens nãotenha, <strong>de</strong>pois, segui<strong>do</strong> carreiraem Moscovo, por<strong>que</strong> a burocraciaestética e i<strong>de</strong>ológica (era o tempo<strong>do</strong> “realismo socialista”) recebeumal o seu filme, e tenha si<strong>do</strong>corri<strong>do</strong> <strong>do</strong>s EUA por causa <strong>do</strong>seu passa<strong>do</strong> soviético, eis <strong>do</strong>isexemplos <strong>do</strong> papel <strong>que</strong> a “forçadas circunstâncias” jogou na suavida e na sua obra.A <strong>que</strong>stão política e social éfulcral na sua obra, e um <strong>do</strong>spossíveis traços <strong>de</strong> união <strong>de</strong>toda a sua diversida<strong>de</strong>. Mas nãoé a <strong>que</strong>stão <strong>de</strong>cisiva. O princípioNa Ásia se concluiu esta obra, com a “história<strong>de</strong> vento”, on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>serto da Mongólia é umatela para os sonhos <strong>de</strong> Ivens – e a sua cabeleirabranca agitada pelo vento conquista-lheuma eternida<strong>de</strong>da sua obra, filmes feitos aindaHolanda na viragem <strong>do</strong>s anos20 para os anos 30, filmes tãocélebres como “A Ponte” (1928),“Chuva” (1929), “Zui<strong>de</strong>rzee” (1930)ou “Philips Rádio” (1931) são,especialmente os <strong>do</strong>is primeiros,obras ancoradas na tradiçãovanguardista, anti-naturalista, <strong>que</strong>por esses anos <strong>de</strong>spertou inúmerasvocações (em Portugal, Manoel <strong>de</strong>Oliveira e o “Douro Faina Fluvial”).“A Ponte” e a “Chuva” (ambos dia21, 18h30, Cinemateca; 25, 22h,Cinemateca), filmes “abstractos”,funda<strong>do</strong>s num puro movimentocinematográfico construí<strong>do</strong> comelementos da realida<strong>de</strong> quotidiana,dão lugar, em “Zui<strong>de</strong>rzee” e “PhilipsRádio” (ambos dia 20, 21h30,Marceline Loridan estará emLisboa a acompanhar aretrospectivaCinemateca; 22, 19h30, Cinemateca)a um olhar com uma intenção<strong>do</strong>cumental mais consciente (ainda<strong>que</strong> cruzada com a musicalida<strong>de</strong>e o “sinfonismo” das vanguardas),e nesse senti<strong>do</strong> abrem o caminho<strong>que</strong> Ivens nunca mais <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong>correr.Se filmou em to<strong>do</strong> o la<strong>do</strong>, daAustrália ao Chile, a Ásia temlugar particular na sua obra. Oseu primeiro filme asiático é <strong>de</strong>1939 (“The 400 Million”), feito naChina <strong>que</strong> lutava então contraos invasores japoneses. A partir<strong>do</strong>s anos 60, e numa altura em<strong>que</strong> o cineasta tinha já comocompanheira <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> trabalhoMarceline Loridan (<strong>que</strong> estará emLisboa), a ligação asiática tornousemais prepon<strong>de</strong>rante. Os filmessobre o Vietname (feitos durante aguerra mas não necessariamente“sobre” a guerra), em especial“Le Dix-Septième Parallèle”(1968) – 20, 19h, Cinemateca; 21,22h, Cinemateca), mas sobretu<strong>do</strong>“Comment Yukong Deplaçales Montagnes” (1976) – 18, 19h,Cinemateca; 21, 19h30, Alvala<strong>de</strong>),“montanha” na obra <strong>de</strong> Ivens,“pintura mural” em <strong>do</strong>ze partes(vamos ver em Lisboa apenas oscinco episódios <strong>que</strong> se encontramrestaura<strong>do</strong>s), retrato da vida <strong>do</strong>scamponeses e operários chineses<strong>de</strong>pois da “revolução cultural”.O olhar <strong>de</strong> Ivens, e sobretu<strong>do</strong> ocomentário “off”, são apologéticos– o tempo fez <strong>de</strong> “Yukong” tambémum testemunho da atracção<strong>do</strong>s intelectuais europeus pelomaoísmo – mas isso não perturbao essencial: é um <strong>do</strong>cumentofortíssimo, próximo, <strong>que</strong> dá aver o quotidiano chinês não noconjuntural mas no imutável. E naÁsia se concluiu esta obra, com a“história <strong>de</strong> vento”,on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>serto daMongólia é umsonho, ou umatela para ossonhos <strong>de</strong> Ivens – ea sua fartacabeleirabranca agitadapelo vento(diríamos <strong>que</strong>é ofilmeon<strong>de</strong> maiscontao olhar<strong>de</strong>MarcelineLoridan sobreele) conquista-lheuma espécie <strong>de</strong>eternida<strong>de</strong>.Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 11


Jørgen Leth vem estudar-nosNuma edição <strong>que</strong> olha para o nosso património histórico e social, eis o outro la<strong>do</strong>: a vida porum microscópio. Francisco ValenteQuan<strong>do</strong> o dinamarquês JørgenLeth optou pelo <strong>do</strong>cumentário,nos anos 60, <strong>de</strong>cidiu entrar emruptura com as suas normas. “Aminha intenção era reinventara linguagem cinematográfica”,diz-nos. “Odiava a tradição<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentário britânico edinamarquês <strong>que</strong> procuravasempre a situação social.”Encetou, então, um caminhocontrário a esse olhar realista,enveredan<strong>do</strong> pelo estu<strong>do</strong> epela poesia da composição<strong>do</strong>s sentimentos e das acçõeshumanas. “Era importantedistanciar-me da forma tradicional<strong>de</strong> apresentar a realida<strong>de</strong>. Quistrazer as pessoas e as suas acçõespara o meu estúdio e estudar avida por um microscópio.”Fez então “The Perfect Human”,<strong>de</strong> 1968 (dia 16, 17h30, Alvala<strong>de</strong> 1),<strong>do</strong>cumentário <strong>de</strong> 13 minutos <strong>que</strong>reúne os princípios funda<strong>do</strong>res<strong>de</strong> uma obra: um homem e umamulher num estúdio branco,para<strong>do</strong>s e em movimento, osgestos e <strong>de</strong>talhes físicos (um olho,um joelho), e a voz <strong>de</strong> um narra<strong>do</strong>r<strong>que</strong> apresenta as acções ecategoriza as rotinas (a cama on<strong>de</strong><strong>do</strong>rmem, a mesa on<strong>de</strong> comem).Este olhar iria também marcar“Good and Evil” (1975): planosfixos, semelhantes a quadros oufotografias, o olhar estudan<strong>do</strong> o<strong>que</strong> o homem representa e comose faz representar (dia 19, 19h,SJorge 3; dia 22, 20h15, Alvala<strong>de</strong> 1).Leth filma as suas personagenscomo naturezas mortas nos seusquadros <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>. “A i<strong>de</strong>ia erapartir a narrativa cinematográficaem caixas separadas, on<strong>de</strong> cadaimagem se torna numa história.Sempre me senti mais inspira<strong>do</strong>por pintores e poetas. MarcelDuchamp foi uma influência.Usei a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ready-ma<strong>de</strong> nosmeus filmes, tal como referênciasdirectas a quadros e frases <strong>de</strong>Magritte.”A realização respeita umaconstrução precisa <strong>do</strong>s tempossonoros, o <strong>que</strong> é natural para umrealiza<strong>do</strong>r <strong>que</strong> também é poeta.“O tempo é um elemento com <strong>que</strong>gosto <strong>de</strong> brincar. O pensamento<strong>de</strong> John Cage sobre o silêncio e ossons liga-se às minhas i<strong>de</strong>ias.” Aspalavras, em Leth, são utilizadas“<strong>de</strong> maneira diferente da narrativaconvencional. Por vezes, gosto <strong>de</strong>contradizer o <strong>que</strong> a imagem diz,coloco palavras para perturbar aleitura da história.”Esta experimentação seriaainda trabalhada em filmescentra<strong>do</strong>s na sua paixão: o<strong>de</strong>sporto. “Motion Picture” (1970)– dia 18, 19h, S. Jorge 3; dia 20,20h15, Alvala<strong>de</strong> 3 – usa o tenistaTorben Ulrich como “exemplo”e explora as movimentações <strong>do</strong>corpo através <strong>de</strong> experiênciascom a película. Depois o ciclismo— “Eddy Merckx in the Vicinity ofa Cup of Coffee” (1973), dia 18, 19h,S. Jorge 3; dia 20, 20h15, Alvala<strong>de</strong>3 —, e novamente uma ponte paraexperiências com a imagem,som e a poesia. Mais tar<strong>de</strong>, “ASunday in Hell” (1977), um épicosobre o esforço sobre-humano<strong>de</strong> uma das competições maisLeth filma as suas personagens como naturezasmortas nos seus quadros <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>violentas: a corrida Paris-Roubaix(dia 20, 19h, S, Jorge 3; dia 23,20h15, Alvala<strong>de</strong> 3). “Achei <strong>que</strong> osvalores mitológicos e as histórias<strong>de</strong> sacrifício e extrema coragemmereciam ser celebradas emobras <strong>de</strong> arte.”Mas os filmes <strong>de</strong> Leth são,em primeiro lugar, uma forma<strong>de</strong> estu<strong>do</strong> ligada a um <strong>do</strong>s seusmaiores interesses, a antropologia:“Life in Denmark” (1972) – dia 19,19h, S. Jorge 3; 22, 20h15, Alvala<strong>de</strong>3 – ou “66 Scenes from America”(1982) – dia 15, 19h30, Alvala<strong>de</strong>1; 18, 21h30, Alvala<strong>de</strong> 1 –, obraúnica em <strong>que</strong> Leth cria postaisdas paisagens conhecidas <strong>do</strong>sEUA, num jogo <strong>que</strong> <strong>de</strong>safia afronteira entre o real e o fabrica<strong>do</strong>,montan<strong>do</strong> a aparência <strong>de</strong> umpaís. O filme, <strong>que</strong> conta com AndyWarhol a comer um hambúrguer(“‘Chelsea Girls’ marcou-me<strong>de</strong> forma ines<strong>que</strong>cível”), seriarecria<strong>do</strong> mais tar<strong>de</strong> em “NewScenes from America” (2003) – dia15, 19h30, Alvala<strong>de</strong> 1; dia 18, 21h30,Alvala<strong>de</strong> 1 – retoman<strong>do</strong> locais epessoas.O estu<strong>do</strong> antropológico estámais <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> em “Noteson Love” (1989), filme-respostaao livro “A Vida Sexual <strong>do</strong>sSelvagens” (1929) <strong>do</strong> antropólogopolaco Bronis aw Malinowski:segue o estu<strong>do</strong> das populaçõesnativas da Papua-Nova Guiné,aqui contrapostas à alienaçãooci<strong>de</strong>ntal, representada pela criseamorosa <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>r (21, 19h, S.Jorge 3; 24, 20h15, Alvala<strong>de</strong> 3).Seria essa crise <strong>que</strong> o levariaao Haiti, país on<strong>de</strong> encontrou osingredientes para o intenso “Haiti.Untitled” (1996) – dia 17, 21h30,Alvala<strong>de</strong> 1; 24, 17h30, Alvala<strong>de</strong>1: uma socieda<strong>de</strong> entregueà violência da política e àexperimentação <strong>do</strong> voo<strong>do</strong>o, assimcomo a sensualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s corposdas mulheres. “Sou um ar<strong>de</strong>nteobserva<strong>do</strong>r das superfícies.Sempre as estu<strong>de</strong>i e tentei leras suas feições irregulares, asnuances entre o angélico e odiabólico. A sensualida<strong>de</strong> temsi<strong>do</strong> o princípio <strong>que</strong> guia aminha vida.”É esse o motor <strong>de</strong> “Erotic Man”(2010), o seu último filme (dia17, 21h15, Culturgest; 22, 22h15,Alval<strong>de</strong> 3; 23, 22h15, Alvala<strong>de</strong> 3).“O antropologista e poeta <strong>do</strong> filmeviaja para estudar o corpo dasmulheres e perceber por<strong>que</strong> é<strong>que</strong> o erotismo é tão importantepara os seres humanos. Pensei empintores <strong>de</strong> gerações diferentes<strong>que</strong> estudaram o corpo nu damulher. É um eterno motivo.”“The Perfect Human”(1968)Intimida<strong>de</strong>O cinema a captar o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar o teatro e a dança.Tiago Bartolomeu CostaDistribuí<strong>do</strong>s por diferentes secções,os filmes <strong>que</strong> o Doc seleccionoucomo exemplos <strong>de</strong> um olharcinematográfico sobre o teatro edança centram-se no discurso <strong>do</strong>scria<strong>do</strong>res, sen<strong>do</strong> esse o olhar <strong>que</strong>importa e não tanto o <strong>do</strong> cineasta.Nomes como Patrice Chéreau, AnnaHalprin, Jerome Robbins ou AlainPlatel estão em <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> em filmes<strong>que</strong> procuram ser testemunhasnão apenas <strong>do</strong> seu discurso mastambém da aplicabilida<strong>de</strong> prática<strong>de</strong>sse discurso.Há retratos mais próximos daintimida<strong>de</strong>, como os <strong>do</strong> francêsChérau em “Le corps au Travail”,<strong>de</strong> Stéphane Metge (dia 18, 22h15,Alvala<strong>de</strong> 3; 21, 18h15, Alvala<strong>de</strong>3) e o da norte-americana AnnaHalprin em “Breath ma<strong>de</strong>visible”, <strong>de</strong> Ruedi Gerber (dia18, 23h, S. Jorge 3; 24, 15h30, S.Jorge 1), <strong>que</strong> revelam o mo<strong>do</strong>como os espectáculos se tornamextensões <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r avida, eles <strong>que</strong> foram pioneiros <strong>de</strong>uma linguagem <strong>que</strong> alargou asfronteiras <strong>do</strong> teatro e da dança.Para Chéreau é o <strong>de</strong>sejo pelocorpo, em Halprin é um assumir<strong>do</strong> corpo como parte da natureza.São ambos <strong>do</strong>cumentos on<strong>de</strong>os realiza<strong>do</strong>res se apagam paradarem espaço à gran<strong>de</strong>za <strong>do</strong>sartistas. Com materiais <strong>de</strong> épocapreciosos – ver a versão original<strong>de</strong> “Para<strong>de</strong>s and Changes” (1965),<strong>de</strong> Halprin, ou a encenação <strong>de</strong>“Ricar<strong>do</strong> II” (1970), <strong>de</strong> Chéreau, éassistir ao momento <strong>que</strong> a históriada criação contemporânea sefazia –, e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-se levarpelo discurso intuitivo <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is artistas, são filmes <strong>que</strong><strong>de</strong>monstram ser o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>o <strong>que</strong> os atrai. Chéreau fala <strong>do</strong>perigo <strong>de</strong> morrer, e da beleza daviolência. Halprin reflecte sobre apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecermosnum movimento <strong>que</strong> tu<strong>do</strong> integre.Um e outro são <strong>de</strong> uma luci<strong>de</strong>zDeixan<strong>do</strong>-se levar pelo discurso intuitivo <strong>do</strong>s artistas, sãofilmes <strong>que</strong> <strong>de</strong>monstram ser o <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> o <strong>que</strong> os atraie clareza <strong>que</strong> só a experiênciapo<strong>de</strong> dar e, no entanto, não <strong>de</strong>ixa<strong>de</strong> ser admirável <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong>tenham afirma<strong>do</strong> ao <strong>que</strong> vinhame, ainda assim, nunca tenham<strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> procurar uma respostapara o <strong>que</strong> faziam. São retratossempre incompletos por<strong>que</strong>ambos assumem haver coisasnas obras da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> indizível.Mas retratos, ainda assim, <strong>que</strong> nos<strong>de</strong>ixam mais perto <strong>do</strong> mistério <strong>que</strong>os espectáculos exercem.Mistério também o <strong>que</strong> seprocura revelar em “NY Export:Opus Jazz”, <strong>de</strong> Henri Joost eJody Lee Lipes (dia 23, 17h30, S.Jorge 1; 24, 23h, S. Jorge 3) sobreesse “West Si<strong>de</strong> Story abstracto”<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Jerome Robbins,<strong>que</strong> levou a rua para os palcosda Broadway na mesma alturaem <strong>que</strong> Anna Halprin procuravaencontrar um espaço para ummovimento mais perto <strong>de</strong> umacomunhão com a natureza. Étambém a partir <strong>de</strong> um interessepelo <strong>que</strong> é real <strong>que</strong> Robbinstrabalha e o filme, feito porbailarinos <strong>do</strong> New York City Ballet,é uma obra <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o-dança <strong>que</strong>permite perceber a complexida<strong>de</strong><strong>do</strong> movimento <strong>de</strong> Robbins, longeuma expressivida<strong>de</strong> superficial ou<strong>de</strong> uma iconoclastia redutora.“Passion – Last Stop Kinshasha”,<strong>de</strong> Jorg Jeshel e Brigitte Kramer (dia19, 21h30, S Jorge 1; 23, 21h, S. Jorge 3),acompanha a última apresentação<strong>de</strong> “pitié!”, <strong>de</strong> Alain Platel, agoranum regresso à capital <strong>do</strong> Congo,Kinshasa, on<strong>de</strong> se apresenta àpopulação local. O filme acabapor seguir a surpresa da equipaperante a realida<strong>de</strong> congolesae é isso <strong>que</strong> cria um sentimento<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto. Uns e outrosobservam-se, os <strong>do</strong> resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>no Congo, os congoleses a verem-serepresenta<strong>do</strong>s por a<strong>que</strong>las pessoas,no <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser um curiosoexercício especulativo sobre o mo<strong>do</strong>como a percepção criada pelosestu<strong>do</strong>s pós-colonialistas sobre ocorpo esbarram perante a realida<strong>de</strong><strong>que</strong> analisam.PatriceChérau em“Le corps auTravail”12 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


AniversárioTeatro Maria Matos22 a 24 OutteatroTiago RodriguesHotel Lutéciasexta 22 a <strong>do</strong>mingo 24 21h3012€ / < 30 anos 6€músicaHauschka& Ensemblesexta 22 23h30 12€ / < 30 anos 6€performanceAna Borralho &João GalanteWorld of Interiorssába<strong>do</strong> 23 18h00 às 20h00 Preço único 6€© Ana Borralho & João Galante© Bernar<strong>do</strong> Carvalhoprojecto educativoIsabel Minhós &Bernar<strong>do</strong> CarvalhoDaqui vê-se melhor<strong>do</strong>mingo 24 16h00Entrada livrewww.teatromariamatos.ptBilhete aniversário 25€ / < 30 anos 12,50€(acesso a to<strong>do</strong>s os eventos)


on<strong>de</strong> eJoaquin Phoenix,“I’m Still Here”, a gran<strong>de</strong> manobra <strong>de</strong> diversões <strong>de</strong> Casey Affleck e Joaquin Phoenix, fez as suas oPhoenix nunca foi visto por perto, mas o Ípsilon teve 13 minutos a sós com Affleck - quase se per<strong>de</strong>u uJoaquimPhoenix jánão <strong>que</strong>r seruma estrela<strong>do</strong> hip-hop:nunca quis,na verda<strong>de</strong>...A meio da última edição <strong>do</strong> Festival<strong>de</strong> Veneza, as coisas finalmente ganharamgran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> com amuito esperada estreia mundial <strong>de</strong>“I’m Still Here”, a primeira longametragem<strong>de</strong> Casey Affleck, em <strong>que</strong>este observa, ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> umano, o seu melhor amigo, JoaquinPhoenix, a tentar uma carreira no hiphop.Com a sua longa barba <strong>de</strong>sgrenhadae os óculos escuros, Phoenixparecia mais um terrorista <strong>do</strong> <strong>que</strong>uma estrela profissional, e toda a gentesaiu <strong>do</strong> filme a perguntar se “I’mStill Here” podia ser leva<strong>do</strong> a sério.Agora <strong>que</strong> Affleck e Phoenix já reconheceram<strong>que</strong> o filme era ao mesmotempo uma manobra <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>e uma partida, é óbvio <strong>que</strong> nãoera para ser leva<strong>do</strong> a sério. Mesmoassim, enquanto durou, eles marcaramuma posição acerca <strong>do</strong> entusiasmocom <strong>que</strong> os média recebem <strong>de</strong>braços abertos as <strong>de</strong>sventuras <strong>de</strong>uma celebrida<strong>de</strong>.David Letterman, participante involuntáriono embuste (até já recebeuum pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas), nãoconseguiu<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> rir quan<strong>do</strong> Phoenixfoi ao seu “talk show” - o “clip” temsi<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s favoritos no YouTube eAffleck integra-o inteligentemente n ementenofilme, juntamente com as múltiplasimitações e paródias <strong>que</strong> gerou. Parecia<strong>que</strong> os média nãose fartavam.avam.A revista “Vanity Fair” organizouum passatempo intitula<strong>do</strong> tula“Monstro<strong>de</strong> Loch Ness ou Documentáriosobre Joaquin Phoenix?”, coloocan<strong>do</strong>uma imagem <strong>do</strong> “rapper”r”barbu<strong>do</strong> no famoso lagoescocês.Mas foram Phoenix e Affleck flec<strong>que</strong>riram por último, comoexcelenteselentesmarionetistas por trás <strong>de</strong> toda estacharada.Quan<strong>do</strong> há <strong>do</strong>is anos, na últimaentrevista <strong>de</strong> promoção oção<strong>que</strong>nos<strong>de</strong>ra, Joaquin Phoenix se contorciana sua ca<strong>de</strong>ira a resmungar acercada fama, <strong>de</strong> alguma forma ainda eraum a<strong>do</strong>rável excêntrico. Mas em “I’mStill Here” já é um homem al<strong>que</strong>bra<strong>do</strong>,a <strong>que</strong>m Sean Puffy Combs (“omartelo <strong>que</strong> <strong>de</strong>struiu o sonho”, comose lhe refere Affleck) recusa um contrato,atiran<strong>do</strong> o actor, duas vezesnomea<strong>do</strong> para os Oscars (por “Gladia<strong>do</strong>r”e “Walk the Line”), para uma<strong>de</strong>pressão cada vez mais profunda.Há <strong>do</strong>is meses, potenciais distribui<strong>do</strong>res<strong>do</strong> filme assistiram a uma projecçãoprivada, após se ter espalha<strong>do</strong>o rumor <strong>de</strong> <strong>que</strong> “I’m Still Here” apresentavacenas <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> drogas, vómitos,<strong>de</strong>fecação, nu<strong>de</strong>z frontal completae a rotunda barriga <strong>de</strong> Phoenix(se bem <strong>que</strong> não os seus órgãos genitais).Em Veneza, jornalistas e críticosficaram perplexos, <strong>que</strong>stionan<strong>do</strong>-seacerca <strong>do</strong> <strong>que</strong> significaria tu<strong>do</strong> aquilo.Na conferência <strong>de</strong> imprensa <strong>do</strong>filme, Affleck, sozinho na mesa, muitoelegante num fato cinzento, conseguiuevitar três perguntas diferentesacerca da veracida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>que</strong> acontecerano ecrã. Por fim, lá disse: “Hápessoas <strong>que</strong> ainda não viram o filme,por issoso estou relutan-te em falar acercaca“As pessoas <strong>que</strong>têm tendência paraa insegurança (...)pensam ‘Oh, partilheiesta pe<strong>que</strong>na parte<strong>de</strong> mim e é horrível,por isso por<strong>que</strong> nãomostrar esta outraparte <strong>de</strong> mim paratentar explicar por<strong>que</strong> razão a outraparte <strong>de</strong> mim é tãofeia?’ (...). Depressaestão a mostrar tu<strong>do</strong>”Casey Affleck<strong>de</strong> cenas específicas. Iria influenciara experiência <strong>de</strong>ssas pessoas.”E então, on<strong>de</strong> está Joaquin? “Joaquimestá aqui em Veneza, a encontrar-secom o filme”, explica o realiza<strong>do</strong>r.“Não se está a escon<strong>de</strong>r <strong>do</strong> filme;espero <strong>que</strong> ele o apoie, mas ele é <strong>que</strong><strong>de</strong>cidirá <strong>de</strong> <strong>que</strong> forma irá apoiá-lo.”Ele estava lá, sim senhor, com “paparazzi”a tirarem-lhe fotografiascom e sem os óculo <strong>de</strong> sol e parecen<strong>do</strong>em forma, num fato estilo BluesBrothers. Os especta<strong>do</strong>res estavamnaturalmente à espera <strong>de</strong> uma figuragorducha e barbuda, mas não, nãohavia e continuaria a não haver umaaparição oficial da enigmática estrela,<strong>que</strong> na realida<strong>de</strong> tinha entra<strong>do</strong> àsocapa para ver o filme <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>este ter começa<strong>do</strong> e se tinha i<strong>do</strong> emboraantes <strong>de</strong> ele terminar. E <strong>que</strong>mpo<strong>de</strong>ria criticá-lo? Phoenix nuncagostou <strong>de</strong> fazer promoção com a imprensae talvez estivesse a mostrara sua posição <strong>de</strong> uma forma aindamais <strong>de</strong>cidida.A bola <strong>de</strong> neve da famaAffleck, <strong>que</strong> fez 35 anos em Agosto,também nunca gostou muito. A estrelaem ascensão, <strong>que</strong> já teve uma nomeaçãopara para um Oscar por “OAssassínio <strong>de</strong> Jesse James pelo cobar-<strong>de</strong> Robert Ford”, <strong>de</strong> Andrew Dominik,fez, isso sim, muita (e bem necessária)publicida<strong>de</strong> à sua aparição como assassinoem série em “The Killer Insi<strong>de</strong>Me”, realiza<strong>do</strong> pelo britânico MichaelWinterbottom. Mas em Veneza, par-ticipan<strong>do</strong> no mistério <strong>que</strong> ro<strong>de</strong>ava“I’mStill Here”, e”, foi muito mais tivo. Por fim,<strong>de</strong>cidiu conce<strong>de</strong>r qua-tro entrevistas tas <strong>de</strong> cinco minutos ca-da, e, quan<strong>do</strong> um enoja<strong>do</strong> jornalis-ta <strong>de</strong>sistiu, ficámos apenas três, eue mais<strong>do</strong>is britânicos com ar <strong>de</strong> en-selectendi<strong>do</strong>sna matéria. Seriam apenascinco minutos, insistiu o relaçõespúblicas, enquanto eu esperava nervosamente,tentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>scobrir qualseria a melhor abordagem. Da<strong>do</strong> <strong>que</strong>MARIO ANZUONI/ REUTERSCinema


estás tu?s ondas <strong>de</strong> cho<strong>que</strong> na última edição <strong>do</strong> Festival <strong>de</strong> Veneza.uma orelha, mas ganhou-se uma entrevista. Helen BarlowCasey Affleck e JoaquimPhoenix (retrata<strong>do</strong>, em baixo,na sua passagem fugaz porVeneza) conheceram-se há18 anos: “I’m Still Here” é umpe<strong>que</strong>no filme entre <strong>do</strong>ismelhores amigosjá tinha entrevista<strong>do</strong> Phoenix muitasvezes, <strong>de</strong>cidi <strong>que</strong> com Affleck, com<strong>que</strong>m nunca tinha fala<strong>do</strong>, iria peloângulo fraternal.Enquanto irmãos <strong>de</strong> <strong>do</strong>is famososactores <strong>de</strong> cinema, Joaquin e Caseynunca po<strong>de</strong>riam enveredar pelo caminhomais tradicional. Joaquin estavacom o seu irmão mais velhoRiver, o í<strong>do</strong>lo das “matinées”, na alturada sua “over<strong>do</strong>se” fatal, enquantoCasey tinha visto o seu irmãoBen ser tritura<strong>do</strong> pelo rolo compressorda fama <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à relação comJennifer Lopez. O facto <strong>de</strong> ambosserem irmãos mais novos tornou-osexcêntricos? “Po<strong>de</strong> ser”, respon<strong>de</strong>laconicamente o mais novo <strong>do</strong>s irmãosAffleck. “Conheci o Joaquin há18 anos, quan<strong>do</strong> eu tinha 17. Fizemosjuntos o ‘Disposta a Tu<strong>do</strong>’, tornámonosamigos rapidamente e até partilhámosuma casa durante algumtempo.”Casey Affleck, como é sabi<strong>do</strong>, tambémcasou com Summer, a irmã <strong>de</strong>Joaquin, com <strong>que</strong>m tem <strong>do</strong>is filhos.Quão mais próximos ainda po<strong>de</strong>riamALESSANDRO BIANCHI / REUTERSter-se torna<strong>do</strong>? Por<strong>que</strong> não casoucom Joaquin?“Ah, a irmã <strong>de</strong>le é mais bonita. Masa<strong>do</strong>ro-o e respeito-o. Realmente, parte<strong>do</strong> gosto <strong>de</strong> concretizar este projectofoi po<strong>de</strong>r passar muito tempocom ele.” Mas Joaquin não ficou aborreci<strong>do</strong>por ter fica<strong>do</strong> com tanto peso?“Mas é este o seu peso normal. É, émesmo”, diz enfaticamente. “Em to<strong>do</strong>sos outros filmes ele está semprenas máquinas <strong>de</strong> ginástica. Sim, eletem problemas <strong>de</strong> peso.”Não será isso mais um factor a contribuirpara ele ser tão tími<strong>do</strong> ou ficartão nervoso, ao mostrar tanto <strong>de</strong> si nofilme? “Oh, não sei… Acredito <strong>que</strong> umavez <strong>que</strong> revelamos um bocadinho <strong>de</strong>nós é muito difícil voltar atrás. As pessoas<strong>que</strong> têm tendência para a insegurança,ou mesmo apenas para a introspecção,pensam ‘Oh, partilhei estape<strong>que</strong>na parte <strong>de</strong> mim e é horrível, porisso por<strong>que</strong> não mostrar esta outra parte<strong>de</strong> mim para tentar explicar por <strong>que</strong>razão a outra parte <strong>de</strong> mim é tão feia?’.E <strong>de</strong>pois olham para outra parte e pensam‘Também é horrível. Vamos mostraresta outra parte <strong>de</strong> mim – talvezisso faça as pessoas gostarem <strong>de</strong> mim’.E <strong>de</strong>pressa estão completamente expostase a mostrar tu<strong>do</strong>, na esperança<strong>de</strong> <strong>que</strong> a próxima parte <strong>que</strong> revelarem,a próxima coisa <strong>que</strong> disserem, a próximacoisa <strong>que</strong> fizerem ajudará as pessoasa compreen<strong>de</strong>r <strong>que</strong>m elas são.” Éuma bola <strong>de</strong> neve, continua: “Creio <strong>que</strong>é uma situação muito, muito escorregadia.Começa-se por dar uma entrevistaa dizer <strong>que</strong> se vai aban<strong>do</strong>nar arepresentação e começar uma carreiramusical, e acaba-se nu e a ter relaçõessexuais e a tomar drogas e a vomitar.”Affleck garante <strong>que</strong> o filme surgiumuito naturalmente, benefician<strong>do</strong> daexperiência acumulada nos filmes em<strong>que</strong> foi dirigi<strong>do</strong> por Gus Van Sant.Mesmo assim, Affleck foi rigorosocom a sua equipa. “Durante <strong>do</strong>is anosnão pu<strong>de</strong> falar sobre o filme e exigi<strong>que</strong> as pessoas <strong>que</strong> trabalhavam comigonele também se mantivessemdiscretas. Claro <strong>que</strong> isso resultou numaespeculação <strong>de</strong>scontrolada, emtodas as direcções diferentes.”ROBERT GALBRAITH/ REUTERSCasey também foi muito influencia<strong>do</strong>por Andrew Dominik, <strong>que</strong> estáagora prestes a começar a filmar“Blon<strong>de</strong>”, o filme sobre Marilyn Monroecom Naomi Watts. “Devo ir trabalharcom o Andrew outra vez, eleé um génio. Não tem muitos conhecimentos<strong>de</strong> negócios, mas tem imensosacerca <strong>de</strong> representação; é completamenteintuitivo. Escreve unsargumentos espantosos e tambémtem um gran<strong>de</strong> talento para a partevisual. Vai ser um <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s realiza<strong>do</strong>res<strong>de</strong>sta geração. Tenho muitavonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>, se não conseguir entrarem to<strong>do</strong>s os seus filmes, pelo menosconseguir vê-los a to<strong>do</strong>s.”Quanto a Ben, <strong>que</strong> também esteveem Veneza para apresentar “The Town”,Casey diz: “Ele é muito profissionale tem gran<strong>de</strong>s capacida<strong>de</strong>s, eé educa<strong>do</strong> e <strong>de</strong>cente. Eu obrigo aspessoas a trabalharem até estaremesgotadas e elas o<strong>de</strong>iam-me por causadisso e as filmagens são uma gran<strong>de</strong>confusão e no fim tenho esperança<strong>de</strong> <strong>que</strong> algo bom surja <strong>do</strong> meio <strong>do</strong>caos. O Ben é fantástico – é muito matemáticoacerca <strong>do</strong> trabalho, e digoisto <strong>de</strong> uma forma positiva. Acho <strong>que</strong>eu sou mais impressionista.”Com o tempo a acabar – na realida<strong>de</strong>,a entrevista acabou por durarquase 13 minutos -, e num último esforçopara <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong>, indico-lhe<strong>que</strong> o homem <strong>que</strong> no final <strong>do</strong>filme é suposto ser o pai <strong>de</strong> Joaquiné credita<strong>do</strong> como Tim Affleck, tambémconheci<strong>do</strong> por ser o pai <strong>de</strong> Caseye Ben. “Oh, meu Deus, isso é tão complica<strong>do</strong>”,resmunga. “É verda<strong>de</strong> <strong>que</strong>somos parentes. Ouve, amiga”, continua,enquanto se inclina na minhadirecção, “estás a fazer com <strong>que</strong> eutenha <strong>que</strong> comer a tua orelha!” Enquantotenta agarrar-me pela nuca,baixo-me para me escapar e rio àsgargalhadas.A nossa entrevista po<strong>de</strong> ter acaba<strong>do</strong>por aí, mas a história não. Osfãs <strong>de</strong> Phoenix po<strong>de</strong>m agora rir-sedas suas travessuras, enquanto Affleckespera <strong>que</strong> o consi<strong>de</strong>remos umartista e o or<strong>que</strong>stra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma manobra<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> ao nível <strong>de</strong>Hunter S. Thompson. Ou talvez apenasseja um sacana manhoso comoRobert Ford no filme <strong>que</strong> o tornoufamoso. É possível <strong>que</strong> até os processos<strong>de</strong> assédio sexual <strong>que</strong> lhe foramlevanta<strong>do</strong>s pela produtora <strong>do</strong>filme, Amanda White, e a sua directora<strong>de</strong> fotografia, Magdalena Gorka,tenham si<strong>do</strong> um embuste – sobretu<strong>do</strong>ten<strong>do</strong> em conta <strong>que</strong> foram ambosresolvi<strong>do</strong>s muito facilmente e mesmoa tempo da estreia <strong>do</strong> filme. Sebem <strong>que</strong> Casey seja um patrão duroe se tenha mostra<strong>do</strong> muito exigentecom a forma como tu<strong>do</strong> era feito emVeneza, é difícil imaginá-lo a assediaralguém. A não ser, claro, JoaquinPhoenix.ENCENAÇÃO e REALIZAÇÃO VÍDEOJOÃO LOURENÇOMÚSICAMAZGANICENÁRIOANTÓNIO CASIMIROJOÃO LOURENÇOFIGURINOSBERNARDO MONTEIROCOREOGRAFIACLÁUDIA NÓVOASUPERVISÃO AUDIOVISUALAURÉLIO VASQUESLUZMELIM TEIXEIRA[ m/12 ]BERTOLT BRECHTESTRUTURA PATROCINADA PELOVERSÃO JOÃO LOURENÇO | VERA SAN PAYO DE LEMOSDRAMATURGIA VERA SAN PAYO DE LEMOSCOMANTÓNIO PEDRO LIMACÁTIA RIBEIROCARLOS MALVAREZCARLOS PISCOCRISTÓVÃO CAMPOSFRANCISCO PESTANAJOÃO FERNANDEZMAFALDA LENCASTREMAFALDA LUÍS DE CASTROMARTA DIASMIGUEL GUILHERMEMIGUEL TAPADASPATRÍCIA ANDRÉRUI MORISSONSARA CIPRIANOSÉRGIO PRAIASOFIA DE PORTUGALVASCO SOUSAÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 15


DANIEL ROCHAA secção<strong>de</strong>dicada aospaísesnórdicos,comissariadapor PeterCook, é a única<strong>que</strong> tem umacor diferente.Cook quismostrarsobretu<strong>do</strong> a“temperatura”<strong>do</strong> <strong>que</strong> seprojecta noNorte, explicaDelfim Sar<strong>do</strong>Uma casa <strong>que</strong> nos abrigue e nA Trienal 2010 <strong>que</strong>r mostrar arquitectura com pessoas <strong>de</strong>ntro. As exposições terão imagens, mas to <strong>que</strong>, no Norte e no Sul, é o mínimo a <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos chamar casa. E como isso nos po<strong>de</strong> ajudar a rAquilo <strong>de</strong> <strong>que</strong> precisamos para viveré um espaço coberto on<strong>de</strong> possamoster intimida<strong>de</strong>, e um espaço abertoon<strong>de</strong> possamos olhar para o céu. ÉDelfim Sar<strong>do</strong>, cura<strong>do</strong>r-geral da Trienal<strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa 2010,<strong>que</strong>m cita esta <strong>de</strong>finição “poética maseficaz das condições mínimas <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>”,<strong>que</strong> o arquitecto britânicoPeter Smithson fez nos anos 50.E este é talvez este o melhor ponto <strong>de</strong>partida para explicar como é <strong>que</strong> aTrienal, sob o tema Falemos <strong>de</strong> Casas,inspira<strong>do</strong> num poema <strong>de</strong> HerbertoHel<strong>de</strong>r, se propõe fazê-lo. O <strong>que</strong> é obásico quan<strong>do</strong> falamos <strong>de</strong> casas?Tu<strong>do</strong> parte <strong>de</strong> duas utopias. Em1956, Peter e Alison Smithson conceberamum mo<strong>de</strong>lo para a exposição“The Daily Mail I<strong>de</strong>al Home”– uma casa futurista, com estruturasplásticas, formas arren<strong>do</strong>ndadas,banheiras com sistema <strong>de</strong> auto-lavagem,televisões e luzes <strong>que</strong>se acendiam através <strong>de</strong> controlosremotos – em oposição à “máquinapara viver” <strong>de</strong> Le Corbusier.Em 1974, no Portugal pós-revolucionário,foram lançadas as operaçõesSAAL (Serviço Ambulatório <strong>de</strong> ApoioLocal). A população saiu para as ruasreivindican<strong>do</strong> o direito a casas dignas,e arquitectos, engenheiros e sociólogosjuntaram-se aos habitantes <strong>do</strong>sbairros para discutir as formas <strong>de</strong> oconcretizar.Quan<strong>do</strong> entramos na exposição“Falemos <strong>de</strong> Casas: Entre o Norte e oSul”, no Museu Berar<strong>do</strong>, em Lisboa,encontramos essas imagens – e ossons – <strong>do</strong> povo nas ruas, pedin<strong>do</strong> casas,a mulher <strong>de</strong> olhar firme <strong>que</strong> explica<strong>que</strong> são as mulheres <strong>que</strong> têm<strong>que</strong> participar nestes <strong>de</strong>bates por<strong>que</strong>são elas <strong>que</strong> passam mais tempo emcasa e <strong>que</strong> conhecem os problemas,as crianças <strong>que</strong> pe<strong>de</strong>m “um quartosepara<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>s pais”. E os arquitectosa ouvirem as pessoas e a “Grân<strong>do</strong>laVila Morena”, e, no meio <strong>do</strong>s manifestantes,a cara <strong>de</strong> uma menina aolhar para aquilo tu<strong>do</strong>.É o rosto <strong>de</strong> Catarina Alves Costa,autora <strong>de</strong>ste filme <strong>de</strong> 14 minutos feitoa partir <strong>de</strong> muito material <strong>de</strong> arquivo<strong>do</strong> seu pai, o arquitecto Alexandre AlvesCosta, e <strong>de</strong> outros envolvi<strong>do</strong>s noSAAL. “O <strong>que</strong> fiz não é um <strong>do</strong>cumentário”,explica Catarina. “Não tem umla<strong>do</strong> informativo nem pedagógico. Éfeito a partir <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos,filmes ama<strong>do</strong>res, sli<strong>de</strong>s <strong>do</strong>meu pai. As imagens não tinham som,o som é construí<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> gravaçõesfeitas na época, das sessões, <strong>do</strong>splenários. Há um la<strong>do</strong> emocional muitoforte. Recorri às minhas memórias<strong>de</strong> infância. Queria <strong>que</strong> as pessoassentissem esse la<strong>do</strong> físico, emocional,sonoro. Interessam-me as pessoas e aresposta <strong>do</strong>s arquitectos a esse movimento<strong>que</strong> vem da rua.”É assim <strong>que</strong> começamos a falar <strong>de</strong>casas.Da<strong>do</strong> o mote das duas utopias, DelfimSar<strong>do</strong> convi<strong>do</strong>u um conjunto <strong>de</strong>comissários para trabalharem quatrogran<strong>de</strong>s núcleos na exposição – Portugal(Luís Santiago Baptista e PedroPacheco), Países Nórdicos (PeterCook), Suíça (Diogo Seixas Lopes) eÁfrica/Brasil (Manuel Graça Dias eAna Vaz Milheiro). E cada um interpretouà sua maneira o <strong>que</strong> enten<strong>de</strong>por falar <strong>de</strong> casas.Mas vamos começar por uma históriae pelo mínimo a <strong>que</strong> po<strong>de</strong>moschamar casa.Países NórdicosHá locais no mun<strong>do</strong> em <strong>que</strong> ver arquitecturapo<strong>de</strong> ser um <strong>de</strong>sporto radical.Vamos há mais <strong>de</strong> 20 minutosa seguir Dag Strass, arquitecto <strong>do</strong> atelierda dupla norueguesa Helen &Hard, subin<strong>do</strong> uma montanha numpar<strong>que</strong> natural em Stavanger, a “capital<strong>do</strong> petróleo” da Noruega. Deixámospara trás o abrigo <strong>de</strong> montanhato<strong>do</strong> em ma<strong>de</strong>ira feito pelos <strong>do</strong>isarquitectos e tentamos agora contornaras pedras mais escorregadias eas poças <strong>de</strong> lama. De repente surgemà nossa frente cabras, com guizos aopescoço, a <strong>de</strong>scer na nossa direcção.E, por fim, chegamos ao nosso <strong>de</strong>stino:seis tendas/“cocoons” ver<strong>de</strong>s,com pe<strong>que</strong>nas janelas rasgadas, acopladasa árvores, alguns metros acimadas nossas cabeças, como se tivéssemosentra<strong>do</strong> num filme <strong>de</strong> ficção científicae estranhas naves espaciais setivessem misteriosamente agarra<strong>do</strong>às árvores. Há uma passa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>irasuspensa <strong>que</strong> alguns jovens percorrem,passan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma tenda paraoutra.O campo serve <strong>de</strong> base para grupos<strong>de</strong> estudantes <strong>do</strong>rmirem quan<strong>do</strong> vêmem visitas <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> à montanha.Sobe-se à árvore, há uma estrutura<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira a fazer <strong>de</strong> chão e, em re<strong>do</strong>r,é a tenda. Mais básico é impossível.Ou talvez não... Seguimos agorapara o outro campo, também ele umprojecto <strong>de</strong> Helen & Hard, e <strong>de</strong>sta vezas camas estão literalmente suspensasnuma rocha, protegida com teci<strong>do</strong> <strong>de</strong>tenda.16 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


ANDRÉ CEPEDAGUILAH NASLAVSKYRecife Seminário Regional <strong>do</strong>Nor<strong>de</strong>ste, projecto <strong>de</strong> DelfimAmorimALEXANDRE ALVES COSTASAAL Material <strong>do</strong> arquivo<strong>do</strong> arquitecto Alexandre Alves CostaPAOLO ROSSELLIBasileia Edifício <strong>do</strong> arquitectosuíço Peter Märkli para a empresafarmacêutica Novartis,na secção SuíçaExposiçõesMeli<strong>de</strong>s Projecto <strong>de</strong> Pedro Reis,na secção PortugalNoruega Projecto da dupla<strong>de</strong> arquitectos Helen & Hard paraum campo <strong>de</strong> apoio a montanhistasna região <strong>de</strong> Stavangernos <strong>de</strong>ixe ver as estrelass também vozes: arquitectos, mora<strong>do</strong>res, fotógrafos e escritores a falarem <strong>de</strong> casas. Vamos perceberresolver problemas <strong>de</strong> habitação - seja na Cova da Moura ou em Luanda. Alexandra Pra<strong>do</strong> CoelhoALEXANDRA PRADO COELHOEstes projectos estão entre os escolhi<strong>do</strong>spor Peter Cook para falar <strong>de</strong>casas na secção “A Ligação Nórdica”.E o básico – no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> mínimonecessário para um máximo <strong>de</strong> conforto– é, sem dúvida, um tema emalguma arquitectura nórdica. Comonas extraordinárias plataformas para<strong>que</strong>m viaja <strong>de</strong> carro po<strong>de</strong>r parar a vera vista, <strong>do</strong> Mountain Road Project (naexposição estão as da dupla Jensen eSkodvin), no Read Next, a pe<strong>que</strong>nacasa-caixa para pôr no jardim quan<strong>do</strong>se <strong>que</strong>r ler ou <strong>de</strong>scansar longe <strong>do</strong> barulhoda casa gran<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Dorte Mandrup,Dinamarca), ou no mais conceptualprojecto da dinamar<strong>que</strong>saMette Thomsen, “How to live in a softspace”, <strong>que</strong> preten<strong>de</strong> reflectir sobrecomo seriam as nossas casas se as pare<strong>de</strong>sse mexessem e, <strong>de</strong> alguma forma,“vivessem” (há uma pare<strong>de</strong> “viva”na exposição).“Interessava-nosnão apenas ouviros arquitectos mastambém as pessoas<strong>que</strong> habitam osespaços. Queríamosfalar <strong>do</strong> espaçohabita<strong>do</strong> e não <strong>do</strong>espaço projecta<strong>do</strong>”Luís SantiagoBaptistaPortugalPortugal, diz Delfim Sar<strong>do</strong>, “está numasituação quase <strong>de</strong> charneira, comum pensamento arquitectónico comlinguagens <strong>que</strong> se aproximam muito<strong>do</strong> Sul, mas <strong>que</strong>, ao mesmo tempo,tem uma ligação próxima com linguagens<strong>do</strong> racionalismo arquitectónico<strong>do</strong> Norte.”Mas, sem os problemas das megametrópoles<strong>do</strong> Sul e sem o dinheirodisponível no Norte, se calhar em Portugalo básico é mesmo apren<strong>de</strong>rmosa falar sobre arquitectura como algo<strong>que</strong> faz parte das nossas vidas. Pelomenos foi assim <strong>que</strong> Luís SantiagoBaptista e Pedro Pacheco enten<strong>de</strong>ramo <strong>de</strong>safio lança<strong>do</strong> por Delfim Sar<strong>do</strong>...“A nossa intenção foi colocar pessoasa falarem <strong>de</strong> casas”, resume SantiagoBaptista. “E interessava-nos não apenasouvir os arquitectos mas tambémas pessoas <strong>que</strong> habitam os espaços.Queríamos falar <strong>do</strong> espaço habita<strong>do</strong>e não <strong>do</strong> espaço projecta<strong>do</strong>”.A secção <strong>que</strong> comissariam não preten<strong>de</strong>mostrar “o habitar português,por<strong>que</strong> em Portugal os arquitectos nãoparticipam na maioria da construção<strong>que</strong> se faz”. O <strong>que</strong> aqui se mostra sãocasas feitas por arquitectos, vistas porum fotógrafo (André Cepeda) e “faladas”por <strong>que</strong>m as encomen<strong>do</strong>u ou por<strong>que</strong>m as habita. São nove projectos(Álvaro Siza, Eduar<strong>do</strong> Souto Moura,Menos é Mais, Atelier <strong>de</strong> Santos, AiresMateus, Atelier Central, Pedro Reis, RuiMen<strong>de</strong>s e João Men<strong>de</strong>s Ribeiro) para“uma cartografia possível das casasprojectadas e construídas por arquitectosno século <strong>XX</strong>I em Portugal”.Às vozes <strong>do</strong>s arquitectos e <strong>do</strong>s habitantesjuntam-se ainda as <strong>de</strong> oitopensa<strong>do</strong>res filma<strong>do</strong>s por Maria JoãoGuardão. O filósofo José Gil, o professoruniversitário José Bragança <strong>de</strong>Miranda, o escritor Gonçalo M. Tavares,o artista plástico Carlos Nogueira,a antropóloga Filomena Silvano, ogeógrafo Álvaro Domingues, e os arquitectosNuno Portas e AlexandreAlves Costa ajudam-nos a reflectir sobreesse “habitar português contemporâneo”.Santiago Baptista e Pedro Pacheconão procuram uma conclusão sobrecomo se habita hoje em Portugal. Étalvez pela proximida<strong>de</strong> <strong>que</strong> este é onúcleo on<strong>de</strong> precisamos <strong>de</strong> mais vozespara falarmos <strong>de</strong> casas.África/BrasilO Norte e o Sul estão “em temposCML | DPDC | Rute FigueiraÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 17


Um mapa<strong>de</strong>scontínuoda arte<strong>de</strong> habitarCorre-se o risco nesta exposição <strong>que</strong> dum la<strong>do</strong> se fale<strong>de</strong> casas e <strong>do</strong> outro, por<strong>que</strong> não se vêem casas, se percebaoutra coisa ou até coisa nenhuma. É um risco assumi<strong>do</strong>,<strong>que</strong> po<strong>de</strong>rá ser mitiga<strong>do</strong> pelo valor intrínseco<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s. Pedro Cortesão Monteiro*Convida<strong>do</strong>(Ao fun<strong>do</strong> das escadas, à portada exposição, estacionaram umVW “carocha”. É provável <strong>que</strong>os visitantes não o estranhem,<strong>que</strong> o contornem com relativaindiferença, acostuma<strong>do</strong>s <strong>que</strong>estão a <strong>de</strong>sviar-se <strong>de</strong>ste tipo<strong>de</strong> obstáculos: em Lisboa, <strong>de</strong>carros <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s nos sítios maisinusita<strong>do</strong>s; em museus, <strong>de</strong>objectos <strong>que</strong> compreen<strong>de</strong>m mal.)“Falemos <strong>de</strong> casas: entre oNorte e o Sul” toma um verso <strong>de</strong>Herberto Hel<strong>de</strong>r como inspiraçãoe Portugal como ponto <strong>de</strong> vista.Nesta exposição, a principal daTrienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa,preten<strong>de</strong> fazer-se uma reflexãosobre arquitectura e vida a partir<strong>de</strong> múltiplas formas <strong>do</strong> habitar. Oconjunto <strong>de</strong> obras escolhidas nãoveicula um discurso programáticoou estético, e muito menosencerra uma tese. Pelo contrário,o mo<strong>de</strong>lo a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> <strong>do</strong> confronto<strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s muito diversos, daresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distintoscomissários (Pedro Pacheco e LuísSantiago Baptista — Portugal; PeterCook — Norte; Diogo Seixas Lopes— Suíça; Ana Vaz Milheiro e ManuelGraça Dias — Sul), a <strong>que</strong> há ainda<strong>que</strong> acrescentar os <strong>do</strong>is núcleos<strong>de</strong> abertura, levou, naturalmente,a uma certa <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>to<strong>do</strong>, resultante das perspectivascontidas nas partes. Do confronto<strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s tão distintas,preten<strong>de</strong>-se evi<strong>de</strong>nciar ascondições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> da(s)arquitectura(s). Este ponto <strong>de</strong>partida admite <strong>que</strong> “as casas”possam ser muitas coisas e coisasmuito distintas: casas <strong>de</strong> facto,nas mais diversas concretizaçõestipológicas, mas também coisas<strong>que</strong> apenas po<strong>de</strong>m ser entendidascomo casas se o senti<strong>do</strong> foralarga<strong>do</strong> a uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pertençaa uma qual<strong>que</strong>r realida<strong>de</strong> física,social ou cultural. Esta aberturaalarga muito a natureza daarquitectura exposta e po<strong>de</strong>tornar mais difícil a comunicação,corren<strong>do</strong>-se o risco <strong>que</strong> dum la<strong>do</strong>se fale <strong>de</strong> casas, e <strong>do</strong> outro, por<strong>que</strong>não se vêem exactamente casas,se perceba outra coisa ou atécoisa nenhuma. Esse é um riscocuratorial assumi<strong>do</strong>, <strong>que</strong> po<strong>de</strong>ráser mitiga<strong>do</strong> pelo valor intrínseco<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s.O <strong>de</strong>senho da exposição (<strong>de</strong>Sofia Saraiva, Ana Miguel ePedro Roga<strong>do</strong>) assenta numafachada cinzenta <strong>que</strong> vai sen<strong>do</strong>sucessivamente <strong>do</strong>brada, assimsugerin<strong>do</strong> percursos, largos,pontos <strong>de</strong> vista. No espaçocentral situa-se o núcleo <strong>que</strong>inci<strong>de</strong> sobre Portugal e <strong>que</strong>integra diversas tipologiasresi<strong>de</strong>nciais, com pre<strong>do</strong>minânciada habitação unifamiliar. Dessecentro, olham-se os outros pólosda exposição: o Norte rico e oSul <strong>de</strong> três cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> se falaportuguês (Luanda, Maputo eRecife). No meio, a Suíça, <strong>de</strong> on<strong>de</strong>é originária parte substancialda arquitectura <strong>que</strong> nas últimasdécadas mais influência exerceusobre a<strong>que</strong>la feita em Portugal.A oposição Norte/Sul — o Norte<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Providência, <strong>do</strong>conforto, da ocupação esparsa,das cida<strong>de</strong>s consolidadas; o Sulda imprevidência, <strong>do</strong> confronto,da sobreocupação e das cida<strong>de</strong>sinformais — materializa-se,em termos expositivos, no<strong>de</strong>libera<strong>do</strong> contrasteexistente entre o “sector nórdico”da exposição (azul vibrante,ondulante) e o resto <strong>do</strong> espaço(cinzento opaco, angular).Suspeita-se <strong>que</strong> isso tantopossa <strong>de</strong>ver-se ao facto <strong>de</strong> o seucomissário — o arquitecto inglêsPeter Cook — <strong>que</strong>rer marcar aindividualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> núcleo aseu cargo, como <strong>de</strong> se <strong>que</strong>rerdistanciar <strong>do</strong> entorno físico <strong>do</strong>edifício <strong>do</strong> Centro Cultural <strong>de</strong>Belém <strong>que</strong>, numa passagemrecente por Lisboa, classificoucomo “um complexo horren<strong>do</strong>,bombástico, quase neofascista”.Seja como for, resulta assim(ainda) mais evi<strong>de</strong>nte a distânciaentre a<strong>que</strong>la península <strong>do</strong>bem-estar e o resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Omesmo contraste se evi<strong>de</strong>nciana representação, agora quasesimétrica, <strong>de</strong> duas “gatedcommunities”: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, trêsprojectos inseri<strong>do</strong>s no “campus”da gigante farmacêutica suíçaNovartis — uma ilha securitáriae rica no meio <strong>de</strong> outra ilhasecuritária e rica; <strong>do</strong> outro, umainstalação representan<strong>do</strong> oscon<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s on<strong>de</strong> serefugia a alta burguesia assustadadas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Sul. Estasrepresentações <strong>do</strong>s núcleosnórdico e suíço, mesmo <strong>que</strong> onão façam <strong>de</strong>liberadamente,sublinham a distância da<strong>que</strong>lasrealida<strong>de</strong>s face ao resto <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>. E ainda <strong>que</strong>, no caso suíço,sejam portugueses <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s trêsprojectos apresenta<strong>do</strong>s, isso nãoos torna necessariamente maisProjectos das universida<strong>de</strong>sportuguesas para o bairroda Cova da MouraOs arquitectos<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong>dinheiro <strong>de</strong> outrem.A realização <strong>do</strong>s seussonhos,eventualmenteintermedia<strong>do</strong>s pelossonhos <strong>de</strong> outros,estará sempre<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros.Mas o futuro estásempre a mudar.E os homenscontinuam a precisar<strong>de</strong> uma vista <strong>do</strong> céupróximos e talvez até acentue aestranheza.Voltan<strong>do</strong> ao núcleo português,a larga maioria <strong>do</strong>s projectos aíapresenta<strong>do</strong>s não se confrontacom situações <strong>de</strong> escassez <strong>de</strong>meios. Os projectos escolhi<strong>do</strong>ssão-no, sobretu<strong>do</strong>, em funçãoda diversida<strong>de</strong> tipológica e dasdiferentes condições <strong>de</strong> inserçãono território, e menos <strong>de</strong> <strong>que</strong>stõesprogramáticas. Nas fotografias<strong>que</strong> André Cepeda fez <strong>de</strong>stesprojectos, as casas não estão, comoé habitual, vazias, intocadas. Têmmóveis e coisas por arrumar ecães e telemóveis em cima dasmesas. Isso, convenhamos, é umanovida<strong>de</strong> bem-vinda. Mas, aindaassim, tu<strong>do</strong> aparenta ser caroe fazer parte <strong>de</strong> um bom gostoperfeitamente encena<strong>do</strong>. Apenasnas fotografias <strong>de</strong> um bairro socialse avistam umas cortinas feias.Mas aí estamos <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora dascasas, e não chegamos a entrar.Nesse senti<strong>do</strong>, estas são casas <strong>que</strong>falam com pronúncia <strong>do</strong> Norte. É oPortugal (<strong>do</strong> Sul) a olhar para cima.A exposição não começa, porém,aqui. Voltemos então à entrada e aocarocha <strong>que</strong> lá estacionaram.O futuro como ele era antesFaz parte da retórica mo<strong>de</strong>rnistaesta coisa <strong>de</strong> confrontar carrose casas. Fotografar carrosestaciona<strong>do</strong>s à porta das casas.Le Corbusier fê-lo repetidamentecom as “villas” da década <strong>de</strong>20 e, em particular, numa série<strong>de</strong> fotografias da “Villa Stein”(1927). A i<strong>de</strong>ia subjacente eratornar evi<strong>de</strong>nte como a<strong>que</strong>les<strong>do</strong>is objectos, a casa e o (seu)carro, produtos <strong>de</strong> lógicas <strong>que</strong> seambicionavam semelhantes, seequivaliam. O tempo encarregarse-ia<strong>de</strong> os separar. O carroenvelheceu muito mais <strong>de</strong>pressa<strong>do</strong> <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la “casa <strong>do</strong> futuro”<strong>de</strong> Le Corbusier, o <strong>que</strong>, se po<strong>de</strong>ráser lisonjeiro para a casa, nãoé necessariamente bom para aarquitectura. Vistos hoje, o carroda fotografia é uma velhariaenquanto a casa será ainda“<strong>de</strong>masia<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rna”. Assim,a<strong>que</strong>la <strong>que</strong> se pretendia fosse ametáfora perfeita da arquitecturamaquinista transformou-se numarepresentação, tão involuntáriaquanto elo<strong>que</strong>nte, dumacerta incomunicabilida<strong>de</strong> daarquitectura.Também o carocha (ummuito pareci<strong>do</strong> com este aquipara<strong>do</strong>) serviu simultaneamente<strong>de</strong> inspiração e <strong>de</strong> meio <strong>de</strong>locomoção aos autores <strong>de</strong> um<strong>do</strong>s projectos instiga<strong>do</strong>res daexposição. Trata-se <strong>do</strong> projectoda “House of the Future” [ou HOF,como também lhe chamariam]<strong>de</strong> Alison Smithson (1998-1993) ePeter Smithson (1923-2003), casal<strong>de</strong> arquitectos integrantes <strong>do</strong>Team 10 e <strong>do</strong> In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Group.Feita para a exposição “The DailyMail I<strong>de</strong>al Home Exhibition”, em1956, a casa tinha como horizonteum futuro distante 25 anos epretendia ser um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> umacasa replicável para o futuro.Como afirma Max Risselada,comissário <strong>de</strong>ste núcleo daexposição, os Smithson não sepreocupavam só com a forma e aorganização espacial da HOF, massobretu<strong>do</strong> com as possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os futuros habitantes <strong>de</strong>la seapropriarem. A ma<strong>que</strong>ta à escalareal, habitada, <strong>que</strong> os visitantesda exposição <strong>de</strong> 56 contornavame apreciavam a partir <strong>do</strong> exterior,era construída com estrutura epainéis <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira emassa<strong>do</strong>se pinta<strong>do</strong>s, procuran<strong>do</strong> simulara i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um material contínuo,molda<strong>do</strong>, plástico. Essa simulação<strong>de</strong>nunciava uma impossibilida<strong>de</strong>técnica e o futuro adivinha<strong>do</strong><strong>de</strong>ssa casa <strong>do</strong> futuro. Não seconcretizou em 1981 como nãose concretizou até hoje uma talmaneira <strong>de</strong> fazer casas.A HOF é um <strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong>partida para o repto <strong>que</strong> o cura<strong>do</strong>rgeral da Trienal, Delfim Sar<strong>do</strong>,lançou aos vários comissáriosda exposição. O outro é umacontecimento <strong>que</strong> nos é maispróximo: o processo SAAL (ServiçoAmbulatório <strong>de</strong> Apoio Local),<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> durante pouco mais<strong>de</strong> um ano, nos meses <strong>que</strong> sesuce<strong>de</strong>ram ao 25 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974.Os <strong>do</strong>is eventos são tão distintos no<strong>que</strong> respeita às suas circunstânciase aos seus propósitos <strong>que</strong> pareceum exercício fútil tentar encontrar18 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


aquilo <strong>que</strong> os une. Um é umaexperiência absolutamentesingular num contexto também eleúnico: o “perío<strong>do</strong> revolucionário”<strong>do</strong> pós-25 <strong>de</strong> Abril; o outro, umprojecto especulativo numaInglaterra a reerguer-se dareconstrução <strong>do</strong> pós-guerra.A<strong>que</strong>le, é uma experiência plena<strong>de</strong> i<strong>de</strong>alismo, mas traduzidanuma acção prática, complexa eplural, para a resolução imediata<strong>de</strong> problemas habitacionais <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong>s locais, cujo exemploperdura; este, um ensaio optimistasem tradução prática nas casas <strong>de</strong>hoje. Porém, po<strong>de</strong> talvez encontrarsena natureza e materialida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is acontecimentos algo sobrea dicotomia Norte/Sul em <strong>que</strong>assenta a exposição. De facto, se aHOF é (mais) um ensaio <strong>do</strong> sonhomo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> articular arquitecturae processos industriais,relacionan<strong>do</strong>-se assim com o Norteindustrializa<strong>do</strong> e tecnologicamenteevoluí<strong>do</strong>, o SAAL é um processoúnico na Europa e <strong>que</strong>, <strong>de</strong> certaforma, antecipa alguns <strong>do</strong>sprojectos mais mediáticos daarquitectura actual “<strong>do</strong> Sul”, <strong>de</strong><strong>que</strong> o exemplo mais evi<strong>de</strong>nte é otão cita<strong>do</strong> projecto (empresarial)Elemental, <strong>do</strong> arquitecto chilenoAlejandro Aravena. É a natureza<strong>do</strong>s problemas habitacionais,sociais e urbanos <strong>de</strong>sse “Sul” (dasAméricas, <strong>de</strong> África e <strong>de</strong> certaÁsia) <strong>que</strong> tem progressivamenteinvadi<strong>do</strong> o centro <strong>do</strong> <strong>de</strong>batearquitectónico.Um pedaço <strong>de</strong> chãoNo mesmo ano em <strong>que</strong> fizeram aHOF, os Smithson participaramnuma outra exposição em Londres<strong>que</strong> se revelaria fundamental paraa cena cultural em Inglaterra,nomeadamente para a explosãoda Pop Art. Nessa exposição, “Thisis Tomorrow”, apresentariam aDANIEL ROCHAinstalação “Patio and Pavilion”em co-autoria com o artistaplástico Eduar<strong>do</strong> Paolozzi eo fotógrafo Nigel Hen<strong>de</strong>rson,to<strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntGroup. A instalação — “umaespécie <strong>de</strong> habitat simbólico noqual se encontram respostasàs necessida<strong>de</strong>s humanasbásicas - uma vista <strong>do</strong> céu, umpedaço <strong>de</strong> terra, privacida<strong>de</strong>e a presença da natureza e <strong>de</strong>animais quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>les precisamos(…)“ — era, ao contrário da HOF,uma reflexão sobre a essênciaar<strong>que</strong>típica da casa ou daquilo<strong>que</strong> eles <strong>de</strong>signavam por “art ofinhabitation”.É também essa dimensão <strong>que</strong>está contida no concurso “A housein Luanda: Patio and Pavilion”,patente noutro núcleo da Trienal,no Museu da Electricida<strong>de</strong>. Umexercício sobre a essencialida<strong>de</strong>e a escassez visan<strong>do</strong> umaresposta prototípica para umasituação específica <strong>do</strong> habitar(uma família angolana, uma casa<strong>de</strong> 100m2, um orçamento <strong>de</strong> 25mil euros), e conten<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>reprodutibilida<strong>de</strong> da solução,no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> constituir umteci<strong>do</strong> urbano. E, curiosamente,algumas das soluções propostasremetem para <strong>de</strong>senhos em<strong>que</strong> os Smithson ensaiavama associação <strong>de</strong> múltiplosexemplares da HOF, ou <strong>de</strong> outrosprojectos subse<strong>que</strong>ntes como as“Appliance Houses”. Certamente<strong>que</strong> a natureza <strong>do</strong> programa, aobjectivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>, ospoucos meios necessários paralhe dar resposta e, finalmente,a visibilida<strong>de</strong> da Trienal nãoserão alheios à participação semprece<strong>de</strong>ntes neste concurso.Mas a mesma também po<strong>de</strong>indiciar uma mudança <strong>de</strong> foconas mais novas geração <strong>de</strong>arquitectos, na sequência <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> recentramento da funçãosocial <strong>do</strong> arquitecto. Estes jovensarquitectos, seguramente maisangustia<strong>do</strong>s com as crises locaise globais <strong>do</strong> <strong>que</strong> algumas dasgerações <strong>que</strong> os prece<strong>de</strong>ram,e eventualmente nostálgicos<strong>de</strong> tempos <strong>de</strong> activismo eintervenção social — comoa<strong>que</strong>les <strong>do</strong> SAAL — <strong>que</strong> nuncaconheceram, procuram numaarquitectura mais programáticae política uma viabilida<strong>de</strong> parasi mesmos e talvez um novosenti<strong>do</strong> para a disciplina. Terási<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse tipo, também, amotivação <strong>do</strong>s estudantes <strong>que</strong>participam no concurso “ProjectoCova da Moura”, cujos resulta<strong>do</strong>stambém aqui se expõem. Claro<strong>que</strong> o <strong>de</strong>sencanto ou, até, ocinismo <strong>que</strong> às vezes vêm coma experiência po<strong>de</strong>m reduzir talexpectativa a uma ilusão. Afinal,os arquitectos trabalham com ocapital, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da encomendapública e privada, <strong>do</strong> dinheiro <strong>que</strong>é sempre <strong>de</strong> outrem. A realização<strong>do</strong>s seus sonhos, eventualmenteintermedia<strong>do</strong>s pelos sonhos<strong>de</strong> outros (ou vice-versa),estará sempre essencialmente<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terceiros. Mas também é verda<strong>de</strong><strong>que</strong> o futuro está sempre a mudar.E <strong>que</strong> os homens continuam aprecisar <strong>de</strong> uma vista <strong>do</strong> céu.Arquitecto e professor nas licenciaturasem Design da Universida<strong>de</strong> Lusíadae da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong>LisboaA dinamar<strong>que</strong>saMetteThomsen (emcima) trouxe aLisboa umapare<strong>de</strong> “viva”;foram mais <strong>de</strong>600 osconcorrentesao concursopara uma casaem Luanda(foto <strong>de</strong> baixo)“O <strong>que</strong> é <strong>que</strong> essedinheiro pormetro quadra<strong>do</strong> [noprojecto da Novartis]faz à arquitectura<strong>de</strong> Siza e <strong>de</strong> SoutoMoura?”Diogo Seixas Lopesdiferentes, e isso torna a universalida<strong>de</strong><strong>de</strong> soluções impossível”, afirmaAna Vaz Milheiro. Por isso, ela eManuel Graça Dias encararam Áfricae o Brasil como duas realida<strong>de</strong>s comproblemas muito específicos: o crescimentoincontrolável <strong>de</strong> certas zonas,através das favelas, <strong>do</strong>s musse<strong>que</strong>se <strong>do</strong>s caniços; o encerramento<strong>do</strong>s ricos em con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s;e a <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong> uma importanteherança colonial mo<strong>de</strong>rnista.Aqui mudamos <strong>de</strong> escala, já não falamos<strong>de</strong> uma casa, falamos <strong>de</strong> muitas,e <strong>de</strong> como se po<strong>de</strong> intervir num conjuntoimenso <strong>de</strong> casas <strong>que</strong> foram crescen<strong>do</strong><strong>de</strong> forma espontânea e muitasvezes caótica. Os <strong>do</strong>is comissários pedirama três ateliers <strong>de</strong> arquitectos, umem cada cida<strong>de</strong> ( José Forjaz em Maputo,Maria João Teles Grilo em Luanda,e Una Arquitectos, em São Paulo),para fazerem, respectivamente, umprojecto <strong>de</strong> intervenção num caniço,num musse<strong>que</strong> e numa favela.“Sou muito crítica <strong>do</strong> discurso <strong>que</strong>se faz em relação a esses bairros espontâneos,<strong>que</strong> parece dizer <strong>que</strong> aarquitectura é uma coisa dispensávele <strong>que</strong> as pessoas sabem construir asua cida<strong>de</strong>. Não é assim”, diz Milheiro.“Os arquitectos têm uma reflexão afazer sobre estes lugares. E é importante<strong>que</strong> não se <strong>de</strong>mitam <strong>de</strong> fazerpropostas <strong>de</strong>ntro da cultura arquitectónica.As gran<strong>de</strong>s conquistas <strong>do</strong> século<strong>XX</strong> são noções mínimas <strong>de</strong> conforto,<strong>de</strong> infra-estruturas, <strong>de</strong> saneamento.”No Sul, a discussão sobre obásico continua a conduzir-nos aqui– ao ponto em <strong>que</strong> estávamos no Portugal<strong>de</strong> 74.Para falar <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s(numa sala em <strong>que</strong> nos sentimos nessa“cida<strong>de</strong> sitiada”), três escritoresforam convida<strong>do</strong>s a escrever contos– uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Graça Dias <strong>que</strong>, sublinhaMilheiro, permite “convocar outrasáreas para a reflexão arquitectónica”.Por fim, a herança mo<strong>de</strong>rnista surgeatravés <strong>de</strong> três obras – Delfim Amorim(Recife), Fernão Simões <strong>de</strong> Carvalho(Luanda) e Pancho Gue<strong>de</strong>s (Maputo)– e <strong>do</strong>s discursos <strong>do</strong>s seusarquitectos (no caso <strong>de</strong> Amorim, umaconversa com o filho) e <strong>de</strong> filmes emsuper 8 filma<strong>do</strong>s por pessoas em cadaDANIEL ROCHADANIEL ROCHAuma das cida<strong>de</strong>s. “São todas elas cida<strong>de</strong>scom um património mo<strong>de</strong>rno fortíssimo.A nossa [portuguesa] arquitecturacolonial em África é a arquitecturamo<strong>de</strong>rna, e temos tendência paraes<strong>que</strong>cer isso.” “Back to basics” po<strong>de</strong>também ser um regresso a tu<strong>do</strong> o <strong>que</strong>já tínhamos aprendi<strong>do</strong> no passa<strong>do</strong>.SuíçaChegamos assim ao outro extremo <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> – a Suíça, o país on<strong>de</strong> a discussãosobre o básico está ultrapassada.Por isso, o universo <strong>que</strong> Diogo SeixasLopes nos traz (através <strong>do</strong>s projectose das fotografias <strong>de</strong> Daniel Malhão) éo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fecha<strong>do</strong> da farmacêuticaNovartis, em Basileia. Uma grelhabase,um conjunto impressionante<strong>do</strong>s melhores arquitectos mundiais –<strong>de</strong> Frank Gehry a Álvaro Siza, passan<strong>do</strong>por Rafael Moneo e Kazuyo Sejima–, muito dinheiro, e uma imensa preocupaçãocom o controlo.O comissário escolheu três edifícios<strong>que</strong> se encontram numa mesma fiada:<strong>do</strong>is laboratórios, um <strong>de</strong> Álvaro Siza(“vai ser uma surpresa, por<strong>que</strong> não éum edifício típico <strong>de</strong>le”) e outro <strong>de</strong>Eduar<strong>do</strong> Souto Moura, e um edifício<strong>de</strong> representação <strong>do</strong> suíço PeterMärkli. “Interessava-me perceber o<strong>que</strong> é a arquitectura na<strong>que</strong>las condiçõesextremas – e são extremas pelocontrolo e pelo dinheiro. O <strong>que</strong> é <strong>que</strong>esse dinheiro por metro quadra<strong>do</strong> fazà arquitectura <strong>de</strong> Siza e <strong>de</strong> Souto Moura?E quan<strong>do</strong> a arquitectura <strong>de</strong> Märklichega a Portugal [on<strong>de</strong> está a construircasas num ‘resort’] e tem <strong>que</strong> construirpor 800 euros o metro quadra<strong>do</strong>, comoé <strong>que</strong> aguenta esse embate? É essarelação entre o Norte e o Sul <strong>que</strong> meinteressava <strong>que</strong>stionar através <strong>de</strong> umaconversa muda <strong>do</strong>s três arquitectos e<strong>do</strong>s seus edifícios.”O básico aqui po<strong>de</strong> ser ter a maiseficaz das fronteiras entre o público eo priva<strong>do</strong>. Uma fronteira impenetrável.Resolver os problemasDepois da reflexão, a prática. A Trienal<strong>de</strong>safiou as universida<strong>de</strong>s portuguesasa fazerem um projecto para o bairroda Cova da Moura, em Lisboa, e lançouum concurso internacional (com mais<strong>de</strong> 600 participantes) para uma casaem Luanda (os vence<strong>do</strong>res <strong>de</strong> ambosserão anuncia<strong>do</strong>s na inauguração, hoje,no Museu da Electricida<strong>de</strong>).Trata-se <strong>de</strong> uma casa básica: umterreno <strong>de</strong> 250 metros quadra<strong>do</strong>s parauma casa <strong>de</strong> 100, e um espaço exterior,tu<strong>do</strong> por um custo máximo <strong>de</strong>25 mil euros. Chamaram ao concurso“Patio and Pavilion”. O <strong>que</strong> se pediaera um espaço coberto para ter intimida<strong>de</strong>,e um espaço aberto para sever o céu.[A Trienal prossegue em Novembro coma exposição “Falemos <strong>de</strong> (7) Casas” emCascais e, com a conferência internacional“Arquitectura [in] ]out[Política”,dias 19 e 20 na Aula Magna da Reitoriada Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa]Ver agenda <strong>de</strong> exposições na pág. 46CML | DPDC | Rute FigueiraÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 19


Depois <strong>de</strong> três décadas como correspon<strong>de</strong>nteno Médio Oriente <strong>de</strong> váriosmédia internacionais e, em particular,<strong>do</strong> “Wall Street Journal” (WSJ), HughPope <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> ser repórter. As dificulda<strong>de</strong>s<strong>que</strong> tantas vezes encontroupara contar o <strong>que</strong> viu e ouviu <strong>de</strong>ixaram-nofrustra<strong>do</strong>. Os seus artigos foramfre<strong>que</strong>ntemente reescritos – e aténão publica<strong>do</strong>s – para po<strong>de</strong>rem agradara uma audiência muito singular.“Quan<strong>do</strong>, por exemplo, escrevi <strong>que</strong>os palestinianos foram ‘força<strong>do</strong>s a<strong>de</strong>ixar’ as suas casas e a exilar-se, osvigias <strong>do</strong> ‘lobby’ pró-Israel (…) activaramuma campanha para exigir o usoda palavra ‘fugiram’”, conta Pope,actualmente director <strong>do</strong> Projecto Turquia/Chipre<strong>do</strong> “think tank” InternationalCrisis Group (ICG), em Istambul.“Quan<strong>do</strong> escrevi <strong>que</strong> três milhões<strong>de</strong> palestinianos fora da Palestina pré-1948 são ‘refugia<strong>do</strong>s’, força<strong>do</strong>s aoexílio pela expansão <strong>de</strong> Israel, e estãoimpedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> regressar, os ‘lobbyistas’quiseram <strong>que</strong> [o WSJ] os dividisseem refugia<strong>do</strong>s originais e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.(…) Com todas estas omissõese subterfúgios, fomos acrescentan<strong>do</strong>mais um tijolo à gran<strong>de</strong> muralha<strong>de</strong> incompreensão <strong>que</strong> agorasepara a América <strong>do</strong> Médio Oriente”,aponta.Ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300 páginas,sem seguir uma or<strong>de</strong>m cronológica,Hugh Pope ajuda-nos a <strong>de</strong>scodificar acomplexida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s “muitos mun<strong>do</strong>s”<strong>do</strong> Médio Oriente. Um Médio Oriente<strong>que</strong> inclui Wao, no Sul <strong>do</strong> Sudão, on<strong>de</strong>se encontrou “pela primeira vez facea-facecom a fome”, mas também oIrão, on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma visita aotúmulo <strong>de</strong> Mohammad Hafez, cujospoemas são mais vendi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>que</strong> olivro sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s muçulmanos, percebeu<strong>que</strong> “Morte à América” po<strong>de</strong><strong>que</strong>rer dizer apenas “América, por favor,mostra <strong>que</strong> gostas <strong>de</strong> mim”; o Afeganistão,on<strong>de</strong> o governa<strong>do</strong>r taliban<strong>do</strong> Banco Central o recebeu <strong>de</strong> olhosno chão, <strong>de</strong>scalço e sem nunca lheapertar a mão – mas confiante <strong>de</strong> <strong>que</strong>iria atrair muitos investi<strong>do</strong>res estrangeiros;e a Arábia Saudita, on<strong>de</strong> o dissi<strong>de</strong>nteSami Angawi tentou provar-lhe<strong>que</strong> pouco distingue a Al-Qaeda <strong>do</strong>s“Jornalistas e jornaissão falíveis, e todaa gente <strong>de</strong>veriapensarcuida<strong>do</strong>samentesobre o <strong>que</strong> está a ler,nunca suspen<strong>de</strong>ras suas faculda<strong>de</strong>scríticas, por muito<strong>que</strong> as frases tenham‘glamour’ ou pormuito reputa<strong>do</strong> <strong>que</strong>seja o autor”LivrosAFPO título <strong>do</strong> livro foi inspira<strong>do</strong>no capítulo em <strong>que</strong> Hugh Popenarra o seu encontro com ummembro da Al-Qaeda <strong>de</strong> Osamabin La<strong>de</strong>nwahhabitas no po<strong>de</strong>r: “É a diferençaentre Marlboro e Marlboro Light”.Foi a esse reino on<strong>de</strong> os suicidas<strong>do</strong>s atenta<strong>do</strong>s terroristas <strong>do</strong> 11 <strong>de</strong> Setembrosão admira<strong>do</strong>s (por alguns)como “rapazes maravilhosos” <strong>que</strong>Pope foi buscar a i<strong>de</strong>ia para o título<strong>do</strong> seu livro. “Dining with Al-Qaeda”é o capítulo em <strong>que</strong> narra o encontrocom um “da’i”, ou missionário, dare<strong>de</strong> <strong>de</strong> Osama bin La<strong>de</strong>n. Intimida<strong>do</strong>com a hostilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> jovem <strong>de</strong> 24anos, Hugh iniciou assim a conversa:“Sei <strong>que</strong> a imprensa oci<strong>de</strong>ntal po<strong>de</strong>parecer distante e hostil, mas isso épor<strong>que</strong> a vossa voz não é ouvida. Aspessoas não estão familiarizadas coma vossa perspectiva. Se aceitar falarcomigo, posso dar a conhecer o vossoponto <strong>de</strong> vista”. Depois <strong>de</strong> uns minutos<strong>de</strong> silêncio, o interlocutor perguntou:“Devo matá-lo?”Pope escapou ao <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> seucolega Daniel Pearl (<strong>de</strong>capita<strong>do</strong> noPaquistão) por<strong>que</strong> conhecia bem asescrituras e as “hadith” (tradições) <strong>de</strong>Maomé. Argumentou <strong>que</strong> o seu visto<strong>de</strong> entrada na Arábia Saudita seriaequivalente ao salvo-conduto <strong>que</strong> osestrangeiros cristãos recebiam <strong>do</strong> profeta<strong>do</strong> islão. “Realmente o visto estáassina<strong>do</strong> pelo rei, mas há teólogos <strong>que</strong>consi<strong>de</strong>ram o rei ilegítimo”, contrapôso discípulo <strong>de</strong> Bin La<strong>de</strong>n. “Masas orações <strong>de</strong> sexta-feira são rezadasem nome <strong>de</strong>le”, contestou Pope. “Éverda<strong>de</strong>. Tu<strong>do</strong> bem. Aceito <strong>que</strong> temautorização para estar aqui”, con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>uo “da’i”, <strong>que</strong> a partir daí ofereceua Pope “uma nova perspectiva”sobre a Al-Qaeda. “Para meu espanto”,confessa o repórter várias vezesconfundi<strong>do</strong> com o actor Hugh Grant,o ‘Journal’ não estava interessa<strong>do</strong> nesterelato. A principal razão era o facto<strong>de</strong> o missionário não estar i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>.Obviamente <strong>que</strong> ele não me iriadar o seu nome e toda a história da“Dining withAl-Qaeda”não é um livro <strong>de</strong> cuO Médio Oriente são “muitos mun<strong>do</strong>s”. Hugh Pope percorreu-os durante 30 anos e agora revela, nhistórias, incluin<strong>do</strong> as <strong>que</strong> o “Wall Street Journal” omitiu e as <strong>que</strong> Robert Fisk “inventou”. A vSíria, on<strong>de</strong> o antigo aluno <strong>de</strong> Oxford percebeu <strong>que</strong> não bastava ser fluente em árabe, farsi e turco pcomplexa ou sobreviver a um jantar com a Al-Qaeda. M20 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


sua vida, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> preso quatro vezespela polícia saudita <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o 11 <strong>de</strong>Setembro.”Esta é uma entrevista por “e-mail”com Hugh Pope, <strong>que</strong> já anteriormentepublicara duas obras <strong>de</strong> referênciasobre a região: “Turkey Unveiled”(com a sua ex-mulher, Nicole Pope) e“Sons of the Con<strong>que</strong>rors: The Rise ofthe Turkic World”:Reconheceu <strong>que</strong> o título <strong>do</strong> seulivro, por alguns consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>engana<strong>do</strong>r, “iria sempre chamara atenção”. Po<strong>de</strong> explicar oprocesso <strong>que</strong> conduziu a “Diningwith Al-Qaeda”?De início, pretendia realçar a naturezapessoal <strong>do</strong> livro e dar-lhe o título<strong>de</strong> “Mr. Q, I Love You” [o <strong>do</strong> primeirocapítulo]. Mas o meu editor e outrosnão gostaram e sugeriram “EatingChinese with Al-Qaeda” (título <strong>de</strong> outrocapítulo). Um velho colega <strong>do</strong>“Wall Street Journal” notou <strong>que</strong> soavaa canibalismo, e então <strong>de</strong>cidi brincarcom a i<strong>de</strong>ia “Dining Out with Al-Qaeda”.A minha filha Vanessa achou, noentanto, <strong>que</strong> bastava “Dining with Al-Qaeda”. Sim, o título chama a atenção,e até tenho recebi<strong>do</strong> mensagens<strong>de</strong> pessoas <strong>que</strong> retiraram o livro dasprateleiras das livrarias pensan<strong>do</strong> <strong>que</strong>se tratava <strong>de</strong> culinária! Outros pensaram<strong>que</strong> era um estu<strong>do</strong> sobre a própriaorganização, mas creio <strong>que</strong> o livroconsegue transmitir a mensagem<strong>de</strong> <strong>que</strong> é um olhar sobre o MédioOriente a partir <strong>de</strong> perspectivas inusitadas.Também creio <strong>que</strong> contémmuitas mensagens sobre como o Oci<strong>de</strong>ntepo<strong>de</strong> aproximar-se da regiãocom mais empatia e compreensão, o<strong>que</strong> po<strong>de</strong> contribuir para reduzir oapoio à Al-Qaeda.Por<strong>que</strong> sentiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>escrever este livro – e porquêagora? São memórias?O livro é um conjunto <strong>de</strong> várias coisas:memória <strong>de</strong> acontecimentos cómicose trágicos, uma tentativa <strong>de</strong> mostrartodas as correntes <strong>que</strong> atravessam asvidas e as políticas no Médio Oriente,e também um estu<strong>do</strong> sobre como ojornalismo po<strong>de</strong>, sem intenção, contribuirpara a incompreensão da região,particularmente na América. O<strong>que</strong> tentei fazer foi escrever sobre coisas<strong>que</strong> eu vi ou com as quais tive experiênciadirecta. O livro é invulgarpor<strong>que</strong> tenta mostrar os laços entreos mun<strong>do</strong>s árabe, persa e turco <strong>que</strong>compõem o principal triângulo <strong>do</strong>universo <strong>do</strong> Médio Oriente, em conjuntocom outros elementos importantes,como os mun<strong>do</strong>s judaico, cur<strong>do</strong>e afegão. Não é um livro com umângulo restrito (o Irão nuclear, Israel-Palestina, Afeganistão-Paquistão…).A razão por <strong>que</strong> senti necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>escrever este livro foi a experiência<strong>do</strong>lorosa <strong>de</strong> cobrir o Ira<strong>que</strong>, antes,durante e <strong>de</strong>pois da invasão norteamericanaem 2003. Eu era o únicorepórter <strong>do</strong> WSJ envia<strong>do</strong> ao Ira<strong>que</strong> noano anterior à invasão, e senti-memuito frustra<strong>do</strong> por tão poucas pessoasnos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>rem serpersuadidas <strong>de</strong> <strong>que</strong> a guerra era <strong>de</strong>snecessária,algo <strong>que</strong> eu tentava arduamenteexplicar.Na luta constante com os seuseditores (sobretu<strong>do</strong> no WSJ)para não ce<strong>de</strong>r aos “interesses”<strong>de</strong> audiências e grupos <strong>de</strong>pressão americanos, sentiu <strong>que</strong>também frustrou as esperanças<strong>do</strong>s povos <strong>do</strong> Médio Oriente <strong>de</strong>serem compreendi<strong>do</strong>s? Foi essaAFPfrustração <strong>que</strong> o levou a <strong>de</strong>sistir<strong>de</strong> ser jornalista e a <strong>de</strong>dicar-se aoInternational Crisis Group?Sim, senti algumas frustrações quan<strong>do</strong>trabalhava para editores americanos.Como faço notar no meu livro,os meus editores no WSJ eram honestos,rigorosos, exigentes, representa<strong>do</strong>o pináculo da nossa profissão [Popeexemplifica em “Dining with Al-Qaeda” a extrema dificulda<strong>de</strong> emconseguir ter uma notícia publicadana primeira página <strong>do</strong> WSJ]. Só quan<strong>do</strong>comecei este livro me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong>quanto a nossa forma <strong>de</strong> escrever édistorcida por preconceitos, tabus e(nos basti<strong>do</strong>res) por interesses e grupospolíticos. Demorei algum tempoa examinar, a uma nova luz, a evolução<strong>do</strong>s meus artigos através <strong>do</strong> processo<strong>de</strong> edição e <strong>de</strong>scobri tendências<strong>que</strong>, no passa<strong>do</strong>, não havia <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong>.O mais surpreen<strong>de</strong>nte não foi a tendênciapara proteger Israel, mas omo<strong>do</strong> como os artigos tendiam a serconformes ao <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>s leitores americanospor histórias optimistas, finaisfelizes e personagens heróicas nospapéis principais. Nas narrativas americanas,são estas as características<strong>que</strong> mais atraem, mas pouco têm aver com a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Médio Oriente.Depois da guerra <strong>do</strong> Ira<strong>que</strong> pedi“As aventuras maiscomplicadas foramas mais memoráveis(...). Nunca procureio perigo, mas,em países instáveis,o perigo por vezesencontra-nos”uma licença ao “Journal” para construiruma casa e, talvez, escrever umlivro. Quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixei o jornal, tive muitasorte. Ofereceram-me um empregono ICG. Não sabia na<strong>que</strong>la altura, mas<strong>de</strong>scobri <strong>que</strong> escrever para o ICG é o<strong>que</strong> eu sempre quis <strong>que</strong> o jornalismofosse – reportagem intensa e factual<strong>de</strong> acontecimentos importantes, semembelezamentos para agradar à audiência.De um bor<strong>de</strong>l na Síria até àguerra no Ira<strong>que</strong>, <strong>que</strong> aventurase acontecimentos foram os maismarcantes <strong>de</strong>sta sua “viagem”[<strong>que</strong> inclui guerras mas tambémromances fugazes e tentativasfracassadas <strong>de</strong> o recrutar comoespião]?As aventuras mais complicadas foramas mais memoráveis. Foram a<strong>que</strong>las<strong>que</strong> senti <strong>que</strong> poucas pessoas po<strong>de</strong>riamsuportar: estar <strong>de</strong>z semanas numape<strong>que</strong>na terrinha <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> Sudãocercada por guerrilheiros rebel<strong>de</strong>scomo um <strong>do</strong>s poucos estrangeiros eo único repórter; ver em primeiramão o me<strong>do</strong> e a bravura <strong>do</strong>s homensnas linhas da frente da guerra Irão-Ira<strong>que</strong>; o dia em <strong>que</strong> testemunhei, pormero acaso, o início da revolta tchetchenacontra a Rússia; ou <strong>de</strong>scobrirmefecha<strong>do</strong> num bor<strong>de</strong>l enquantouma gran<strong>de</strong> revolta [da Irmanda<strong>de</strong>Muçulmana contra o anterior Presi<strong>de</strong>nte,Hafez al-Assad] era suprimidanuma cida<strong>de</strong> síria. Para algo ser memorável,creio <strong>que</strong> é preciso ter si<strong>do</strong>perigoso ou inespera<strong>do</strong> – o <strong>que</strong> é maisraro <strong>do</strong> <strong>que</strong> se pensa, até no jornalismo.Nunca procurei o perigo, mas,em países instáveis, o perigo por vezesencontra-nos.Por<strong>que</strong> sentiu necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>expor as “fiskeries” <strong>do</strong> veteranoRobert Fisk? Será <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mosestabelecer um paraleloentre histórias alegadamente“inventadas” por Fisk e asrealida<strong>de</strong>s supostamente“omitidas” pelo WSJ?Sim: não há uma realida<strong>de</strong> única. Jornalistase jornais são falíveis, e toda agente <strong>de</strong>veria pensar cuida<strong>do</strong>samentesobre o <strong>que</strong> está a ler, nunca suspen<strong>de</strong>ras suas faculda<strong>de</strong>s críticas,por muito <strong>que</strong> as frases tenhamlinária, numa obra notável, as suas váriasviagem começa num bor<strong>de</strong>l napara compreen<strong>de</strong>r uma região tão. Margarida Santos LopesTHOMAS FOLEYHugh Pope<strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> serrepórter<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> trêsdécadas comocorrespon<strong>de</strong>ntenoMédio OrienteCML | DPDC | Rute FigueiraÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 21


REUTERS/STRINGERA posição da Turquia noxadrez <strong>do</strong> Médio Oriente éagora o principal tema <strong>de</strong>trabalho <strong>de</strong> Hugh Pope“glamour” ou por muito reputa<strong>do</strong><strong>que</strong> seja o autor. Robert Fisk não é oúnico jornalista <strong>que</strong> extrapolou aexactidão <strong>do</strong> seu jornalismo, mas por<strong>que</strong>informações e alegações <strong>de</strong> Fisktiveram impacto no <strong>de</strong>curso da minhavida e da minha carreira [Pope recebeuor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> expulsão da Turquia,em 1991, por causa <strong>de</strong> um artigo “semqual<strong>que</strong>r fundamento” sobre rebel<strong>de</strong>scur<strong>do</strong>s <strong>que</strong> Fisk publicou no diáriobritânico “The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”,para o qual ambos trabalhavam] senti<strong>que</strong> a sua escrita, por muito brilhantee influente <strong>que</strong> seja, merece umexame crítico.Agora <strong>que</strong> está <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> aoProjecto Turquia/Chipre <strong>do</strong> ICG,aju<strong>de</strong>-nos a avaliar os váriosfocos <strong>de</strong> tensão na região.Eu escrevo sobretu<strong>do</strong> sobre o triânguloTurquia-Chipre-União Europeia,mas tem havi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> procura <strong>de</strong>informação sobre as relações da Turquiacom o Irão e sobre se elas <strong>de</strong>monstram<strong>que</strong> a Turquia se “está aafastar <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte”. No Crisis Groupnão temos prova disso. A Turquia partilhagenuinamente o objectivo <strong>do</strong>Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>que</strong> o Irão não <strong>de</strong>ve possuirarmas nucleares. Quanto ao Afeganistão,tem apenas um interesseindirecto para o nosso projecto, umavez <strong>que</strong> a Turquia só <strong>de</strong>sempenha alium papel [militar] não combatente,estan<strong>do</strong> a tentar <strong>de</strong>senvolver melhoresrelações entre Cabul e Islamabad.O Ira<strong>que</strong>, por seu turno, é fre<strong>que</strong>ntementeavalia<strong>do</strong> nos nossos relatórios,um <strong>do</strong>s quais constata uma melhoriarevolucionária nas relações com oscur<strong>do</strong>s iraquianos. O gabinete <strong>do</strong> ICGem Istambul olha, sobretu<strong>do</strong>, para opapel da Turquia no <strong>que</strong> diz respeitoaos aspectos internacionais das crisesnas regiões – não para os assuntos internosturcos. Contu<strong>do</strong>, damos atençãoà situação <strong>do</strong>méstica sob o prisma<strong>do</strong> processo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à UE, e numpróximo relatório abordaremos aspectosda insurreição <strong>do</strong> PKK[Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong>Curdistão, separatista]. Quantoa Israel, tornou-se ou-se um problema,no último ano, à medida<strong>que</strong> as relações [com Ancara]se <strong>de</strong>teriora-ram, afectan<strong>do</strong>subse<strong>que</strong>nte-mente os la-ços da Tur-quia com osEUA, com paísesárabes eoutros. Nãofoi a Turquia<strong>que</strong> procurou uo conflito e foiexcessiva a acçãoisraelita, da qual resultoua morte <strong>de</strong> 90 pessoas,contra uma flotilha li<strong>de</strong>radapor turcos para<strong>que</strong>brar o blo<strong>que</strong>io<strong>de</strong> Gaza. No <strong>que</strong> diz respeitoà Síria e ao Líbano, são íses <strong>que</strong> fazem parte <strong>do</strong>snossos relatórios rios por<strong>que</strong>nunca, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e o fim <strong>do</strong>pa-Império Otomano, estiveramtão próximos daTurquia. O esforço daTurquia para <strong>de</strong>senvolverestas relações, <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> a garantir estabilida<strong>de</strong>e prosperida<strong>de</strong>– mais liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentoe comércio, integração<strong>de</strong> economias einfra-estruturas, incluin- <strong>do</strong>[nestas parcerias] a Jordânia e, possivelmente,outros países <strong>do</strong> MédioOriente – é um <strong>do</strong>s acontecimentosmais positivos regista<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hávários anos no Médio Oriente.Como avalia as políticas <strong>do</strong>Presi<strong>de</strong>nte Barack Obama emrelação aos “muitos mun<strong>do</strong>s” <strong>do</strong>Médio Oriente?Como digo em “Dining with Al-Qaeda”,ele representa uma nova empatiaface ao Médio Oriente. Isto talveztenha si<strong>do</strong> exagera<strong>do</strong> <strong>que</strong>r pelas pes-“Obama representauma nova empatiaface ao MédioOriente, o <strong>que</strong>talvez tenha si<strong>do</strong>exagera<strong>do</strong> <strong>que</strong>rpelas pessoas<strong>do</strong> MédioOriente, <strong>que</strong>rpelosconserva<strong>do</strong>resnos EUAe em Israel”soas <strong>do</strong> Médio Oriente (<strong>que</strong> vêem Ba-rack “Hussein” Obama como estan<strong>do</strong>naturalmente <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong>), <strong>que</strong>r pelosconserva<strong>do</strong>res nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s eem Israel (<strong>que</strong>receiam <strong>que</strong> ele estejarealmente <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Médio Oriente).Duvi<strong>do</strong> <strong>que</strong> o“establishment” ame-ricano esteja prestes a fazer mudan-ças substanciais numa política fortementeimplantada na região, sobretu<strong>do</strong>numa altura <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>envolvimento <strong>do</strong>s EUA no Ira<strong>que</strong> eno Afeganistão, ou <strong>que</strong> vá haver mudançasfundamentais em relação aIsrael ou no <strong>que</strong> diz respeito aos radicaisanti-EUA. Em to<strong>do</strong> o caso, omo<strong>do</strong> como Obama esten<strong>de</strong>u a mão,primeiro à Turquia e <strong>de</strong>pois ao mun<strong>do</strong>árabe, mostrou <strong>que</strong> está a tentarmudar o mo<strong>do</strong> como os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>ssão vistos, e <strong>que</strong> ele compreen<strong>de</strong><strong>que</strong> há “muitos mun<strong>do</strong>s no MédioOriente”.AFPPope escreveu este livropor causa da frustração<strong>que</strong> sentiu ao cobrir a guerra<strong>do</strong> Ira<strong>que</strong>: apesar <strong>de</strong> ter tenta<strong>do</strong>arduamente, nunca conseguiupersuadir os americanos<strong>de</strong> <strong>que</strong> a invasãoera <strong>de</strong>snecessária22 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


William Boy<strong>de</strong>m busca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> perdidaTeve “um passa<strong>do</strong> complica<strong>do</strong>”e por isso não consegue parar <strong>de</strong>inventar personagens<strong>que</strong> andam à procura: ele próprioainda não se encontrou. No novoromance, “Tempesta<strong>de</strong>”, prosseguea busca nas ruas <strong>de</strong> Londres, aon<strong>de</strong>foi parar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma infânciaafricana e <strong>de</strong> uma educaçãoescocesa. Helena VasconcelosPEDRO MARTINHOLivrosWilliam Boyd é um gran<strong>de</strong>leitor <strong>de</strong> Pessoa, ten<strong>do</strong> até jáprefacia<strong>do</strong> uma edição eminglês <strong>do</strong> “Livro <strong>do</strong> Desassossego”:é por causa <strong>do</strong> poeta<strong>que</strong> Lisboa aparece tãofre<strong>que</strong>ntemente nos seusromancesWilliam Boyd é um homem <strong>de</strong> múltiplostalentos: romancista, contista,argumentista, crítico literário, cronista,produtor <strong>de</strong> rádio, realiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong>cinema. Esteve recentemente em Lisboapela primeira vez e mostrou-sefascina<strong>do</strong> com a cida<strong>de</strong>, <strong>que</strong> já tinhaimagina<strong>do</strong> como porto <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong>Carriscant e Kay, no romance “A Tar<strong>de</strong>Azul” (Relógio d’Água, 1993). Lisboaincita-o a falar <strong>do</strong>s países africanoson<strong>de</strong> nasceu e cresceu (Gana eNigéria) e a afirmar <strong>que</strong> esse privilégiolhe formou a imaginação e a personalida<strong>de</strong>.Recorda a sua exótica infânciasem sau<strong>do</strong>sismo mas com intensida<strong>de</strong>,e faz <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> enfatizar o facto<strong>de</strong> se sentir “africano”, embora tenhasi<strong>do</strong> educa<strong>do</strong> na Escócia, viva há anosem Londres e mantenha uma casa emFrança, país cuja cultura conhecebem.Numa sala com vista para o Tejo,conversámos sobre o seu último romance,“Tempesta<strong>de</strong>”, edita<strong>do</strong> pelaCasa das Letras.Quer falar-nos <strong>do</strong> seu interessepor Fernan<strong>do</strong> Pessoa?Quan<strong>do</strong> li um <strong>do</strong>s seus poemas eminglês, há já bastante tempo, fi<strong>que</strong>ifascina<strong>do</strong> com esse homem extraordinário<strong>que</strong> consi<strong>de</strong>ro a figura central<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rnismo europeu. Escrevi entãoum pe<strong>que</strong>no texto para o “TLS”[“Times Literary Supplement”] e, emseguida “Cork”, um conto <strong>do</strong> volume“The Destiny of Nathalie X and OtherStories”. Mais tar<strong>de</strong> fiz a introduçãoa uma nova edição em inglês <strong>do</strong> “Livro<strong>do</strong> Desassossego”. É por causa<strong>de</strong>sta figura maior da literatura <strong>que</strong>Lisboa surge com frequência na minhaobra. A personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pessoaé fascinante, tal como as <strong>do</strong>s poetasWallace Stevens e T.S. Eliot; o primeirotrabalhava em seguros e o segun<strong>do</strong>num banco, o <strong>que</strong> <strong>de</strong>monstra comoa figura pública po<strong>de</strong> ser tão diferenteda verda<strong>de</strong>ira personalida<strong>de</strong>. Tu<strong>do</strong>isto tem a ver com a <strong>que</strong>stão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>- e Pessoa, com os seus heterónimos,é mais e melhor <strong>do</strong> <strong>que</strong> to<strong>do</strong>sos outros, é um universo em si próprio.Com 50 anos <strong>de</strong> atraso, ele está,agora, a tornar-se conheci<strong>do</strong> em Inglaterra.Os seus <strong>do</strong>is últimos romances,“Inquietu<strong>de</strong>” e “Tempesta<strong>de</strong>”,tratam exactamente <strong>de</strong> um<strong>do</strong>s temas “canónicos” da pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>:a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>indivíduo, a sua perda, procuraou transformação.Creio <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é uma das preocupaçõesmais prementes <strong>do</strong> serhumano. Hoje em dia estamos maisconscientes <strong>de</strong>sse facto e colocamos,continuamente, as eternas <strong>que</strong>stões:po<strong>de</strong>ríamos ter ti<strong>do</strong> uma vida diferente?Será <strong>que</strong> somos sempre aÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 23


Jornal Oficial:Um escritorpacifica<strong>do</strong>:“Há <strong>que</strong>mdiga <strong>que</strong> sou<strong>de</strong>masia<strong>do</strong>feliz para serum excelenteromancista”PEDRO MARTINHOlisboaSessão <strong>de</strong> encerramento > Entrega <strong>do</strong> Prémio <strong>do</strong> públicoSessão conjunta com DocLisboa > Abertura da secção Heartbeatbenda bilili !<strong>de</strong> Florent <strong>de</strong> la Tullaye e Renaud Barret16 outubro 22h00 > são jorge 1Documentário musical <strong>que</strong> extravasa energiaalmadaSessão <strong>de</strong> encerramentogainsbourg (vie heroï<strong>que</strong>)<strong>de</strong> Joann Sfar17 outubro 21h30 > f. m. romeu correia,auditório fernan<strong>do</strong> lopes-graçaUm retrato singular, imaginativo e cheio <strong>de</strong>ternura <strong>de</strong> um mito maior da canção francesaportoSessão <strong>de</strong> abertural’illusioniste<strong>de</strong> Sylvain Chomet19 outubro 21h30 > fundação <strong>de</strong> serralvesPoesia, ternura e melancolia nesta vibrantehomenagem a Jac<strong>que</strong>s Tatiguimarãesle petit nicolas<strong>de</strong> Laurent Tirard21 outubro 14h30 > c. cultural vila florO mais célebre <strong>do</strong>s alunos franceses pela primeiravez no cinema, para gáudio <strong>de</strong> miú<strong>do</strong>s e graú<strong>do</strong>sfaroSessão <strong>de</strong> aberturamicmacs à tire-larigot<strong>de</strong> Jean-Pierre Jeunet24 outubro 21h30 > teatro mun. <strong>de</strong> faroO cria<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Ámelie regressa com o seu habitualimaginário <strong>de</strong>senfrea<strong>do</strong>, poético e diverti<strong>do</strong>coimbraSessão <strong>de</strong> abertural’arnacœur<strong>de</strong> Pascal Chaumeil3 novembro 21h00 > t. a. g. v.Um <strong>de</strong>licioso frente-a-frente cheio <strong>de</strong> humorentre o sedutor Romain Durise a irresistível Vanessa ParadisPARCEIROS MÉDIAPARCEIROSINSTITUCIONAISmesma pessoa? O <strong>que</strong> mu<strong>do</strong>u <strong>de</strong>s<strong>de</strong>a nossa juventu<strong>de</strong>? Perguntas <strong>de</strong>stetipo são feitas por toda a gente enão apenas por escritores.To<strong>do</strong>s vivemos várias vidas?Vamos mudan<strong>do</strong> radicalmente. Mantenhoum diário <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os meus 18anos e, através <strong>de</strong>le, consigo regredirno tempo e ver um “eu” <strong>que</strong>, ao longo<strong>do</strong>s anos, se vai revelan<strong>do</strong> candidamente,sem qual<strong>que</strong>r disfarce.Acontece não me reconhecer, o <strong>que</strong>se torna cada vez mais evi<strong>de</strong>nte à medida<strong>que</strong> envelheço. No caso <strong>de</strong> “Tempesta<strong>de</strong>”levei o tema até às últimasconsequências, uma vez <strong>que</strong> AdamKindred é <strong>de</strong>sapossa<strong>do</strong> <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> aquilo<strong>que</strong> faz parte da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> contemporânea:cartões <strong>de</strong> crédito, telemóveis,casas, empregos, e é remeti<strong>do</strong>para uma condição quaseanimalesca.Adam regressa ao grau zero daexistência numa regressão muitorápida. Foi sua intenção mostrara capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência e <strong>de</strong>adaptação <strong>do</strong>s seres humanos?Sim. Quan<strong>do</strong> Adam se vê obriga<strong>do</strong> a<strong>de</strong>vorar uma gaivota bate no fun<strong>do</strong>,mas consegue inverter a sua <strong>que</strong>da.Já escrevi quatro romances em torno<strong>de</strong>ste assunto e interrogo-me se nãoserá por<strong>que</strong> atingi um ponto na minhavida em <strong>que</strong> sinto necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> me <strong>que</strong>stionar. Tenho um passa<strong>do</strong>complica<strong>do</strong> e, quan<strong>do</strong> me perguntamon<strong>de</strong> estão as minhas raízes, não tenhocertezas <strong>de</strong> nada. A minha própriahistória é muito vaga, e talvezseja essa a razão <strong>do</strong> meu interessepelas <strong>que</strong>stões da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.Quem acompanha a sua obratem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seguirtambém a sua vida, os seushumores e os seus interesses: osprimeiros livros são passa<strong>do</strong>sem África, segue-se o perío<strong>do</strong>americano – com o <strong>de</strong>lirante“Stars and Bars” e os contos<strong>de</strong> “On the Yankee Station” – e<strong>de</strong>pois, ao longo <strong>do</strong>s anos, vaiabordan<strong>do</strong> temas diferentes emcenários distintos, e<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para trás a ironiamuito corrosiva <strong>do</strong>s seusprimeiros romances.To<strong>do</strong>s os meus romances são diferentes,sempre <strong>de</strong>sejei sentir-me estimula<strong>do</strong>e curioso em relação a assuntostotalmente distintos uns <strong>do</strong>s outros.Tenho a noção <strong>de</strong> <strong>que</strong> “Stars andBars” é o meu livro mais engraça<strong>do</strong>mas, por exemplo, “Armadillo” tambémé uma comédia.Retoma essa veia em“Tempesta<strong>de</strong>”, on<strong>de</strong> surgemsituações e personagensbastante cómicas.Sim, há sempre absur<strong>do</strong>, ironia e humornegro nos meus romances, o <strong>que</strong><strong>de</strong>ve ter a ver com o meu temperamento.Mas, quan<strong>do</strong> penso no <strong>que</strong> jáescrevi, reparo <strong>que</strong>, em três <strong>do</strong>s meuslivros (“As Novas Confissões”, “Viagemao Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> um Coração” e,agora, “Tempesta<strong>de</strong>”), me preocupeiem criar ficções tão reais quanto possível.Desce o início da ameaçaterrorista à escala global, em2001, as pessoas são vigiadas ato<strong>do</strong> o instante. Parece quaseimpossível <strong>que</strong> alguém, comoo seu protagonista, consiga<strong>de</strong>saparecer por completo emLondres.É verda<strong>de</strong>. Em Inglaterra temos maiscâmaras <strong>de</strong> vigilância por cidadão <strong>do</strong><strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r outro país. No entantohá 200 mil <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong>s e nem to<strong>do</strong>sestão mortos; há a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> conseguiramescapar ao radar social.Para o fazer é preciso, no entanto,abdicar <strong>de</strong> uma vida confortável: nãose po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar qual<strong>que</strong>r vestígio,paga-se tu<strong>do</strong> com dinheiro, procurasecomida no lixo. É uma existênciamuito básica e precária. Des<strong>de</strong> <strong>que</strong>escrevi este livro acontece-me andarem Londres e reparar com muita acuida<strong>de</strong>nos Adams Kindred com os <strong>que</strong>me cruzo. O meu olhar mantém-sefoca<strong>do</strong> nessas pessoas <strong>que</strong>, por escolhaou necessida<strong>de</strong>, saltaram parafora <strong>do</strong> século <strong>XX</strong>I.Em <strong>de</strong>terminada altura, Adamprocura ajuda na Igreja <strong>de</strong>St John Christ, on<strong>de</strong> tambémas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s se diluem (atémesmo a <strong>de</strong> Jesus Cristo). Toda agente se chama John (homens emulheres), toda a gente tem umnúmero. É essa a sua visão <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> distópica?Em situações extremas as pessoaspo<strong>de</strong>m ser seduzidas e cair em armadilhas.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>sta igreja, <strong>que</strong> euinventei, é cómica, mas existem lugaressemelhantes, liga<strong>do</strong>s a religiõesfundamentalistas, evangélicas.Em “Tempesta<strong>de</strong>” aspersonagens nunca sãototalmente boas nem totalmentemás: a prostituta a<strong>do</strong>ra o filho,o assassino empe<strong>de</strong>rni<strong>do</strong> amao cão, o executivo impie<strong>do</strong>so ésentimental e ingénuo, o próprioAdam muda constantemente…Sim, neste romance tentei incutir uma24 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


certa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção. Até mesmoAdam acaba por amar Rita, o <strong>que</strong> lhedá uma enorme serenida<strong>de</strong>. Existealgo nas pessoas a <strong>que</strong> não se consegueresistir: o po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> afectoe <strong>de</strong> amor, bem como a ânsia <strong>de</strong>reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses sentimentos.O título <strong>de</strong>ste livro estárelaciona<strong>do</strong> com o facto <strong>de</strong>Adam ser um climatologista.Serve-lhe <strong>de</strong> metáfora parao facto <strong>de</strong> a existência daspessoas – apesar <strong>de</strong> toda a novatecnologia e da ciência – ser tãoimprevisível quanto o tempo?Penso <strong>que</strong> as nossas vidas são regidaspela boa e pela má sorte <strong>que</strong> temos.Adam, <strong>que</strong> parece uma figura quasedivina – um homem <strong>que</strong> produz chuva–, é impotente perante as forças dapouca sorte. Esta i<strong>de</strong>ia da força <strong>do</strong>“<strong>de</strong>stino” está sempre presente nasminhas obras.Adam é um homem bemforma<strong>do</strong>. Exactamente por ser<strong>de</strong>cente, simpático e afável é <strong>que</strong>cai em <strong>de</strong>sgraça. Não existe, nasua obra, qual<strong>que</strong>r “justiça”,seja divina ou <strong>do</strong>s homens?Claro. Os acontecimentos, em “Tempesta<strong>de</strong>”,reflectem essa absoluta indiferença<strong>do</strong> universo, <strong>que</strong>, emborapensemos o contrário, não nos <strong>de</strong>venada. É uma <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> lançar os da<strong>do</strong>s,<strong>de</strong> atirar a moeda ao ar. Há poucotempo terminámos as filmagens daadaptação televisiva <strong>de</strong> “Viagem aoFun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Coração”, um romance em<strong>que</strong> está bem patente esta i<strong>de</strong>ia, principalmenteno <strong>que</strong> diz respeito aoprotagonista, Logan Mountstuart, <strong>que</strong>encara tu<strong>do</strong> o <strong>que</strong> lhe acontece comoproduto da boa e da má sorte, o <strong>que</strong>irrita os amigos. Não compreen<strong>de</strong>mcomo é <strong>que</strong> ele po<strong>de</strong> viver com uma“Tenho um passa<strong>do</strong>complica<strong>do</strong> e, quan<strong>do</strong>me perguntam on<strong>de</strong>estão as minhasraízes, não tenhocertezas <strong>de</strong> nada.A minha própriahistória é muito vaga,e talvez seja essaa razão <strong>do</strong> meuinteresse pelas<strong>que</strong>stões dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”filosofia tão básica. Mas por<strong>que</strong> não?Fazemos o <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos, mas, no final,o <strong>que</strong> é <strong>que</strong> isso conta?A meio <strong>do</strong> livro, acontece algomuito interessante: o início<strong>do</strong> <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong> gran<strong>de</strong>, rico epo<strong>de</strong>roso Ingram coinci<strong>de</strong> com oprincípio da ascensão <strong>de</strong> Adam.Foi por acaso ou fazia parte <strong>do</strong>seu projecto para a trama?Começo sempre por fazer um plano,sem o qual não trabalho. Por vezeslevo mais tempo a fazer pesquisa e aarquitectar <strong>do</strong> <strong>que</strong> a escrever. No caso<strong>de</strong> Ingram era óbvio para mim <strong>que</strong>o seu <strong>de</strong>clínio começa quan<strong>do</strong> ele seapercebe <strong>que</strong> é totalmente impotenteface à <strong>do</strong>ença.O rio Tamisa surge como umaespécie <strong>de</strong> personagem extraneste romance. Porquê toda estaimportância?Só quan<strong>do</strong> acabei <strong>de</strong> o escrever é <strong>que</strong>me apercebi da importância <strong>do</strong> rio,<strong>que</strong> surge como um ser vivo, mutável,complexo. Sabia <strong>que</strong> o ia usar masnão esperava <strong>que</strong> se tornasse tão omnipresente.O livro começa num ponto<strong>que</strong> é mesmo ao la<strong>do</strong> da minhacasa e observo sempre com espantoas marés <strong>que</strong> criam um <strong>de</strong>snível <strong>de</strong>cinco metros nas águas, tornan<strong>do</strong> asmargens sempre diferentes. É umapresença muito forte.Em “Tempesta<strong>de</strong>”acontecimentos semelhantessão vivi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> maneira diferentepor pessoas diferentes: o <strong>que</strong>é óptimo para alguns po<strong>de</strong>ser terrível para outros. Acha<strong>que</strong> estas contradições criammal-entendi<strong>do</strong>s com gravesrepercussões na vida daspessoas?Sim. Remeto-me para a minha obsessãopor Tchékhov: as suas históriassão muitas vezes sobre pessoas <strong>que</strong><strong>de</strong>veriam acabar juntas, mas <strong>que</strong> sãovítimas <strong>de</strong> algum acontecimento – porvezes algo completamente fútil, idiota– <strong>que</strong> lhes estraga a vida. No nossodia-a-dia vemos amigos e conheci<strong>do</strong>sa soçobrarem e pensamos no <strong>que</strong> é<strong>que</strong> aconteceu para <strong>que</strong> tenham es<strong>que</strong>ci<strong>do</strong>o <strong>que</strong> é fundamental nas suasvidas; também há pessoas <strong>que</strong>acham <strong>que</strong> têm <strong>que</strong> ser necessariamentefelizes mas falham, e falhar éa coisa mais humana <strong>que</strong> existe. Falhamosmesmo quan<strong>do</strong> as oportunida<strong>de</strong>sestão diante <strong>do</strong>s nossos olhos.Tchékhov é muito mo<strong>de</strong>rno por<strong>que</strong>as suas personagens não são idiotasnem irresponsáveis, nem cegas, sãoapenas pessoas.Este livro é um “thriller”, masfoge aos cânones <strong>do</strong> género. Nãoexiste um fim, uma solução.Não se fica a saber o <strong>que</strong> po<strong>de</strong>ráacontecer e o suspense continuapara além da acção.Costumo retirar alguma coisa <strong>do</strong>s romances<strong>de</strong> género – em “Armadillo”,<strong>do</strong>s livros sobre conspirações; em “Inquietu<strong>de</strong>”,<strong>do</strong>s <strong>de</strong> espionagem – e usooscomo uma espécie <strong>de</strong> motor <strong>que</strong>mantém em funcionamento a minha“bela máquina”, a minha narrativa.Acredito <strong>que</strong> o <strong>que</strong> faz com <strong>que</strong> o leitorsinta a necessida<strong>de</strong> irresistível <strong>de</strong> continuara ler é a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber o <strong>que</strong>vai acontecer. Procuro transmitir essaenergia. Às vezes até me aborrece <strong>que</strong>as pessoas digam <strong>que</strong> leram um <strong>do</strong>smeus livros sem parar (risos); é o caso<strong>de</strong> “Tempesta<strong>de</strong>”. Houve críticos <strong>que</strong>disseram <strong>que</strong> este romance era “fácil”,como se isso fosse um <strong>de</strong>feito (risos).Tem afirma<strong>do</strong> <strong>que</strong> evita o“<strong>de</strong>mónio da especificida<strong>de</strong>”e costuma baralhar as pistas,como acontece neste romance.Porquê?Quan<strong>do</strong> escrevo um livro cuja acçãose passa no passa<strong>do</strong> tento ser criteriosopara <strong>que</strong> tu<strong>do</strong> surja com enormeexactidão. O meu próximo romanceinicia-se em Viena, em 1913, e a minhapesquisa tem si<strong>do</strong> tão exaustiva quantopossível. Mas quan<strong>do</strong> escrevo sobreo aqui e agora, da<strong>do</strong>s específicos – o<strong>que</strong> está a dar na televisão, <strong>que</strong>m ganhouo Campeonato <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, o <strong>que</strong>diz o primeiro ministro – tornam-seimediatamente data<strong>do</strong>s. Foi por isso<strong>que</strong>, neste livro, evitei mencionar nomese lugares. Quero <strong>que</strong> o livro sejaintemporal e possa ser li<strong>do</strong> da mesmaforma em 2020, por exemplo. Não<strong>que</strong>ro <strong>que</strong> certos <strong>de</strong>talhes contribuampara encerrar os meus livros numacápsula <strong>do</strong> tempo.Dedica to<strong>do</strong>s os seus livros à suamulher, Susan.Sempre <strong>que</strong> acabo <strong>de</strong> escrever umlivro penso <strong>que</strong> não há mais ninguéma <strong>que</strong>m o possa <strong>de</strong>dicar. Ela acompanha-meno processo e é a minha primeiraleitora e uma crítica severa. Naverda<strong>de</strong>, é a minha arma secreta.Não há dúvida <strong>de</strong> <strong>que</strong> parece seruma pessoa felizÉ verda<strong>de</strong>. Há <strong>que</strong>m diga <strong>que</strong> sou <strong>de</strong>masia<strong>do</strong>feliz para ser um excelenteromancista (risos). Mas <strong>que</strong> diabo, nãoé preciso ser-se infeliz, <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>,triste. Um gran<strong>de</strong> amigo meu, romancista,<strong>que</strong> também tem uma vida felize estável, diz sempre <strong>que</strong> <strong>que</strong>m andaà <strong>de</strong>riva numa jangada num mar infesta<strong>do</strong><strong>de</strong> tubarões não precisa <strong>de</strong>saltar para a água, só para experimentara sensação <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vora<strong>do</strong>.Ver crítica <strong>de</strong> livros na pág. 36 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 25


ExposiçõesDANIEL ROCHAHá exposições on<strong>de</strong> nos po<strong>de</strong>mosper<strong>de</strong>r, sem receios, acompanha<strong>do</strong>sapenas pelo corpo das obras. “Silvae”,<strong>que</strong> inaugura hoje na Culturgest,em Lisboa, é uma exposiçãoassim. Reúne pinturas e <strong>de</strong>senhos<strong>que</strong> João Queiroz (Lisboa, 1957) produziuao longo <strong>de</strong> 20 anos e <strong>de</strong>volveao especta<strong>do</strong>r um olhar silenciososobre os pe<strong>que</strong>nos acontecimentosda Natureza. De uma forma muitosingela, tradicional mesmo, via pintura,<strong>de</strong>senho e um (cada vez menos)familiar género pictórico: a paisagem.As duas galerias da Culturgest estãoliteralmente ocupadas. Com aguarelas,pinturas a óleo, <strong>de</strong>senhos a carvão,lápis <strong>de</strong> cor. Uma floresta na qualse vislumbram paisagens, arbustos,árvores e outros motivos. Uma floresta<strong>que</strong> tem um autor e uma origem.“O [meu] interesse pela paisagemvem da pintura e menos <strong>de</strong> um interesseromântico pela natureza”, explicaJoão Queiroz. “Vem da experimentaçãovisual <strong>do</strong> século XIX. E estárelaciona<strong>do</strong> com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ver as coisas <strong>de</strong> outra maneira, <strong>de</strong> relacionaro acto <strong>de</strong> ver com o acto <strong>de</strong>fazer. É um tema a <strong>que</strong> a paisagempermitiu imensas experiências, começan<strong>do</strong>logo pelas <strong>do</strong> Cézanne”. Foi noencalço <strong>de</strong>sta tradição, <strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong>,“para ver se ainda podia ter uma continuaçãopertinente”, <strong>que</strong> o artista(influencia<strong>do</strong> pelo pensamento visual<strong>que</strong> encontrou na Filosofia enquantoestudante da disciplina na Faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> Letras <strong>de</strong> Lisboa) chegou ao objectocentral da sua obra: a percepção danatureza. “No fun<strong>do</strong>, interessa-me apercepção, a percepção <strong>que</strong> está comprometidacom esse olhar, com esseformar <strong>do</strong>s objectos”.To<strong>do</strong> o corpo vêna pintura <strong>de</strong> João Queiroz“Silvae”, a primeira antológica <strong>de</strong> João Queiroz, é um reencontro generoso com a paisagem,neste mun<strong>do</strong> abati<strong>do</strong> sob o peso <strong>de</strong> imagens, ecrãs e pixéis. Pinturas e <strong>de</strong>senhos feitos com ocorpo e para ver com o corpo, na Culturgest, em Lisboa. José Marmeleira26 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


A natureza e a paisagemtornaram-se o objecto central<strong>do</strong> percurso <strong>de</strong> João Queiroz apartir <strong>de</strong> uma residênciaartística no Feital, Beira AltaUm território por explorar“Silvae” indicia os sinais inaugurais<strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> tema logo na primeiragaleria, on<strong>de</strong> corre uma narrativa cronológicacomposta por obras produzidasentre 1992 e 1996. São exercícios,investigações livres, realiza<strong>do</strong>s porJoão Queiroz quan<strong>do</strong> ensinava Desenhoe Pintura na Ar.Co - como os <strong>de</strong>senhosfeitos com um capacete ou àfrente <strong>de</strong> uma televisão. “Os motivos<strong>de</strong>sse perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> experimentação estãorelaciona<strong>do</strong>s com a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> pensar o exercício <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho, fazen<strong>do</strong>movimentar a percepção, aimaginação, o corpo”, revela. “Comoé <strong>que</strong> a minha maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rqual<strong>que</strong>r coisa canaliza ou modalizaa minha visão, como é <strong>que</strong> a minhaestrutura corporal também o faz?”Fundamental neste <strong>que</strong>stionamento,o <strong>de</strong>senho estabelece, num senti<strong>do</strong>lato e prático, uma relação directacom a interpretação visual da naturezae <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. “A memória tambémé importante, mas no fun<strong>do</strong> é com ele<strong>que</strong> registamos a agregação <strong>do</strong> <strong>que</strong>estamos a fazer. Numa multiplicida<strong>de</strong><strong>de</strong> actos <strong>que</strong> temos à nossa frente, o<strong>de</strong>senho é um processo <strong>de</strong> escolha”.Que antece<strong>de</strong> a pintura? “Sim. Nãovou fazer a pintura da<strong>que</strong>le ou <strong>do</strong>utro<strong>de</strong>senho, mas os <strong>de</strong>senhos <strong>que</strong> acumuleiservem muitas vezes <strong>de</strong> base aotipo <strong>de</strong> relações <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois se vão estabelecerna pintura com a cor, a luz,a pincelada”. Exemplar <strong>de</strong>ste méto<strong>do</strong>(<strong>que</strong>, sublinhe-se, não tem um carácterprescritivo), a série “O Ecrã noPeito”, <strong>de</strong> 1999, organiza-se como um<strong>do</strong>s léxicos a <strong>que</strong> o artista recorre nasua pintura <strong>de</strong> atelier: paisagens e pormenores<strong>de</strong> paisagens, arbustos, caminhos,ervas, <strong>de</strong>senha<strong>do</strong>s com ocarvão <strong>de</strong> pauzinhos <strong>que</strong>ima<strong>do</strong>s numalareira na Beira Alta.O momento em <strong>que</strong> paisagem e anatureza se abriram como territórios<strong>de</strong> exploração aconteceu em 1997 duranteuma residência artística, <strong>de</strong>dicadaao <strong>de</strong>senho, no Feital, Beira Alta.“Tu<strong>do</strong> aquilo <strong>que</strong> vinha a fazer antes,<strong>que</strong> começara a apren<strong>de</strong>r e a <strong>de</strong>senvolver,começou a permitir-me ter instrumentospara criar uma relação naturalcom o <strong>que</strong> pensava e via. Foi umapassagem”. Para trás ficava o peso conceptual<strong>do</strong>s exercícios, a ênfase noprocesso, embora já nessa altura nuncaestivesse em causa – tal como hoje– o efeito sobre o especta<strong>do</strong>r. Reparesenas pinturas <strong>de</strong> cores e superfícies<strong>de</strong> cera dura datadas <strong>de</strong> 1994, <strong>que</strong> convidamao tacto, ao to<strong>que</strong> da mão. Têmuma espessura <strong>que</strong> lembra a da pele.E o corpo? On<strong>de</strong> fica o corpo? “A pintura,com os materiais da tela, acrescentauma dimensão háptica ao acto“Certa pinturaoferece umaaproximaçãoà imagem maiscomprometida como corpo. Po<strong>de</strong> (...)permitir retomaro gosto pelo acto<strong>de</strong> ver”João Queiroz<strong>de</strong> olhar”, respon<strong>de</strong> João Queiroz. “Colocamosos olhos <strong>de</strong> maneira diferenteao aproximarmo-nos e afastarmonos.A pintura e o <strong>de</strong>senho dão muitoespaço a essa experimentação. To<strong>do</strong>o corpo vê, os olhos não são mais <strong>do</strong><strong>que</strong> uma parte especializada”.A natureza é outro corpoTo<strong>do</strong> o corpo vê em “Silvae”, <strong>que</strong> pertoda segunda galeria se baralha cronologicamente,transforman<strong>do</strong>-senum emaranha<strong>do</strong> <strong>de</strong> sensações, impressõese percepções em <strong>que</strong> o pe<strong>que</strong>no(ervas, vegetação) confronta ogran<strong>de</strong> (o céu, um arvore<strong>do</strong>). Algumasobras reúnem-se pela primeira vez e<strong>de</strong>scobrem-se salas invernais, zonasiluminadas, folhagens ameaça<strong>do</strong>ras.Desenhos <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s, luz, negrume.Cores <strong>que</strong>ntes, formas feitas com ma<strong>de</strong>ira<strong>que</strong>imada ou a sanguínea. E aabstracção? Devemos falar <strong>de</strong>la? “Hámomentos ou formas <strong>que</strong> estão mais<strong>de</strong>pura<strong>do</strong>s ou simplifica<strong>do</strong>s, mas nuncahá um movimento à Mondrian. Nãovai por aí. Já foi feito e muito bem”.Em certas pinturas, porém, a paisagemestá apenas subentendida numrelação <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>s e mo<strong>de</strong>los.“Quan<strong>do</strong> isso se verifica, pre<strong>do</strong>minaa relação com a pintura, a cor e a matéria.Mas quan<strong>do</strong> está menos subentendida,<strong>de</strong>svia-se da materialida<strong>de</strong>.Eu gosto <strong>de</strong> trabalhar entre esses espaços:nem é a representação completa,nem é a abstracção completa”.O fazer e o interpretar da representaçãoprovoca uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m dasformas e das cores <strong>que</strong> agrada ao artista:“Quan<strong>do</strong> há uma or<strong>de</strong>m, háuma hierarquização. Acho muito interessanteeste exercício <strong>de</strong>, no olhar,<strong>de</strong>sierarquizar, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nar as coisas.O <strong>que</strong> é pe<strong>que</strong>no, o <strong>que</strong> é uma vibraçãopo<strong>de</strong> constituir-se como a coisamais importante, singular. A coisamais or<strong>de</strong>nada <strong>que</strong> há é a arte naïf. Étu<strong>do</strong> nome e números, uma <strong>de</strong>scriçãocom uma gramática muito simples.Nela sei o <strong>que</strong> é o adjectivo, o substantivo,o <strong>que</strong> é verbo. Na minha nãosei, toda a or<strong>de</strong>m gramatical per<strong>de</strong>-seum boca<strong>do</strong>”.A figura humana, e com ela um conjunto<strong>de</strong> <strong>que</strong>stões (psicológicas, sociológicas,antropológicas), está ausentedas telas <strong>de</strong> João Queiroz. Restam apenaso corpo <strong>do</strong> próprio artista e o <strong>do</strong>especta<strong>do</strong>r diante da pintura e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho.O outro, a existir é a natureza.“A partir <strong>de</strong>ssa noção <strong>do</strong> corpo, sentimos<strong>que</strong> partilhamos alguma coisacom a natureza, <strong>que</strong> há algo <strong>de</strong> imanente.Que fazemos parte da mesmamatéria. Ao mesmo tempo ela dá-nosuma certa noção <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong>. Issotambém acontece com as pessoas.Sentimos <strong>que</strong> têm a ver connosco, massentimos <strong>que</strong> são o outro”.Há telas pe<strong>que</strong>nas, outras com escalasmaiores <strong>que</strong> permitem <strong>que</strong> o corpová <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> ao outro. E pressentemsedinâmicas diferentes <strong>do</strong> gesto, àsquais correspon<strong>de</strong>m olhares e aproximaçõesdiferentes. “Silvae” é uma exposição<strong>de</strong> pintura e <strong>de</strong>senho no século<strong>XX</strong>I. O <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ela dizer a um mun<strong>do</strong>abati<strong>do</strong> sob imagens, ecrãs, pixéis?O <strong>que</strong> lhe po<strong>de</strong> oferecer? João Queirozsorri entusiasma<strong>do</strong> e respon<strong>de</strong>: “Certapintura oferece uma aproximação àimagem mais comprometida com ocorpo. Po<strong>de</strong> enri<strong>que</strong>cer a mundivi<strong>de</strong>nciadas pessoas, permitir-lhes retomaro gosto pelo acto <strong>de</strong> ver”.Ver agenda <strong>de</strong> exposições pág. 46Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 27


LAURE CEILLIERJustinBondFestivalMassimo FurlanÉ o único dia <strong>de</strong> 1987 <strong>que</strong> interessa, o dia em <strong>que</strong> Madjer marcou um golo <strong>que</strong> tinha <strong>de</strong> serinventa<strong>do</strong>. Massimo Furlan volta a marcar esse golo hoje no Trama. Luís Octávio CostaEsta émais uma assombração<strong>que</strong> vive na cabeça <strong>de</strong> MassimoFurlan, uma cabeça cheia <strong>de</strong> fantasmas– cheia <strong>de</strong> heróis, o <strong>que</strong> vai darao mesmo – <strong>que</strong> têm transforma<strong>do</strong> acarreira <strong>de</strong>ste performer suíço, filho<strong>de</strong> pais italianos, numa sucessão <strong>de</strong>exorcismos. “É uma <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> memória.Tu<strong>do</strong> tem a ver com a memóriae com a minha própria vida, <strong>que</strong>foi totalmente banal”, disse ao Ípsilon,<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> a fazer uma viagem ao centro<strong>de</strong> Massimo Furlan, o homem <strong>que</strong>esta noite vai ser Madjer, o número 8,sozinho no Estádio <strong>do</strong> Dragão.Se lá no fun<strong>do</strong> ele e os primos aindaestão a montar um circo na sala àfrente <strong>do</strong>s avós, Massimo Furlan inventa“Palo Alto” e dá nova vida aacrobatas, malabaristas, palhaços eao incrível <strong>do</strong>ma<strong>do</strong>r <strong>de</strong> leões. Se elee a irmã ainda estão senta<strong>do</strong>s no sofána<strong>que</strong>la noite <strong>de</strong> Abril à espera <strong>do</strong>fascinante Festival Eurovisão da Canção,Massimo Furlan penteia a cabeleiraloira, veste a camisa <strong>de</strong> cetim epercorre os figurinos <strong>de</strong> “1973”. Secontinua marca<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>scolagemda primeira viagem <strong>de</strong> avião <strong>do</strong> pai,Massimo Furlan <strong>de</strong>safia a gravida<strong>de</strong>e tenta levantar voo em “InternationalAirport”. Se o pe<strong>que</strong>no Massimoainda corre <strong>de</strong> pijama com um cachecolata<strong>do</strong> ao pescoço afazer <strong>de</strong> capa, o gran<strong>de</strong> Massimo dáa volta ao mun<strong>do</strong> em <strong>do</strong>is segun<strong>do</strong>sem “(Love Story) Superman”.“Gostava <strong>de</strong> imaginar <strong>que</strong> era osuper-homem. Ainda na semana passadaestive no topo <strong>de</strong> um edifício emToulouse e controlei toda a cida<strong>de</strong>”,conta Massimo Furlan, <strong>que</strong> hoje nãotem nada a ver. Hoje é dia 27 <strong>de</strong> Maio<strong>de</strong> 1987. Estamos no Porto, mas estamosem Viena. Estamos no Estádio<strong>do</strong> Dragão, mas os “dragões” estãono Prater, a ganhar uma Taça <strong>do</strong>sCampeões Europeus com um golo <strong>de</strong>calcanhar <strong>de</strong> Madjer. “Jogava sozinhono meu quarto com uma pe<strong>que</strong>nabola e imaginava-me no meio <strong>de</strong> umestádio, on<strong>de</strong> era o herói. Ouvia o relatoem directo e quan<strong>do</strong> perdia osinal no rádio inventava. Nunca jogueinuma equipa real <strong>de</strong> futebol,mas sempre imaginei ser um campeão.Sozinho fui campeão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,fui vence<strong>do</strong>r da Liga <strong>do</strong>s Campeões,até já fui melhor marca<strong>do</strong>r <strong>de</strong>várias competições”.Logo à noite, Massimo Furlan será70 quilos <strong>de</strong> Madjer em “Furlan/número8”, e reproduzirá to<strong>do</strong>s os movimentos<strong>do</strong> joga<strong>do</strong>r argelino. Estarásozinho no relva<strong>do</strong>. Sem adversários,sem colegas <strong>de</strong> equipa, sem bola. OFC Porto-Bayern está marca<strong>do</strong> paraas 21h. O relato, <strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> Couto,O calcanhar <strong>de</strong>será transmiti<strong>do</strong> em1982) e Michel Platini, como nesta foto(no França-Alemanha <strong>de</strong>sse ano).boratório: “Como representar umamemória e dar-lhe forma? E como dardirecto em 102.1 FM (é obrigatórioaos especta<strong>do</strong>res algo?” Especta<strong>do</strong>reslevar um rádio portátil). E tu<strong>do</strong> isto O falso Madjeré como <strong>que</strong>m diz. “Às tantas as pessoasé uma manobra produzida pelo Trama- Festival <strong>de</strong> Artes Performativas,cuja quinta edição começou ontemno Porto.“Recor<strong>do</strong> figuras heróicas, personagens<strong>que</strong> tocaram toda a gente.Uso a parte <strong>de</strong> ficção da minha memória.Por<strong>que</strong> é <strong>que</strong> me lembro <strong>de</strong>tanta coisa e não <strong>de</strong> outra parte daminha vida? [silêncio] Por isso é <strong>que</strong>reinvento as minhas memórias. Existeuma parte intuitiva da memóriaíntima e existe a memória colectiva,<strong>que</strong> neste caso é a <strong>do</strong> FC Porto. Euexploro esse cruzamento entre asduas memórias”, explica o performer,com ida<strong>de</strong> para ter juízo. “Tenho45 anos e não tenho ida<strong>de</strong> paraser um joga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> futebol. É violentofazer to<strong>do</strong>s a<strong>que</strong>les movimentos,os protestos, os remates, o centroO jogo <strong>de</strong>sta noite é o FC Porto-Bayern<strong>de</strong> 1987 segun<strong>do</strong> o guião <strong>de</strong> Madjer.“No campo ele enerva-se, fala comos colegas para os motivar, é muitoexpressivo”. “Spoiler alert”: “E <strong>de</strong>uo nome a um golo: É um Madjer! Éincrível dar o nome a um golo”.A performance <strong>do</strong> Dragão “temmuito <strong>de</strong> real, <strong>de</strong> burlesco e <strong>de</strong> patéticoaté”. Furlan/número 8” é “precisamenteo contrário” daquilo <strong>que</strong>Douglas Gor<strong>do</strong>n e Philippe Parrenofizeram com “Zidane” (apontaramlhe<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> câmaras xpto duranteum jogo <strong>do</strong> campeonato espanhole fizeram <strong>do</strong> francês uma obra <strong>de</strong> arte).“Sou o contrário <strong>de</strong>sse filme. Preenchoo estádio com a imaginação.Não sou o Madjer, sou o falso. Mascorro e sofro”. O Dragão será um la-já não são especta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> umaperformance. Vestem a pele <strong>do</strong> a<strong>de</strong>ptopor<strong>que</strong> conhecem os códigos, oscânticos. É impressionante. Jogam ojogo. Só há actores”.Trinta e tal anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter disputa<strong>do</strong>sozinho o Campeonato <strong>do</strong>Mun<strong>do</strong> aos saltos na cama, Furlan<strong>de</strong>testa “aquilo em <strong>que</strong> se transformouo futebol”. A<strong>do</strong>ra a selecção italiana,mas o futebol é “um produto<strong>de</strong>masia<strong>do</strong> comercial”. “É difícil encontrara paixão lá no meio. Não gosto,mas quan<strong>do</strong> o jogo começa surgea emoção da infância. As pessoasguardam essa paixão toda a vida,mesmo conhecen<strong>do</strong> a horrível transformação<strong>do</strong> futebol”.No limte, resta ele, Madjer. “Estava<strong>de</strong> costas para a baliza e Deus estava<strong>do</strong> meu la<strong>do</strong>”. Que Deus esteja <strong>do</strong> la<strong>do</strong><strong>de</strong> Furlan. Madjer, o verda<strong>de</strong>iro,para o Juary... Mas por outro la<strong>do</strong>jogo com o Futre e com outros joga<strong>do</strong>res“Recor<strong>do</strong>vai estar: voou expressamente da Ar-extraordinários”.gélia para se ver ao espelho elho a marcarfiguras heróicas,Quan<strong>do</strong> o Ípsilon falou com ele,um golo. Com o calcanharFurlan estava em plena metamorfose.personagens <strong>que</strong><strong>de</strong> Massimo Furlan.“Sei o jogo <strong>de</strong> cor. Conheço-o. Vi-oto<strong>do</strong>s os dias nestes três meses <strong>que</strong> tocaram toda a gente. Ver agenda <strong>de</strong> espectáculosna pág. 42.reservei para me preparar fisicamente”.E tenta estar em forma “para não Uso a parte <strong>de</strong> ficçãomorrer em campo”, por<strong>que</strong> <strong>de</strong>sta vez“o palco é <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>” para da minha memória” Furlan temum quarentão – <strong>que</strong> já foi Boniek (no45 anos: jogar 90Massimo Furlan“remake” <strong>do</strong> Polónia-Bélgica, <strong>de</strong>minutos é “violento”ISABELLE MEISTER28 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


Quatro alfinetesno mapa <strong>do</strong> TramaHá vida além <strong>de</strong> Massimo Furlan nesta edição <strong>do</strong> Trama:escolhemos quatro itens <strong>de</strong> um programa <strong>que</strong>, até <strong>do</strong>mingo,vai da poesia sonora à electrónica, da performance aomultimédia e <strong>do</strong> rádio portátil à festa <strong>de</strong> rua.VincentDupontSmall is beautifulVincent Dupontpartiu das miniaturasmedievais para criarum espectáculo<strong>que</strong> sintetiza o seupercurso “valetu<strong>do</strong>”(<strong>do</strong> teatropara to<strong>do</strong> ola<strong>do</strong>: dança,cinema,ví<strong>de</strong>o, artesplásticas,som). “Haut-Cris (miniature”) é <strong>do</strong>tamanho <strong>de</strong> uma exígua sala <strong>de</strong>jantar, <strong>que</strong> o corpo <strong>de</strong>smesura<strong>do</strong><strong>de</strong> Vincent torna ainda maisinabitável (ilusão óptica: étu<strong>do</strong> uma <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> escala),como se tivesse vin<strong>do</strong> para<strong>de</strong>struir a fantasia <strong>de</strong> <strong>que</strong> nãohá lugar como a nossa casa. Osenormes movimentos <strong>de</strong> Dupontproduzem sons enormes, e isto àluz <strong>de</strong> um texto (as “Tragédias”<strong>de</strong> Agrippa d’Aubigné, poetacalvinista <strong>do</strong> século XVI) <strong>que</strong>reivindica o direito à raivaem tempos <strong>de</strong> boas maneiras.Quan<strong>do</strong> Vincent grita, a sala <strong>de</strong>jantar já não é a sala <strong>de</strong> jantar: é aselva. Inês NadaisAmanhã, Auditório <strong>de</strong> Serralves, às 21h30PauloCastroO seu nome é Bond, Justin BondComo Justin Bond não podiaser Kiki para sempre, voltou aser apenas Bond, Justin Bond.Artista <strong>que</strong>er da “<strong>do</strong>wntown”nova-iorquina, formou em 1992,com o pianista Kenny Mellman,a dupla Kiki and Herb, on<strong>de</strong>encarnava uma diva octogenária(Herb era o seu octogenáriopianista) num espectáculo <strong>que</strong>cruzava cabaret e performance,“standards” <strong>de</strong> ontem ecomentário político ao mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>hoje.Kiki and Herb levou Bondà Broadway e ao Royal AlbertHall ou, no Porto a <strong>que</strong> agoraregressa, à Fundação <strong>de</strong>Serralves. Depois <strong>de</strong> o termosvisto interpretar-se a si mesmoem “Shortbus”, protagonizou“Justin Bond is Close to You”,on<strong>de</strong> reinterpretava o álbummais famoso <strong>do</strong>s Carpenters.No ano passa<strong>do</strong> lançou pelaprimeira vez um EP <strong>de</strong>MatiasAguayooriginais, “PinkSlip”. O concerto<strong>que</strong> traz ao Trama temdirecção musical <strong>de</strong>Lance Horne.Mário LopesAmanhã, no AteneuComercial, às 23h30A América Latinaé o mun<strong>do</strong>Quan<strong>do</strong> Matias Aguayo, autor<strong>do</strong> recomendadíssimo “Ay AyAy”, Gary Pimiento e uma série<strong>de</strong> “conspira<strong>do</strong>res” invadirampela primeira vez uma rua<strong>de</strong> Buenos Aires arma<strong>do</strong>scom aparelhagens portáteis,a intenção era <strong>de</strong>volver amúsica às ruas, pon<strong>do</strong>-as adançar uma festa improvisada.Chamaram a isso BumBumBoxe, entretanto, as festas chegarama Colónia ou Paris. O espírito <strong>de</strong>colaboração livre oficializou-senuma editora, a Cómeme, <strong>que</strong>amanhãterá se<strong>de</strong> no PassosManuel. No dia seguinte,Aguayo e os amigos fazem umaBumBumBox no centro <strong>do</strong> Porto.Uma confluência <strong>de</strong> sons – daluxúria <strong>de</strong> Buenos Aires àspistas <strong>de</strong> dança europeias –,sintetizada para chegar a umpulsar global. M.L.Amanhã, no Passos Manuel, à 1h; Dom.,na Praça <strong>do</strong>s Poveiros, às 19h30Paulo Castro hard-corePaulo Castro era um rapaz muitocá <strong>de</strong> casa até se ter muda<strong>do</strong>para A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong>, na Austrália. OTrama trá-lo <strong>de</strong> volta ao Portopara mostrar “Regina Contra aArte Contemporânea”, batalhacampal entre “o infame travestimadrileno Regina Fiz e omestre provoca<strong>do</strong>r Dr. Ribeiro”a partir <strong>de</strong> textos <strong>de</strong> Pinter,Houellebecq e Pasolini. O <strong>que</strong> àpartida parece uma conferênciatorna-se um jogo sexual sa<strong>do</strong>masoquistaem <strong>que</strong> não háinterditos - tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> terrorismoà liberda<strong>de</strong> sexual, é atira<strong>do</strong> àcara <strong>do</strong> público. I.N.Domingo, na Sala-Estúdio Latino, às 18hwww.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220MECENAS CICLO JAZZTony Malaby saxofonesChes Smith bateriaIngebrigt Haker Flaten contrabaixoOUT•31DOM 21:00SALA SUGGIA€ 20Michael Formanek contrabaixoTim Berne saxofone altoCraig Taborn pianoGerald Cleaver bateriaMECENAS CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICASEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITEDUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.23 OUT21:00 SALA SUGGIA | € 10ÁUSTRIA 201010ANOSMECENAS CASA DA MÚSICAREMIX ENSEMBLE CASA DA MÚSICACORO CASA DA MÚSICAPETER RUNDEL direcçãomusicalSABINE LUTZENBERGER sopranoEric Daubresse, José Miguel Fernan<strong>de</strong>zrealização informática musical IRCAMSébastien Naves engenheiro <strong>de</strong> som IRCAMMartin Antiphon técnico <strong>de</strong> som IRCAMDaniel Martinho* Antologia <strong>do</strong> tempo2: Ritual – fluxo contínuo (estreiamundial; encomenda da Casa da Música)Helmut LachenmannMouvement (- vor <strong>de</strong>r Erstarrung)James Dillon Torii (versão completa;estreia mundial; encomenda da Casa daMúsica)Anton Webern Cantata nº 1, op.29Emmanuel Nunes Lichtung III, paraensemble e electrónica* Jovem Compositor em Residência 2010APOIO INSTITUCIONALMECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICASEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITEDUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 29


A comédia <strong>de</strong> um homem sóDurante a II Guerra, Brecht viveu no exílio na Finlândia e escreveu “O Senhor Puntila e o seuCria<strong>do</strong> Matti”. Miguel Guilherme é o patrão, <strong>que</strong> não é boa pessoa sem a bebida e não po<strong>de</strong>viver sem o emprega<strong>do</strong>. A peça estreia hoje no Teatro Aberto. Ana Dias Cor<strong>de</strong>iroAmbiente <strong>de</strong> fumo, voz embargadapelo álcool em canções com piano emfun<strong>do</strong>. E por<strong>que</strong> não? Por outras palavras,“ambiente Tom Waits”. Masenvolto na bruma contida nas paisagensda Finlândia. Era isso <strong>que</strong> o encena<strong>do</strong>rJoão Lourenço tinha emmente quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidiu recriar a comédiaescrita por Bertolt Brecht em1940 durante o seu exílio na Finlândia.“O Senhor Puntila e o seu Cria<strong>do</strong>Matti”, com dramaturgia <strong>de</strong> Vera SanPayo <strong>de</strong> Lemos, estreia hoje no TeatroAberto em Lisboa.Neste clima <strong>de</strong> suave nostalgia, em<strong>que</strong> texto e música alternam, nas duashoras <strong>de</strong> espectáculo, com 15 actorese 3 músicos em palco, o actor MiguelGuilherme veste a pele <strong>do</strong> senhorPuntila, um rico proprietário <strong>que</strong> nãoabdica <strong>de</strong> uma boa aguar<strong>de</strong>nte para“pensar <strong>de</strong> forma fria rigorosa e bêbeda”.A peça é quase um musical.Uma comédia, sim, mas carregada <strong>de</strong>melancolia.Quan<strong>do</strong> está ébrio, Puntila é umhomem compreensivo, espirituoso ebom. Sóbrio, muda para uma pessoaegoísta, insultuosa e má. No fim, sóbrioou ébrio, <strong>de</strong>scobre <strong>que</strong> é umapessoa só.Mergulha<strong>do</strong> no drama <strong>de</strong> uma duplapersonalida<strong>de</strong> <strong>que</strong> remete vagamentepara “O Estranho Caso <strong>do</strong> Dr.Jekyll e o Sr. Hy<strong>de</strong>”, Miguel Guilhermeoscila entre um e outro. E esse “andar<strong>de</strong> um la<strong>do</strong> para o outro” era uma dascoisas <strong>que</strong> João Lourenço <strong>que</strong>ria paraa sua recriação <strong>do</strong> senhor Puntila,inspira<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma comédia da escritoraHella Wuolijoki (1886-1954) com<strong>que</strong>m Brecht trabalhou na Finlândia,incluin<strong>do</strong> nesta peça.“Não <strong>que</strong>ria uma personagem comuma divisão muito a preto e branco.O drama <strong>de</strong>le é ser bipolar, é o dramada personagem <strong>que</strong> sabe <strong>que</strong> o <strong>que</strong>faz é o contrário daquilo <strong>que</strong> <strong>que</strong>rquan<strong>do</strong> está sóbrio”, diz João Lourençoao Ípsilon no final <strong>do</strong> primeiro ensaiocom público antes da estreia.Na valsa <strong>de</strong> diálogos e <strong>de</strong> encontros,Nesta parábola<strong>do</strong> capitalismo <strong>que</strong>,segun<strong>do</strong> JoãoLourenço serve parailustrar os temposdifíceis <strong>que</strong> vivemoshoje, “estão todasas relações entreclasses, entre patrãoe emprega<strong>do</strong>e os problemasda falta <strong>de</strong> emprego”Teatroas personagens são <strong>que</strong>m afinal melhorrevela como Puntila realmenteé: o cria<strong>do</strong> Matti (Sérgio Praia) <strong>que</strong> oconhece melhor <strong>do</strong> <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r outroemprega<strong>do</strong>, o juiz (Rui Morisson)e o pastor (Francisco Pestana) <strong>que</strong> ochamam à razão, e as noivas (PatríciaAndré, Mafalda Luís <strong>de</strong> Castro e SaraCipriano) <strong>que</strong> o senhor Puntila, numacesso <strong>de</strong> bon<strong>do</strong>sa euforia, convocapara a festa <strong>de</strong> noiva<strong>do</strong> da filha Eva(Sofia <strong>de</strong> Portugal) com o ridículo diplomata(Cristóvão Campos).Como os patrões <strong>que</strong> não po<strong>de</strong>mexistir e as fábricas <strong>que</strong> não po<strong>de</strong>mfuncionar, sem os seus emprega<strong>do</strong>stambém o senhor Puntila não po<strong>de</strong>viver sem o seu cria<strong>do</strong> Matti.Mas este po<strong>de</strong> viver sem o patrão.E, num papel <strong>de</strong>spoja<strong>do</strong> <strong>de</strong> emoções,tanto o ampara em momentos <strong>de</strong> excessocomo tenta compreendê-lo nosraros “ata<strong>que</strong>s <strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>”. Tambémse afeiçoa a ele e gosta da filha,Eva, com <strong>que</strong>m casaria se um e outronão fizessem parte <strong>de</strong> <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>stotalmente opostos, <strong>que</strong> não se misturam.Nesta parábola <strong>do</strong> capitalismo <strong>que</strong>,segun<strong>do</strong> João Lourenço serve parailustrar os tempos difíceis <strong>que</strong> vivemoshoje, “estão to- das as relaçõesentre classes, entre patrão e emprega<strong>do</strong>e os problemas da falta <strong>de</strong> emprego”.Nessa relações <strong>de</strong>siguais, estátambém a dignida<strong>de</strong> <strong>que</strong> o cria<strong>do</strong>Matti mantém intacta, e <strong>que</strong> as noivas,apesar <strong>de</strong> rejeitadas, personificamnas histórias <strong>que</strong> contam ao público,em breves monólogos <strong>que</strong> revelam atragédia <strong>de</strong>ntro da comédia.Coisas inesperadasMiguel Guilherme era, para João Lourenço,um senhor Puntila óbvio. “Paraeste tragicómico, pensei <strong>que</strong> o Miguel[Guilherme] seria a melhor pessoa.Esta personagem tem <strong>que</strong> ter umaleveza na representação <strong>que</strong> ele tem,uma improvisação <strong>que</strong> ele dá no seupróprio trabalho. Durante a representação,ele tem <strong>que</strong> estar sempre muitosolto. Tanto po<strong>de</strong> estar ira<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>está sério, como fazer coisas inesperadasquan<strong>do</strong> está ébrio.”Esta peça é conhecida como “a comédia<strong>de</strong> Brecht”, uma comédia comuma mensagem e um cunho socialfortes. Para o cenário, <strong>que</strong> assina comAntónio Casimiro, João Lorenço imaginoualgo muito simples: um cenáriobase <strong>que</strong> se abre e recolhe consoantea cena. E, <strong>que</strong> no fim, dá espaço auma montanha imaginária, tambémela <strong>de</strong>spojada, para <strong>de</strong>ixar um senhorPuntila se <strong>de</strong>scobrir no remorso e nasolidão enquanto <strong>de</strong>screve a naturezae as suas ma<strong>de</strong>iras, a sua ri<strong>que</strong>za,transportadas rio abaixo.Ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> palco, um cicloramaa passar imagens da Finlândia e ví<strong>de</strong>oem directo q.b, segun<strong>do</strong> o encena<strong>do</strong>r<strong>que</strong> tem fre<strong>que</strong>ntemente usa<strong>do</strong> umalinguagem multimédia nas suas últimaspeças.Para recriar o ambiente musicalevocativo, mesmo <strong>que</strong> vagamente, <strong>de</strong>Tom Waits para esta comédia <strong>de</strong> Brecht,o encena<strong>do</strong>r procurou e encontrou(Shahryar) Mazgani (<strong>que</strong> nasceuno Irão mas cresceu em Portugal).Nas suas pesquisas, viu <strong>que</strong> Mazganitinha ganho um prémio num concursoem <strong>que</strong> Tom Waits era júri, gostouda música e convi<strong>do</strong>u-o para compora música da peça, a <strong>que</strong>m sugeriu<strong>que</strong>, a esse ambiente <strong>de</strong> álcool e fumo,juntasse canções <strong>de</strong> tango <strong>que</strong> os finlan<strong>de</strong>sestêm como canção nacional.Os ritmos <strong>que</strong> inva<strong>de</strong>m este espectáculonada têm a ver com a músicaoriginal da peça <strong>do</strong> compositor alemãoPaulo Dessau (1894-1979) <strong>que</strong>apenas entra aqui com uma canção<strong>que</strong> Brecht introduziu num filme <strong>que</strong>ro<strong>do</strong>u. Imagens <strong>de</strong>sse filme a pretoe branco, <strong>de</strong> um casal <strong>que</strong> passeiapela floresta, são projectadas emecrãs em fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> palco. “É uma citação”,diz João Lourenço. “Uma homenagemao filme e uma forma <strong>de</strong>termos o Brecht aqui connosco.”Neste jogo <strong>de</strong> relações<strong>de</strong>siguais, o cria<strong>do</strong>Matti mantém intactaa dignida<strong>de</strong> <strong>que</strong> asnoivas personificam30 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


Daniel Martinhoconta as horasaté ao Dia DÉ o jovem compositor resi<strong>de</strong>nte da Casa da Música e, em seis meses, compôs três peças <strong>que</strong> sãoa sua própria vida. A primeira, “Antologia <strong>do</strong> Tempo I - Génese”, tem estreia na terça-feira. Aseguir, Daniel Martinho <strong>que</strong>r fazer música para cinema, teatro e vi<strong>de</strong>ojogos. Sara Dias OliveiraMúsicaPAULO PIMENTASão as suas primeiras obras feitas porencomenda e está lá tu<strong>do</strong>: a maneira<strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> compor, <strong>de</strong> se movimentarna hora <strong>de</strong> encaixar cada notanas cinco linhas da pauta. DanielMartinho tem 24 anos e é o jovemcompositor resi<strong>de</strong>nte da Casa da Música.Em meio ano, criou três peças<strong>que</strong> funcionam como um espelho dasua própria vida. A primeira, “Antologia<strong>do</strong> Tempo I - Génese”, tem estreiana próxima terça-feira, na Sala2 da Casa da Música; as seguintesapresentam-se, respectivamente, a23 <strong>de</strong> Outubro e a 20 <strong>de</strong> Novembro.Nervoso? “Vai correr tu<strong>do</strong> bem”, diz,à confiança.As circunstâncias da encomendaacabaram por entrar no processocriativo. O número <strong>de</strong> instrumentistasaumenta da primeira à terceirapeça e esse factor não foi alheio aossons <strong>que</strong> foi colocan<strong>do</strong> no papel e nocomputa<strong>do</strong>r: “A criação <strong>de</strong>stas peçasestá relacionada com o meu próprio<strong>de</strong>senvolvimento enquanto compositor.É uma analogia com a minhaprópria vida”, explica Daniel Martinho.Começa sempre por ter “uma“A criação <strong>de</strong>staspeças estárelacionada como meu próprio<strong>de</strong>senvolvimentoenquanto compositor.É uma analogia com aminha própria vida”Daniel Martinhoimagem geral” <strong>do</strong> <strong>que</strong> <strong>que</strong>r fazer, mas<strong>de</strong>pois procura até “ter muita certeza”sobre a maneira <strong>de</strong> começar. “Antologia<strong>do</strong> Tempo I - Génese”, <strong>que</strong>será interpretada pelo quarteto <strong>de</strong>cordas <strong>que</strong> ganhou o Prémio JovensMúsicos no ano passa<strong>do</strong>, é precisamenteacerca <strong>de</strong>ssa busca: “Há aquia procura <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> algoconcreto”. A peça é propositadamenteconfusa: o material é disperso e osfragmentos são <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s nasduas obras seguintes, como num“work in progress”. “Antologia <strong>do</strong>Tempo II - Ritual” tem outra liberda<strong>de</strong>:Daniel Martinho permite <strong>que</strong> osmúsicos (no caso, os músicos <strong>do</strong> RemixEnsemble) se distanciem da pautae façam os seus <strong>de</strong>svios. “Tem partesum pouco cruas e por isso peçoaos intérpretes para improvisarem”,justifica. A tensão aumenta na últimaparte da trilogia, “Antologia <strong>do</strong> Tempo III - Apogeu”, em <strong>que</strong> os fragmentosencontram finalmente umsenti<strong>do</strong>. Vai ser a Or<strong>que</strong>stra Sinfónica<strong>do</strong> Porto Casa da Música a estreá-la,a 20 <strong>de</strong> Novembro.Os ensaios já começaram e as composições<strong>de</strong> Daniel Martinho começama ganhar vida própria. É umaenorme responsabilida<strong>de</strong>, mas ocompositor está satisfeito com o trabalho<strong>de</strong> seis meses: “Gosto <strong>do</strong> <strong>que</strong>fiz e espero <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>que</strong> tenho sereflicta na execução <strong>do</strong>s músicos”.No Dia D, vai vê-los da primeira fila,mas estará atento ao <strong>que</strong> se vai passaratrás das suas costas: está ansioso porsaber como é <strong>que</strong> o público da Casada Música reage ao seu jovem compositorresi<strong>de</strong>nte.Cinema, teatro e vi<strong>de</strong>ojogosAs portas da Casa da Música abriramsepara Daniel Martinho <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eleter <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> concorrer ao concurso<strong>de</strong> composição. Não ganhou, mas ojúri ficou impressiona<strong>do</strong> com o portfoliorechea<strong>do</strong> <strong>de</strong> composições paraor<strong>que</strong>stra, piano, electrónica em temporeal, e por aí fora. Chamaram-nopara uma reunião, e Daniel Martinhosaiu <strong>de</strong> lá com o estatuto <strong>de</strong> compositorresi<strong>de</strong>nte da Casa da Música.Martinho tem planos para o futuro:<strong>que</strong>r escrever música para cinema,teatro e vi<strong>de</strong>ojogos. Gosta <strong>de</strong> Debussye <strong>de</strong> Stravinsky, e, na actualida<strong>de</strong>,<strong>do</strong> compositor e pianista finlandêsMagnus Lindberg.O seu percurso musical não começoumuito ce<strong>do</strong>. Com 14 anos, tocavaguitarra eléctrica sem qual<strong>que</strong>r formaçãona área e já dava uns to<strong>que</strong>sno piano para compor. Aos 17, entrouna Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Espinho,on<strong>de</strong> esteve três anos. Foi no secundário<strong>que</strong> ficou fascina<strong>do</strong> com a história<strong>do</strong>s movimentos artísticos contemporâneose <strong>que</strong> achou <strong>que</strong> essasteorias podiam ter reflexos na música.Chegou a entrar em Design naUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro, mas <strong>de</strong>pressaenten<strong>de</strong>u <strong>que</strong> teria <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong>caminho. Em 2006, entrou no curso<strong>de</strong> Composição da Escola Superior<strong>de</strong> Música e das Artes <strong>do</strong> Espectáculo(ESMAE) no Porto, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiucom uma média <strong>de</strong> 17 valores. Nestemomento, fre<strong>que</strong>nta o primeiro ano<strong>do</strong> mestra<strong>do</strong> em Composição e TeoriaMusical na ESMAE e dá aulas <strong>de</strong> Análisee Técnicas <strong>de</strong> Composição emViana <strong>do</strong> Castelo.Já tem currículo como compositor:este ano, criou “Despertar” para aSinfonieta da ESMAE, <strong>que</strong> estreou noTeatro Helena Sá e Costa. No mesmosítio, e também este ano, estreou também“Ultimatum Futurista”, a partir<strong>de</strong> Almada Negreiros, <strong>que</strong> foi executadapelo Ensemble I&D. No ano passa<strong>do</strong>criou um concerto para contrabaixopara ser li<strong>do</strong> pelo Remix Ensemblena Casa da Música.A cabeça <strong>de</strong> Daniel Martinho nãopára. Quer continuar a escrever música,no papel e no computa<strong>do</strong>r. Éessa a sua vida.DanielMartinho temapenas 24anos mas oseu currículocomocompositorimpressionoua Casa daMúsicaVer agenda <strong>de</strong> concertos págs. 38 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 31


O mun<strong>do</strong> é um lugaradmirávelUm <strong>do</strong>s cantores mais relevantes <strong>do</strong> nosso tempo, Robert Wyatt, regressaacompanha<strong>do</strong> pelos músicos Gilad Atzmon e Ros Stephen para mais umaobra maior, “For The Ghosts Within’” – disco <strong>que</strong> acredita na possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> alternativas felizes num mun<strong>do</strong> em crise. Vítor Belanciano32 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • ÍpsilonMúsicaSobreviveu a tendências, revoluções,à dispensa <strong>do</strong> grupo rock Soft Machine,em 1971, e à <strong>que</strong>da <strong>de</strong> um terceiroandar – apesar <strong>de</strong> ter fica<strong>do</strong>paraplégico. Nasci<strong>do</strong> em 1945, RobertWyatt soube adaptar-se e transcen<strong>de</strong>ras mudanças <strong>do</strong> tempo. Depois<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> álbuns admiráveis,como “Rock Bottom” (1974),“Don<strong>de</strong>stan” (1991), “Shleep” (1997),“Cuckooland” (2003) ou “Comicopera”(2007), regressa com um discoa meias com Gilad Atzmon e Ros Stephen,músicos pertencentes a colectivoscomo Tango Siempre ou SigamosString Quartet, numa obra <strong>que</strong>contém temas originais, recriações<strong>de</strong> canções da sua autoria e versões<strong>de</strong> clássicos <strong>do</strong> jazz, numa combinação<strong>de</strong> conflitos íntimos e globais,misto <strong>de</strong> estruturas próximas da cançãopop e roupagens jazz.Já tinha colabora<strong>do</strong> antes com osaxofonista Gilad Atzmon e coma violinista Ros Stephen, masnunca nestes mol<strong>de</strong>s, assinan<strong>do</strong>um álbum na companhia <strong>de</strong>les.De <strong>que</strong>m partiu a i<strong>de</strong>ia para esteprojecto?A i<strong>de</strong>ia foi <strong>de</strong>les. No princípio, confesso,fi<strong>que</strong>i algo renitente. Não gosto<strong>de</strong> fazer discos por fazer. Apenasme interesso se existir um motivoforte e se tiver alguma coisa distintapara apresentar em relação ao <strong>que</strong> jáfiz no passa<strong>do</strong>. O mun<strong>do</strong> já está cheio<strong>de</strong> música, não vale a pena inundá-locom mais um disco qual<strong>que</strong>r. Tenhomuito material, mas não edito tu<strong>do</strong>.É como ter um bebé. Não se tem umbebé todas as vezes <strong>que</strong> se faz amor.Já há por aí muitos bebés também...[risos]. Mas eles foram convincentese, na verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> algumas pessoaspo<strong>de</strong>rem pensar <strong>que</strong> sou solitário,gosto imenso <strong>de</strong> trabalhar comoutros músicos.É um disco invulgar. Hácanções inéditas, recriações<strong>de</strong> temas seus, como “Whereare they now?” (inspira<strong>do</strong>em “Don<strong>de</strong>stan“), e versões<strong>de</strong> clássicos <strong>do</strong> jazz <strong>de</strong> DukeEllington ou Monk. Qual foi ocritério?Escolher canções <strong>que</strong> se pu<strong>de</strong>ssemenquadrar na nossa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> jazz.Gostamos <strong>de</strong> big bands <strong>de</strong> jazz e existiaessa concepção <strong>de</strong> fazer qual<strong>que</strong>rcoisa nessa linha, mas à nossa maneira.Acabámos por incluir tambémcanções como “The ghosts within”<strong>de</strong> Alfie [a companheira <strong>de</strong> Wyatt, aartista Alfreda Benge] e Atzmon ou“Lullaby for Irena” <strong>de</strong> Alfie e Stephen.Foi uma escolha pacífica. Aliás to<strong>do</strong>o disco foi regista<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma muitonatural. Tenho um méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalhomuito próprio, mas eles adaptaram-sea mim e vice-versa e sem pro-blema. Não gostomuito <strong>de</strong> bandasrock por<strong>que</strong>não gosto <strong>de</strong>dar nem <strong>de</strong> receberor<strong>de</strong>ns.Não é um pa-


“A crise nãoé económica.É o nosso estilo<strong>de</strong> vida <strong>que</strong> estáem causa. Com to<strong>do</strong>sos seus problemas,o mun<strong>do</strong> continuaa ser um lugaróptimo”pel on<strong>de</strong> me sinta confortável. Masum projecto <strong>de</strong>stes é diferente.Quanto mais parece afastarse<strong>do</strong> pop e rock, maismanifestações <strong>de</strong> estima <strong>de</strong>sseuniverso parecem surgir. O <strong>que</strong>não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser irónico.Não sei. Deve ser da minha ida<strong>de</strong>. Érespeito pela ida<strong>de</strong>... [risos].Quan<strong>do</strong> os músicos <strong>de</strong> jazz ou daclássica envelhecem diz-se <strong>que</strong>ficam mais experientes. Quan<strong>do</strong>se vem <strong>do</strong> rock, como é o seucaso, diz-se <strong>que</strong> envelheceram.Não existe muito respeito. Pelocontrário.É verda<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> o rock apareceu,a meio <strong>do</strong>s anos 50, ficou conota<strong>do</strong>com essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>. Hoje jánão faz senti<strong>do</strong>, mas ainda existe essapercepção. Quan<strong>do</strong> algum género <strong>de</strong>música aparece, acaba por ficar muitocola<strong>do</strong> às suas origens, mas a verda<strong>de</strong>é <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois existem mutações<strong>que</strong> ninguém consegue <strong>do</strong>minar. Otango e o jazz eram músicas ouvidasem bordéis. Agora são-no em salasdistintas. Ou seja, as origens <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadasmúsicas e artes não ditam oseu trajecto posterior.Este ano a sua editora, a Domino,tem reedita<strong>do</strong> a sua obra e o anopassa<strong>do</strong> a Orchestre Nacional <strong>de</strong>Jazz <strong>de</strong> França lançou um álbum(“Around Robert Wyatt”) à volta<strong>do</strong> seu repertório. É mais umaprova <strong>que</strong> a sua obra está a serre<strong>de</strong>scoberta. Como avalia essefacto?No caso da Orchestre National <strong>de</strong> Jazzfi<strong>que</strong>i lisonjea<strong>do</strong>, por<strong>que</strong> os resulta<strong>do</strong>sforam muito bons, mas mais umavez fi<strong>que</strong>i surpreendi<strong>do</strong> por me teremescolhi<strong>do</strong>, por<strong>que</strong> não tenho uma explicaçãoplausível <strong>que</strong> expli<strong>que</strong> esseprojecto. Não é falsa modéstia, é mesmoassim. Talvez o facto das minhascanções não se fixarem num género– às vezes têm estrutura pop mas roupagensjazz, outras vezes são folk oumesmo rock – e terem alguma plasticida<strong>de</strong>justifi<strong>que</strong> essa atenção.É visto como um <strong>de</strong>salinha<strong>do</strong>,alguém <strong>que</strong> traçou o seupercurso à margem. Como é <strong>que</strong>se sente a cantar clássicos como“What a won<strong>de</strong>rful world”.Existe alguma ironia?Mas é a coisa mais as vanguardista <strong>que</strong> HWyatt Gilad Atzmon e RosStephenalguma vez cantei... [risos]. Eu sei,para algumas pessoas <strong>de</strong>ve ser chocante,mas não para mim. Ao longoda vida tenho composto canções irónicas,mas não gosto muito <strong>de</strong> ironiana música. A razão por <strong>que</strong> canto essacanção, como qual<strong>que</strong>r outra, épor<strong>que</strong> acredito naquilo <strong>que</strong> transmite.Quan<strong>do</strong> se olha para os jornais epara a nossa vida é fácil pensar <strong>que</strong> éuma sucessão <strong>de</strong> tragédias. É por isso<strong>que</strong> quase <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ler jornais. Masse olharmos à nossa volta, nas ruas,por exemplo, vemos <strong>que</strong> não é assim.Os jornais não dizem tu<strong>do</strong>. As pessoastêm bebés. À noite o céu está lin<strong>do</strong>.É possível passar bons momentoscom os nossos amigos. Essa cançãotransmite isso. É fácil i<strong>de</strong>ntificarmonoscom ela. Cada vez mais oiço canções.Normalmente, em casa, oiçobebop. Nunca me farto. Essencialmente,é música instrumental. Masagora também oiço cantores comoNat King Cole ou Peggy Lee. Claro <strong>que</strong>não canto como eles, mas gosto <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r a sua técnica. Hoje sei muitomais sobre a minha voz.Se não lê jornais, como é <strong>que</strong> semantém informa<strong>do</strong> alguém <strong>que</strong>assume publicamente muitasposições políticas, como é o seucaso?Leio às vezes o jornal inglês próximo<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> comunista, o “MorningStar”, mas nunca fui muito <strong>de</strong> ler jornais.Prefiro livros, escritos por alguém<strong>que</strong> passou algum tempo a estudar<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> assunto. Nada tenhocontra jornais – alguns <strong>do</strong>s meusmelhores amigos trabalham em jornais–, mas o meu problema com elesé <strong>que</strong> to<strong>do</strong>s os dias têm <strong>que</strong> ter algumacoisa para dizer. Cometem-se excessos.Há sensacionalismo. Desvirtua-sea realida<strong>de</strong>. Gosto <strong>de</strong> reflectir. E osjornais não me dão espaço para isso.Gosto mais <strong>de</strong> falar com as pessoas.Felizmente, Louth é uma cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong>é fácil andar <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas. Façocompras, gosto <strong>de</strong> ir ao merca<strong>do</strong>, pelocaminho encontro amigos, bebo umcafé, falamos disto e daquilo. E falotambém muito com Alfie. Rimo-nosmuito os <strong>do</strong>is. Às vezes sinto falta davida cosmopolita <strong>de</strong> Londres, mas nãome <strong>que</strong>ixo. Gosto da vida aqui. Nãome interessa muito saber <strong>que</strong>m ganhouas eleições em Inglaterra, por<strong>que</strong>não consigo discernir as diferençasentre os políticos, nem me interessamuito a forma como é abordadaa suposta crise actual.Acha <strong>que</strong> a crise não é financeira,mas sim cultural, é isso?A crise é um ponto <strong>de</strong> vista. Aquilo<strong>que</strong> os jornais dizem ser a crise é umfenómeno vivi<strong>do</strong> em algumas partesda Europa. Não creio <strong>que</strong> seja global.Hoje, através da TV, consegue-se ace<strong>de</strong>ra várias perspectivas sobre o <strong>que</strong>se passa no mun<strong>do</strong>. Gosto muito <strong>de</strong>ver, por exemplo, a Al Jazeera, ou algunscanais brasileiros, russos ou australianos.Dão-nos outro olhar. Nãosignifica <strong>que</strong> não exista uma crise, masa maior parte das vezes os governosa<strong>do</strong>ptam essa expressão apenas comoforma <strong>de</strong> subtrair dinheiro aos cidadãos<strong>do</strong> costume. Tinha esperança<strong>que</strong> o mun<strong>do</strong> pós-colonial se pu<strong>de</strong>ssetransformar num local mais <strong>de</strong>cente,mas o império militar foi apenas substituí<strong>do</strong>pelo império financeiro <strong>de</strong>sregra<strong>do</strong>.O sentimento <strong>de</strong> me<strong>do</strong> impera.Já tivemos o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> comunismo ouo me<strong>do</strong> <strong>do</strong> terrorismo. Agora temosoutro me<strong>do</strong>. O me<strong>do</strong> da perda <strong>do</strong> empregoe daquilo <strong>que</strong> achamos <strong>que</strong> ocapitalismo ainda garante aos cidadãos– e <strong>que</strong> é cada vez menos. Mas avida não é só isso. A música, a arte, acor <strong>do</strong> céu, o afecto entre as pessoasestão aí para o provar. A crise não éeconómica. É o nosso estilo <strong>de</strong> vida<strong>que</strong> está em causa. Com to<strong>do</strong>s os seusproblemas, o mun<strong>do</strong> continua a serum lugar óptimo.A última vez <strong>que</strong> oentrevistámos, há três anos,dizia <strong>que</strong> a música, e as artes emgeral, têm essa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>antecipar a mudança. O <strong>que</strong> estáa acontecer agora apenas vemprovar isso, não lhe parece?Sem dúvida. Através da música as pessoaspo<strong>de</strong>m ser o <strong>que</strong> quiserem, manifestare expressar o <strong>que</strong> lhes apetece.É um terreno <strong>de</strong> fantasia. E nãoexista nada mais verda<strong>de</strong>iro, por<strong>que</strong>é terreno livre, sem restrições, <strong>do</strong> <strong>que</strong>a fantasia. A música liga as pessoas.Ultrapassa barreiras. Através <strong>de</strong>la épossível ao músico manifestar umaverda<strong>de</strong> <strong>que</strong> colectivamente é <strong>de</strong>sejada,mas ainda não expressada. Nãosão os políticos <strong>que</strong> iniciam as mudanças.É preciso não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista <strong>que</strong>existem muitas opções <strong>de</strong> vida. Sãoos artistas, não os políticos, <strong>que</strong> têmessa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos mostrar outrasvisões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. São eles <strong>que</strong> nosdizem “What a won<strong>de</strong>rful world”.Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 40 e segsÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 33


NUNO FERREIRA SANTOSAntónioLoboAntunesNa cama coma morte em“Sôbolos Rios<strong>que</strong> Vão”.Pág. 36PaulaMorelenbaumA bossa antes <strong>de</strong> ser novaem <strong>do</strong>is concertos. Pág. 38Ornette ColemanO futuro já estava nos trêsprimeiros discos. Pág. 40


LivrosNUNO FERREIRA SANTOSFicçãoFantasia<strong>de</strong> morteOu <strong>de</strong> como um romance<strong>de</strong> ossos parti<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> sercomposto da melhor poesia.Rui CatalãoSôbolos Rios <strong>que</strong> VãoAntónio Lobo AntunesDom QuixotemmmmnLeituraAs peças acumulamsee é uma tentaçãoencaixar a novapeça <strong>do</strong> puzzle nasjá existentes (este éo 22.º romance <strong>de</strong>António LoboAntunes). Outrastentaçõesinterpretativas provocadas pelo novolivro <strong>do</strong> escritor (Lisboa, 1942): otítulo camoniano, <strong>que</strong> cita o primeiroverso <strong>de</strong> “Babel e Sião” (esse mesmoem <strong>que</strong> tu<strong>do</strong> é “bem compara<strong>do</strong>,Babilóniaao mal presente, Sião ao tempopassa<strong>do</strong>”); e a autoreferencialida<strong>de</strong> (apersonagem principal é um “Sr.Antunes”, <strong>que</strong> em criança tratavampor “Antoninho” e <strong>que</strong> no ano <strong>de</strong>2007 foi opera<strong>do</strong> a um cancro nointestino).Deixemos <strong>de</strong> la<strong>do</strong> a literaturacomparada e as ligaçõesautobiográficas e concentremo-nosnas menos <strong>de</strong> 200 páginas <strong>de</strong>“Sôbolos Rios <strong>que</strong> Vão”. No <strong>que</strong> aotítulo tulo diz respeito, há alusõessuficientes no interior <strong>do</strong> texto.Comoesta: “Dei por mim sobreosrios <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go <strong>que</strong>sem cessar se dividiam etornavam am a unir, <strong>de</strong>ipor mim m <strong>que</strong> falecihá tantos anos ounão eu, tu<strong>do</strong> aquilo<strong>que</strong> era e nãoexiste mais, aflutuar sobre aáguapara longe<strong>de</strong> vocês.” Ouesta: “O cabeloda MariaLucinda aA maior fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lobo Antunes consiste em sacrificara construção das cenas à montagem <strong>de</strong> frases dispersase imagens fragmentadasO romance “Fanny Owen”, <strong>que</strong>AgustinaBessa-Luís publicouem 1979, vai ser li<strong>do</strong> hojeem voz alta, da primeiraà última página, na CasaFernan<strong>do</strong> Pessoa. A leituraintegral <strong>do</strong> livro começa às11h, e a entrada é gratuita.confundir-se com o seu e ele<strong>de</strong>slizan<strong>do</strong> sobre os rios a fazer partedas ondas.” Ou ainda esta: “Trêsquilos e duzentas <strong>que</strong> embrulhavamem linho e ele a ir sobre os rios nosenti<strong>do</strong> da foz”.Neste livro, <strong>que</strong> arranca noprimeiro dia <strong>de</strong> Primavera, metáforae enre<strong>do</strong> são um só: o fio <strong>de</strong> vida <strong>que</strong>vai da nascente à foz. É a fantasia <strong>de</strong>morte <strong>de</strong> alguém <strong>que</strong> per<strong>de</strong> ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> ter chega<strong>do</strong> aperceber <strong>que</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> era essa; éa visão em arco <strong>de</strong> um velho comcancro no intestino a estudar aslinhas da vida “nos ecrãs” e a fazer“zapping” com a memória. “SôbolosRios <strong>que</strong> Vão” salta <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> parao presente e <strong>de</strong>pois outra vez para opassa<strong>do</strong>, em círculos fecha<strong>do</strong>s, comas suas repetições, recapitulações erememorações (o pai <strong>que</strong> pergunta“Sabes?”, mas <strong>que</strong> não toca no filho;o ouriço <strong>que</strong> se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> umcastanheiro para se instalar nastripas em forma <strong>de</strong> cancro; o tio <strong>que</strong>não se julga homem <strong>que</strong> cheguepara viver nem tem coragem para sematar; a criança <strong>que</strong> pe<strong>de</strong> “pão,pão” à janela <strong>de</strong> crianças ricas <strong>que</strong>sonham com a fome <strong>de</strong>la; “o pingono sapato” <strong>que</strong> vem a revelar-se ummédico; o rabo <strong>do</strong> gato escuta<strong>do</strong>pela avó na escuridão; etc).Dor e memória, <strong>do</strong>ença erecordações negam a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> inexistência <strong>que</strong> uma voz noromance parece sugerir. O problemaé quan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>r se escapa, e opaciente a busca para se reconhecer,ou é persegui<strong>do</strong> por ela, para seri<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>: “Da<strong>do</strong> <strong>que</strong> nenhumaintimida<strong>de</strong> entre eles, avaliavam-se,rondavam-se, não secumprimentavam”. Tu<strong>do</strong> existe, atéo <strong>que</strong> é inútil, como o nome <strong>de</strong>alguém es<strong>que</strong>ci<strong>do</strong>: “A tralha <strong>que</strong>arrastamos Santo Cristo, o <strong>que</strong> façocom o Ama<strong>de</strong>u das Neves Pacheco,expulso-o ou permito <strong>que</strong> semantenha submerso juntamente comoutros nomes e outros sucessosantigos.”Com a sua já familiar técnica <strong>de</strong>falsas concordâncias, duas orações<strong>que</strong> alu<strong>de</strong>m a tempos e temasdiferentes a criarem uma terceiraunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>, o sr. Antunesmaneja a to<strong>do</strong> o gás a máquina <strong>de</strong>emaranhar paisagens da sua escrita(cenários principais: uma cama <strong>de</strong>hospital, no presente; e asimediações <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go e das minas<strong>de</strong> volfrâmio, durante e <strong>de</strong>pois daSegunda Guerra Mundial). Primeiroexemplo: “Uma maca a <strong>de</strong>slizarperto <strong>de</strong>le e mais ninguém senão oafina<strong>do</strong>r [<strong>de</strong> harpas] emendan<strong>do</strong>uma última cavilha no seu peito”;segun<strong>do</strong> exemplo: “Eu no centro dacama on<strong>de</strong> os enfermeiros mepuseram à espera <strong>que</strong> me to<strong>que</strong>s etu na pontinha <strong>do</strong> colchãoesperan<strong>do</strong> <strong>que</strong> eu não te to<strong>que</strong> e nãoto<strong>que</strong>i a fim <strong>de</strong> não ser expulso porum cotovelo maça<strong>do</strong>”; terceiroexemplo: “a minha avó nas bancadas<strong>do</strong>s ourives e eu satisfeito por opassa<strong>do</strong> continuar a existir salvan<strong>do</strong>meda ravina à beira <strong>do</strong> colchão”.O Sr. Antunes prodigaliza nestelivro uma arte <strong>que</strong> <strong>do</strong>mina commaestria: escrever nas entrelinhas.Desporto favorito <strong>de</strong> muitos leitores<strong>que</strong> fizeram a transição da ditadurapara a <strong>de</strong>mocracia, é um jogo <strong>que</strong>teve cultores por altura das canções<strong>de</strong> protesto e <strong>que</strong> ainda sobrevive nascanções brejeiras. Reparem como oSr. Antunes disfarça uma cena <strong>de</strong> sexooral (entre a viúva <strong>de</strong> um major e opai <strong>de</strong> Antoninho) através <strong>do</strong> acto <strong>de</strong>comer um salmonete fresco: “Maisperfeita <strong>que</strong> a avó a dividir osalmonete ao meio e a juntar a pele ea cabeça <strong>que</strong> o impressionavam numprato mais pe<strong>que</strong>no - Po<strong>de</strong>s comeragora enquanto o avô perseguia asespinhas com a língua, to<strong>do</strong> ele àprocura entre a gengiva e a bochecha,encontrava a aresta, perdia-a, voltavaa encontrá-la, empurrava-a comprecaução ao longo <strong>de</strong> um funil <strong>de</strong>lábios, apanhava-a com <strong>do</strong>is <strong>de</strong><strong>do</strong>s,esfregava-os um no outro para selibertar <strong>de</strong>la, secava-os no guardanapoe recomeçava a pesquisa”.“Sôbolos Rios <strong>que</strong> Vão” é escritonum português <strong>que</strong> pesca à linha umvocabulário <strong>de</strong>licioso (em locuçõespopulares como “mete-se-lhes umacisma no raciocínio e não a largammais atazanan<strong>do</strong> os vivos”), assimcomo frases <strong>que</strong> fizeram uma época(“bochecha <strong>de</strong> menino me <strong>de</strong>u vida”,diz o balão <strong>que</strong> ao encher revela afrase “Armazéns Victória Tu<strong>do</strong> Para AMulher Mo<strong>de</strong>rna”). Mas a narrativa, acaracterização <strong>de</strong> personagens, aprópria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> personagem, e jáagora a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> narrativa, fazemfraca figura no livro <strong>do</strong> Sr. Antunes.Dele po<strong>de</strong>mos dizer o <strong>que</strong> Nabokovdizia <strong>de</strong> Flaubert, <strong>que</strong> escreve umromance como <strong>de</strong>via escrever-sepoesia, com a diferença <strong>de</strong> <strong>que</strong> o seu“Sôbolos Rios” é um romance <strong>de</strong>ossos parti<strong>do</strong>s.A maior fragilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sr. Antunesresi<strong>de</strong> em sacrificar a construção dascenas, ou <strong>do</strong>s episódios, à montagem<strong>de</strong> frases dispersas e imagensfragmentadas. O livro está repassa<strong>do</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s momentos <strong>de</strong> literatura eos seus efeitos dramáticos chegam aser comoventes. Mas esses efeitos,<strong>que</strong> resultam <strong>de</strong> uma técnica <strong>de</strong>escrita <strong>que</strong> articula processosmentais <strong>de</strong> associação, dinamitamqual<strong>que</strong>r chance <strong>de</strong> o livro ergueroutra coisa <strong>que</strong> não seja a catástrofe<strong>do</strong> cenário, da acção e daspersonagens.Este não é bem um livro “sobre” avelhice nem sobre os prenúncios ousintomas <strong>de</strong> morte; encarna antes avelhice e a morte numa sucessão <strong>de</strong><strong>de</strong>smoronamentos, com a memóriano papel <strong>do</strong> paramédico muni<strong>do</strong> <strong>de</strong>um <strong>de</strong>sfibrila<strong>do</strong>r. As amigas senis damãe <strong>do</strong> Sr. Antunes, Júlia, Alda eClotil<strong>de</strong> (três nomes lin<strong>do</strong>s, mas <strong>que</strong>já não se usam) dizem frase como“Vejo um niquinho”, ou “Estivecasada com <strong>que</strong>m?”, e per<strong>de</strong>m-se na“angústia <strong>de</strong> buscar soleiras nocérebro sem as achar”. Quanto aMaria Otília (outro nome fora <strong>de</strong>moda), <strong>que</strong> “perseguia cabelosbrancos no espelho afastan<strong>do</strong>ma<strong>de</strong>ixas” enquanto prometia a simesma “Nunca serei velha”, essapaixão <strong>do</strong> Sr. Antunes <strong>que</strong> ameaçava<strong>de</strong>ixá-lo sozinho na cama se ele nãoparasse <strong>de</strong> tocar-lhe, impedin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong><strong>do</strong>rmir, faz agora um tratamento com“as ampolas <strong>de</strong> beber da úlcera” e “o<strong>que</strong> cura a úlcera não é engoliraquilo, é cortar as duas pontas nolugar marca<strong>do</strong> a azul com umaserrinha <strong>que</strong> se <strong>de</strong>scobre entre osvincos das instruções ou escondidana embalagem, eis a pe<strong>que</strong>narecompensa da ida<strong>de</strong>, abrir ampolase assistir a uma mancha amarela num<strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong> água mexi<strong>do</strong> não com acolher, com o cabo da faca”.Se temos <strong>de</strong> aceitar <strong>que</strong> nasimagens está o olhar <strong>do</strong> autor,também não é menos verda<strong>de</strong> <strong>que</strong> naestrutura <strong>do</strong> texto nos <strong>de</strong>paramoscom a sua visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Para além<strong>do</strong> espaço-tempo polariza<strong>do</strong> pelainfância a brotar <strong>de</strong> sensaçõesconfusas e da velhice repleta <strong>de</strong>memórias dispersas, po<strong>de</strong> dizer-se<strong>que</strong> o Sr. Antunes entrega qual<strong>que</strong>routra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m aoscaprichos da visão poética. Quan<strong>do</strong>esta se <strong>de</strong>sorienta, só restamconfusão ou afectações <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong>um escritor mimalho. Felizmente, oSr. Antunes ainda se lembra <strong>do</strong>smimos mais antigos: “Ele ao colo damãe <strong>de</strong> bochecha entre as rendas,ora à superfície ora protegi<strong>do</strong> por umcasulo no qual se lhe fosseconsenti<strong>do</strong> moraria eternamente”.O Sr. Antunes oferece-nos nestelivro muito belo e muito<strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong> uma experiência <strong>do</strong>êxtase em <strong>que</strong> pavor e <strong>de</strong>scoberta seconfun<strong>de</strong>m. Morte e vida e velhice esofrimento po<strong>de</strong>m ser muitas coisas,não são é <strong>de</strong>soladas, nem tão poucovazias.A <strong>de</strong>sorganizadarealida<strong>de</strong>William Boyd reflecte sobretemas dickensianos numromance <strong>que</strong> capta bemcertos aspectos <strong>do</strong> “zeitgeist”<strong>do</strong> século <strong>XX</strong>I. HelenaVasconcelosTempesta<strong>de</strong>William BoydCasa das Letras(Trad. Dina Antunes)mmmmnEm 1998, William Boydpublicou um pe<strong>que</strong>no livro noqual revelava ao mun<strong>do</strong> a36 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentePEDRO MARTINHO<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> umobscuro artistanorte-americanochama<strong>do</strong> Nat Tate.O pintor, alcoólico esuicida, teria si<strong>do</strong>amigo <strong>de</strong> JacksonPollock e morrerasem oreconhecimento <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>. Inseridas notexto encontram-se fotografiasesborratadas <strong>do</strong> pintor com amigoscomo Clement Greenberg e FrankO’Hara, bem como imagens das suasobras, <strong>que</strong> teriam si<strong>do</strong> inspiradaspelo poema “A Ponte”, <strong>de</strong> HartCrane. Este fenomenal embuste – NatTate nunca existiu – serviu não sópara embaraçar alguns críticos <strong>de</strong>arte <strong>que</strong> se apressaram a afirmar <strong>que</strong>conheciam o artista em causa, mastambém para suscitar um certofrenesim nos meios artísticos – houveuma recepção grandiosa numagaleria <strong>de</strong> Nova Ior<strong>que</strong>, Gore Vidal eDavid Bowie contribuíram comcitações – e, principalmente, paraconfirmar a habilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> escritorpara inventar biografias imaginárias,algo <strong>que</strong> já fizera em “NovasConfissões” e repetiu <strong>de</strong>pois em“Viagem ao Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> um Coração”.Nesta última obra, Boyd executoumais um <strong>do</strong>s seus números <strong>de</strong>prestidigitação, ao apresentar osdiários <strong>de</strong> um tal Logan Mountstuart(1906-1991), crítico, romancistafalha<strong>do</strong> e letrista <strong>que</strong>, supostamente,teria si<strong>do</strong> a primeira pessoa a chamara atenção <strong>de</strong> Boyd para o referi<strong>do</strong> NatTate. Como afirmou um crítico, seBoyd, em “As Novas Confissões”, semanteve sob a influência <strong>de</strong>Rousseau, aqui seguiu os passos <strong>de</strong>Montaigne.Esta introdução serve para ilustraro óbvio prazer <strong>de</strong>ste autor eminventar personagens, situações,ambientes e tramas <strong>que</strong> vãomudan<strong>do</strong> <strong>de</strong> livro para livro, comreferências explícitas a diversossubgéneros <strong>do</strong> romance: policial,espionagem, investigação criminal epolítica, para além <strong>do</strong>s já cita<strong>do</strong>s, abiografia e a autobiografia.Neste seu último livro – emportuguês, “Tempesta<strong>de</strong>” – escolhe o“thriller” para suportar a trama:Adam Kindred, um climatologista<strong>que</strong>chega a Londres parauma entrevista <strong>de</strong>emprego,aproveita otempo livreparapassear aolongo dasmargens<strong>do</strong> Tamisa.Uma série<strong>de</strong> acontecimentosfortuitos coloca este perfeito produtoda civilização oci<strong>de</strong>ntal – um cientistainteligente, jovem, bem alimenta<strong>do</strong>,<strong>de</strong>vidamente ancora<strong>do</strong> na socieda<strong>de</strong>– numa situação trágica einsustentável. Adam testemunha,sem <strong>que</strong>rer, um assassínio e vê-seenvolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong> tal forma <strong>que</strong> as provascontra ele se tornam arrasa<strong>do</strong>ras.Num impulso <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> fugir. Noentanto, para escapar – à polícia e aosverda<strong>de</strong>iros criminosos – numacida<strong>de</strong> como Londres, é necessário<strong>de</strong>saparecer e, para tal, éindispensável “<strong>de</strong>spir a pele” <strong>que</strong> atéentão o protegera e tornar-se outrapessoa, uma das <strong>que</strong> <strong>de</strong>ambulamsem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nem rosto nosubmun<strong>do</strong> da gran<strong>de</strong> metrópole.Habitualmente cumpri<strong>do</strong>r das leis,Adam Kindred pon<strong>de</strong>raracionalmente as suas hipóteses <strong>de</strong>sobrevivência e opta pela maiscomplicada <strong>que</strong> é, simultaneamente,a <strong>que</strong> lhe garante – pelo menosprovisoriamente – a liberda<strong>de</strong>.As aventuras e <strong>de</strong>sditas <strong>de</strong> Adam –viver ao ar livre nas margens <strong>do</strong>Tamisa, procurar abrigo e comida,sujeitar-se à violência <strong>de</strong> estranhos,pedir nas ruas, suportar companhiasin<strong>de</strong>sejáveis – são como uma “via<strong>do</strong>lorosa” para a construção <strong>de</strong> umanova personalida<strong>de</strong>, mais forte,menos acomodada e menoscomplacente. No entanto, mesmonas alturas mais dramáticas e apesar<strong>de</strong> ser por vezes obriga<strong>do</strong> a reagir àviolência com violência, Adam nãoper<strong>de</strong> por completo a suahumanida<strong>de</strong>: empenha-se nainvestigação <strong>do</strong> la<strong>do</strong> obscuro <strong>de</strong> umagigantesca corporação farmacêutica– indirectamente causa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> seuinfortúnio -, trata com bonda<strong>de</strong> eafecto o filho <strong>de</strong> uma prostituta <strong>que</strong>lhe dá abrigo e acaba por seapaixonar, ironicamente, por umamulher-polícia.A gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong>inspiração para a construção <strong>de</strong>“Tempesta<strong>de</strong>” é a vasta obra <strong>de</strong>Charles Dickens – principalmente no<strong>que</strong> diz respeito a “Our MutualFriend” (1864-65), um romance <strong>que</strong>começa com a retirada <strong>de</strong> um corpo<strong>do</strong> Tamisa – <strong>de</strong> tal forma <strong>que</strong>, emcertos momentos, a Londres <strong>do</strong>século <strong>XX</strong>I não parece estar muitodistante da <strong>do</strong> século XIX. Apesar <strong>de</strong>algumas diferenças <strong>que</strong> servem para<strong>de</strong>finir o “zeitgeist” – a maquinariaelectrónica <strong>que</strong> acompanha o vulgarcidadão, a sua paranóia em relaçãoao conforto e ao sucesso –, o livro <strong>de</strong>Boyd remete para as mesmas<strong>que</strong>stões <strong>de</strong> Dickens: o problema dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a diferença entre ricos epobres, a corrupção <strong>que</strong> acompanhaa acumulação <strong>de</strong> fortunas, asdificulda<strong>de</strong>s para sobreviver e odrama <strong>do</strong>s <strong>que</strong> existem nas margensda socieda<strong>de</strong> ou mesmo fora <strong>do</strong>sistema <strong>que</strong> protege (mal) os seuscidadãos.William Boyd é um gran<strong>de</strong> inventor <strong>de</strong> personagens,situações, ambientes e tramasA fórmula“Marina” é um <strong>do</strong>s primeirosromances <strong>de</strong> Carlos RuizZafón, o autor <strong>do</strong>s “bestsellers”“A Sombra <strong>do</strong> Vento”e “O Jogo <strong>do</strong> Anjo”. Mas játraz o código genético <strong>de</strong>um estilo <strong>de</strong> sucesso. RuiLagartinhoMarinaCarlos Ruiz ZafónPlaneta(Trad. Maria <strong>do</strong> Carmo Abreu)mmnnnMuito pelo esforçoliterário <strong>de</strong> CarlosRuiz Zafón, paramilhões <strong>de</strong> pessoasBarcelona entrouno século <strong>XX</strong>I comum po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>atracção renova<strong>do</strong>.A estéticaneogótica <strong>que</strong> entre os mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>sséculos XIX e <strong>XX</strong> tingiu a cida<strong>de</strong>,nalguns casos com quarteirõesinteiros <strong>de</strong> casarões apalaça<strong>do</strong>scarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pináculos <strong>de</strong> alturasbabélicas e gárgulas mais ou menosassusta<strong>do</strong>ras, já lá estava, em tons<strong>de</strong> cinza chumbo, à espera <strong>do</strong>milagre comercial. A cida<strong>de</strong> góticatambém. Faltava misturá-las.Goste-se ou não, é indiscutível <strong>que</strong>“A Sombra <strong>do</strong> Vento” (Dom Quixote)é um marco na re<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>Barcelona como paisagem <strong>de</strong>fantasia literária. A partir <strong>de</strong> LosAngeles, a uma distância higiénica<strong>de</strong> todas as capelinhas literáriascatalãs, Zafón re<strong>de</strong>finiu o merca<strong>do</strong>.“A Sombra <strong>do</strong> vento” e o “Jogo <strong>do</strong>Anjo” (Dom Quixote) tornaram-nono autor hispânico actualmentemais vendi<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.Por<strong>que</strong> o obrigam, já citou Tolstoi,Dickens, Collins e toda a amplitu<strong>de</strong><strong>do</strong> século XIX como influências ereferências. O <strong>que</strong> <strong>de</strong> facto existenos seus livros é uma imaginaçãotransbordante aliada a umamontagem <strong>que</strong> parece não andarlonge da precisão <strong>de</strong> um relógiosuíço na atenção aos <strong>de</strong>talhes e aosincronismo.Tal como em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>,Portugal <strong>de</strong>scobriu primeiro ostijolos “A sombra <strong>do</strong> vento” e “OJogo <strong>do</strong> Anjo”. Mas como o merca<strong>do</strong>internacional das modas literárias ébastante voraz, o autor recuperouagora um <strong>do</strong>s seus primeiros títulos.“Marina” ainda foi publica<strong>do</strong> noséculo <strong>XX</strong>, na era pré sucesso <strong>de</strong>Zafón: “À medida <strong>que</strong> avançava naescrita, tu<strong>do</strong> na<strong>que</strong>la históriacomeçou a ter sabor a <strong>de</strong>spedida e,quan<strong>do</strong> a terminei, tive a impressão<strong>de</strong> <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r coisa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>mim, qual<strong>que</strong>r coisa <strong>que</strong> ainda hojeA fórmula <strong>de</strong> Zafón - uma imaginação transbordantealiada a uma montagem com a precisão <strong>de</strong> um relógiosuíço - já aparece em “Marina”não sei muito bem o <strong>que</strong> era, mas <strong>de</strong><strong>que</strong> sinto falta dia a dia, ficou alipara sempre.” O <strong>que</strong> ali ficouplasma<strong>do</strong>, assuma-o ou não Zafón,foi a fórmula, a essência <strong>do</strong> xarope<strong>de</strong> capilé ou <strong>de</strong> groselha <strong>que</strong> <strong>de</strong>poisse <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra em jarros e jarros <strong>de</strong>refresco a <strong>que</strong> se acrescentam cascas<strong>de</strong> limão, folhas <strong>de</strong> hortelã e muitoscubos <strong>de</strong> gelo. Não é por acaso <strong>que</strong>“Marina” tem um terço das páginas<strong>do</strong>s já aludi<strong>do</strong>s tijolos.Lê-lo hoje assemelha-se a umexercício <strong>de</strong> ar<strong>que</strong>ologia literária,mas aqui a autópsia é feita sobre umser vivo.Num contra relógio alucinante <strong>de</strong>uma semana, Oscar Drai, uma<strong>do</strong>lescente curioso, <strong>de</strong>scobre umacida<strong>de</strong> carregada <strong>de</strong> figuras <strong>de</strong>contornos translúci<strong>do</strong>s epermeáveis, cobertas por véusesvoaçantes, <strong>de</strong> estufas <strong>de</strong>nsas <strong>de</strong>segre<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> cemitérios escondi<strong>do</strong>s,<strong>de</strong> vidas em <strong>que</strong> a realida<strong>de</strong>esmagou o sonho, <strong>de</strong> membros <strong>de</strong>carne e osso <strong>que</strong> foramtransforma<strong>do</strong>s em ma<strong>de</strong>ira e metal,<strong>de</strong> arquitecturas <strong>de</strong> espasmo: “SeSÃOLUIZOUT ~1Oum dia me per<strong>de</strong>r, procurem-menuma estação <strong>de</strong> comboios” (p. 86).Chega<strong>do</strong>s aqui, <strong>que</strong>m tiver presenteo imaginário <strong>do</strong> pintor belga PaulDelvaux, <strong>que</strong> misturou <strong>de</strong> formaimprevista centenas <strong>de</strong> ninfas<strong>de</strong>spidas, comboios e noites <strong>de</strong> luacheia, agarre-se a ele como fio parasair <strong>de</strong>ste labirinto.“Marina” é um divertimentoretorcidamente romântico efantasmagórico, com pretensões aensinar-nos regras básicas sobre adistinção entre a vida e o mistério damorte. Culto, mas um poucomastiga<strong>do</strong>. Lê-se à velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma vela <strong>de</strong> pavio curto.A to<strong>do</strong>s a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> passearampor Barcelona com “A Cida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sProdígios”, <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Men<strong>do</strong>za, “APraça <strong>do</strong> Diamante”, <strong>de</strong> MercèRo<strong>do</strong>reda, ou “Nada”, <strong>de</strong> CarmenLaforet (três exemplos <strong>de</strong> livros <strong>que</strong>re<strong>de</strong>finiram Barcelona comoterritório literário, to<strong>do</strong>s disponíveisem Portugal) pedimos humil<strong>de</strong>mente<strong>que</strong>, mesmo ten<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> àclan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, por favor não<strong>de</strong>sistam.P a ulaM orel nwww.teatrosaoluiz.pt91SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640eO 2uttercaas,,MEDIA PARTNERbaum1hCO-PRODUÇÃOs alaprincipalM/3APOIOwww.uguru.netBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTWWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAISJORDI BELVERÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 37


ConcertosPopO samba <strong>que</strong>a bossa temPaula Morelenbaumregressa a Portugal com“Telecoteco”. Nuno PachecoPaula MorelenbaumPaula Morelenbaum recuperaa música <strong>que</strong> os bossa-novistas ouviamPorto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<strong>de</strong> Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. 2ª, 18, às 21h. Tel.: 220120220. 30€.Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº MariaCar<strong>do</strong>so, 38-58. 3ª, 19, às 21h. T 213257650. 15€ a30€.Des<strong>de</strong> <strong>que</strong> gravou “Telecoteco”, em2008, <strong>que</strong> Paula Morelenbaum nãoparou. Lançou “Bossarenova” em2009, grava<strong>do</strong> na Alemanha com aSWR Big Band <strong>de</strong> Estugarda, e está alançar “Água”, com o pianista ecompositor João Donato, nomehistórico da bossa nova. Mas é ainda“Telecoteco” <strong>que</strong> a traz agora aPortugal para <strong>do</strong>is concertos, noPorto (segunda, na Casa da Música) eem Lisboa (terça, no São Luiz).Apesar da onomatopeia <strong>do</strong> título,“Telecoteco” não é um disco <strong>de</strong>bossa, como explica Paula. “O <strong>que</strong>me atrai nesse disco é <strong>que</strong> a únicacoisa <strong>de</strong> bossa nova <strong>que</strong> ele tem é sómesmo a inspiração, por<strong>que</strong> to<strong>do</strong> orepertório é anterior à bossa nova, éuma procura da música <strong>que</strong> setocava no Brasil e <strong>que</strong> os bossanovistasescutavam. Como se fosse araiz da bossa nova.” Que passa pelosamba, como o disco dá a ouvir, aorevisitar temas <strong>de</strong> Murilo Caldas (o<strong>que</strong> dá título ao disco,precisamente), Johnny Alf, Zé Maria,Guinle, ou Dolores Duran. “O disco émuito rico, por<strong>que</strong> resgatacompositores <strong>que</strong> não ficaramfamosos como Tom Jobim ouVinicius <strong>de</strong> Moraes, mas <strong>que</strong> erama<strong>do</strong>ra<strong>do</strong>s pelos bossa-novistas. OTom Jobim amava o Marino Pinto,<strong>que</strong> tem uma música <strong>que</strong> eu cantei,amava o DorivalCaymmi…”. A razão <strong>de</strong>“Telecoteco” chegar agora,<strong>do</strong>is anos <strong>de</strong>pois, é por<strong>que</strong> o discoestá a ser lança<strong>do</strong> no resto daEuropa. No disco, Paula não selimita a recordar velhos sambas.“Quis mostrar o universo da música<strong>de</strong>ssa época, mas ao mesmo tempotransformá-la numa coisacontemporânea, usan<strong>do</strong> samples eelectrónica”. No palco, a atmosferamantém-se, apesar <strong>de</strong> ela viracompanhada apenas por um trio.Que se celebreo rock’n’roll!Lisbon Rock Fest 2010HojeThe Fuzztones + TexabillyRockers + The PoppersAmanhãLos Peyotes + Black Needles+ Tiguana BiblesLisboa. Santiago Alquimista. R. Santiago, 19. Hoje eamanhã, a partir das 21h. Tel.: 218884503.Os Fuzztones vêm comemorar os 30anos <strong>de</strong> carreira a Lisboa, mas nãoOs Fuzztones são cabeças<strong>de</strong> cartaz <strong>do</strong> Lisbon Rock Festenvelheceramumano <strong>que</strong>seja. Po<strong>de</strong>mexibir umpar <strong>de</strong>rugas, masnão seafastaram<strong>do</strong> <strong>que</strong>eram quan<strong>do</strong> nasceram em 1980, naNova Ior<strong>que</strong> <strong>do</strong>s Ramones ou TheCramps. Toda a sua carreira é umahomenagem ao garage rockamericano da década <strong>de</strong> 60,transportan<strong>do</strong> o fuzz das guitarra, osom tremeluzente <strong>do</strong> Farfisa, asbotas Beatle e as “go-go dancers” <strong>do</strong>passa<strong>do</strong> para território punk. Abanda <strong>que</strong> os Damned a<strong>do</strong>ravam écabeça <strong>de</strong> cartaz <strong>do</strong> Lisbon RockFest, hoje e amanhã no SantiagoAlquimista.Esta noite, além <strong>do</strong>s Fuzztones,sobem a palco os Texabilly Rockets,homens <strong>do</strong> rockabilly visto porlentes punk, e os Poppers, <strong>que</strong> nomais recente “Up With Lust” semostraram hábeis cria<strong>do</strong>res <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>o <strong>que</strong> seja mod e, portanto,britânico (<strong>do</strong>s Who aos Small Faces).Amanhã, a noite será <strong>do</strong>minadapor gritos latino-americanos. O <strong>do</strong>streslouca<strong>do</strong>s Los Peyotes, argentinos<strong>que</strong> se inventaram na década <strong>de</strong> 90como viajantes no tempo, e <strong>que</strong> têm“Fuego”, versão <strong>do</strong> “Fire” <strong>de</strong> ArthurBrown, ou “No pue<strong>do</strong> hacerte mia”,versão <strong>de</strong> “I can’t seem to make youmine”, <strong>do</strong>s Seeds, para provar <strong>que</strong>sim, as viagens no tempo sãopossíveis. Mário LopesNovos rituais comos Master Musiciansof BukkakeMaster Musicians of BukkakeLisboa. Galeria Zé <strong>do</strong>s Bois. Rua da Barroca, 59 -Bairro Alto. Dom., 17, às 22h. Tel.: 213430205. 10€.Porto. Passos Manuel. Rua Passos Manuel, 137. 3ª,19, às 22h. Tel.: 222058351. 10€.O Master Musicians surge emreferência aos Master Musicians ofJajouka e à música hipnótica (a maisvelha <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, como escreveuWilliam Burroughs) <strong>que</strong> umalonguíssima dinastia <strong>de</strong> músicospreservou ao longo <strong>do</strong>s séculosnuma al<strong>de</strong>ia marroquina. Bukkake,por sua vez, é termo <strong>que</strong> <strong>de</strong>signa umfetiche sexual japonês, muito emvoga na indústria porno actual (é o<strong>que</strong> diz a wikipedia, <strong>que</strong> nós nãosabemos <strong>de</strong>ssas coisas). Mas fazsenti<strong>do</strong> <strong>que</strong> tenha este nome asuper-banda <strong>que</strong> se estreia emPortugal esta semana (<strong>do</strong>mingo, naGaleria Zé <strong>do</strong>s Bois, em Lisboa; terçano Passos Manuel, no Porto).Reunin<strong>do</strong> membros <strong>do</strong>s Sun CityGirls, <strong>do</strong>s Earth ou <strong>do</strong>s Sunn O))),são Master Musicians pela cadênciaencantatória, quase ritual, damúsica <strong>que</strong> criam, e serão Bukkakepela carga orgástica <strong>que</strong> a músicarevela: movimentos <strong>de</strong> dinâmicalenta, compassada, prolonga<strong>do</strong>s porvários, longos minutos (resumin<strong>do</strong>:sexo tântrico sem Sting por perto).A banda vem apresentar o seuálbum mais recente, “Totem Two”.Mas interessa-nos menos reconhecermomentos específicos da discografia<strong>do</strong> <strong>que</strong> passar pela experiência. OsMaster Musicians of Bukkake sãopo<strong>de</strong>rosa força centrífuga. Ouvem-seflautas resgatadas ao Japão oumantras <strong>de</strong>vocionais a um Krishnaem <strong>que</strong> os músicos certamente nãoacreditam, amalgama<strong>do</strong>s emtecla<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fabrico alemão (o kraut,sempre), planagens psicadélicashard-rock ou imersões no ambientebucólico <strong>de</strong> uma folk sem centro. Abanda apresenta-se como “no age” etambém isso faz senti<strong>do</strong>. Se muitanew age funciona como escapismopara <strong>que</strong>m tem me<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e,AgendaSexta 15Rodrigo Leão + DezMona + TóTrips + Tiago Gomes + MazganiSintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.Francisco Sá Carneiro, a partir das 21h. Tel.:219107110. 5€ a 30€.Paulo PraçaVila <strong>do</strong> Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. JoãoCanavarro, às 22h. Tel.: 252290050. 12,99€.Lloyd Cole Small EnsembleGuimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes eEspectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às 22h. Tel.:253547028. 20€ a 25€.Dirty HonkersPorto. Clube <strong>de</strong> Bridge. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira, 819, às23h. Tel.: 222051861.Emeralds + KosmicdreamBarreiro. Convento da Madre <strong>de</strong> Deus da Ver<strong>de</strong>rena.R. D. Francisca da Azambuja, às 22h. Tel.: 212155371.5€ (dia) a 15€ (passe).Out.Fest 2010.Joe Black + La Chanson NoireLisboa. Maxime. Pç. da Alegria, 58, às 23h30. Tel.:213467090. 8€.Steffen Basho-JunghansLisboa. Galeria Zé <strong>do</strong>s Bois. Rua da Barroca, 59, às23h. Tel.: 213430205. 8€.Piers FacciniEspinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. R. 34, 884, às 21h30.Tel.: 227340469. 15€.ZeligPorto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 22h30. Tel.: 220120220. 10€Sába<strong>do</strong> 16Thomas KönerPorto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,210, às 16h30. Tel.: 226156500The Sons of GodPorto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,210, às 17h35. Tel.: 226156500.Porto. Maus Hábitos. R. Passos Manuel, 178, às0h30. Tel.: 222087268.Lloyd Cole Small EnsembleEstarreja. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong>. R. <strong>do</strong> Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong>Val<strong>de</strong>mouro, às 22h. Tel.: 234811300. 18€ a 25€.Al Di MeolaVila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real. Alameda <strong>de</strong> Grasse, às22h. Tel.: 259320000. 15€ a 20€.Paulo PraçaVila <strong>do</strong> Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. JoãoCanavarro, às 22h. Tel.: 252290050. 12,99€.Tiago Bettencourt + Joan as aPolice Woman + Foge FogeBandi<strong>do</strong> + Mark KozelekSintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç.Dr. Francisco Sá Carneiro, a partir das17h. Tel.: 219107110. 5€ a 25€.O Ouro <strong>do</strong> Reno (Das Rheingold)Direcção Musical <strong>de</strong> James Levine.Encenação <strong>de</strong> Robert Lepage.Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. Av. Berna,45A, às 18h. Tel.: 217823700. 15€.Or<strong>que</strong>stra Sinfónica <strong>do</strong> PortoDirecção Musical <strong>de</strong> Olari Elts.Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 18h. Tel.: 220120220. 16€.Festival Suggia.Domingo 17Artur PizarroPorto. Casa da Música - Sala Suggia.Pç. Mouzinho <strong>de</strong> Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 18h.Tel.: 220120220. 15€.Mayra Andra<strong>de</strong> + HindiZahra + Lloyd Cole SmallEnsembleSintra. Centro Cultural Olga Cadaval.Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro, a partir das 17h. Tel.:219107110. 5€ a 30€.Terça 19Prémio Jovens MúsicosPorto. Casa da Música - Sala 2.Pç. Mouzinho <strong>de</strong> Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 19h30.Tel.: 220120220. 7,5€.Ver texto na pág. 31.The Psyche<strong>de</strong>lic FursLisboa. Coliseu <strong>do</strong>s Recreios. R. Portas St. Antão, 96,às 21h30. Tel.: 213240580. 30€.Lloyd Cole Small EnsembleCoimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.República, às 21h30. Tel.: 239855636. 22€ a 25€.Terry RileyBraga. Theatro Circo - Sala Principal.Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800.12€ a 20€.Joan as a Police Woman38 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


No LuxÉ já hoje <strong>que</strong> se apresentano Lux, em Lisboa, umadas novas co<strong>que</strong>luchesda música electrónica<strong>de</strong> dança, o inglês PeterO’ Grady, ou seja JoyOrbison, <strong>de</strong> apenas 23anos. Revela<strong>do</strong> no anopassa<strong>do</strong> através <strong>de</strong> algunsEPs (com <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> para ofantástico “Hyph Mngo”),misto <strong>de</strong> dinamismoelectrónico, ambientespós-dubstep, elementosvocais pop e uma imensasensação <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> aflutuar no espaço, Orbisonchega a Portugal nomomento certo.Gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> jazz <strong>de</strong> vanguarda actual tem umaligação, directa ou indirecta, a Ken Van<strong>de</strong>rmarkportanto, prefere ouvir o canto dasbaleias num po<strong>de</strong>roso hi-fi enquantoensaia uma posição <strong>de</strong> ioga, esta “noage” <strong>do</strong>s Master Musicians ofBukkake é contemplação <strong>que</strong> nãoignora a violência e a escuridão. O<strong>que</strong>, diga-se, muda tu<strong>do</strong>. M.L.ClássicaA voz <strong>do</strong>barroco<strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> uma bem sucedidacarreira internacional.JazzCatalisa<strong>do</strong>rKen Van<strong>de</strong>rmark naintimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um clube.Rodrigo Ama<strong>do</strong>Ken Van<strong>de</strong>rmark+ Haward Wiik + Chad TaylorSeixal. Fábrica Mun<strong>de</strong>t - Espaço Cultural. Lg. 1º <strong>de</strong>Maio. 4ª, 20, e 5ª, 21, às 23h e às 24h. Tel.:212226413. Entrada gratuita.Seixal Jazz 2010.Ken Van<strong>de</strong>rmark volta a Portugalacompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>isextraordinários músicos: HawardWiik, pianista norueguês <strong>que</strong> ésobretu<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> pela suaparticipação no grupo Atomic, eChad Taylor, baterista <strong>de</strong> Chicago<strong>que</strong> participa em inúmerosprojectos, como os ChicagoUn<strong>de</strong>rground, o grupo SpiritualUnity <strong>de</strong> Marc Ribot ou algumas dasmuitas formações <strong>de</strong> Jeff Parker. Éextraordinário testemunhar apermanente evolução ecrescimento <strong>de</strong> Ken Van<strong>de</strong>rmark,um músico <strong>que</strong> veio mudar porcompleto o rumo <strong>do</strong> jazz mo<strong>de</strong>rno,primeiro ao ajudar a <strong>de</strong>senvolver,em Chicago, uma das cenasmusicais mais vibrantes <strong>do</strong>momento, e <strong>de</strong>pois com a criação<strong>de</strong> fortes ligações entreimprovisa<strong>do</strong>res norte-americanos eeuropeus, particularmente <strong>do</strong>spaíses nórdicos. Se analisarmoscom alguma atenção, éimpressionante o número <strong>de</strong>projectos e instrumentistas na linhada frente <strong>do</strong> jazz <strong>de</strong> vanguardaactual <strong>que</strong> têm origem ou nomínimo uma ligação, directa ouindirecta, a Ken Van<strong>de</strong>rmark.Guillemete Laurens traz umprograma <strong>de</strong> árias <strong>de</strong> corte aLoulé. Cristina Fernan<strong>de</strong>sGuillemette LaurensCom Miguel Yisrael (alaú<strong>de</strong>)Salir. Igreja Matriz. Lg. 25 <strong>de</strong> Abril. Hoje, às 21h30.Tel.: 289400600. Entrada gratuita.XII Encontro <strong>de</strong> Música Antiga<strong>de</strong> Loulé.Nos últimos 30 anos, a meiosopranofrancesa GuillemetteLaurens cantou com as maisnotáveis or<strong>que</strong>stras especializadasna música <strong>do</strong>s séculos XVII e XVIII,<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se a sua intensacolaboração com William Christie eLes Arts Flosissants, agrupamento<strong>que</strong> aju<strong>do</strong>u a fundar em 1979. A suacarreira encontra-se ligada àre<strong>de</strong>scoberta da ópera barroca, com<strong>de</strong>sta<strong>que</strong> para as obras <strong>de</strong>Monteverdi e para o repertóriofrancês. Com mais <strong>de</strong> 40 títulos, asua discografia é impressionante,refletin<strong>do</strong> parcerias artísticas commaestros da estatura <strong>de</strong> PhilippeHerreweghe, Gustav Leonhardt,John Eliot Gardiner, William Christiee René Jacobs.Hoje, às 21h30, apresenta-se naIgreja Matriz <strong>de</strong> Salir com oprograma “Merveilles <strong>de</strong> Cour - árias<strong>de</strong> corte <strong>do</strong> século XVII”. Seráacompanhada pelo alaúdistaportuguês Miguel Yisrael, antigoaluno <strong>de</strong> Hopkinson Smith eQuarta 20The Psyche<strong>de</strong>lic FursPorto. Teatro Sá da Ban<strong>de</strong>ira. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira,108, às 21h30. Tel.: 222003595. 30€.Domingos-António GomesBraga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30.Tel.: 253203800. 8€.Quinta 21Toro Y Moi + Wools + Casal BossPorto. Plano B. R. Cândi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Reis, 30, às 23h.Tel.: 222012500.Josephine Foster + Barn OwlLisboa. Galeria Zé <strong>do</strong>s Bois. Rua da Barroca, 59, às22h. Tel.: 213430205. 8€.Dead Combo & Royal Or<strong>que</strong>stradas CaveirasPorto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 22h. Tel.: 220120220. 15€.Ípsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 39


DiscosAo ouvirmos estes temas, agora, é dificil imaginar<strong>que</strong> tenham si<strong>do</strong> grava<strong>do</strong>s no final <strong>do</strong>s anos 50JazzOrnette!Uma das matrizes essenciaispara to<strong>do</strong> o jazz mo<strong>de</strong>rno.Rodrigo Ama<strong>do</strong>Ornette ColemanToo Much, Too Soon!Fresh Sound, dist. MbarimmmmmReunin<strong>do</strong> em <strong>do</strong>isCD os três primeirosálbuns <strong>de</strong> OrnetteColeman,“Something Else”,“The Shape of JazztoCome” e “Tomorrow is theQuestion!”, este “Too Much,Too Soon!” dá´continuida<strong>de</strong> aumexcelente programa <strong>de</strong>cuidadas reedições leva<strong>do</strong> acabopor Jordi Pujol, patrão daFresh Sound. Incluin<strong>do</strong> ainda <strong>do</strong>istemas retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s álbuns “The Artof the Improvisers” e “Twins”, estacolectânea possui como principaisatractivos o som - cristalino, coloca ocontrabaixo e a bateria naperspectiva correcta -, uma série <strong>de</strong>fotografias inéditas – uma <strong>de</strong>lasmostra Ornette senta<strong>do</strong> numa cerca,no meio <strong>do</strong> campo, com a mala <strong>do</strong>saxofone pousada no chão – e,sobretu<strong>do</strong>, uma série <strong>de</strong> textos -incluin<strong>do</strong> um ensaio <strong>de</strong> CannonballAd<strong>de</strong>rley sobre a música <strong>de</strong> Ornette,um comentário <strong>de</strong> Charles Mingus eas “liner notes” originais <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osdiscos - <strong>que</strong> ajudam a compreen<strong>de</strong>rmelhor a importância <strong>do</strong> saxofonistae a enorme luta <strong>que</strong> travou parapreservar a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ein<strong>de</strong>pendência musical.Ao ouvirmos estes temas, agora, édificil imaginar <strong>que</strong> tenham si<strong>do</strong>grava<strong>do</strong>s no final <strong>do</strong>s anos 50.Poucos músicos têm hoje uma talcapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> congregarmo<strong>de</strong>rnismo, abstracção,forma e elegânciacomo OrnetteColeman e DonCherry fizeramnestes registos.Temas como“The blessing”,“When will theblues leave?”,“Turnaround” ou“Lonely Woman”tornaram-seclássicos apesar daferozaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteperseguição a <strong>que</strong> Ornette e a suamúsica foram sujeitos. BobBrookmeyer, reputa<strong>do</strong> trombonista,compositor e arranja<strong>do</strong>r, encontrousecom Ornette e Cherry nafaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> jazz <strong>de</strong> Lenox e, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> inúmeras noites em <strong>que</strong> tinha <strong>de</strong>ouvir a sua música, tocada noscorre<strong>do</strong>res da escola, gritan<strong>do</strong> pelajanela para afinarem osinstrumentos, <strong>de</strong>cidiu, por isso,aban<strong>do</strong>nar a faculda<strong>de</strong>. No entanto,anos mais tar<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> Ornette semu<strong>do</strong>u para Nova Ior<strong>que</strong>, começoua ir ouvi-lo ao Five Spot,confessan<strong>do</strong> <strong>que</strong> a sua rejeiçãoinicial se tinha <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a umaintolerância com algo <strong>que</strong> não lheera familiar, <strong>que</strong> não compreendiana altura.CaminhocerteiroAo terceiro disco o bateristacontinua a manter o nível.Nuno CatarinoJoão Lencastre’s CommunionSound It OutTone of a Pitch, dist. DargilmmmmnO disco arrancacom uma versão<strong>do</strong>s mal-ama<strong>do</strong>sColdplay, “God puta smile on his face”,<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se aguitarra <strong>de</strong> André Matos e osaxofone <strong>de</strong> David Binney, duo <strong>que</strong>não per<strong>de</strong> o andamento rápi<strong>do</strong>marca<strong>do</strong> por João Lencastre, obaterista, <strong>que</strong> acumula ainda afunção <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r. O grupo consegueinjectar energia na música da banda<strong>de</strong> Chris Martin e isso é à partidaprenúncio muito positivo. Deseguida a música abranda, para maisnova versão, <strong>de</strong>sta vez “Oaxaca”<strong>de</strong>Daniel Lanois, uma toadapaisagística com o trompete te <strong>de</strong>Phil Grenadier em evidência.Segue-se a ornettiana“Happy house”, com ogrupo a entrar nosuníssonos com umaprecisão milimétrica. Asequência <strong>de</strong> versõestermina com “EarlyMinor”, nova <strong>de</strong>scida <strong>de</strong>rotação, <strong>de</strong>sta vez comvariações <strong>de</strong>intensida<strong>de</strong><strong>de</strong>ntro<strong>do</strong>tema (composição original <strong>de</strong> JoeZawinul). Seguem-se <strong>de</strong>pois quatrooriginais, diferentes ambientes <strong>que</strong>funcionam como veículo para aimaginação <strong>do</strong>s solistas - além <strong>do</strong>s járeferi<strong>do</strong>s Matos, Binney e Grenadier,registe-se a presença <strong>de</strong> Ben VanGel<strong>de</strong>r e Jacob Sacks. Confirma-se oacerto <strong>do</strong> baterista, sempre atento ebem acompanha<strong>do</strong> pelo contrabaixo<strong>de</strong> Thomas Morgan, com capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> adaptação a distintas situações efazen<strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s seus varia<strong>do</strong>srecursos.Dos temas <strong>que</strong> compõem asegunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> disco há <strong>que</strong>referir especialmente umaimprovisação a quatro, <strong>que</strong> só pecapela curta duração, e a belíssimabalada “Be my love”, término i<strong>de</strong>alpara o disco (ou para qual<strong>que</strong>rmomento na vida). Depois <strong>do</strong>sóptimos “One!” e “B-Si<strong>de</strong>s”, nesteterceiro disco Lencastre já não seráuma revelação, nem se<strong>que</strong>r umaconfirmação: é uma certeza <strong>que</strong> não<strong>de</strong>ixa dúvidas. Este é o caminho.PopObsessão liberta<strong>do</strong>raMur<strong>de</strong>ring Tripping BluesShare The FireRaging PlanetmmmnnO rock’n’roll <strong>do</strong>sMur<strong>de</strong>ringTripping Bluescontinua a sernegro econvulsivo,perverso e explosivo. Ao segun<strong>do</strong>álbum, nada se alterousignificativamente. Gritam-sepesa<strong>de</strong>los Caveanos (“come into mywaters / let the water choke you”),inventam-se psica<strong>de</strong>lismos <strong>de</strong> ritualíndio guia<strong>do</strong>s por <strong>de</strong>scarga eléctricae ouvem-se blues lamacentosassombra<strong>do</strong>s pelo espírito <strong>de</strong> JimiHendrix e pela carga profana <strong>de</strong> umJeffrey Lee Pierce em busca dare<strong>de</strong>nção (<strong>que</strong> não existe).Ou seja, o espírito <strong>de</strong>stamúsicaé amesma:luxúriaLencastre já não será uma revelação, nem se<strong>que</strong>ruma confirmação: é uma certezaMur<strong>de</strong>ring Tripping Blues:As canções prolongam-se como se o estúdio fosse o espaço<strong>de</strong> tensa liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> palco40 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


enevoada em noite incerta,alimentada pela música pecaminosae barulhenta <strong>que</strong> sai <strong>do</strong> gira-discosno fun<strong>do</strong> da sala (por<strong>que</strong> a luxúria eo culto pela marginalida<strong>de</strong>rock’n’roll são a faúlha <strong>que</strong> espoletaa música da banda). Isso era já o trioMur<strong>de</strong>ring Tripping Blues em“Knocking At Your Back<strong>do</strong>or Music”,o álbum <strong>de</strong> estreia, e isso continua asê-lo neste “Share The Fire”. Adiferença é <strong>que</strong>, agora, são mais – enão falamos apenas <strong>do</strong> saxStoogeano <strong>que</strong> surge nas últimas trêscanções, cortesia <strong>de</strong> Terry Edwards.As canções prolongam-se como seo estúdio fosse o espaço <strong>de</strong> tensaliberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> palco e os riffs, base <strong>de</strong>tu<strong>do</strong>, transfiguram-se, ren<strong>de</strong>m-se aomomento, entrelaçam-se nostecla<strong>do</strong>s e no tom grave e rui<strong>do</strong>so dabateria. A produção acentua oambiente amaldiçoa<strong>do</strong> <strong>que</strong> ariffalhada <strong>de</strong>moníaca cria, <strong>que</strong> ojogo <strong>de</strong> vozes entre o trovejanteHenry Leone Johnson e a esfíngicaMallory Left Eye <strong>de</strong>nuncia, e é comose o espírito das “Desert Sessions”<strong>de</strong> Josh Homme fosse transporta<strong>do</strong>para a serra algarvia on<strong>de</strong> a bandagravou este “Share The Fire”produzi<strong>do</strong> por Boz Boorer(colabora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Morrisey, temocupa<strong>do</strong> as mesmas funções nosúltimos registos <strong>do</strong>s Bunnyranch).A diferença, naturalmente, é <strong>que</strong>as “Desert Sessions” viviam dacolaboração entre os mil músicos<strong>que</strong> Homme reunia no <strong>de</strong>sertoamericano e, eram por isso mesmo,experiência fragmentária. OsMur<strong>de</strong>ring Tripping Blues são três enão se libertam um minuto <strong>que</strong> seja<strong>do</strong> espaço mental <strong>que</strong> habitam. Umaobsessão liberta<strong>do</strong>ra. E um óptimosegun<strong>do</strong> álbum. Mário LopesWyatt/Atzmon/StephenFor The Ghosts Within’Domino, distri. E<strong>de</strong>lmmmmnRobert Wyatt tem uma vozextraordinária,transparente,vulnerável,como se nosconvidasse aentrar <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>la. É fácilperceber cadaanuanceemocional, cadaainflexão vocal,Júlio Pereira <strong>de</strong>sta<strong>de</strong>sta vez contoucom o melhore mais difícilinstrumento<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a vozouvin<strong>do</strong>-o. É isso<strong>que</strong> acontece em“For The GhostsWithin’”, o álbumregista<strong>do</strong> nacompanhia <strong>do</strong>saxofonista Gilad Atzmon e daviolinista Ros Stephen, discoinvulgar no seu percurso, feito <strong>de</strong>recriações <strong>de</strong> clássicos <strong>do</strong> jazz como“What a won<strong>de</strong>rful world”, “In asentimental mood” <strong>de</strong> Duke Elligtonou “Round midnight” <strong>de</strong> TheloniousMonk. Há também composiçõespróprias <strong>do</strong> trio e uma nova versãopara “At last i am free”, original <strong>do</strong>sChic. A música é quase semprejazzística, or<strong>que</strong>stral, luminosa,<strong>do</strong>minada por melodias circulares epelo som <strong>do</strong> saxofone <strong>de</strong> Atzmon,<strong>que</strong> impõem um ambiente sereno ereflexivo. Não se po<strong>de</strong> dizer <strong>que</strong> aexecução instrumental sejaparticularmente inventiva ou <strong>que</strong> osarranjos estejam ao nível <strong>do</strong> seuúltimo <strong>de</strong> originais (“Comicopera”<strong>de</strong> 2007), mas quan<strong>do</strong> no centroestá a voz <strong>de</strong> Wyatt, essasinsuficiências <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> serrelevantes. Vulnerável em “Laura”ou satírico – apesar <strong>de</strong> não oreconhecer – em “What a won<strong>de</strong>rfulworld”, consegue transformar cadacanção num momento <strong>de</strong>intensida<strong>de</strong> emocional. O únicotema <strong>que</strong> <strong>de</strong>stoa no conjunto é“Where are they now?” – <strong>que</strong> temcomo contexto o conflito entre Israele a Palestina – contan<strong>do</strong> com aparticipação pação vocal <strong>de</strong> <strong>do</strong>is cantorespalestinianose possuin<strong>do</strong>umsuporteWyatt: o seu cosmossentimentalcontinua intactosonoro próximo <strong>do</strong> hip-hop, <strong>que</strong>contrasta com a coloração jazzísticadas outras canções. Mas nada <strong>que</strong>faça ruir o cosmos sentimental <strong>de</strong>Wyatt e companhia. VítorBelancianoJúlio PereiraGraffitiJBJ & viceversammmmnTrinta e quatroanos passa<strong>do</strong>ssobre a sua estreiaa solo,precisamente comum disco <strong>de</strong>canções, “Fernandinho Vai aoVinho”, Júlio Pereira volta às cançõesmas <strong>de</strong>sta vez com a vantagem <strong>de</strong> umpercurso riquíssimo em experiênciassonoras. A voz, neste “Graffiti”, émais um instrumento <strong>que</strong> ele “toca”,ao dar às cantoras convidadas o tomnecessário. O <strong>que</strong>, se por um la<strong>do</strong> as“<strong>de</strong>spe” parcialmente <strong>do</strong> seu próprioestilo vocal (o <strong>que</strong> suce<strong>de</strong> com DulcePontes, por exemplo, e comresulta<strong>do</strong>s surpreen<strong>de</strong>ntes), poroutro permite ao disco ostentar umahomegeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>impossível. As canções, todas elascom música <strong>de</strong> Júlio Pereira e letra <strong>de</strong>Tiago Torres da Silva (os <strong>de</strong>senhos daTiago Taron seguem-nos como sefossem, eles próprios, um“instrumento” visual e gráfico), sãoentregues egue com GPS sonoro a SaraTavares,Dulce Pontes, Olga Cerpa,Marisa Liz (<strong>que</strong> assina um <strong>do</strong>sgran<strong>de</strong>s momentos <strong>do</strong> disco),ManuelaAzeve<strong>do</strong>, Nancy Vieira,ManuelaAzeve<strong>do</strong>, Maria João (acanção mais contagiante), SofiaVitória, Filipa Pais (talvez o melhorpoema, numas saias transnacionais)e Luanda Cozetti (com uma letraviva, feitabem à sua medida). E oresulta<strong>do</strong>final, mais <strong>do</strong> <strong>que</strong> àscantoras, <strong>que</strong> têm em geralprestações muito boas, <strong>de</strong>ve-se aoto<strong>que</strong> próprio <strong>de</strong> Júlio Pereira,<strong>que</strong><strong>de</strong>sta vez contou com omelhor e mais difícilinstrumento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, avoz. E multiplica<strong>do</strong> por <strong>de</strong>z.Nuno PachecoÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 41


Teatro/DançaÚltimosdiasTeatroA vida<strong>que</strong> restaAs Comédias <strong>do</strong> Minhofazem por estes dias asúltimas apresentações<strong>de</strong> “Tempo Perdi<strong>do</strong>”,criação <strong>de</strong> Sílvia Realpara a companhia. Oespectáculo, <strong>que</strong> temCom “Dueto para Um”,<strong>de</strong> Tom Kempinski, oEnsemble inicia uma série<strong>de</strong> espectáculos sobre a artee os artistas.Ana Cristina PereiraDueto para UmDe Tom Kempinski. Pelo Ensemble- Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Actores. Encenação<strong>de</strong> Carlos Pimenta. Com EmíliaSilvestre, Jorge Pinto.Porto. Teatro Carlos Alberto. R. das Oliveiras, 43.Até 24/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:223401905. 5€ a 15€.Vemos Stephanie Abrahams (EmíliaSilvestre) chegar na sua ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>rodas e “estacionar” no consultório<strong>do</strong> Dr. Alfred Feldmann (Jorge Pinto).Veio por insistência <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>,David. Ela estava “um boca<strong>do</strong> embaixo” e ele convenceu-se <strong>de</strong> <strong>que</strong> elacarecia <strong>de</strong> “orientação”. A<strong>que</strong>laimagem <strong>de</strong> auto-<strong>do</strong>mínio irá começara <strong>de</strong>smoronar-se – ali, à nossa frente,no Teatro Carlos Alberto – e algo<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>smoronar-secom ela.“Dueto para Um”, <strong>do</strong> inglês TomKempinski, é a primeira <strong>de</strong> umasérie <strong>de</strong> peças sobre arte e artistas<strong>que</strong> o Ensemble – Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Autores preten<strong>de</strong> levar à cena. Nãohá um ciclo na calha, avisa JorgePinto, como <strong>que</strong>m afasta umpensamento mau. Apenas umavonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir trabalhan<strong>do</strong> algumaspeças “<strong>de</strong> autores mais ou menos<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s” <strong>que</strong> se têm<strong>de</strong>bruça<strong>do</strong> sobre essa temática.Esta primeira peça retrata aangústia <strong>de</strong> uma jovem violoncelista,ce<strong>do</strong> consagrada, <strong>de</strong> súbito,apanhada pela esclerose múltipla,uma <strong>do</strong>ença neurológica crónica <strong>que</strong>gera tremores, dificulta movimentos<strong>de</strong> braços e pernas, provoca perda <strong>de</strong>equilíbrio. “É um texto muitotocante”, consi<strong>de</strong>ra Emília Silvestre.roda<strong>do</strong> pelos cincoconcelhos <strong>do</strong> AltoMinho, po<strong>de</strong> ser vistoaté <strong>do</strong>mingo em VilaNova <strong>de</strong> Cerveira edia 21 na Biblioteca<strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Monção.Stephanie Abrahams (Emília Silvestre) <strong>de</strong>smorona-seà nossa frente no consultório <strong>de</strong> um psiquiatraO drama <strong>de</strong> um artista <strong>que</strong>, <strong>de</strong> ummomento para o outro, fica impedi<strong>do</strong><strong>de</strong> exercer a sua arte não é coisasobre a qual Emília Silvestre e JorgePinto nunca tenham reflecti<strong>do</strong>enquanto profissionais darepresentação. “Até <strong>que</strong> ponto damosvalor a pe<strong>que</strong>nas perdasabsolutamente insignificantes?”,<strong>que</strong>stionam-se, perante “a dimensãoda perda” da<strong>que</strong>la mulher.“Po<strong>de</strong>rá Stephanie Abrahamsainda existir na ausência progressiva<strong>de</strong> um corpo <strong>que</strong> lhe impe<strong>de</strong> arealização <strong>do</strong>s actos <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>spela consciência?”, pergunta oencena<strong>do</strong>r Carlos Pimenta. Para ela,tocar violino não é um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida– tocar violino é a própria vida.A personagem, “<strong>de</strong>stilada a partir<strong>de</strong> Jac<strong>que</strong>line du Pré” – umavioloncelista britânica <strong>que</strong>interrompeu a carreira por força <strong>de</strong>uma esclerose múltipla –, vai-secompon<strong>do</strong> ao longo <strong>de</strong> seis intensassessões <strong>de</strong> psiquiatria, sintetiza atradutora Constança CarvalhoHomem, no programa <strong>do</strong>espectáculo. Sempre <strong>de</strong>ntro da<strong>que</strong>lasala, a “narração em diferi<strong>do</strong> da vida<strong>de</strong> Stephanie Abrahams” toma lugar.Talvez com esta estratégia o autorquisesse <strong>que</strong> a primeira pessoa“contaminasse tu<strong>do</strong>: <strong>que</strong> ao falar <strong>do</strong>rasgo, <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> e estimula<strong>do</strong> pelamãe, [Stephanie] nos comovesse;<strong>que</strong> ao falar na obstinação com <strong>que</strong>enfrentou a pe<strong>que</strong>nez <strong>do</strong> pai se nosafirmasse; <strong>que</strong> ao falar <strong>do</strong> dueto <strong>que</strong>primeiro tocou com David nosalvoraçasse. E assim se estabelecessea música como gran<strong>de</strong> móbil.”Carlos Pimenta procura, em cadaespectáculo, ir além <strong>do</strong> texto. E,<strong>de</strong>sta vez, <strong>que</strong>r <strong>que</strong> se veja a perdaprogressiva <strong>do</strong> <strong>que</strong> faz <strong>de</strong> umapessoa uma pessoa. “Não são da<strong>do</strong>sestatísticos. São <strong>do</strong>is sereshumanos”, diz. Um ser humano atravar uma árdua batalha e outro aajudá-lo, ouvin<strong>do</strong>, orientan<strong>do</strong>.Não há escapatória possível neste“Dueto para Um”. Até 24 <strong>de</strong>Outubro, no Teatro Carlos Alberto,apenas <strong>do</strong>is actores a contracenarnum cenário <strong>de</strong>spoja<strong>do</strong>, quaseminimalistas, pensa<strong>do</strong> por JoãoMen<strong>de</strong>s Ribeiro. Só lhes resta,mesmo, jogar um com o outro.JOÃO GUILHERMEaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteAgendaTeatroEstreiamFurlan / Número 8De e com Massimo Furlan.Porto. Estádio <strong>do</strong> Dragão. Al. das Antas. 15/10. 6ª às21h. Tel.: 226156500. 7,5€.Trama - Festival <strong>de</strong> ArtesPerformativas.Ver texto pág. 28 e segs.Haut Cris (Miniature)De Vincent Dupont.Porto. Auditório <strong>de</strong> Serralves. R. D. João <strong>de</strong> Castro.16/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 226156500. 7,5€.Trama - Festival <strong>de</strong> ArtesPerformativas.Love Me Ten<strong>de</strong>rDe e com Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong> Men<strong>de</strong>s eBeatriz Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>.Porto. Hotel Dom Henri<strong>que</strong> - Bar Panorâmico. R.Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, 179. 17/10. Dom. às 15h30. Tel.:226156500. Entrada gratuita.Trama - Festival <strong>de</strong> ArtesPerformativas.Regina Contra a ArteContemporâneaDe e com Paulo Castro e Regina Fiz.Porto. Estúdio Latino. R. Sá da Ban<strong>de</strong>ira, 108. 17/10.Dom. às 18h. Tel.: 226156500. Entrada gratuita.Trama - Festival <strong>de</strong> ArtesPerformativas.O Senhor Puntila e o Seu Cria<strong>do</strong>MattiDe Bertolt Brecht. Pelo TeatroAberto. Encenação <strong>de</strong> JoãoLourenço. Com Miguel Guilherme,Sérgio Praia, entre outros.Lisboa. Teatro Aberto - Sala Azul. Pç. <strong>de</strong> Espanha.Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:213880086. 7,5€ a 15€.Ver texto na pág. 30.Apanha<strong>do</strong>s na Re<strong>de</strong>De Ray Cooney. Encenação <strong>de</strong>Fernan<strong>do</strong> Gomes. Com José PedroGomes, Sónia Aragão, entre outros.Lisboa. Casino Lisboa. Alameda <strong>do</strong>s Oceanos Lote1.03.01 . De 19/10 a 31/12. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às16h30. Tel.: 218929070. 18€ a 22€.ContinuamHeddaDe José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s. PelosArtistas Uni<strong>do</strong>s. Encenação <strong>de</strong> JorgeSilva Melo. Com Maria João Luís,Marco Delga<strong>do</strong>, entre outros.Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº MariaCar<strong>do</strong>so, 38-58. Até 17/10. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às17h30. Tel.: 213257650. 10€ a 20€.Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De20/10 a 24/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:223401910. 3,75€ a 16€.Amor SolúvelDe Carlos Tê. Encenação <strong>de</strong> LuísaPinto. Com Romeu Costa, JoanaManuel, entre outros.Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz - Jardim <strong>de</strong>Inverno. R. Antº Maria Car<strong>do</strong>so, 38-58. De 20/10 a23/10. 4ª a Sáb. às 23h30. Tel.: 213257650.Retratinho <strong>de</strong> Bruce LeeDe Jorge Palinhos. Encenação <strong>de</strong>Luciano Amarelo.Mercês. Centro Comercial Floresta Center. R. JoséDias Coelho, 12-16. De 16/10 a 17/10. Sáb. e Dom. às16h. Tel.: 219177705.O Guardião <strong>do</strong> RioDe Ricar<strong>do</strong> Alves. Pelo Teatro daPalmilha Dentada.Porto. Hard Club. Pr. <strong>do</strong> Infante, 95 . Até 03/12. 2ª,3ª e Dom. às 21h46. 10€.Eu Sou a Minha Própria MulherDe Doug Wright. Pela Seiva Trupe.Encenação <strong>de</strong> João Mota. Com JúlioCar<strong>do</strong>so.Lisboa. Teatro da Comuna. Pç. Espanha. Até 30/10.4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.: 217221770.República/sDe Jorge Louraço Figueira. PeloTeatrão. Encenação <strong>de</strong> MarcoAntónio Rodrigues. Com CláudiaCarvalho, Helena Freitas, entreoutros.Coimbra. Teatrão. R. Pedro Nunes. Até 07/11.4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 19h.Tel.: 239714013. 3. 4€ a 10€.A Morte<strong>de</strong> UmCaixeiroViajanteDe ArthurMiller. PeloTeatroExperimental<strong>do</strong>Porto.Encenação<strong>de</strong>GonçaloAmorim.ComCláudio da Silva, José Brás, entreoutros.Vila Nova <strong>de</strong> Gaia. Auditório <strong>Municipal</strong>. R. <strong>de</strong>Moçambi<strong>que</strong>. Até 17/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às16h. Tel.: 223771820.Dança da MorteDe Ana Zamora. Pelo Teatro daCornucópia. Com Luis MiguelCintra, Sofia Mar<strong>que</strong>s, Elena Rayos.Lisboa. Teatro da Cornucópia. R. Tenente RaúlCascais 1A. Até 17/10. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às17h. Tel.: 213961515. 7,5€ a 15€.O Homem ElefanteDe Bernard Pomerance.Encenação <strong>de</strong> Sandra Faleiro. ComAntónio Fonseca, José Airosa, entreoutros.Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala-Estúdio.Pç. D. Pedro IV. Até 07/11. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.às 16h15. Tel.: 213250835. 6€ a 12€.DançaContinuamA Vida Enorme / La Vie en OrDe Maria Lemos e Teresa Silva.Porto. Teatro Helena Sá e Costa. R. Alegria, 503.17/10. Dom. às 17h. Tel.: 226156500. Entradagratuita.Trama - Festival <strong>de</strong> ArtesPerformativas.SavallianaDe Rui Lopes Graça.Pela Companhia Nacional <strong>de</strong>Baila<strong>do</strong>.Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes<strong>do</strong>s Santos. Dia 16/10. Sáb. às 21h30. Tel.:249839309.Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av. ProfessorEgas Moniz. Dia 15/10. 6ª às 21h30. Tel.: 212739360.O AquiDe Ana Rita Barata.Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.República. Dia 16/10. Sáb. às 21h30. Tel.:239855636.42 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


Cinema“O Pai das Minhas Filhas”:homenagem a Humbert Balsan,produtor <strong>de</strong> cinema <strong>que</strong> estevepor trás <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> EliaSuleiman, Béla Tarr ou Lars vonTrier antes <strong>de</strong> se suicidarFilm à clefUm olhar “<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro”sobre os meandros <strong>de</strong> umaactivida<strong>de</strong> <strong>que</strong> parece estarcada vez mais em “vias <strong>de</strong>extinção”: o cinema.Jorge MourinhaO Pai das Minhas FilhasLe Père <strong>de</strong> Mes EnfantsDe Mia Hansen-Love,com Louis-Do <strong>de</strong> Lenc<strong>que</strong>saing,Chiara Caselli, Alice <strong>de</strong> Lenc<strong>que</strong>saing.M/12MMnnnLisboa: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 18h55, 21h30Apetecia gostar muito - correcção:apetecia gostar mais - <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>filme <strong>de</strong> Mia Hansen-Løve, antigacrítica <strong>do</strong>s “Cahiers du Cinéma”, nãoapenas pela <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>do</strong> seu temacentral como pela ousadia formalcom <strong>que</strong> o trata. “O Pai das MinhasFilhas” é uma espécie <strong>de</strong> “film àclef”, em jeito <strong>de</strong> homenagem aHumbert Balsan, produtor <strong>de</strong>cinema <strong>que</strong> esteve por trás <strong>de</strong> filmes<strong>de</strong> Elia Suleiman, Béla Tarr ou Larsvon Trier antes <strong>de</strong> se suicidarabruptamente, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o meio <strong>do</strong>cinema francês em cho<strong>que</strong>.Balsan <strong>de</strong>veria ter produzi<strong>do</strong> oprimeiro filme <strong>de</strong> Hansen-Løve,“Tout est par<strong>do</strong>nné” (2007, inéditoentre nós), e a cineasta enten<strong>de</strong>uhomenageá-lo pelas portas travessasda ficção. Daí <strong>que</strong> o “herói” seja aquiGrégoire Canvel, produtor “joga<strong>do</strong>r”cujo amor ao cinema o leva à beira<strong>do</strong> abismo, contrapon<strong>do</strong> ao “stress”constante <strong>de</strong> uma profissão semprena corda bamba o idílio <strong>de</strong> uma vidafaciliar longe <strong>de</strong> pacífica ou perfeitamas suficientemente forte pararesistir a tu<strong>do</strong>.Não se trata forçosamente <strong>de</strong><strong>que</strong>rer “estragar” o filme a <strong>que</strong>mainda não o viu, mas a soluçãonarrativa <strong>que</strong> Hansen-Løve escolheupara o dilema central dapersonagem é colocada literalmentea “meio caminho” <strong>do</strong> filme. É,simultaneamente, a sua gran<strong>de</strong> forçae a sua gran<strong>de</strong> fra<strong>que</strong>za: por<strong>que</strong>força um “antes” e um“<strong>de</strong>pois”, umapresença e umaausência <strong>que</strong>equilibram<strong>de</strong> mo<strong>do</strong>As estrelas <strong>do</strong> públicointeligentíssimo o impactoemocional <strong>do</strong> filme; por<strong>que</strong> ChiaraCaselli, na esposa <strong>do</strong> produtor, nãoconsegue nunca dar à suapersonagem a consistêncianecessária para sustentar a segundaparte <strong>do</strong> filme, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>comparada à presença voraz <strong>de</strong>Louis-Do <strong>de</strong> Lenc<strong>que</strong>saing, notávelno papel <strong>do</strong> produtor. Isto torna,literalmente, “O Pai das MinhasFilhas” num jogo <strong>que</strong> emperra numasegunda parte empastelada quan<strong>do</strong>tu<strong>do</strong> indicava <strong>que</strong> o filme iria<strong>de</strong>scolar para outros rumos.E é pena, por<strong>que</strong> há umasensibilida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira no olhar darealiza<strong>do</strong>ra, na atenção <strong>que</strong> dá àspersonagens e aos actores, no mo<strong>do</strong>como dirige actores e encena os seusconfrontos - para lá <strong>do</strong> olharforçosamente “<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro” sobre osmeandros <strong>de</strong> uma activida<strong>de</strong> <strong>que</strong>parece estar cada vez mais em “vias<strong>de</strong> extinção”.É, ainda assim, a prova <strong>de</strong> <strong>que</strong>vale a pena continuar atento aopercurso <strong>de</strong> Mia Hansen-Løve.A Cida<strong>de</strong> + Shoot MeThe TownDe Ben Affleck,com Ben Affleck, Rebecca Hall, JeremyRenner, Jon Hamm, Blake Lively, PetePostlethwaite, Chris Cooper, TitusWelliver, Slaine. M/12MMnnnLisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª15h30, 21h30 Sába<strong>do</strong> Domingo 15h30, 18h15,21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª 2ª3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30 6ª 15h50, 18h40, 21h30,00h20 Sába<strong>do</strong> 12h50, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20Domingo 12h50, 15h50, 18h40, 21h30; Castello Lopes- Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30,00h15; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Cinemax: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h10,22h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 5: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30; CinemaCityAlegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo2ª 3ª 4ª 21h35, 00h25; CinemaCity BelouraShopping: Cinemax: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª4ª 13h30, 16h20, 21h30, 00h20; CinemaCity BelouraShopping: Sala 1: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª4ª 19h05; CinemaCity Campo Pe<strong>que</strong>no Praça <strong>de</strong>Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª13h30, 16h20, 19h10, 22h05; CinemaCity CampoPe<strong>que</strong>no Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 21h35, 00h25; Me<strong>de</strong>ia FonteNova: Sala 3: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª14h20, 16h40, 19h05, 21h45; Me<strong>de</strong>iaMonumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50,00h30; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 8: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h, 21h; UCICinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> 2ª3ª 4ª 14h05, 16h40, 19h15, 22h,00h30 Domingo11h30, 14h05, 16h40, 19h15, 22h, 00h30; UCI DolceVita Tejo: Sala 9: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,16h10, 18h15, 21h20 6ª Sába<strong>do</strong> 13h40, 16h10, 18h15,21h20, 00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong> Alvaláxia: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h20, 21h20,00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong> Amoreiras: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h20, 21h, 24h; ZONLusomun<strong>do</strong> CascaiShopping: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h40, 21h, 00h10; ZONLusomun<strong>do</strong> Colombo: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª3ª 4ª 12h30, 16h40, 21h, 00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong>Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª15h30,18h30, 21h30 6ª Sába<strong>do</strong> 15h30,18h30, 21h30,00h30; 0; ZON Lusomun<strong>do</strong> Oeiras Par<strong>que</strong>: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20,16h30, 21h10, 00h15; ZONLusomun<strong>do</strong> Torres Vedras: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª4ª 13h30, 17h45, 21h,00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong>Vasco daGama: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ªJorgeMourinhaLuís M.OliveiraMárioJ. Torres4ª 13h20, 17h, 21h, 00h05; Castello Lopes - FórumBarreiro: Sala 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30, 21h306ª 15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Sába<strong>do</strong> 12h50,15h40, 18h30, 21h30, 00h10 Domingo 12h50, 15h40,18h30, 21h30; Castello Lopes - Rio SulShopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 18h30,21h0, 00h20 Sába<strong>do</strong> Domingo 12h50, 15h40, 18h30,21h0, 00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong> Almada Fórum: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h10, 21h15,00h25; ZON Lusomun<strong>do</strong> Fórum Montijo: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h15,00h15Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 13h40, 16h15, 19h, 21h45, 00h30 3ª 4ª16h15, 19h, 21h45, 00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong> DolceVascoCâmaraUma Família Mo<strong>de</strong>rna mmnnn nnnnn mmnnn nnnnnA Cida<strong>de</strong> mmnnn nnnnn nnnnn nnnnnO Estrangeiro nnnnn nnnnn nnnnn mmmnnEmbargo mmnnn nnnnn mmnnn nnnnnO Filme <strong>do</strong> Desassossego nnnnn mmmnn mmmmn nnnnnLola mmmmn nnnnn mmmmn mmmmmO Pai das Minhas Filhas mmnnn nnnnn nnnnn nnnnnTamara Drewe mmnnn nnnnn mnnnn mnnnnUniverso Paralelo mmnnn nnnnn nnnnn nnnnnVai com o Vento mmmnn nnnnn mmmnn mmmnn“A Cida<strong>de</strong>”: po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> um “ersatz” proletáriomas honesto <strong>de</strong> Michael Mann fica-se por uma séSÃOLUIZOUT ~1OSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640Vita Porto: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,17h10, 21h10, 00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong>GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40,15h40, 18h40, 21h35 6ª Sába<strong>do</strong> 12h40, 15h40,18h40, 21h35, 00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong>Marshopping: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª12h30, 15h20, 18h30, 21h30, 00h40; ZONLusomun<strong>do</strong> NorteShopping: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 12h20, 15h20, 18h30, 21h40,00h45; ZON Lusomun<strong>do</strong> Par<strong>que</strong> Nascente: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 17h40, 21h10,00h30; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 2ª3ª 4ª 15h40, 18h40, 21h20 6ª 15h40, 18h40, 21h20,24h Sába<strong>do</strong> 13h10, 15h40, 18h40, 21h20, 24hDomingo 13h10, 15h40, 18h40, 21h20; ZONLusomun<strong>do</strong> Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª2O A 23 OUTQUARTA A SÁBADO ÀS 23H30JARDIM DE INVERNO M/12BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTWWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAISsilva!<strong>de</strong>signersÍpsilon • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 43


CinemaaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteFestivalVence<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Leopar<strong>do</strong><strong>de</strong> Ouro no Festival <strong>de</strong>Cinema <strong>de</strong> Locarno,“A History of MutualRespect”, curta realizadapor Gabriel Abrantes eDaniel Schmidt, é agoraseleccionada para acompetição <strong>do</strong> VIENNALE2010, o Festival <strong>de</strong> Cinema<strong>de</strong> Viena. On<strong>de</strong> passa a 3<strong>de</strong> Novembro.“Pan<strong>do</strong>rum”: série B eficiente mas <strong>de</strong>rivativaRUI GAUDÊNCIO4ª 14h20, 17h40, 21h 6ª Sába<strong>do</strong> 14h20, 17h40,21h, 00h20E se Ben Affleck fosse muito maisinteressante como realiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>que</strong>como actor? A <strong>que</strong>stão não éretórica, a julgar por esta suasegunda realização <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Vistapela Última Vez...” (2007),adaptação <strong>de</strong> um romance <strong>de</strong> ChuckHogan em tom <strong>de</strong> policial mo<strong>de</strong>rnosobre um ladrão <strong>de</strong> Boston tenta<strong>do</strong>pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>nar o crimee mudar <strong>de</strong> vida mas acorrenta<strong>do</strong>pelo meio em <strong>que</strong> vive. Affleck é, aomesmo tempo, a força e a fra<strong>que</strong>za<strong>do</strong> filme: enquanto realiza<strong>do</strong>r,<strong>de</strong>fine em três pinceladas umambiente, dirige um bom elenco aoponto em <strong>que</strong> mesmo os papéis maisínfimos têm uma ressonância e umaespessura invulgares, filma as cenas<strong>de</strong> acção <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> nervoso e nadadisto é <strong>de</strong> somenos nestes temposem <strong>que</strong> a maior parte <strong>do</strong>s filmes <strong>de</strong>estúdio tomam os especta<strong>do</strong>res porparvos. O problema, <strong>de</strong>pois, é <strong>que</strong>Affleck-actor não consegue ter agravida<strong>de</strong> <strong>que</strong> o papel exige –parecen<strong>do</strong> <strong>que</strong> não, é capaz <strong>de</strong> seressa a razão pela qual aquilo <strong>que</strong>,com um actor com outra tarimba eoutra presença, po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> um“ersatz” proletário mas honesto <strong>de</strong>Michael Mann se fica por uma sérieB cumpri<strong>do</strong>ra e anónima. “ACida<strong>de</strong>” estreia acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong>“Shoot Me”, curta portuguesa <strong>de</strong>André Badalo <strong>que</strong> não passa daane<strong>do</strong>ta empolada. J. M.Universo ParaleloPan<strong>do</strong>rumDe Christian Alvart,com Dennis Quaid, Ben Foster, CamGigan<strong>de</strong>t, Antje Traue, Cung Le,Eddie Rouse, Norman Reedus, AndréM. Hennicke. M/16MMnnnLisboa: UCI Dolce Vita Tejo: Sala 8: 5ª Domingo 2ª3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sába<strong>do</strong> 14h, 16h30,19h, 21h30, 00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong> Alvaláxia: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 15h55, 18h30,21h15, 23h50; ZON Lusomun<strong>do</strong> Colombo: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h20,21h, 23h40; ZON Lusomun<strong>do</strong> Almada Fórum: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h15,21h, 00h05Porto: Arrábida 20: Sala 10: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 13h55, 16h25, 19h05, 21h45, 00h35 3ª4ª 16h25, 19h05, 21h45, 00h35; Vivacine -Maia: Sala 4: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª13h50, 16h20, 18h50, 21h30, 24h; ZON Lusomun<strong>do</strong>GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h,18h30, 21h30 6ª Sába<strong>do</strong> 13h30, 16h, 18h30, 21h30,24h; ZON Lusomun<strong>do</strong> Marshopping: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h10,24h; ZON Lusomun<strong>do</strong> Par<strong>que</strong> Nascente: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40,21h40, 00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong> Fórum Aveiro: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h, 21h20 6ªSába<strong>do</strong> 14h10, 16h40, 19h, 21h20, 23h40Tomem atenção ao nome: Foster,Ben Foster. Aguentou-se à broncacom Russell Crowe e Christian Baleem “O Comboio das 3.10”; aguentouseà bronca com Woody Harrelsonem “O Mensageiro”; agora, é ele <strong>que</strong>aguenta aos ombros este esforço<strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong> mas <strong>de</strong>sorientante<strong>do</strong> alemão Christian Alvart nosterrenos <strong>do</strong> terror e da ficçãocientífica. Foster é um astronauta<strong>que</strong> dá por si numa gigantesca naveespacial <strong>que</strong> é a última esperança dahumanida<strong>de</strong>, transportan<strong>do</strong>milhares <strong>de</strong> passageiros emhibernação para longe <strong>de</strong> uma Terramoribunda a fim <strong>de</strong> recomeçar acivilização num planeta habitável,mas on<strong>de</strong> algo terá corri<strong>do</strong> muitomal para haver mutantes canibais apercorrer os corre<strong>do</strong>res. Alvart geresuperiormente a <strong>de</strong>sorientaçãocriada pela notável cenografiaindustrial-claustrofóbica <strong>de</strong> RichardBridgland, mas não consegue evitaro <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong> “Pan<strong>do</strong>rum” emdirecção ao “gore” <strong>que</strong> recicla i<strong>de</strong>ias<strong>de</strong> filmes anteriores e melhores(“Alien”, mais uma vez, mas também“O Enigma <strong>do</strong> Horizonte” ou “ADescida”) num enquadramento<strong>de</strong>masia<strong>do</strong> próximo <strong>do</strong> vi<strong>de</strong>o-jogo. O<strong>que</strong> o separa da concorrência, e o<strong>que</strong> o salva, é a perícia <strong>de</strong> Alvart naconstrução <strong>de</strong> atmosferas (é <strong>do</strong>sfilmes mais <strong>de</strong>sconfortáveis <strong>que</strong>vimos recentemente) e a urgência<strong>que</strong> o propulsiona para a frente – e apresença <strong>de</strong> Ben Foster, capaz <strong>de</strong>sozinho justificar toda a atençãopara uma série B eficiente mas<strong>de</strong>rivativa. J. M.ContinuamUma Família Mo<strong>de</strong>rnaMine VagantiDe Ferzan Ozpetek,com Riccar<strong>do</strong> Scamarcio, NicoleGrimau<strong>do</strong>, Alessandro Preziosi. M/12MMnnnLisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª3ª 4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40,00h10 Sába<strong>do</strong> 13h10, 16h, 18h50, 21h40, 00h10Domingo 13h10, 16h, 18h50, 21h40; Me<strong>de</strong>iaSaldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h30, 17h40,19h50,22h00, 00h10; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala14: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10,21h40, 00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h10,21h40, 00h10Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 13h55, 16h20, 18h55, 21h35, 00h15 3ª4ª 16h20, 18h55, 21h35, 00h15O problema <strong>de</strong> “Uma FamíliaMo<strong>de</strong>rna” não passa pelo argumento“Uma Família Mo<strong>de</strong>rna”:não é Dino Risi ou Mario Monicelli<strong>que</strong>m <strong>que</strong>r<strong>que</strong>, sem inovar, parece encaixar-secom elegância na “comédia àitaliana” <strong>do</strong>s tempos áureos, alguresentre a crónica familiar e o “gag”acumulativo e estereotipa<strong>do</strong>. Oproblema resi<strong>de</strong> no facto <strong>de</strong>Oztepek, um tarefeiro bemintenciona<strong>do</strong>, não possuir os <strong>do</strong>tespara articular as peripécias <strong>que</strong>acumula: não é Dino Risi ou MarioMonicelli <strong>que</strong>m <strong>que</strong>r e o realiza<strong>do</strong>r,embora revelan<strong>do</strong> uma razoávelcapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “mise-en-scène”, ficasepelo la<strong>do</strong> mais superficial dahistória <strong>do</strong> filho homossexual <strong>que</strong><strong>de</strong>ci<strong>de</strong> “sair <strong>do</strong> armário”, semconstruir personagens credíveis.Mário Jorge TorresComer Orar AmarEat Pray LoveDe Ryan Murphy,com Julia Roberts, Javier Bar<strong>de</strong>m.M/12MMnnnLisboa: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª15h45, 21h45 Sába<strong>do</strong> Domingo 15h45, 18h30,21h45; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h20 6ª 15h30, 18h20, 21h20,00h05 Sába<strong>do</strong> 12h40, 15h30, 18h20, 21h20, 00h05Domingo 12h40, 15h30, 18h20, 21h20; Castello Lopes- Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo2ª 3ª 4ª 13h, 15h45, 18h30, 21h20,00h10; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h,21h45, 00h30; CinemaCity Beloura Shopping: Sala2: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15,19h, 21h45, 00h30; CinemaCity Campo Pe<strong>que</strong>noPraça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo2ª 3ª 4ª 13h35, 16h15, 19h, 21h45,00h30; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h, 21h40 6ªSába<strong>do</strong> 13h30, 16h15, 19h, 21h40, 00h20; Me<strong>de</strong>iaFonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª4ª 14h10 16h50, 19h25, 22h; Me<strong>de</strong>ia SaldanhaResi<strong>de</strong>nce: Sala 7: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª4ª 14h00, 16h40, 19h15, 21h50, 00h30; UCI Cinemas- El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> 2ª 3ª 4ª14h, 16h35, 19h10, 21h50, 00h25 Domingo 11h30,14h, 16h35, 19h10, 21h50, 00h25; UCI Dolce VitaTejo: Sala 10: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20,19h, 21h40 6ª Sába<strong>do</strong> 13h45, 16h20, 19h, 21h40,00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong> Alvaláxia: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h30,00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong> Amoreiras: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h20,00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong> CascaiShopping: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 21h10,00h15; ZON Lusomun<strong>do</strong> Colombo: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h10, 00h10; ZONLusomun<strong>do</strong> Dolce Vita Miraflores: 5ª Domingo 2ª3ª 4ª 15h, 18h, 21h 6ª Sába<strong>do</strong> 15h, 18h, 21h,24h; ZON Lusomun<strong>do</strong> Odivelas Par<strong>que</strong>: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h 6ª Sába<strong>do</strong> 15h,18h, 21h, 00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong> Oeiras Par<strong>que</strong>: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h30, 18h30,21h30, 00h30; ZON Lusomun<strong>do</strong> Torres Vedras: 5ª6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 18h, 21h15,00h20; ZON Lusomun<strong>do</strong> Vasco da Gama: 5ª 6ªSába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30, 21h10,00h15; Algarcine - Sines : Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª4ª 15h30, 18h, 21h30 6ª Sába<strong>do</strong> 15h30, 18h, 21h30,24h; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª 2ª3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h10 6ª 15h30, 18h20, 21h10,24h Sába<strong>do</strong> 12h40, 15h30, 18h20, 21h10, 24hDomingo 12h40, 15h30, 18h20, 21h10; Castello Lopes- Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,18h20, 21h20, 00h10 Sába<strong>do</strong> Domingo 12h40,15h30, 18h20, 21h20, 00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong>Almada Fórum: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª13h25, 18h, 21h, 00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong> FórumMontijo: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,17h, 21h, 00h05Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 13h50, 16h30, 19h20, 22h10, 00h50 3ª4ª 16h30, 19h20, 22h10, 00h50; ZON Lusomun<strong>do</strong>Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª12h20, 15h20, 18h20, 21h20, 00h25; ZONLusomun<strong>do</strong> Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª15h, 18h, 21h10 6ª Sába<strong>do</strong> 15h, 18h, 21h10,00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong> GaiaShopping: 5ªDomingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h05, 18h55, 21h45 6ªSába<strong>do</strong> 13h10, 16h05, 18h55, 21h45, 00h35; ZONLusomun<strong>do</strong> Marshopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h30,17h30, 21h20, 00h10 Sába<strong>do</strong> Domingo 11h, 14h30,17h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomun<strong>do</strong>NorteShopping: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª 3ª 4ª12h40, 15h40, 18h40, 21h50, 00h50; ZONLusomun<strong>do</strong> Par<strong>que</strong> Nascente: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong>Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h20, 18h20, 21h30,00h25; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 2: 5ª 2ª3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h10 6ª 15h30, 18h20, 21h10,23h50 Sába<strong>do</strong> 12h50, 15h30, 18h20, 21h10, 23h50Domingo 12h50, 15h30, 18h20, 21h10; ZONLusomun<strong>do</strong> Glicínias: 5ª 6ª Sába<strong>do</strong> Domingo 2ª3ª 4ª 14h30, 17h35, 21h10, 00h15No tempo em <strong>que</strong> as estrelasabundavam, existia um conceito <strong>que</strong><strong>de</strong>sapareceu <strong>do</strong> vocabulário <strong>do</strong>sespecta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> cinema, o <strong>de</strong>veículo: ia-se a um filme da Garbo,da Marlene, da Ava Gardner, daAudrey Hepburn, para as ver. Hojepoucas figuras restam <strong>que</strong> nosobriguem a fre<strong>que</strong>ntar o cinemapara partilhar <strong>de</strong>ssa estranhacomunhão entre a câmara, a luz eum rosto transfigura<strong>do</strong> emcelulói<strong>de</strong>. “Comer Orar Amar” éisso: um veículo feito para admirarJulia Roberts, o seu sorrisomisterioso, a sua boca sensual, osseus olhos gran<strong>de</strong>s e ilumina<strong>do</strong>s.Pouco interessa <strong>que</strong> o filme seja<strong>de</strong>scosi<strong>do</strong>, <strong>que</strong> a personagem<strong>de</strong>ambule por lugares estranhos embusca <strong>de</strong> beleza ou exotismo. Só elaconta, em Roma ou em Bali, naCochinchina ou em Noting Hill. Épouco? Talvez, mas chega paracontentar os fãs <strong>de</strong> uma das rarasestrelas <strong>de</strong> uma arte <strong>que</strong> já existiupara as fazer brilhar. Se <strong>que</strong>r umgran<strong>de</strong> filme, não vá. Se gosta daRoberts, não perca. M.J.T.44 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


ExposiçõesAGENDA CULTURAL FNACentrada livreEXPOSIÇÃOOS POSTAIS DAPRIMEIRA REPÚBLICA04.10. - 07.11.2010 FNAC CHIADOTo<strong>do</strong>s os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.ptÀ beira daexaustão semser exaustivaOs equívocos e as qualida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma exposição concebidapara celebrar a Repúblicae pensar as relações entrea arte e a politica. JoséMarmeleiraRes Publica - 1910 e 2010 Face aFaceDe Adriano <strong>de</strong> Sousa Lopes, ÂngelaFerreira, Armanda Duarte, BruceNauman, Eurico Lino <strong>do</strong> Vale, NunoMaya, Gabriel Orozco, GuillermoKuitca, Joana Vasconcelos, RodrigoOliveira, entre outros.Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Tel.: 217823700. De 07/10 a16/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.Pintura, Fotografia, Ví<strong>de</strong>o, Outros.mmnnnDezembro ainda não chegou, mas éseguro dizer <strong>que</strong> em Portugal 2010está a ser um ano <strong>de</strong> exposições sobrearte e política e temas aparenta<strong>do</strong>s (opovo, o dinheiro, “o social”), situaçãopouco imaginável há cinco, <strong>de</strong>z ou 15anos atrás. Reflexo inevitável <strong>do</strong>contexto (da arte)? Senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong> das instituições?Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> antecipar as curvas <strong>que</strong> opresente <strong>de</strong>senha to<strong>do</strong>s os dias?No caso <strong>de</strong> “Res Publica – 1910 e2010 Face a Face”, patente nos pisos0 e 01 da se<strong>de</strong> da FundaçãoGulbenkian e no jardim, a causa éperfeitamente i<strong>de</strong>ntificável: ascomemorações <strong>do</strong> Centenário daRepública. Este foi o tema <strong>que</strong> arespectiva Comissão Nacional propôsà instituição e com o qualtrabalharam as comissárias LeonorNazaré e, numa primeira fase, antes<strong>de</strong> assumir a direcção da Casa dasHistórias, Helena <strong>de</strong> Freitas.A exposição conta com mais <strong>de</strong> 60EmParisAs fotografias <strong>de</strong> Paulo Catrica são um <strong>do</strong>s momentosmais claros <strong>de</strong> uma exposição <strong>que</strong>, por causada sua ambição, <strong>de</strong>ixa o especta<strong>do</strong>r perdi<strong>do</strong>A portuguesa JoanaVasconcelos inauguraamanhã, em Paris, umaexposição concebidaespecificamente para oespaço da Galerie NathalieObadia. “Loft” convocaartistas, com pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>snacionais, e procura confrontar otempo da implantação e daconsolidação <strong>do</strong> regime republicanocom o nosso. Para tal constituíram-sesete núcleos, cada qual geran<strong>do</strong> umamiría<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas (a ban<strong>de</strong>ira, o hino,a educação, a laicida<strong>de</strong>, o homemnovo) <strong>que</strong> ora amarram as obras aomotivo original, ora remetemlivremente para a história social epolítica, bem como para certas<strong>que</strong>stões especificas da artecontemporânea.É uma exposição ambiciosa <strong>que</strong>,talvez por isso mesmo, cai emequívocos. Logo à entrada, ce<strong>de</strong> ao“espectacular” com o ví<strong>de</strong>o “LaLiberté Raisonnée” (2009), da artistaespanhola Cristina Lucas, umaanimação pueril e luxuosa <strong>do</strong> quadro“A Liberda<strong>de</strong> Guian<strong>do</strong> o Povo” (1830),<strong>de</strong> Eugène Delacroix. Depoisorganiza-se sobre um eclectismovisual e artístico (arte popular,fotografia <strong>do</strong>cumental, ilustração,escultura, pintura, ví<strong>de</strong>o, <strong>de</strong>senho,instalação) <strong>que</strong> até seria saudável,não fosse a intimida<strong>de</strong> a <strong>que</strong> sujeitaas obras (a peça <strong>de</strong> Ângela Ferreira“cercada” <strong>de</strong> ilustrações e caricaturaspolíticas) ou a voragem <strong>que</strong> impõe –<strong>de</strong> formas, imagens, assuntos –,prejudican<strong>do</strong> a experiência <strong>de</strong>propostas <strong>de</strong>terminadas pelaeconomia ou a solidão <strong>do</strong>s objectos(as esculturas <strong>de</strong> Bruce Nauman ou<strong>de</strong> Armanda Duarte). São assimalgumas exposições temáticas,sobretu<strong>do</strong> as generosas: não <strong>que</strong>remser exaustivas, mas <strong>de</strong>ixam oespecta<strong>do</strong>r à beira da exaustão,confuso, perdi<strong>do</strong>.Alguns momentos permitem,todavia, reencontrar um caminho.Criam um corte <strong>que</strong> ilumina, <strong>que</strong><strong>de</strong>senha percursos. As fotografias <strong>de</strong>escolas, ginásios, pátios e liceusvazios <strong>de</strong> Paulo Catrica realizadasem 1999. A âncora feita <strong>de</strong> sal <strong>de</strong>“Mar Salga<strong>do</strong>” (2006), <strong>de</strong> João PedroVale. Os fantasmas <strong>que</strong> José LuísNeto revela nas suas fotografias dasérie “22474” (2000) la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> comas imagens <strong>que</strong> Joshua Benoliel fixou<strong>do</strong>s presidiários na penitenciária <strong>de</strong>Lisboa em 1913. E as sombrias eaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteAgendaInauguramfragmentos <strong>de</strong> estruturasarquitectónicas,<strong>de</strong> equipamentos<strong>do</strong>mésticos (chuveiros,polibãs, condutas <strong>de</strong>ar, fios eléctricos)e <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong>Falemos <strong>de</strong> Casas: Quan<strong>do</strong> aArte Fala <strong>de</strong> Arquitectura[Construir, Desconstruir,Habitar]Lisboa. MNAC - Museu <strong>do</strong> Chia<strong>do</strong>. R. Serpa Pinto, 4.Tel.: 213432148. De 15/10 a 21/11. 3ª a Dom. das 10hàs 18h.Trienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa.Arquitectura, Outros.Ver texto na pág. 16 e segs.Falemos <strong>de</strong> Casas: Projecto Covada MouraLisboa. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Av. - Ed. CentralTejo. Tel.: 210028120. De 16/10 a 16/01. 3ª a Dom.das 10h às 18h.Trienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa.Arquitectura, Outros.Ver texto na pág. 16 e segs.A House in Luanda: Patio andPavillionLisboa. Museu da Electricida<strong>de</strong>. Av. Brasília - Ed.Central Tejo. Tel.: 210028120. De 16/10 a 16/01. 3ª aDom. das 10h às 18h.Trienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa.Arquitectura, Outros.Ver texto na pág. 16 e segs.SilvaeDe João Queiroz.Lisboa. Culturgest. R. Arco <strong>do</strong> Cego - Ed. da CGD.Tel.: 217905155. De 15/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das11h às 19h. Sáb., Dom. e Feria<strong>do</strong>s das 14h às 20h.Inaugura 15/10 às 22h.Pintura, Desenho.Ver texto na pág. 26 e segs.Wall PieceDe Gary Hill.Lisboa. MNAC - Museu <strong>do</strong> Chia<strong>do</strong>. R. Serpa Pinto, 4.Tel.: 213432148. De 15/10 a 21/11. 3ª a Dom. das 10hàs 18h.Festival Temps d’ Images 2010.Instalação.MemóriasTopográficasDe DinizConefrey.Porto. Galeria Mun<strong>do</strong>Fantasma. ShoppingCenter Brasília, 267 - 1ºAndar, Loja 509/510.Tel.: 226091460. De16/10 a 14/11. 2ª a Dom.das 10h às 23h.Ilustração.UmaDe Cristina Lamas.Lisboa. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.: 213880381.De 16/10 a 19/11. 2ª a 6ª das 11h às 20h. Inaugura16/10 às 15h.Pintura.ContinuamFalemos <strong>de</strong> Casas: Entre o Nortee o SulLisboa. Museu Colecção Berar<strong>do</strong>. Pç. <strong>do</strong> Império -CCB. Tel.: 213612878. De 14/10 a 16/01. Sáb. das 10hextraordinárias ilustrações <strong>de</strong>Adriano <strong>de</strong> Sousa Lopes antes <strong>de</strong>entrarmos na paisagem <strong>de</strong> “Verdun”(2003), o ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Daniel Barroca(<strong>que</strong> a cada visionamento ganhanovo fulgor).Por fim, vale a pena apontarausências (artistas como JoãoTabarra, Miguel Palma, Fernan<strong>do</strong>Brito ou Paulo Men<strong>de</strong>s podiam, comimaginação, ter figura<strong>do</strong> em “Resconstrução para simularas diferentes divisões <strong>do</strong>lar (mas <strong>de</strong> um larhitchcockiano). Aexposição po<strong>de</strong>ser vista até 18 <strong>de</strong>Dezembro.às 22h. 2ª a Dom. das 10h às 19h.Trienal <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa.Arquitectura, Outros.Ver texto na pág. 16 e segs.Os ProfessoresDe Álvaro Lapa, Ângela Ferreira,Eduar<strong>do</strong> Batarda, entre outros.Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azere<strong>do</strong>Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.De 13/10 a 02/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.Pintura, Escultura, Outros.Fragmentos - ArteContemporânea na ColecçãoBerar<strong>do</strong>Elvas. Museu <strong>de</strong> Arte Contemporânea. R. daCa<strong>de</strong>ia. Tel.: 268637150. Até 23/01. 3ª das 14h30 às18h. 4ª a Dom. das 10h às 18h.Instalação, Outros.Victor Willing: UmaRetrospectivaCascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. daRepública, 300. Tel.: 214826970. Até 02/01. 2ª aDom. das 10h às 20h.Pintura.Paula Rego Anos 70 - ContosPopulares e Outras HistóriasCascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. daRepública, 300. Tel.: 214826970. Até 16/01. 2ª aDom. das 10h às 20h.Pintura, Desenho.WARHOL TVDe Andy Warhol.Lisboa. Museu Colecção Berar<strong>do</strong>. Pç. <strong>do</strong> Império -CCB. Tel.: 213612878. Até 17/10. Sáb. das 10h às 22h.2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h.Fotografia,Pintura, Ví<strong>de</strong>o,Som, Outros.There is noWorld WhenThere is noMirrorDe Ana Rito.Lisboa. Carpe DiemArte e Pesquisa. R. <strong>de</strong>O Século, 79. De 08/10a 18/12. 4ª a Sáb. das14h às 20h.Festival Tempsd’ Images 2010.Instalação.VestígioLisboa. Pavilhão 27 - Hospital Júlio <strong>de</strong> Matos. Av.Brasil, 53. Tel.: 217801463. De 08/10 a 22/10. 2ª a 6ªdas 09h às 17h.Outros.Julian OpieBraga. Galeria Mário Se<strong>que</strong>ira - Parada <strong>de</strong> Tibães.Quinta da Igreja (Parada <strong>de</strong> Tibães). Tel.:253602550. De 09/10 a 29/01. 2ª a 6ª das 10h às19h. Sáb. das 15h às 19h.Pintura, Escultura, Outros.Publica – 1910 e 2010 Face a Face”),confirmações (os ví<strong>de</strong>os e asfotografias <strong>de</strong> Susana Gaudêncio) e<strong>de</strong>scobertas: a instalação sonora <strong>de</strong>Susan Philipsz (nomeada para oPrémio Turner 2010). Algures nojardim, das árvores, dá-nos a ouvir amelodia <strong>do</strong> <strong>que</strong> parece ser umacanção folk inglesa. E o som, apaisagem e a memória criam umlugar liberto <strong>de</strong> comemorações.46 • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • Ípsilon


SÃOLUIZSET / OUT ~ 1Owww.teatrosaoluiz.pt<strong>de</strong>José Maria Vieira Men<strong>de</strong>sCOMMARIA JOÃO LUÍSMARCO DELGADOANTÓNIO PEDRO CERDEIRALIA GAMACÂNDIDO FERREIRARITA BRÜTT16 SETA 17 OUTQUARTA A SÁBADO ÀS 21H00DOMINGO ÀS 17H30SALA PRINCIPAL / M/16TEXTOJOSÉ MARIA VIEIRA MENDESA PARTIR DE “HEDDA GABLER” DE HENRIK IBSENENCENAÇÃOJORGE SILVA MELOCENOGRAFIA E FIGURINOSRITA LOPES ALVESDESENHO DE LUZPEDRO DOMINGOSASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃOJOÃO MIGUEL RODRIGUESCO-PRODUÇÃOSLTM ~ ARTISTAS UNIDOSBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTWWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAIS© jorge gonçalvesSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640OS ARTISTAS UNIDOSSÃO UMA ESTRUTURAFINANCIADA PORapresentaANTES DE SER// ESPECTÁCULOS_21 E 22 DE OUTUBRO | 21H00// ENSAIOS ABERTOS AO PÚBLICO_11 A 20 DE OUTUBRO | 12H00 – 15H30/// ENTRADA LIVRE LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALAProgramação e produção// MORADAPraça Marquês <strong>de</strong> Pombalnº3, 1250-161 Lisboa// TELEFONE21 359 73 58// HORÁRIOSegunda a Sextadas 9h às 21h// EMAILbesarte.financa@bes.ptARENACarla Filipe | João Tengarrinha | Paulo BrighentiCura<strong>do</strong>ria: Filipa OliveiraExposição: 7 <strong>de</strong> Julho até 16 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2010Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sába<strong>do</strong>, das 15h às 20hPor ocasião da exposição será publica<strong>do</strong> um catálogo, co-edição fcc / assírio & alvimCiclo <strong>de</strong> conversas:Filipa Oliveira – dia 25 <strong>de</strong> Setembro (sába<strong>do</strong>) às 17h00José Carlos Pereira – dia 2 <strong>de</strong> Outubro (sába<strong>do</strong>) às 17h00George Stolz – dia 16 <strong>de</strong> Outubro (sába<strong>do</strong>) às 17h00fundação carmona e costaEdifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> Lisboa)Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.ºD, 1600-196 Lisboa(Bairro <strong>do</strong> Rego / Bairro Santos)Tel. 217 803 003 / 4www.fundacaocarmonaecosta.ptMetro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha / Cida<strong>de</strong> UniversitáriaAutocarro: 31

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